19abr 2017
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La Traviata de Belo Horizonte

A Fundação Clóvis Salgado (para quem não conhece os meandros da vida cultural de Belo Horizonte, é a fundação que gerencia o maior teatro da capital mineira, o Palácio das Artes) programou para a comemoração de seus 40 anos uma apresentação da Traviata de Giuseppe Verdi. Esta foi a terceira ou quarta apresentação desta ópera na história recente da fundação e muitos viram  tal decisão como um passo atrás na cena cultural de Belo Horizonte.

Os últimos quatro anos foram de uma grande agitação no cenário musical da cidade, uma orquestra foi criada e tivemos apresentação de óperas como O Castelo de Barba Azul, Pelléas et Mélisande, Macbeth, A Flauta Mágica, Aìda, A Menina das Nuvens (Villa-Lobos), Erwartung e teve mais, só não lembro exatamente dos títulos. O anúncio para este ano apenas dessa Traviata e sem a participação da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais (a orquestra top da cidade) foi desanimador, alguma coisa aconteceu que desandou o projeto que vinha ganhando ímpeto nos últimos anos.

E não apenas a diminuição do número de óperas, aconteceu também a escolha de um repertório extremamente batido, ao contrário das escolhas inteligentes dos anos anteriores que desanimou ainda mais. Estávamos prontos para voltar ao status quo de anos atrás quando tínhamos pouco e de baixa qualidade.

Eu mesmo não tomei com muita empolgação o anúncio e só resolvi ir assistir no último dia e na última hora quando minha professora de piano me deu os convites dela, faltando literalmente uma hora para o começo da ópera (mais sobre isso no final). Assim, sem esperar muita coisa que eu rumei para o Palácio das Artes.

Eu vi o segundo elenco, com Elizeth Gomes como a Transviada do título, Marcos Paulo como o jovem Germont e Luiz Gaeta como seu pai. A montagem foi assinada pelo italiano Marco Corradi e a direção da orquestra foi de Roberto Tibiriçá.

Vocalmente, a Traviata de Elizeth Gomes peca pela pouca agilidade de sua voz, o que prejudicou seu primeiro ato, quando Violetta ainda é a jovem cortesã inconseqüente do título. A falta de agilidade foi um problema até para ela acompanhar a orquestra, mesmo a ária foi ritmicamente complicada e a famosíssima cabaletta esquecível, ainda que as notas (apenas as escritas, seja frisado) estivessem lá, o que atrapalhou um pouco. Para o resto da ópera, entretanto, ela saiu-se muito bem, com exceção da escorregadela na pronúncia no finalzinho da ópera.

Marcos Paulo é um tenor regular, seu timbre é razoavelmente bonito, mas tem problemas sérios de afinação, o que atrapalha todo o seu conjunto. Ficava bem destacado nos duetos como o outro cantor se destacava e ele desafinava feio da música. Além disso, sua voz nos graves desaparecia completamente a ponto de eu suspeitar que ele tenha simplesmente pulado algumas notas. Luiz Gaeta apresentou problemas semelhantes, a voz é muito opaca e os dois cantores foram facilmente ofuscados pela Traviata. Nota negativa ainda para os comprimários que desafinavam, berravam, erraram entradas a torto e direito.

A regência de Tibiriçá foi, no geral, com tempi bastante lentos. Isso pode agradar, mas penso que atrapalhou um pouco o geral. Em especial os dois prelúdios foram feitos com tempos demasiado lentos, o que atrapalhou mesmo a auto-referência que os dois temas fazem dentro da ópera quando são repetidos no segundo e no quarto atos. A orquestra apresentou o tradicional problema de afinação das cordas, o que foi bastante incômodo, visto que em momentos-chave a partitura pede uníssonos e na vida real saía uma segunda menor…

A montagem foi bastante mediana, os cenários do primeiro ato estavam até bonitos, com uma referência à decoração imperial bastante interessante (embora os figurinos não seguissem essa referência…), mas no meio do ato, no dueto entre Violetta e Alfredo, tinha dois casais dançando  valsa (!) e quando o metro mudava para binário o casal continuava dançando valsa… Outra gratuidade esquisitíssima foi a morte de Violetta, em que ela levanta da cama em direção “à luz” e deita tipo numa cama do IML com os personagens do terceiro ato parados em volta – reprisando um momento que apareceu no começo do prelúdio –, ficou bastante brega.

Então, no geral, foi uma Traviata bastante comum. Não chegou a ser o naufrágio que eu antecipava, mas diante da qualidade do Macbeth do ano passado, do Pelleas do ano anterior, certamente a ópera em BH caiu uns dois degraus. De uns dias para cá, a Filarmônica andou anunciando que vai tocar em um Nabucco no fim do ano. Agora é torcer para ser verdade (ainda que Nabucco certamente não precise de uma orquestra brilhante) e termos outra ópera aqui em Belo Horizonte.

Momento Denúncia:

Mas como um adendo, apesar da medianidade artística dessa Traviata, o ponto realmente baixo vai para a política do teatro. Foram DUAS apresentações fechadas – algo antes visto somente na Munique do grande administrador Ludwig II. É bom lembrar que estamos falando de dinheiro público aqui, vamos deixar bem claro: o dinheiro do contribuinte foi gasto para DUAS apresentações às quais ele não podia ir porque ele não pertencia ao seleto grupo de VIPs que a Fundação Clóvis Salgado julgava digno de ir sem pagar nada (enquanto o ingresso custava mais de 50 reais para nós pobres mortais). Que uma empresa particular crie áreas vip e coisas do tipo eu entendo, mas isso sendo feito com DINHEIRO PÚBLICO é uma indecência sem tamanho.

Além dessas récitas secretas, que nem são anunciadas, mas acontecem, uma parte considerável dos ingressos é distribuída em convites a uma série de categorias. Eu mesmo fui graças a um convite de uma empresa de seguro de saúde e posso garantir que à minha volta só havia médicos (eu tomei a indecência de espionar a conversa) e lugares vazios, muitos. Só na minha fileira eram sete lugares vazios consecutivos e a tônica se manteve ao longo do teatro. Ao mesmo tempo não havia mais ingresso nenhum à venda, ou seja, gente que tinha interesse em ir não pôde ir graças a essa farra de convites (cada médico dessa empresa recebeu dois convites).

Depois vem o comentário de que não há dinheiro para se montar mais óperas. Claro, se por ópera entende-se uma farra de dinheiro, com cenários novos a cada vez, com balé em toda e santa montagem, com mais da metade dos ingressos sendo distribuída para quem não tem interesse em ir, realmente, não tem dinheiro mesmo. Cultura em Minas Gerais, e no Brasil, não é um meio de enriquecimento especial, mas sim uma troca de favores e benesses.

Tenho mais a dizer sobre o assunto, mas vou guardar para um post futuro.


Este post tem 8 comentários.

8 respostas para “La Traviata de Belo Horizonte”

  1. tenho algumas lembranças musicais de BH. Fui fazer um concurso na cidade em 2003 e no ônibus de volta da UFMG sentei ao lado de uma senhora que se dizia ex-cantora lírica e filha de um antigo reitor da UFMG. Procurei um reitor com o sobrenome que ela me deu (Werneck) mas não encontrei. Para concluir essa trajeto de ônibus insólito ela cantou uma canção em alemão. Ela pronunciava bem, mas não lembro da canção. Quem será essa mulher?

  2. Pelo visto, foi de fato u’a montagem mediana – o que é uma pena, já que La Traviata é uma excelente ópera.

  3. Sim, é uma pena que uma música tão bonita quanto a do quarto ato tenha sido cantada e montada pelos cocos. :-(

    A impressão que eu tenho é que o Kitsch, como o da montagem no final dessa ópera, faz mais mal à obra de arte do que a desfiguração pura e simples.

  4. querido bruno gripp,
    li tudo que vc escreveu sobr a opera ,os cantores,musica e em especial sobre mim.obrigado!
    gostaria de agradecer pelas criticas e dizer que estou tentando melhorar a cada dia para chegar o dia em que minha voz,desafinada,pequena,razoavel quanto ao timbre, possa deixar de agradir tanto os ouvidos de pessoas cultas e musicistas como vc.
    nao é facil!!
    deixo meu obrigado e um pedido de desculpas por ter jogado seu dinheiro fora para nos ouvir.
    um abraçao e que deus te abençoe
    namaste
    tenor marcos paulo

  5. Marcos,
    Eu não disse que a sua voz era pequena, apenas que ela sumia nos graves, o que pode ser de cansaço também (eu vi a última récita). Ela não me pareceu especialmente pequena, e é maior do que de muito tenor famoso por aí (Michael Schade, por exemplo). Não sei a tua idade, mas parabéns por já ter cantado a Traviata num palco importante como o do Palácio das Artes. O único problema que eu realmente vi foi de afinação, o que pode ser trabalhado.

  6. eu entendi ,bruno. tudo que falei sobre criticas é a mais pura verdade pois com elas eu aprendo muito.
    estou com 37 anos e em minha penultima recita eu fiquei com a voz velada.estava tomando corticoide pra tirar o muco e de fato a afinaçao caiu.agradeço a deus por ter tido voz pra terminar a recita
    vamos manter contato e quando voltar a cantar em bh ou em outro lugar , que vc estiver, por favor ,…comente.estara me ajudando mesmo.
    obrigado querido
    namaste

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