19abr 2017
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Forma Sonata

Euterpe tem vários objetivos, um deles é o de expandir o conhecimento de música no Brasil. Então nem sempre vamos postar textos interpretativos, vamos também cuidar de explicar o básico (inclusive caso alguém tenha ideia de um conceito aqui expresso que poderia ser melhor explicado, a caixa de comentários é útil para nós também). Começo então este post, ou série de posts, com o objetivo de clarificar o funcionamento da forma musical por excelência: a forma sonata.

A forma sonata é a forma musical que domina a música por mais de cem anos, entre ca. 1750 até 1910 a maior parte das grandes formas (sonata, quarteto, sinfonia) é moldada nesse esquema musical. Saber como é a forma básica da forma-sonata é, portanto, imperativo para se compreender a música desse período.

Retrato de Franz Joseph Haydn (1734-1809), por Thomas Hardy

Sobre as origens da forma sonata, vamos comentar em uma outra oportunidade, dedico este post especialmente para a descrição da forma sonata em sua primeira versão – a do classicismo vienense. Vou pegar como exemplo o primeiro movimento da sonata em Ré maior H. XVI no. 37 de Haydn.

A Sonata

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/04/06-Sonata-in-D-Hob-XVI-37-Allegro-con-brio.mp3|titles=06 Sonata in D Hob XVI- 37 – Allegro con brio]

Este movimento foi escolhido por contar, de forma simples e clara, com todos os elementos básicos da forma, sem ser muito simplificada e consequentemente sem alguns elementos essenciais ou com complexidades que atrapalhariam o exemplo. A primeira coisa que o ouvido pode perceber é que ela tem duas partes muito claras, pois são repetidas literalmente ao longo da sonata. Comecemos pela primeira parte.

Exposição

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/04/exposição.mp3|titles=exposição]

Essa primeira parte nós chamamos de exposição, que é uma tradução do termo alemão (pois toda essa terminologia foi criada por Czerny no século XIX) Exposition. Ela tem esse nome porque aqui todos os temas principais do movimento vão ser apresentados, aquilo que a gente pode chamar de material temático. O que é tema ou material temático? Muitos ouvintes, alguns músicos e mesmo manuais tendem a definir tema como melodia, mas é muito mais do que isso, peguemos esta sonata, aquilo que vai ser o primeiro tema é pouco mais do que uma mistura de ritmos e ornamentos:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/04/primeiro-tema.mp3|titles=primeiro tema]

Então tema tem uma abrangência muito maior do que melodia e, na verdade, pode carecer totalmente de caráter melódico. Sintaticamente, na música tonal o tema pode ser comparado a um parágrafo ou estrofe de um texto ou poema, pois se reconhece nele uma unidade de sentido no discurso musical.

A exposição da sonata clássica de Mozart e Haydn tem dois temas principais, que nós chamamos de primeiro e segundo temas (posteriormente a escola francesa vai criar sonatas de três temas e Beethoven vai se apropriar desse instrumento, mas isso fica para outro dia). Nem sempre é claro ver a separação entre esses temas, mas podemos dar algumas dicas.

A principal separação entre um tema e outro é a modulação, a mudança de tonalidade, que é o elemento central de qualquer exposição. Toda forma-sonata vai conter uma modulação em seu começo – em Mozart e Haydn é sempre da tonalidade principal para a dominante (com uma exceção importante que vai ser tema do próximo post). Assim, o ouvinte com pouco conhecimento técnico pode se perguntar “como eu vou saber que modulou”? Com isso eu respondo: pelo seu ouvido! Todo efeito musical, mais do que uma invenção técnica, é uma realidade sônica que o ouvinte de bom gosto percebe, conscientemente ou não.

Vou colocar os dois temas desse movimento um junto do outro:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/04/primeiro-tema.mp3|titles=primeiro tema] [audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/04/segundo-tema.mp3|titles=segundo tema]

Não é fácil perceber como os dois temas têm uma cor diferente? Essa cor é a mudança de tonalidade.

Mas há outras coisas que separam um tema do outro: normalmente há uma mudança de textura, isto é, uma mudança no acompanhamento ou mesmo de instrumentação (quando aplicável, obviamente). Portanto a mudança de um tema para outro, embora seja um evento principalmente tonal, é facilmente perceptível para qualquer ouvinte que prestar atenção. Além disso, é extremamente comum entre uma e outra parte haver uma cadência – embora o nome seja técnico, isso é bem fácil de perceber, é como se fosse um ponto na frase da música, quando ela parece completa, apoiada sobre o seu repouso.

Como o ouvinte pode ter notado ao ouvir o exemplo, a exposição contém mais elementos do que aqueles que eu separei como temas. Esses outros elementos musicais são chamados por termos como “pontes” quando eles se localizam entre os dois temas ou “conclusão” quando se localiza ao fim da exposição. E essa é a passagem mais fraca dos manuais em relação à exposição, por darem um caráter irrelevante para esses trechos que, embora aparentemente insignificantes (elementos como arpejos, escalas, tercinas) muitas vezes (na maior parte delas, na verdade) vão ter um grande papel no desenvolvimento.

Toda a exposição termina, necessariamente, com uma cadência na tonalidade da dominante. É o momento em que o ouvinte sente que a música parou e está pronto para começar algo novo – na grande maioria das formas sonatas de Mozart, Haydn e Beethoven, entra aqui um ritornello que obriga a repetição de toda a exposição. Depois da repetição (ou não), começa o desenvolvimento.

Desenvolvimento

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/04/desenvolvimento.mp3|titles=desenvolvimento]

Após o fim da exposição vem o desenvolvimento (Durchführung), que é o elemento mais livre do movimento. Aqui a música normalmente modula por outras tonalidades e reaproveita material da exposição. Não se trata – como vemos em alguns manuais – de uma fantasia livre, pois podemos ver alguns padrões, ordenados pela freqüência:

1. Há uma tendência de se buscar a tonalidade relativa menor (ou a paralela em alguns casos) e ela se estabelece ao final do desenvolvimento.

2. Normalmente aproveita-se o primeiro tema e os elementos de passagem referidos anteriormente, o que leva à questão desses elementos serem irrelevantes.

3. Às vezes um tema novo é introduzido nessa seção.

4. A fluência no desenvolvimento é mais rápida, normalmente traduzindo em passagens mais agitadas.

5. E o ritmo harmônico também é mais intenso, várias tonalidades são aludidas, sem nenhuma cadência fixa até o final da seção.

Esse desenvolvimento em especial, por ser muito curto, baseia-se unicamente em temas aludidos anteriormente e é fundamentalmente em si menor (a relativa menor da tonalidade principal), mas em movimentos mais longos podemos ver todos esses elementos plenamente desenvolvidos.

Todas essas características fazem do desenvolvimento o momento central no movimento, é nele que o drama todo se localiza e a tensão da separação da tonalidade principal se torna máxima. É assim na nossa sonata.

Recapitulação

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/04/recapitulação.mp3|titles=recapitulação]

Naturalmente, essa tensão vai ser liberada de alguma forma e é na recapitulação (ou “reexposição”) do material inicial que se conclui a forma sonata. Além da repetição dos temas já tocados na Exposição, o segundo tema (assim como um eventual terceiro – isto é, os temas que apareceram depois da modulação do primeiro para o segundo tema na Exposição) passa a ser apresentado na tonalidade principal da peça – ou seja, ela perde sua “cor” própria, concluindo assim o longo movimento iniciado pela primeira modulação.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/04/segundo-tema-reexposição.mp3|titles=segundo tema reexposição]

Em comparação a:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/04/segundo-tema.mp3|titles=segundo tema]

E como a gente deve interpretar a forma sonata como um todo? A melhor maneira que eu conheço é usando a expressão “dissonância formal”, que pode melhor ser explicada assim:

A peça começa com o estabelecimento de uma tonalidade, que é a tonalidade original e a tonalidade objetivo de todo o movimento. A introdução da segunda tonalidade insere na obra um elemento de dissonância que exige uma conclusão, uma volta – essa dissonância é acentuada no desenvolvimento, até ser concluída na reexposição. Por isso que o final do desenvolvimento e o início da reexposição são os momentos de maior tensão numa obra do classicismo, é quando a tensão (musical e não necessariamente dramática) é resolvida na conciliação de todo esse movimento com a volta à tonalidade de origem.

A forma-sonata é, portanto, uma forma simétrica – porque cada um de seus elementos é respondido com um outro a ele relacionado e que busca um equilíbrio – que é alcançado na reexposição. Nas mãos de um compositor de talento – como Haydn, Mozart, Beethoven ou Brahms –, a sonata é uma forma de poder expressivo verdadeiramente formidável.


Este post tem 27 comentários.

27 respostas para “Forma Sonata”

  1. Olá Bruno, meus dois cents sobre o assunto:

    Nota-se facilmente que, durante o classicismo (Haydn, Mozart…) o centro da forma sonata está na exposição dos temas, e o desenvolvimento tinha papel secundário nisso tudo. É a partir de Beethoven que o centro vai se deslocar gradualmente até o desenvolvimento, e é aqui que os compositores do Romantismo vão soltar a imaginação (Mahler que o diga!).

    No “Harmonia” do Schoenberg, ele faz um paralelo entre a forma sonata e a literatura. Nesta última, generalizando, primeiro somos apresentados aos personagens; durante a história, vemos o personagem principal sendo “modificado” ou passando por experiências de vida (a que Schoenberg dá o nome de Durchführung ou “travessia”), para no final se reafirmar de uma forma mais madura. Sempre quando vou explicar forma-sonata a um “não-iniciado”, eu uso esse paralelo com a literatura – e aí me permito a liberdade de dizer que o segundo tema seria a companheira do herói/primeiro tema.

  2. Caro Amancio,
    Essa interpretação não é ruim mesmo não. Mas eu tendo a pensar diferentemente como uma `volta para casa`, mas acho que a grande diferença é que eu tendo a pensar mais na forma-sonata do classicismo e você na do romantismo. Mas eu queria só mesmo fazer uma descrição básica.

    Mas sobre o foco em Mozart e Haydn estar na exposição, eu vejo como sim e não. Sim porque é onde há a maior parte do material musical se encontra e o caráter da peça é estabelecido, e, principalmente, porque o grande ponto da forma sonata do classicismo está na modulação para a dominante, mas não porque normalmente o ponto de maior tensão do movimento encontra-se ali entre o final do desenvolvimento e o início da recapitulação, e essa sonata acho que é um bom exemplo disso. No Romantismo, a modulação pura e simples – especialmente para uma tonalidade vizinha- já não é um evento tão poderoso assim, e acaba que o peso todo vai para o desenvolvimento mesmo – e o segundo tema torna-se um sidekick (daí aquelas descrições de um segundo tema `feminino`, `contemplativo`, etc).

    Vou continuar com algumas dificuldades nesse esquema, como a exposição em três tonalidades e a forma sonata em modo menor. Além de mostrá-la em Brahms e um exemplo em Bartók.

  3. Sempre me perguntei por que é que Mozart, por exemplo, às vezes interrompia o Desenvolvimento quando Beethoven, se fosse o caso, certamente o prolongaria. Daí o comentário do Amancio sobre o centro de gravidade da Sonata se tornar de fato o Desenvolvimento em Beethoven. E a causa parece ter a ver com o fato de que em Haydn ou em Mozart dificilmente haveria interesse em se comprometer o equilíbrio tonal do movimento aumentando uma passagem de pura instabilidade, em que os temas vão pra tão longe da tônica (como se diz, quando o Desenvolvimento está no fim você já está “implorando” pra que a tônica – o parâmetro de repouso estabelecido no início – volte).

    Sobre a filosofia da forma-sonata, a partir dessa idéia de que na verdade “Durchführung” seja melhor traduzido por “travessia” do que por “desenvolvimento” (que seria algo como “Entwicklung”) dá pra tirar boas lições. Pois se os temas tivessem tido o propósito de serem “desenvolvidos”, “evoluídos”, teria pouco sentido eles serem “reexpostos” em seguida tal como eram antes. A idéia é mesmo que os temas atravessam uma experiência de tensão e de instabilidade tonal, pra que no final, na Reexposição, saiam dessa aventura prontos pra voltar pra casa (a tônica que passa a valer aos dois temas). Daí a pertinência dessa comparação do Amancio com a literatura.

    Por fim, as chamadas “pontes” (ou “transições”) e “conclusões” (que de maneira geral são chamadas “material subsidiário”) poderiam render até mesmo um post à parte, porque muito efeito é tirado desse material que administra a apresentação dos temas na Exposição, e muito do material deles também pode terminar sendo usado no Desenvolvimento. Como eu estava vendo com o Bruno, a própria Sonata usada neste post é um exemplo de pontes e conclusões dignas de nota: o material conclusivo que vem logo depois do segundo tema (0’33”-0’52” no primeiro player) cita o próprio primeiro tema, ainda que de maneira um pouco discreta, e desemboca em uma codeta. Ou seja, é uma transição para o fim da Exposição, quase uma transição para o nada!, e estruturalmente tem uma autonomia interessante (só não sendo um terceiro tema de fato porque não se apóia sobre uma tonalidade definida).

  4. Bruno,
    Ontem Paulo Egídio me emprestou um material do Charles Rosen onde ele fala das origens da forma sonata (aliás, creio que eu e vc já havíamos discutido sobre esse assunto via MSN há alguns anos atrás, lembra?). Segundo Rosen, e eu tendo a concordar com ele, a definição de forma-sonata como nós conhecemos surgiu depois de Beethoven, não para explicar a música do classicismo e sim para orientar os futuros compositores de como eles deveriam organizar suas idéias. Por isso que eu tendo a pensar mais na visão romântica da forma-sonata do que na visão classicista.

    Na era clássica, cada compositor tendia a interpretar a idéia de sonata à sua maneira, e com interpretações bastante livres. É fácil exemplificar isto com sinfonias de um tema só (o mesmo tema é exposto na tônica e depois na dominante), ou reexposições que retornam direto no segundo tema (como os concertos de Paganini).

    Como sua idéia era fazer apenas uma descrição básica da forma-sonata – e eu entendo que a maioria da audiência do post seria exatamente aquele ouvinte-médio que gosta das músicas mas não entende muito bem – acho que o mais apropriado seria ter escolhido, primeiro uma sonata que se aproximasse mais do modelo romântico, como por exemplo a Waldstein (que é clássica mas tem um segundo tema bem definido) e, segundo, como o exemplo teria temas bem mais contrastantes, o texto evitaria termos mais técnicos (como modulação) e não exigiria muito mais do ouvinte-médio a não ser identificar coisas bem mais simples e próximas a seu universo, como sentimentos e sensações. A “modulação” poderia ter ficado para uma próxima descrição da forma sonata – como vc prometeu no início do post. Aliás, aguardo os próximos posts sobre o assunto pois essa discussão sobre a forma sonata pré-Beethoven me interessa muitíssimo! :-)

    Espero que vc entenda isso como uma crítica positiva – na verdade, como vc mesmo disse, eu só tive uma “ideia de [como] um conceito aqui expresso que poderia ser melhor explicado”. :-)

  5. Amancio,
    O problema da Waldstein é que ela não modula para dominante e sim para a mediante maior e nesse ponto ela é ligeiramente defectiva (a sensação é mais forte e mais clara, sem contar na gritante mudança de textura). Além disso, como o quadro de mudança tonal é, para mim, essencial para compreender o movimento, eu quis manter essa terminologia para o ouvinte mesmo que casual ir se acostumando a tentar perceber. Um dos motivos disso são aqueles movimentos em que o tema aparece bem evidente no meio do desenvolvimento (Eroica…) mas ainda não é a recapitulação. E outro dos motivos para eu ter escolhido essa sonata é… que eu a toco! Então fui um pouco de instrumentista nesse caso.

    Mas obrigado pelas dicas, todas elas têm sua validade.

  6. Opa, essa questão da teoria formalizar a prática meio que a posteriori também interessa bastante, e logo teremos post sobre isso. Acho que isso explica bem a noção de forma-sonata no séc. XVIII e a noção no séc. XIX.

    Sobre a escolha do Bruno por uma sonata de Haydn, acho que ela se explica caso este post seja considerado não um post fechado e auto-suficiente como um modelo padrão de “forma-sonata”, mas como um primeiro post em uma excursão cronológica pelo uso da forma-sonata. Assim a gente acompanha bem como em um primeiro momento a forma-sonata tinha dois temas na Exposição, um na tônica e outro na dominante, e como as estratégias de condução tonal eram bem livres entre esses temas (o tal “material subsidiário”). E como em um segundo momento um terceiro tema se emancipa na Exposição, as relações tonais entre eles se tornam mais livres, e o Desenvolvimento se amplia. Aí o título deste post teria mais a ver com “Forma sonata: fase 1”. :P

    E olha que mesmo pensando em uma linha cronológica, o tema é abrangente. Ainda existem os exemplos dos concertos, com a “exposição falsa” da orquestra. E tem aquela coisa muito divertida que não aparece em toda forma-sonata, mas já aparece no séc. XVIII: quando termina o Desenvolvimento e a Reexposição aparece na tonalidade errada. Geralmente esse erro é escrito com pausas, dando uma sensação de desconfiança de que tem algo errado mesmo, até a música se render ao FAIL e voltar à tonalidade certa. Em Beethoven isso acontece no 1o. movimento da Sonata pra Piano No. 6, por exemplo.

  7. Bruno, exatamente porque a mudança de harmonia é tão forte na Waldstein, ela seria mais facilmente percebida pelo ouvinte médio. Mas, ok, vc pegou o que eu queria dizer. ;-)

    Leonardo, esse assunto do FAIL me fez lembrar A Truta, de Schubert: a reexposição volta na subdominante para que, sem mudar a ponte, o segundo tema (e por consequência a coda) reapareça na tônica. Tá aí, essa é uma boa obra pra mostrar, auditivamente, o que é uma modulação.

  8. O foco do texto do Rosen que eu emprestei ao Amancio é que a definição do que seria uma forma-sonata foi criada por contemporâneos (e fãs) de Beethoven, e que por isto usaram o típico modelo beethoveniano como regra. O Rosen demonstra com muita propriedade que a forma-sonata não precisa ter dois temas na Exposição, e que Haydn inúmeras vezes cria o contraste trabalhando com o primeiro tema na dominante (ou na relativa maior, no caso de tonalidades menores). Assim esta definição clássica que todos nós – eu inclusive – aprendemos em livros de música e encartes de cds é restritiva: trata um monte de 1ºs movimentos como exceções, quando são regras ligeiramente diferentes. O essencial é o contraste na exposição, mas ele não precisa vir de um segundo tema.

    Amancio, muito antes de Paganini, Mozart de vez em quando chegava à reexposição direto com o segundo tema, ou sem reexpôr o primeiro na sua totalidade. Vide Concerto para violino nº 4.

  9. OI gente,
    Os comentários estão muito bons, mas vejam que era para ser um post apenas introdutório. Uma forma sonata romântica, por mais que os temas sejam bem separados e tenham uma identidade, tem tanto material subsidiário e tanta modulação que fica igualmente complicado fazer um texto com elas. Ademais, a brevidade do desenvolvimento facilita mais do que atrapalha a explicação.

    O Paulo tem razão quando diz que no classicismo não há identidade temática (especialmente para o segundo grupo) e sim áreas tonais, mas explicar como áreas tonais me parece mais complicado do que falar em tema e deixar esse papo avançado para uma outra hora.

  10. Oi Paulo, realmente não lembrava do Concerto 4 de Mozart. Tive de ouvir hoje pela manhã para conferir – e ele volta mesmo direto no segundo tema.

    Também ouvi aquele quarteto de Haydn que vc me indicou na última sexta (para os curiosos na discussão, é o Quarteto nº37, Op.33 nº1 em Si menor, e tem no Youtube para ouvir rapidinho). O quarteto começa com um primeiro tema que poderia passar perfeitamente por “Ré Maior”. Mas logo ouvimos um violoncelo e começamos a duvidar da tonalidade… e em poucos instantes entendemos que é Si menor. Quando chega a hora do segundo tema ouvimos… o primeiro tema, igual como no começo, mas com uma harmonia definitivamente em Ré Maior. E na reexposição, como fica? Sim, pois se os dois temas precisam ser reexpostos na tônica, ouviríamos apenas um tema (o único), duas vezes, certo? Bem, ele corta a segunda reaparição e pula da primeira transição para a segunda (ou seria um “terceiro tema”?), terminando tudo com a coda.

  11. Amancio, agora ouça o op. 64 nº 2 e dê gargalhadas com o fato de que Haydn contou uma piada parecida, e no mesmo tom. risos
    Quando nos virmos de novo eu te mostro a grade dos dois quartetos, com os comentários que fizemos na aula. ô, cadeira boa esta que estou fazendo.

  12. Essa brincadeira do Haydn no primeiro quarteto do opus 33 é um dos exemplos que o Charles Rosen utilizou para ilustrar princípios da forma sonata clássica. Ele também destaca essa ambigüidade do tema inicial, e destaca a tendência haydneana de basear movimentos inteiros em gestos sutis como esse. Aliás, a movimentação da tônica para a dominante, e a necessidade de “limpar” o pecado original do material exposto nesta última, via purgação tônica na reexposição, são generalizações tratadas caso a caso pelos compositores do classicismo. De fato, caso o material temático o permitisse (ou exigisse), eles até dispensavam com alguns dos elementos do “esquema” (que provavelmente não era percebido como esquema, por eles). Assim, no caso do primeiro movimento do opus 33 nº 1 “the suggestion of D major placed at a point as critical as the opening measure makes Haydn realize that he can dispense with a modulation.”

    Aqui o trecho todo (pp. 68-69 deste pdf aqui, com o livro “The Classical Style” do Rosen: http://ifile.it/01ofehp/Charles%20Rosen%20-%20The%20Classical%20Style%20-%20Haydn%2C%20Mozart%2C%20Beethoven.rar )

    Aqui o trecho todo:

    The first of Haydn’s op. 33 Quartets, in B minor, restates the main theme in D, the relative major (the ‘normal’
    secondary key for a movement in the minor after 1770), after a fermata and without any modulation at all: 1 this is possible because the main theme was originally announced, at the very opening of the work, in what appeared to be the relative major, the B minor becoming clear only in the third bar. The movement to the new key is therefore accomplished simply by reharmonizing the melody in the way already implied by the first two measures. The prepara-
    tion of the new key is not explicit, but implicit in the materia] itself.

    We can see from this example both how free classical form was, and how closely it was tied to tonal rlationships. At this point Haydn is drawing the logical conclusion of his opening. He is bound less by the practices of his contemporaries than by a sensitivity to harmonic implication; the suggestion of D major placed at a point as critical as the opening measure makes Haydn realize that he can dispense with a modulation. The same sensitivity will lead Mozart, after La Finta Giardiniera, to write each opera in a definite tonality, beginning and ending with it, and organizing the sequence of numbers around it.

    Dicustindo outro quarteto do Haydn em que grande parte do desenrolar do movimento tem como premissa um pequeno gesto feito logo no comecinho (opus 50, nº 6), o Rosen conclui:

    To speak of any of Haydn’s structures without reference to their material is nonsense. Any discussion of second themes, bridge passages, concluding themes, range of modulation, relations between themes-all this is empty if
    it does not refer back to the particular piece, to its character, its typical sound, its motifs. Haydn was the most playful of composers, but his frivolity and his whimsicality never consisted of empty structural variants. After 1770 or so, his recapitulations are only ‘irregular’ when the expositions demanded an irregular resolution, his modulations surprising when the logic of their
    surprise was already implicit in what preceded them.

  13. Desculpem-me se o texto for um pouco longo, mas preferi colaborar:

    Acredito que a melhor maneira de se explicar o que é forma sonata (ou allegro-sonata, como o próprio Schomberg diferencia a forma do gênero) seria “desenhar” as principais partes:

    EXPOSIÇÃO – DESENVOLVIMENTO – REEXPOSIÇÃO

    Depois dizer que na EXPOSIÇÃO é o momento que o compositor tem de colocar todos os elementos da música (motivos, melodia, harmonia – tonalidade, e, consequentemente, temas).
    É verdade, Tema é algo difícil de se explicar sem exemplificação. Pois um tema não necessariamente é uma parte melódica. Existem temas não melódicos, como vocês mesmo levantaram essa lebre.

    Após a explicação sobre Temas seria oportuno dizer as posições dos temas:

    EXPOSIÇÃO – DESENVOLVIMENTO – REEXPOSIÇÃO
    | \ / \
    Tema A -> Tema B Tema A (reexposto) -> Tema B (reexposto)

    Dizer que o Tema A está na tônica e o Tema B em outra tonalidade.
    Dizer que na época do classicismo o Tema B é colocada na região dominante (V grau) na exposição e na região tônica na reexposição.
    Dizer que a há um trecho na música que leva o tema A (na tônica) para o tema B (em outra região), chamada, por muitos, como transição (ou ponte, como foi dito no texto).
    O Desenvolvimento, ou q.q. outro nome que se chame, serve ao compositor para elaborar alguns, a maioria, ou mesmo todos, os elementos já expostos na Exposição. Isso inclui a mudança harmônica, modulações curtas, etc. Por isso, desenvolvimento pode ser um bom nome para essa região, pois o compositor desenvolve os elementos já “ditos” outrora. Geralmente, o desenvolvimento é feito por sessões (s1, s2, ….)
    A Reexposição é a volta dos elementos iniciais da Exposição, que pode ser feita por diversas maneiras, mas a mais usual, e mais explicativa, é aquela que o Tema A volta na tônica, e o Tema B também é modulada, preparando-se para o final, e geralmente (quase a totalidade, principalmente na era clássica) na tônica. Por isso, a transição da Reexposição geralmente é modificada pois agora o compositor leva da tônica para outra região diferente da exposição.

    Então, podemos reapresentar um desenho:

    EXPOSIÇÃO: Tema A -> transição -> Tema B
    DESENVOLVIMENTO: S1, S2, S3…., Sn
    REEXPOSIÇÃO: Tema A -> transição -> Tema B

    E repetimos colocando a ideia básica predominante na era clássica (sem considerar a época do rococó, início do classicismo) com suas regiões para uma peça em Modo Maior:

    EXPOSIÇÃO: Tema A (na tônica)-> transição (da tônica para a dominante)-> Tema B (dominante)
    DESENVOLVIMENTO: S1, S2, S3…., Sn (em várias regiões próximas a tônica: relativa menor, dominante, dominante menor, dominante da dominante, subdominante, etc…. até levar a dominante (ou apenas a cadência dominante) facilitando a volta da exposição)
    REEXPOSIÇÃO: Tema A (na tônica) > transição (reformulada da tônica para a tônica) -> Tema B (na tônica)

    Podemos incluir também as codetas, as codas, aberturas e as retransições, mas acredito que ficaria melhor em outro post mais “avançado”.

    Vejam uma análise da sonata de Mozart em http://tecnicasdecomposicao.blogspot.com/2009/05/mozart-sonata-em-am-kv-310-analise.html

  14. Algumas considerações que podem ser ditas:
    1) A origem desta forma vem do rondó, apesar da nomenclatura só aparecer realmente no séc. XIX, pós Beethoven;
    2) Tudo se explica pois a música é formada por alguns conceitos: inteligibilidade e contraste. Sem inteligibilidade a música não é música na sua forma mais plena, e sem contraste a música é monótona e não há como diferenciar suas sessões, tornando menos inteligível;
    3) Há várias formas de se fazer contraste: por textura, modulação, instrumentação, etc…
    4) A medida a ser trabalhada na forma, e no contraste, varia com relação à época. Por exemplo, no início do classicismo a forma ainda não está totalmente definida, por isso muitas vezes o desenvolvimento era feito sobre o Tema A modulado (herança barroca), e no pós-classicismo houve mudanças harmônicas muito mais intensas (mais distantes da tônica), e novas reagrupamentos dos temas;
    5) O item anterior, como muitos pensam, não diz se o compositor é melhor ou pior que o outro, mas sim, que na época que a música foi escrita isso já era possível de ser feito, pois os ouvintes já estariam mais “acostumados” (isso é bem complexo de explicar em poucas palavras). Seria a ideia da oferta e da demanda!!!
    6) O tema B (ou tema secundário) na verdade era formado por vários temas Bs (B1, B2, …) inclusive no rococó, ou pré-classicismo;

    E aqui algumas considerações mais técnicas:
    Se pensarmos na forma Exp –Des – Reexp, percebemos que o Des seria um contraste com relação a Exp e Reexp.
    Fazendo a comparação com o rondó: A – B –A` (O tema B é o contraste)
    Porém, o tema A (macro – visão geral) é composto por temas:
    A= A1 + Tr + B1 + B2 + codeta
    Então,
    A`= A1` + Tr` + B1` + B2` + codeta`

    Isso porque, B1 é contraste de A1.
    Tr leva A1 para B1, e deve ser contraste de ambos, mas geralmente usando motivos de um, de outro, de ambos, e ou de elementos novos. Pode ter um caráter temático (melodioso ou com forma pré-definida, e não somente como passagem) ou não (podendo ser “impessoal”).
    No Des, as sessões devem ser contrastantes umas com as outras, e devem usar os motivos (elementos) dos temas apresentados. Por isso, existe a ideia mesma de se chamar de desenvolvimento.
    Algumas vezes o Des é temático, mas surge um viés a mais para o compositor resolver, pois se não caracterizar essa parte como Desenvolvimento das ideias já expostas, a peça toda pode se escambar para um mero Rondó (só que grande em tamanho!!!!). Um rondó do tipo: A-tr-B-C-A´-tr´-B´. Resumidamente, um grande rondó: A-B-C-A-B.
    O senso de forma e contraste não pode pesar mais para um lado do que pro outro, pois assim perde-se o equilíbrio tão necessário na obra como um todo, para uma melhor inteligibilidade.

    Como exemplo, na época clássica, as modulações na exposição variavam pouco (tônica e dominante, na grande maioria), com isso permitia ao compositor criar um contraste no desenvolvimento usando mais modulações. Então, a modulação no desenvolvimento é uma técnica para criar o contraste com o material anterior. Porém, com o passar dos tempos, a própria exposição começou a ser carregada de modulações, então, outros meios deveriam ser criados para se criar o devido contraste.
    Eu mesmo me deparei a isso qdo escrevi a minha última sinfonia, usando uma técnica de não fixação em uma região. Com isso, o desenvolvimento não poderia ser mais usando modulações, pois não criaria o devido contraste. A minha solução foi interromper a forma usual e inserir no lugar do desenvolvimento o segundo movimento, e após a conclusão desta iniciar o “desenvolvimento” do primeiro movimento, porém usando contraponto (o contraste se deu mais na textura), e com isso pude desmontar a forma clássica do Allegro-sonata e refazê-la. Essa técnica não inventei, apenas usei o que o próprio Schomberg havia feito em sua primeira sinfonia, onde seus movimentos foram todos mudados de lugar. Assim, percebi na prática o motivo desta reestruturação.
    O contraste e a forma, com já disse, deve ser feito de modo que não haja um desequilíbrio na obra.

    abraços a todos,
    Carlos Correia
    tecnicasdecomposicao.blogspot.com

  15. Carlos,

    Lembro que a melhor apresentação de forma-sonata que eu já vi foi a do Allegro, site finado sobre música clássica. Era um texto muito inteligente e simpático e com exemplos de áudio analisando o 1o. movimento da Sinfonia No. 1 do Prokofiev, a chamada “Clássica”.

    Sobre o seu primeiro comentário explicando a forma-sonata, eu concordo que o desenho ajuda bastante e que lembrar do básico também já ajuda a lidar com as exceções. Só lembro que, primeiro, a grande sacada do Rosen é que é melhor entender a exposição por regiões tonais do que por temas:

    A (tônica) – (transição para outra tonalidade) – B (outra tonalidade) – (transição para a tônica).

    Isso pra não nos comprometermos a definir a maneira como o compositor cumpre com essas subseções. Mas ok, em um primeiro momento falar em tema (na prática eu também falo) ajuda, e tenho comigo que a melhor maneira de explicar o que é um tema ou um motivo ou uma melodia é comparar com a linguagem textual – comparar a um parágrafo ou estrofe, ou verso, ou fórmula, etc.

    E segundo que além da transição entre o tema A e B, como eu também desenhei ali, a codeta da Exposição é também muito importante. Às vezes, além dela, ainda tem uma transição para o Desenvolvimento. Mas a codeta da Exposição é tão importante quanto a transição entre o tema A e B, pois é passagem de tonalidades e muitas vezes não se firma. Além disso, muitas vezes traz material do tema A, o que dá uma boa noção de fechamento da Exposição.

    E sobre o primeiro comentário era isso.

  16. Sobre o segundo comentário, eu tenho a impressão de que a Forma-sonata evoluiu da forma binária mesmo, quando justamente o contraste do início de B se tornou independente. Nas Sonatas do Domenico Scarlatti isso é muito notável. E essa noção é importante pro tipo de análise que você fez, porque eu não consigo definir dessa maneira a noção de contraste na Forma-sonata. Pra mim é geralmente estranho tratar a transição como uma seção estrutural à parte, por maior que ela seja (como na Eroica). E ela também não é necessariamente contrastante, acho até que geralmente ela não é contrastante. Pensando assim, vejo que a criação de contraste, se desejável, não precisa existir radicalmente sequer entre os temas da Exposição. O que me chama a atenção nos 1os. movimentos das Sonatas 28, 30 e 31 de Beethoven é justamente a fluidez das Exposições. Entendi o exercício intelectual que você fez em falar como a forma é também determinada pela expectativa do contraste, mas há muitas possibilidades tanto estruturais como de linguagem pra gerá-lo, então faço essa observação.

    Um abraço!

  17. Fala Leonardo,

    Eu também participei do site AllegroBr, inclusive percebo que vcs também participavam por lá, né?!

    Meu login era gutovysk. Participei, também, daquela composição a dezenas de mãos iniciada pelo Calleres.

    Um dos posts que criei que teve bastante adesão era para falar sobre questões técnicas musicais…

    Era uma espécie de brincadeira, em que eu, ou outros, colocava algo a ser buscado (como um acorde específico, a divisão dos temas, formas, modulações, etc…) e os outros tinham que responder a posição que se encontrava.

    Um belo dia fui tentar acessá-lo e o site estava fora do ar.

    Alguém sabe o que aconteceu?

  18. (continuando…)

    Na época barroca, o que prevalecia eram praticamente 3 formas: binária, ternária e rondó (esta última usada como nas canções populares: espécie de refrão).

    O contraste estava presente em todas elas, cada uma de uma forma diferente.

    O contraste é um termo amplo, e pode ser usado em vários sentidos.

    Por exemplo, em uma sentença a proposta e resposta é seguida pela “conclusão”, e esta tb pode ser considerada um contraste com o anterior.

    É claro que estamos mais acostumados a dizer o contraste como algo que mudou na textura e na harmonia (região) de um trecho em relação a outro.

    Mas é com o contraste, em todas as suas formas, que podemos reconhecer o fim de algo para o início de outro algo.

    Qdo escutamos pela primeira vez uma música, não sabemos de fato onde termina cada parte, cada frase, ou se é o fim de um tema, ou início de uma transição. Muitas vezes só saberemos onde cada parte é qdo escutamos a sua volta.

    Por exemplo, na forma sonata (ou allegro-sonata) pode ser que não fique claro o início dos temas, das transições, codetas, etc., e somente qdo ouvimos a reexposição é que podemos notar como o material foi reelaborado. Na primeira audição podemos ficar com dúvidas, mas na segunda audição já temos certeza.

    É o contraste que nos dá a direção. (nota: lembrando que estou colocando contraste de uma forma mais ampla como mudança de motivos, apresentação de novos motivos, além da textura, mudança harmônica…)

    Uma música sem contraste é monótona, e não traz muito sentido formal.

    Em um movimento binário (forma binária), seus elementos são contrastantes entre si dentro de cada parte (A ou B), e B sendo contrastante a A.

    A forma a-b-a`, tem como b a parte contrastante de a-b-a`. Sendo a-b-a` podendo ser um Tema.

    No rondó simples, A-B-A, o tema B é contrastante ao tema A.

    Em um rondó maior, A-B-C-A-B, o tema B é contrastante a A, e o tema C é contrastante ao B e ao A.

    Isso não impede que a sequencia B ou C tenha uma “fluidez” em relação ao seu antecessor.

    Não saberia dizer se a forma binária deu origem a forma ternária, ou mesmo ao rondó. Mas geralmente a forma binária tem como seu segundo início a repetição do início da obra: a-a`. Enquanto a forma ternária tem início uma nova sessão: b. E, como já dito no início, tanto as formas binárias, ternárias, e rondós, já existiam na época barroca (já encontramos peças deste tipo no renascimento).

    Por isso, acredito que a forma allegro-sonata veio do rondó, enquanto é uma forma de apresentar temas seguidos, uma vez que, mesmo no início de sua aparição, já encontramos 2 temas (A e B) na exposição. A reexposição foi uma modificação da exposição para fazer contraste (ok. se pensarmos assim teve origem da forma binária), porém ao incluir um “desenvolvimento” entre a exposição e a reexposição, passa a ser apresentado como 3 partes individuais, sendo que a primeira e a terceira partes são quase que clones entre si, carregando pelo menos 2 temas, e o desenvolvimento é quase um “tema” “independente”, assim, teríamos (sem contar com as passagens) A-B-C-A-B, onde C é o desenvolvimento. Desse modo, assemelhando-se a um Rondó.

    Quanto a transição,eu considero-a como uma estrutura a parte, do mesmo modo que a codeta ou a coda. É perceptivo esse trecho que leva a uma preparação para o tema B em sua nova região. Esse trecho pode ser pessoal (como um modelo temático) ou impessoal, pode ser ainda longo ou curto.

    Mas é claro que o compositor pode “esconder” esse início da transição, confundindo sua estrutura, pois vc pode acreditar que o tema A está se repetindo e na verdade já seria a transição, como também há exemplos de uma extensão do tema A (uma espécie de codeta do tema A, se é que podemos chamar assim) que poderíamos chamar de final do tema A (espécie de codeta) ou mesmo da transição. Também já vi chamarem essa codeta, ou extensão, de A2 (segundo tema A). Porém isso é muito raro.

    Isso tudo sem falar nas desconstruções da forma padrão.

    A primeira sonata de Mozart para piano já temos essa desconstrução, onde o tema A é apresentado somente depois, e ainda temos uma extensão no início do tema B, que seria uma espécie de “abertura” para o tema B.

    O que não podemos é perder o foco da estrutura como um todo… e saber reconhecer todos esses elementos em cada movimento.

    Bem, fui novamente extenso nas explicações, e peço desculpas, pois não quero parecer dono da verdade. Só quis colocar minhas observações frutos de muito estudo técnico e análises, que acredito poder contribuir com esse tema “Forma Sonata”. Que, para quem não entende, também pode-se confundir forma com o gênero sonata… Aí já viu, né?!…. rs

    abraços a todos,
    Carlos Correia
    tecnicasdecomposicao.blogspot.com

  19. Então você é dos nosso, Carlos! :) O Allegro acabou por desgaste mesmo, ainda mais quando vieram umas encrencas judiciais de gente grande que se sentiu incomodada com alguns comentários.

    Sobre a nossa questão, eu assinalei essa minha desconfiança sobre tratar as transições como seções estruturais à parte porque elas não são nem um pouco independentes (elas estão é dentro de uma seção à parte, o A), inclusive são muitas vezes apenas notas de passagem, onde a tonalidade ainda está mudando e não se assenta. E sobre a forma binária e o rondó, note que até Mozart a forma-sonata marcava as repetições (os ritornelos) da seguinte maneira: Exposição 2x + Desenvolvimento e Reexposição 2x. Ou seja, a Exposição era tratada como um A, e o Desenvolvimento com a Reexposição como um B. É muito parecido com o que a gente vê nas sonatas do Scarlatti, como eu disse: um AB com repetição, sendo que o começo de B é baseado em A, só que com certo conflito. Vou até postar uma sonata aqui mesmo, olha a K. 253:

    [audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/12/Scarlatti-Sonata-K-253-in-E-flat-major-Allegro-Gustav-Leonhardt.mp3|titles=Scarlatti – Sonata K 253 in E flat major – Allegro (Gustav Leonhardt)]

    A: do começo até 0’36”.

    Repetição de A: de 0’36” até 1’13”.

    B: de 1’13” até 2’06” (retomando A com tensão que depois se reestabelece)

    Repetição de B: de 2’06” até o final.

    Quando Bernstein gravou a Sinfonia 40 de Mozart, no último movimento ele fez exatamente esse esquema de repetições. Daí eu dizer que a forma-sonata vem da forma binária. O Rondó me parece mais ligado à tradição das danças (a ronda) e dos ritmos ternários, em que a mudança da coreografia causava a mudança da música. E, de novo, é difícil entender as transições da forma-sonata como seções à parte na estrutura, senão como operadores da tonalidade na grande seção à qual pertencem. É verdade que picotando as partes de cada seção você encontra essas unidades que formam um todo composto, e isso pode ser aproveitado nisso que você chama de contraste na composição. Mas pra falar da lógica estrutural da forma-sonata, vejo mais sentido em falar de um A com unidade que se opõe a um B e a uma repetição de A do que em picotá-lo e compará-lo às alternâncias do Rondó (que por sua vez alterna seções completas, não partes dela).

  20. Concordo que o ângulo mais proveitoso para analisar a forma sonata é o harmônico e o “textural”, e que esse tipo de análise acaba mostrando o parentesco entre a forma sonata e forma binária tal como utilizada por Domenico Scarlatti e outros pré-classicistas. Essa qualificação é importante, porque Bach e outros mestres do barroco preferiam formas binárias com texturas mais contínuas, enfatizando a “unidade de sentimento” num movimento individual. De fato, é interessante contrastar uma forma binária de Bach com uma de Scarlatti, para ver como este caminhava para uma perspectiva mais “sonática” da forma. O Charles Rosen examina uma alemanda de Bach em forma binária no comecinho do livro “Sonata Forms”, e mostra como contrastes texturais e pontos de inflexão são evitados, em prol de uma textura mais fluida.

  21. Olha aí, o post não tá morto. Acabei de ler, gostei muito. Sou um leigo, mas conheci estas noções no livro “O Som e o Sentido” de José Miguel Wisnik.
    Grande blog!

  22. Como posso arrumar uma sessao de musica classica de forma simples??
    Por favor quem puder me dar umas dicas…Agradeço desde já.

  23. Prezados (as),
    É nessa hora que é bom lembrar o Mestre napolitano Domenico Scarlatti que deixou essas possibilidades para os meninos de Viena; a família Bach é brilhante, mas deve tudo aos mestres italianos!
    J Sabino

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