19abr 2017
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A conexão Haydn-Mozart

Haydn e Mozart, ícones da música no Classicismo

Poucas amizades entre compositores foram tão prazerosas e produtivas como a que existiu entre Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e Franz Joseph Haydn (1732-1809). Imaginar os dois maiores expoentes do classicismo musical em Viena é instigante, especialmente ao se considerar a qualidade dos seus legados e habilidades musicais, tão superiores às dos seus contemporâneos – honrosa exceção para pouquíssimos, como Christoph Willibald Gluck (1714-1787) na ópera.

Christoph Willibald Gluck

Por falar em ópera, o professor H. C. Robbins-Landon (maior autoridade em Haydn) afirmou categoricamente na obra The New Oxford History of Music VII: The Age of Enlightenment, 1745–1790, que, se Haydn não foi muito longe nesse gênero musical, tal fato se deveu à sua decisão em parar de compor ópera após Armida (1783) ao perceber que Mozart se revelava como o “supremo compositor operístico do seu tempo” – obviamente esse entendimento era pessoal, pois o público vienense (como brincava Joseph II, imperador austríaco) não era tão exigente, e muito menos possuía tal consciência.

Enfim, Haydn desistiu da ópera por desejar ser honesto consigo mesmo – passando a concentrar suas energias, sabiamente, naquilo em que foi insuperável: sinfonias, quartetos e missas. A renomada professora Eva Badura-Skoda do Mozarteum (Salzburg) afirmou que, se Mozart não tivesse existido, Haydn (não Gluck) acabaria se tornando o maior compositor de óperas da segunda metade do século XVIII.

O próprio Haydn esclarece a sua relação com a ópera na carta que enviou em 1787 a Franz Roth, comissariado em Praga, respondendo a um pedido de envio de uma ópera sua – um dos mais comoventes desabafos que conheço e que só reafirma a grandeza do velho mestre:

“Você me pede uma ópera buffa… Envio com todo prazer, se você quiser ter uma das minhas composições vocais para sua coleção pessoal. Mas se você pretende apresentá-la em Praga, não posso corresponder ao seu desejo, pois todas as minhas óperas são muito ajustadas ao nosso gosto local e, além disso, elas não produziriam o efeito apropriado em Praga. Seria outra coisa se eu tivesse a sorte de compor com novo libreto para o seu teatro. Mas, mesmo assim, eu estaria arriscando um ótimo contrato, pois dificilmente qualquer homem pode ser comparado ao grande Mozart. Se eu pudesse imprimir na alma de cada amante da música, e nas grandes personalidades em particular, o quão inimitáveis são as obras de Mozart, o quão profundas, o quão musicalmente inteligentes, o quão extraordinariamente sensíveis (pois é assim que as percebo, como eu as sinto), então as nações competiriam umas com as outras para possuir essa jóia dentro de suas fronteiras. Praga deve segurar logo esse grande homem – mas deve recompensá-lo também… Irrita-me pensar que este Mozart incomparável ainda não está contratado por nenhuma corte real ou imperial! Perdoe-me se perdi minha cabeça: mas eu amo esse homem tão querido.”

Johann Michael Haydn

Embora não haja evidências objetivas, Haydn já devia ter ouvido falar do jovem Mozart nos anos de 1760/1770 – afinal tinha um irmão que trabalhava em Salzburg e era amigo da família Mozart. Por sinal, Mozart escreveu duetos para viola e violino a pedido de Johann Michael Haydn (1737-1806), que havia ficado doente e não conseguiria atender a uma encomenda.

Mozart, por sua vez, deve ter conhecido a música de Papa Haydn (como o chamava) a partir das obras executadas em Salzburg, Londres, Viena e, especialmente, na viagem a Paris de 1778, onde circulavam muitas edições impressas de suas obras.

Edição antiga de quartetos de Haydn

O professor Robbins-Landon registrou que, durante a década de 1780, Haydn passou a deixar sua pacata vida na corte da família Esterházy (seus patrões) para visitar Viena nos meses de dezembro e janeiro – época em que os concertos eram freqüentes por lá.

Alguns estudiosos mais prudentes afirmam que o primeiro contato pessoal entre os dois mestres aconteceu em dezembro de 1783, durante um dos concertos beneficentes da Tonkünstler-Sozietät de Viena – organização de apoio a viúvas de músicos. Se não foi nesse momento, outra oportunidade foi na apresentação do belíssimo (e injustamente desconhecido) oratório Il Ritorno di Tobia de Haydn em março de 1784 – após uma revisão do compositor (áudio abaixo).

Início do coro Odi le nostre voci de Il Ritorno di Tobia:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Haydn-Il-Ritorno-di-Tobia-Odi-le-nostre-voci-DORATI.mp3|titles=Haydn: Il Ritorno di Tobia (Dorati/Decca)]

Tudo indica, porém, que os dois gênios já deviam ter se encontrado em março de 1768, ano em que Mozart , aos 12 anos de idade, passou um bom tempo em Viena compondo a graciosa Bastien und Bastienne (KV 50) e quando também assistiu a uma apresentação do Stabat Mater de Haydn (áudio abaixo), que foi regido pelo compositor numa igreja de Leopoldstadt (subúrbio da capital austríaca).

Seleção do Sancta Mater do Stabat Mater de Haydn:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Haydn-Stabat-Mater-PINNOCK.mp3|titles=Haydn: Stabat Mater (Pinnock/DG)]
Igreja de Viena (Barmherzige Brüder) em que Mozart viu Haydn reger o seu Stabat Mater

Oficialmente, registra-se o primeiro contato dos compositores em 1784, quando Mozart estava finalizando a composição dos chamados Quartetos Haydn e recebeu o homenageado para a estréia dos primeiros – ficando Haydn no primeiro violino; Carl Ditters von Dittersdorf (1739-1799) no segundo violino (compositor de um belo ciclo de sinfonias chamado Metamorphosenáudio abaixo); Mozart na viola; e Jon Krtitel Vanhal (1739-1813) no violoncelo (de quem Mozart tocou um concerto para violino anos antes e foi bastante aplaudido, segundo carta sua – áudio abaixo).

Seleção da Sinfonia nº 6 de Dittersdorf (Allegro assai):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Dittersdorf-Sinfonia-6-D-Major-Allegro-assai-GMUR.mp3|titles=Dittersdorf: Sinfonia 6 (Gmur)]

Seleção do Concerto para violino em Si bemol maior de Vanhal (Allegro):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Vanhal-Vn-Concerto-Allegro-MULLER-BRUHL.mp3|titles=Vanhal: Vn Concerto (Muller-Bruhl)]
Casa de Mozart em Viena, onde foram compostos os Quartetos Haydn

Em 1785, o conjunto de quartetos estava concluído e foi executado perante Haydn e Leopold Mozart (1719-1787), pai de Mozart, no apartamento do compositor que fica na Domgasse, em Viena –  privilegiado pela quantidade de obras-primas compostas entre as suas paredes, incluindo Le Nozze di Figaro. Numa carta a Maria Anna (Nannerl) Mozart (1751-1829), sua filha, Leopold relatou o famoso comentário de Haydn sobre a música do filho: “Diante de Deus e como um homem honesto, confesso-lhe que o seu filho é o maior compositor que conheci em pessoa e por nome. Ele tem bom-gosto e, além disso, o mais profundo conhecimento de composição.”

No outono seguinte, Mozart retribuiu essa gentileza quando ofereceu seus seis quartetos a Haydn associado a uma comovente dedicatória, na qual o considera como seu melhor e mais célebre amigo.

É importante considerar que a publicação dos quartetos do Op. 33 de Haydn, em 1782, estimulou enormemente a decisão de Mozart em compor os Quartetos Haydn – segundo o professor Mark Evan Bonds, da University of North Carolina.

Mozart e Haydn tiveram muitos amigos em comum e freqüentaram a mesma loja maçônica. No final da década de 1780, Haydn passou a permanecer mais na capital austríaca, pois já não tinha o mesmo ânimo no trabalho para os Esterházy. No início de 1790, o grande príncipe Nikolaus Esterházy faleceu e o seu herdeiro reduziu drasticamente os gastos com a música. O velho mestre da música assim se aposentou e se mudou definitivamente para Viena.

Príncipe Nikolaus Esterházy

Em 10 de novembro de 1790, Mozart retornou de uma viagem à Alemanha e, durante as quatro ou cinco semanas seguintes, teve encontros quase que diariamente com Haydn, de acordo com o professor David Wyn Jones, da University of Wales, Cardiff.

Eles chegaram ainda a tocar juntos em quintetos para cordas de Mozart. Logo depois, Haydn viajou para Londres e nunca mais se encontraram.

Ao ficar sabendo do falecimento de Mozart em 1791, ainda na Inglaterra, Haydn desabafou a um amigo não acreditar que a “Providência” teria cessado rapidamente a vida de “alguém tão indispensável”.

Embora muitos autores tenham escrito sobre a influência de Haydn sobre Mozart e vice-versa, ainda se considera insuficiente o que foi estudado a respeito.

São indicados, por exemplo, os quartetos KV 168 a 173 de Mozart como sendo legítimas influências do Op. 20 de Haydn (áudio abaixo).

Seleção do Quarteto nº 2 do Op. 20 de Haydn (Moderato):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Haydn-Op.-20-2-Moderato-KODALY.mp3|titles=Haydn: Op. 20-2 (Kodaly Quartet)]

O professor David Jones (mencionado acima) defende que a composição de quartetos é a área em que há maiores evidências de que Mozart procurou aprender com Haydn, assim como Beethoven faria mais tarde – salientando que, em cópias dos quartetos do Op. 17 de Haydn (áudio abaixo), Mozart inseriu anotações sobre dinâmica – o que evidencia interesse em estudar aquela música. Também anuncia que um pequeno fragmento de quarteto de Mozart do início da década de 1780 foi visivelmente modelado sobre um dos quartetos do opus mencionado.

Seleção do Quarteto nº 2 do Op. 17 de Haydn (Moderato):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Haydn-Op.-17-2-Moderato-KODALY.mp3|titles=Haydn: Op. 17-2 (Kodaly Quartet)]

Conforme enfatizado pelo professor Mark Bonds, os Quartetos Haydn também apresentam relações muito próximas com os quartetos do homenageado. Os exemplos mais claros são os finais do Op. 33 nº 5 e do KV 421; os minuetos do Op. 33 nº 2 e do KV 428; e os movimentos lentos do Op. 33 nº 1 e do KV 465 (áudios abaixo).

Seleção do Quarteto nº 5 do Op. 33 de Haydn (Finale: Allegretto):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Haydn-Op.-33-5-Finale.-Allegretto-MOSAIQUES.mp3|titles=Haydn: Op. 33-5 (Quatuor Mosaïques)]


Seleção do Quarteto KV 421 de Mozart (Allegretto ma non troppo):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Mozart-K.-421-K.-417b-Allegretto-ma-non-troppo-MOSAIQUES.mp3|titles=Mozart: KV 421 (Quatuor Mosaïques)]


Seleção do Quarteto nº 2 do Op. 33 de Haydn (Scherzando & Trio):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Haydn-Op.-33-2-Scherzando-Trio-MOSAIQUES.mp3|titles=Haydn: Op. 33-2 (Quatuor Mosaïques)]


Seleção do Quarteto KV 428 de Mozart (Menuetto):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Mozart-K.-428-K.-421b-Menuetto-MOSAIQUES.mp3|titles=Mozart: KV 428 (Quatuor Mosaïques)]


Seleção do Quarteto nº 1 do Op. 33 de Haydn (Andante):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Haydn-Op.-33-1-Andante-MOSAIQUES.mp3|titles=Haydn: Op. 33-1 (Quatuor Mosaïques)]


Seleção do Quarteto KV 465 de Mozart (Andante cantabile):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Mozart-K.-465-Andante-cantabile-MOSAIQUES.mp3|titles=Mozart: KV 465 (Quatuor Mosaïques)]


Nos quintetos de Mozart, ainda segundo o professor Bonds, sente-se o sopro de Haydn no movimento rápido do KV 593 (perante o Op. 64 nº 5) e no movimento final do KV 614 (diante do Op. 64 nº 6) – áudios abaixo. Como informado, os dois amigos tocaram esses quintetos juntos. Há ainda alusões do professor Malcolm Cole (University of California, Los Angeles) quanto à influência das três primeiras Sinfonias Parisienses de Haydn sobre as sinfonias 39, 40 e 41 de Mozart, entre outras relações musicais.

Seleção do Quinteto KV 593 de Mozart (Allegro):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Mozart-K.-593-Allegro-TALICH.mp3|titles=Mozart: KV 593 (Quatuor Talich)]


Seleção do Quarteto nº 5 do Op. 64 de Haydn (Vivace):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Haydn-Op.-64-5-Vivace-KODALY.mp3|titles=Haydn: Op. 64-5 (Kodaly Quartet)]


Seleção do Quinteto KV 614 de Mozart (Allegro):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Mozart-K.-614-Allegro-TALICH.mp3|titles=Mozart: KV 614 (Quatuor Talich)]


Seleção do Quarteto nº 6 do Op. 64 de Haydn (Presto):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Haydn-Op.-64-6-Presto-KODALY.mp3|titles=Haydn: Op. 64-6 (Kodaly Quartet)]


Em relação à influência de Mozart sobre Haydn, as evidências não são vastas, mas estudos são realizados há mais de um século sobre essa questão. Em um deles, publicado em torno de 1898 e intitulado Das Grosse Dreigestirn: Haydn, Mozart, Beethoven, Gustav Hoecker realça a transformação da música de Haydn a partir do seu relacionamento mais direto com Mozart. Juntamente com outro estudioso (Leopold Schmidt), Hoecker garante que o repertório tardio de Haydn, particularmente as suas últimas sinfonias e oratórios, reflete a influência mozartiana.

O professor David Jones anuncia, em recente artigo, estudos sobre uma evolução diferenciada na linguagem harmônica de Haydn durante os anos 1780/1790 após maior contato com a música mozartiana e reflexos de Die Zauberflöte em Die Schöpfung, especialmente na utilização dos sopros. O acadêmico destaca ainda a relação do movimento lento da sinfonia 40 de Mozart com o penúltimo número de Die Jahreszeiten, quando o início do inverno é comparado com o fim da vida humana (áudio abaixo). Naturalmente, por se saber que Haydn já tinha status de celebridade quando Mozart era criança, espera-se que aquele tenha atuado predominantemente como inspiração para este.

Seleção de Die Jahreszeiten de Haydn (Arie n. 38):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/Haydn-Die-Jahreszeiten-Der-Winter-DORATI.mp3|titles=Haydn: Die Jahreszeiten (Dorati/Decca)]


A relação musical entre os compositores era tão forte que Haydn passou a ser considerado por muitos como a continuidade de Mozart, após a morte deste. Nesse sentido, o conde Waldstein, ciente de que Beethoven estudaria com Haydn em Viena, escreveu ao jovem alemão que, com sua dedicação, ele receberia “o espírito de Mozart das mãos de Haydn”.

Carta profética do Conde Waldstein a Beethoven

Este post tem 11 comentários.

11 respostas para “A conexão Haydn-Mozart”

  1. Poder-se-ia falar, talvez, que a principal influência de Mozart sobre Haydn foi de cunho negativo: como bem exposto pelo Frederico Toscano, Haydn parou de escrever óperas depois de conhecer as grandes obra do gênero compostas por Mozart em seu período vienense. Além disso, não mais se aventurou no reino do concerto para piano, em que Mozart era seu claro superior — nada obstante alguns concertos para piano muito bacanas compostos pelo mestre mais velho.

  2. Que ironia do destino, pensar que houve uma despedida formal entre os dois citados gênios vienenses, durante uma ocasião prévia de viagem de Haydn para Londres, dadas as circunstâncias inesperadas. Este sentira que é a última vez que os dois se veriam (o velho Haydn sentira que a morte lhe estava próxima), e se abraçaram como se fosse a última vez dos amigos.

    De fato essa foi a última despedida…Mas, ironicamente, quem encobriu à face o véu do sono eterno primeiro foi o jovem Mozart, que falecera muito antes do seu “Papai Haydn”.

    Um pai que se despediu do seu filho, para que uma cambalhota perversa do destino, metáfora contundente de troca de papéis: O jovem pródigo que muitas vezes foi pai de seu papai; a experiência de um jovem que influenciou o seu influenciador.

  3. Certa vez ouvi Artur da Távola comentando o seguinte:
    “Quando Mozart morreu, Haydn disse ao pai de Mozart que nunca sobre a terra havia pisado um músico igual ao seu filho.”
    Não entendi nada. Leopold não morreu antes de Mozart?
    =|

  4. Caro Joe,
    Estranho o saudoso Artur da Távola ter cometido tal equívoco, dado o seu conhecimento. De qualquer forma, sim: Leopold Mozart faleceu em 28 de maio de 1787, quatro anos antes do seu filho (Mozart faleceu em 1791). Em 1785, algo próximo do que você mencionou aconteceu. Haydn disse a Leopold a célebre frase: “diante de Deus e como um homem honesto, confesso-lhe que o seu filho é o maior compositor que conheci em pessoa e por nome. Ele tem bom-gosto e, além disso, o mais profundo conhecimento de composição”.
    Abraços mozartianos!

  5. Frederico,
    Excelente essa matéria. Cheguei a me comover com a carta de Haydn cheia de louvores a Mozart e com a grandeza da humildade de Haydn. Afinal ,eles poderiam ter sido rivais, com invejas ou até ofensas, como foram Brahms e Bruckner.
    De certo modo, foi um certo azar para Haydn ser contemporâneo do Amadeus. Ele é menos conhecido e menos visitado,porque o público, um tanto preguiçoso, costuma escolher entre dois similares , como também Bach x Handel ou Beethoven x Schubert, binômios em que um nao exclui o outro. As semelhanças nem são tantas e essas três duplas formam seis personalidades tão fortes que nada deles pode ser descartado. Se preteríssimos algum seria em nosso prejuízo. E Haydn não é tão inferior a Mozart. Este foi mais longe nas últimas sinfonias, mas ,no conjunto, suas sinfonias são desiguais, sem o constante padrão de qualidade que as 104 de Haydn sustentam. O sublime ciclo de Mozart são os 27 concertos, de homogêneo esplendor. E,claro, as óperas ainda fazem dele o operista por excelência, talvez superior a Verdi, Wagner e R.Strauss.
    Guardadas as poucas influências recíprocas, as dedicatórias, a amizade entre os dois, eram dois gênios diferentes e fecundos (somente Bach e Handel tiveram tanta prodigalidade com alto nível), cuja semelhança teimamos em reconhecer porque eles eram dois gigantes que se reconheceram e pairam como duas elevadas torres em meio a muita mediocridade na segunda metade do séc. XVIII.

  6. É verdade, Flavio. Se não tivesse um caráter iluminado, Haydn cairia no território dos medíocres e travaria batalhas sangrentas com Mozart, numa corrosão danosa a ambos. Pelo contrário: os dois gênios evoluíram juntos, e os frutos disso podemos apreciar com muito prazer. Concordo contigo quanto à sombra da fama de Mozart sobre Haydn, tornando este menos conhecido pelo público. Para nós, no entanto, é claro que a importância e a qualidade dos trabalhos de Haydn muitas vezes atinge Mozart, e até supera em certos casos. É fato sua colocação sobre Bach e Händel. São duas torres independentes que reinam no barroco tardio. Vivaldi, a outra grande torre contemporânea. Para mim são as três colunas supremas do período.
    Abraços e obrigado pela mensagem!

  7. Caro Frederico, eu gerei talvez uma pequena confusão colocando em parêntesis a fecundidade de Bach e Handel, de sorte que as “Duas Torres” poderiam valer para estes ou para Haydn-Mozart, os quais foram minha intenção. No caso, realmente tanto faz . São 4 torres de altura ainda não alcançada . No Barroco tardio, aceito Vivaldi como uma terceira “torre”, algo mais baixa que os dois gigantes alemães. As óperas de Vivaldi contém pepitas de expressividade barroca que reforçam o axioma de que nem só o romantismo expressa emoções. Pena que quase ninguém lhe conheça as óperas, talvez por “culpa” das Quatro Estações….

  8. Caro Flavio, sempre considerei Vivaldi o mestre do concerto barroco. Händel na ópera e Bach no sacro. Alguns conjuntos, como os de Rinaldo Alessandrini e Fabio Biondi, conseguiram extrair decentemente a verdadeira e rica essência de sua arte. A grande maioria, porém não sabe e não tem competência para interpretar Vivaldi. Com a ressurreição recente de suas óperas em grande volume no selo Naïve, mesmo havendo altos e baixos na qualidade das gravações (mais altos, é verdade), passei a considerar bastante o padre no gênero do teatro musical. Como você disse, há pérolas muito preciosas em suas óperas. E estão surgindo mais a cada resgate do selo. Tenho ânimo e convicção sobre os muitos tesouros ainda a serem revelados e redescobertos no mestre veneziano. Vamos em frente!

  9. Vivaldi é astro e o sonho das “torres alemãs” era alcançá-lo, mas, no máximo se aproximaram (a torre de Babel nunca alcançou os astros para desespero de Hitler)… sabemos que Handel e Bach não superam Vivaldi em nada; aliás, devem aos italianos as aulas de contraponto, polifonia, harmonia entre outras! Tomaso Albironi foi o músico mais influente da Alemanha na época de Bach…basta investigar que muitas da fugas de Albironi e dos concertos de Vivaldi foram copiados por Bach que buscava aprender o que os mestres italianos já estavam cansados de saber!
    Att,
    J Sabino

  10. Caro Jesus Sabino, peço desculpas por ter invocado “duas torres germânicas”. Em matéria artística, penso que rankings serão sempre uma impropriedade do subjetivismo. Já o ranking segundo valores nacionais ou raciais nem mereceria atenção.
    Infelizmente, vivemos uma futebolística polarização .
    Na história, a primazia da Itália – em todas as artes europeias – seria inegável para um colegial. Grande parte da universalidade da língua italiana, abstraindo a raiz do latim e a vanguarda nas artes, deve-se à nomenclatura musical e, por que nao dizer, aos libretos de ópera ,ou à excelência dos compositores peninsulares? “Sabemos”…
    Nem por isso, diríamos que as fugas de Bach são subproduto do barroco italiano. Era comum o plágio em tempos barrocos, todavia, mais importante é o que se faz com o plágio.
    Jamais negaríamos, os métodos italianos foram matrizes para a poesia, as artes plásticas, a arquitetura e a música, Todos sabemos : Grécia e Itália são a gênese da cultura ocidental. China e Japão o sabem.
    Quanto à música germânica, sugiro , contrito, que importa menos a altura de suas torres no pódio. Se relacionar Wagner a Hitler me parece uma mesquinhez anacrônica, muito pior seria ligar Bach ao Fuehrer…
    Assim como Rússia é bem mais do que Lênin e Alemanha é bem mais do que Hitler, a Itália nao se resumiria a Mussolini ou à música barroca.
    Por fim, viva VIVALDI, o padre ruivo que viveu na cosmopolita e Sereníssima República de Veneza.

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