Euterpe tocando flauta, de Crispijn de Passe de Oude (ca. 1565-1637)
Pelas Musas heliconíades comecemos a cantar. (Teogonia, v. 1)
Hesíodo sabia muito bem que todo bom proêmio de cosmologias, odisséias e blogs de música clássica não deve se eximir de invocar a ubiqüidade das Musas. Patronas de toda a beleza e de toda a sabedoria, o velho problema do “como começar?” é decidido divinamente quando o poeta invoca as Musas cantando a origem da própria poesia e do impulso poético. E agora sim, ele pode cantar este e outros mundos.
As Musas
Segundo a tradição clássica, são nove as filhas de Zeus e Mnemosine, a cada uma cabendo uma qualidade do sublime revelada em seus nomes próprios: a glória (Clio), o deleite (Euterpe), o florescer (Talia), a cantora (Melpomene), a dançarina (Terpsícora), a amorosa (Erato), a de grandes hinos (Polímnia), a celeste (Urânia) e a de bela voz (Calíope). Da imagem do coro divino que alegrava os deuses, pouco a pouco cada uma foi sendo identificada a um emblema – um instrumento ou adereço típico – e ao domínio de uma arte, de onde Euterpe, que dá nome ao nosso blog, tornou-se símbolo da Música.
Nosso proêmio
Se há proêmio a ser cantado por este blog, ele teria direito às retóricas clássicas do emulatio (“pois quem fala de música só fala porcaria por aí, Musa!”) e do rejectio (“a música, ó Musa, canta-nos hoje, e não os mexericos dos músicos, os delírios que mais a tresvariam que a contemplam, os ‘contextos históricos’ vazios e os vícios biografistas!”). Pois o fato é este: acreditamos haver pouca divulgação de gente no Brasil que 1) realmente entenda de música e 2) realmente fale sobre música. Quem se expõe no assunto, seja na mídia, seja no meio acadêmico, parece emprestar da música tudo o que a contorna – as letras cantadas, os eventos musicais e as reações do público, o estilo classificado e associado aos músicos, as alusões subjetivas a certos sentimentos, o contexto social e político do artista, os biografismos de compositores e intérpretes, etc. -, mas raramente encontrando o que dizer sobre o conteúdo musical de fato! A discussão desse “conteúdo musical”, aliás, parece confinada a análises técnicas voltadas para os próprios músicos, criando na prática uma barreira inexplicável entre músicos e ouvintes naquilo que a princípio eles já tinham em comum: a fruição da música. E é isso o que torna a música para o público uma arte tão comumente associada à idéia extrema de fruição irracional, sujeita apenas a desnaturação, a “pseudo-intelectualismo” quando pensada ou discutida em si mesma – é o “gosto não se discute!” e pronto, com o resto sendo obra do preciosismo.
Cá em Euterpe, no entanto, queremos falar de música, e música mesmo, sem fugir dos seus rudimentos, aliando a fruição sincera que cada um de nós tem dela como ouvintes com as indagações pessoais geradas pelo contato com essa arte de tantas formas e tantos sentidos.
Com uma questão inaugural, já abrigando a pergunta crítica de “por que falar de música?”, o próximo post quer saber: o que é e pra que serve essa “música clássica” que se lê aí em cima no nosso cabeçalho?
Há muito procurava algo desse tipo sobre música clássica, num sei como cheguei aqui, mas já FEEDelizei.
Muito bom este espaço
Enfim um blog para alimentar nossas ansias de conhecimento e crescimento estético e humano. Ave Euterpe !
Bravo!!!
É assim que se começa tão magnífica cidadela da Música.
parabéns..! ainda bem que encontrei este blog.
(vocês sabem qual a capital nordestina onde tem maior apresentação de música erudita, clássica.? ) obrigado
Ruither,
Creio que Recife. Confira também o festival de música “Virtuosi”, que todo ano se divide entre algumas cidades do nordeste.
Adicionado na lista de favoritos :)
Parabéns
Enfim, um recanto para estudar e contemplar a arte invisível visível!
Parabéns ao pessoal da Euterpe, estava faltando um lugar como esse para estudo e apreciação.
Espetacular. Bravissimi.