19abr 2017
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Um banho de seriedade na ópera barroca

Monteverdi, o último grande madrigalista, maior compositor italiano de sua geração e referência da ópera barroca do século XVI. Desenvolveu sua carreira trabalhando como músico da corte do duque Vincenzo Gonzaga (1562-1612), em Mântua, e depois assumindo a direção musical da Basílica de São Marcos, em Veneza.

Durante o século XVI, o arioso era a unidade musical para o canto solo mais importante nas óperas, ocupando um lugar intermediário entre o recitativo e a ária. Ele foi disseminado pelos compositores que trabalhavam em Florença, a mais rica cidade da Itália na época. O termo significa “como uma ária”. Muitas vezes é confundido com o recitativo acompanhado (texto declamado com apoio em alguns instrumentos). É semelhante ao recitativo devido à sua estrutura próxima à fala. Por outro lado, se assemelha à ária em sua forma melódica, sendo ambos mais próximos do canto. Outra diferença está na forma de composição, já que o arioso, geralmente, não recorre ao processo de repetição, como se pode conferir no áudio abaixo de “Possente spirto”, da ópera Orfeo de Claudio Monteverdi (1567-1643).

Monteverdi: “Possente spirto” (Orfeo)

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Na transição do século XVII para o XVIII, porém, iniciou-se uma metamorfose no arioso. O recitativo e a ária passaram a se tornar nitidamente diferenciados. O recitativo passou a ser efetivamente restrito em melodia e harmonia, em dois tipos básicos: o seco (secco) e o acompanhado (stromentato). O primeiro, com apenas o cravo no acompanhamento, servia para fazer a ação avançar num diálogo rápido. O segundo, com a presença das cordas associadas ao baixo contínuo para comentá-lo, introduzia monólogos que contivessem emoções muito violentas ou constituíssem guinadas importantes na história. Sua função essencial era exprimir as emoções que as palavras eram incapazes de transmitir, de sugerir, junto com as atitudes e gestos do ator, uma profundidade maior dos sentimentos que só podia ser fornecida pela música e o movimento. Nos áudios abaixo, temos um exemplo de cada tipo de recitativo.

– Exemplo de recitativo seco:

Händel: “Vanti, o cara, il ruscello” (Aci, Galatea e Polifemo)

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– Exemplo de recitativo acompanhado:

Händel: “Ma qual orrido suono” (Aci, Galatea e Polifemo)

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A ária, por sua vez, ampliou-se, agregando mais melodia com ornamentação elaborada, trazendo um instrumento solista para “competir” com a voz. Devido ao fascínio que exercia, a coloratura – execução de diversas notas em uma única sílaba, rapidamente e com grande agilidade, podendo ser em legato (notas ligadas) ou staccato (notas separadas) – evoluiu a tal ponto que lançou o texto cantado para segundo plano. Era o grande desafio dos cantores, e sua fama decorria basicamente do seu desempenho nesse recurso vocal. Com tanta ornamentação, repetição de frases e alongamento das palavras, às vezes ficava difícil entender o texto. No áudio abaixo, temos um exemplo padrão do emprego da coloratura.

Porpora: “Tu che d’ardir m’accendi” (Siface)

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Gravina
Gravina, fundador da Academia dos Árcades, que formou os libretistas reformadores da ópera seiscentista.

A gradativa valorização das árias nas óperas resultou na redução do número de conjuntos vocais e na separação absoluta dos momentos puramente orquestrais, que antes se dissolviam na ação entre as vozes. Tal transformação na estrutura da ópera estava intimamente motivada pela influência dos membros da Pontifícia Academia dos Árcades, sociedade literária fundada em Roma, no ano de 1690, por Giovanni Vincenzo Gravina (1664-1718), durante uma reunião de 14 literatos pertencentes ao círculo que se formou, a partir de 1656, em torno da rainha Cristina da Suécia (1626-1689), que abdicara do trono do seu país em 1654, convertendo-se ao catolicismo e passando a residir em Roma.

Cristina
Rainha Cristina da Suécia, mecenas dos poetas árcades que desenvolveram um novo estilo de ópera, contra o “mau gosto” do barroco inicial.

Depois da morte da rainha sueca, foi fundada a Academia em sua memória, nomeando-a como patrona. Seu propósito original era reformar a poesia italiana sob a inspiração da poesia pastoral clássica – o que rebatia diretamente na produção de libretos para as óperas. Sua primeira sessão formal ocorreu em 5 de outubro de 1690, e logo se tornou uma sociedade altamente exclusiva e prestigiada. A Academia dos Árcades acabou por se tornar um verdadeiro movimento literário que se desenvolveu e difundiu por toda a Itália em resposta ao que era então considerado como o “mau gosto” do Barroco, propondo-se a eliminar tudo o que fosse inútil. Teve como membros destacados os renomados compositores Alessandro Scarlatti (1660-1725) e Arcangelo Corelli (1653-1713), entre outros.

Corelli & Scarlatti
Corelli e A. Scarlatti, celebridades da música e membros da prestigiada Academia dos Árcades.

Com essa transformação na estrutura da música e na concepção dos libretos, foi tomando corpo um novo modelo de ópera que se disseminou na Europa – porém, com certa limitação na França devido à forte presença do estilo operístico desenvolvido por Jean-Baptiste Lully (1632-1687), conhecido como tragédie lyrique. Algumas cidades passaram a se destacar como novo centro cultural, como Milão – diretamente influenciada por Viena, que a governava. A tragédia francesa de Pierre Corneille (1606-1684) e Jean Baptiste Racine (1639-1699) ganhava foco e se tornava modelo de teatro, associada às unidades aristotélicas (tempo, lugar e ação). A valorização da poesia renascentista resulta, assim, em temas pastorais nos primeiros libretos reformados, como antídoto aos excessos da imaginação barroca.

Corneille Racine
Corneille, fundador da tragédia francesa, e Racine: os maiores dramaturgos clássicos da França, que influenciaram profundamente a história da ópera.

Os libretos produzidos sob a orientação da Academia dos Árcades – que definiam a música a ser inserida nos seus textos – inspiravam-se no modelo clássico e na natureza, como fonte de beleza e pureza. Nesse sentido, observa-se um bucolismo com forte carga de ingenuidade e inocência. Havia uma preocupação em se ressaltar a superioridade da virtude dentro do papel da música como instrumento da moral. Esse novo estilo de ópera não tinha mais o foco de provocar o espanto com a grandiosidade dos espetáculos cheios de personagens e suas máquinas extravagantes da geração anterior. Menos ainda de trazer qualquer clima cômico para os palcos. Era preciso expurgar e purificar a ópera da imoralidade dos libretos corrompedores, como o de L’Incoronazione di Poppea, escrito por Giovanni Francesco Busenello (1598-1659) e musicado por Monteverdi em 1643.

Monteverdi: “Signor, deh, non partire!” (L’Incoronazione di Poppea)

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Não deveria haver acontecimentos miraculosos que viessem deturpar a realidade. A regra da separação dos gêneros, também herdada do teatro seiscentista francês, eliminou a mistura de cenas sérias e cômicas – daí o nome de opera seria. Os números cômicos, de que o público gostava tanto, não desapareceram: passaram a ser apresentados no intervalo entre um ato – os chamados intermezzi. Mais tarde, as cenas do intermezzo foram agrupadas numa peça independente, dando origem à ópera bufa, que terá seus anos de ouro no Classicismo e início do Romantismo, especialmente com Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), Domenico Cimarosa (1749-1801), Gioacchino Rossini (1792-1868) e Gaetano Donizetti (1797-1848).

Mozart Cimarosa Rossini Donizetti
Mozart, Cimarosa, Rossini e Donizetti: os maiores compositores de óperas bufas da história da música e responsáveis pela consolidação do gênero.

Todos os temas abordados nas óperas deveriam ser grandiosos. As paixões mais nobres deveriam ser expressas com clareza de sentimentos, conduzindo a uma conclusão triunfal. Essa regra do final feliz obrigatório permanecerá até o início do século XIX. De última hora, uma solução inesperada aparecia. Um súbito acesso de bom senso se apoderava das personagens levando-as ao perdão, à compreensão e à renúncia. Na segunda metade do século XVIII, esse final feliz estava muitas vezes associado ao chamado “déspota esclarecido”. O soberano, cheio de sabedoria, compreendia as fraquezas dos seus súditos e os perdoava no último minuto. O exemplo mais famoso dessa prática é o final de La Clemenza di Tito, de Mozart, exibido no vídeo abaixo.

Mozart: “Tu, è ver, m’assolvi, Augusto” (La Clemenza di Tito)

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Zeno
Zeno, o primeiro grande reformador do libreto da ópera barroca, na virada entre os séculos XVII e XVIII. Foi influenciado pela difusão da tragédia francesa, tendo feito uso de algumas dessas obras como modelos para seus textos. Assim, por exemplo, o enredo de sua lphigenia foi tomado de empréstimo da obra homônima de Racine e usada muito livremente por Zeno em sua adaptação para a ópera.

Uma figura primordial na chamada “primeira reforma da ópera” foi o poeta veneziano Apostolo Zeno (1669-1750), por sua vez influenciado por Silvio Stampiglia (1664-1725), membros da Academia dos Árcades. Zeno condenava de forma veemente o uso de enredos irrealistas e caricatos na ópera de seu tempo. Por isso, defendeu o uso de textos mais dignos de desenvolvimentos mais verossímeis. Nesse sentido, a reforma que promoveu com seus libretos visou resgatar, em parte, o espírito original da ópera como concebido quase cem anos antes. Afastando os elementos fantásticos, propôs que se observasse a unidade de tempo e espaço, dando clareza ao desenvolvimento do enredo. Ele também reduziu o número de personagens e de cenas e eliminou os papéis cômicos caricatos. Zeno foi convidado para trabalhar em Viena pelo imperador Carlos VI, onde foi investido com os dois empregos de atribuições aparentemente opostas: historiador imperial e poeta da corte, cargos que ocupou entre 1718 e 1732.

Alessandro Scarlatti, destacado acima, é considerado o grande percursor do tipo de dramma per musica que será praticado durante o Barroco Tardio, sobretudo no período que ele passou em Roma em contato direto com a Academia dos Árcades. Sua geração incluía Antonio Caldara (1670-1736), Tomaso Albinoni (1671-1751) e Giovanni Battista Bononcini (1670-1747), cujas personagens, trazidas de Zeno e Stampiglia, tinham origem histórica ou semi-histórica e eram tratadas com muita liberdade factual. A personalidade mais importante na primeira geração, no entanto, é o padre Antonio Vivaldi (1678-1741), o renovador da ópera veneziana nos termos propostos por Zeno e seus seguidores.

Caldara Albinoni Bononcini Vivaldi
Caldara, Albinoni, Boncini e, sobretudo, Vivaldi, ao lado de A. Scarlatti, foram os maiores nomes da primeira fase da “opera seria”, musicando os libretos de Stampiglia e Zeno.

A contribuição de Zeno e Stampiglia para a reforma da ópera na virada do século XVII, e primeiras décadas do século XVIII, foi de extrema importância. No entanto, esse brilho foi quase completamente ofuscado por Pietro Antonio Domenico Bonaventura Trapassi (1698-1782), que usava o apelido de Metastasio, sucessor de Zeno no posto de poeta da corte imperial de Viena, que iniciou sua carreira protegido por Giovanni Gravina na Academia dos Árcades, citado acima. Muito embora Zeno tenha restaurado a estrutura da ópera barroca, corrigindo os excessos decadentes da fase anterior, a obra de Metastasio, além de seguir precisamente a mesma linha, tinha méritos poéticos muito superiores aos de Zeno. Nenhum outro libretista teve sua obra tão amplamente musicada quanto Metastasio.

Metastasio
Metastasio, o maior libretista do Barroco Tardio. O sucesso da sua obra pode ser resumido em um número simples: seus textos foram representados nos palcos operísticos mais de oitocentas vezes durante o século XVIII. Virtualmente todos os músicos de renome dedicados à ópera musicaram textos dele naquele século. Sua escrita não era apenas poética, era poesia voltada para a música. Com seus textos, a “opera seria” não tinha apenas sido resgatada. Ela atingia seu ápice do ponto de vista da qualidade poética de seus libretos.

Um aspecto que contribuiu para a superação dos libretos de Zeno pelos de Metastasio foram os recitativos muito longos entre um número musical e outro, nos quais o antigo mestre inseria as reflexões filosóficas e morais que, em sua opinião, agradariam os mais cultos. Com isso, as árias eram empurradas para os finais das cenas (surgia a aria di sortita, ou “ária de saída”) para que, tendo terminada a ação dramática, se transformassem em pura abstração poética, projetando os indivíduos num plano ideal de expressão universal: a esfera dos sentimentos ou emoções arquetípicos que cada um deles representava. Zeno buscava inserir no dramma per musica uma variedade bem maior de affetti (estados de alma, sentimentos) do que na tragédia falada, para transmitir musicalmente as emoções. Disso decorre a oscilação emocional das personagens nas óperas do Barroco Tardio – período da música onde se insere a opera seria – e a necessidade de meios para o compositor caracterizar musicalmente em árias sentimentos como o amor, o ódio, a saudade, a tristeza e a alegria, o desejo de vingança, o arrependimento e o perdão (áudios abaixo). Isso, por sua vez, implicava em mudanças bruscas na ação a partir de disfarces, identidades trocadas e revelações súbitas por parte das personagens.

– Ária expressando ódio:

Händel: “Crude furie degl’orridi abissi” (Serse)

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– Ária expressando amor:

Pergolesi: “Mentre dormi Amor fomenti” (L’Olimpiade)

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– Ária expressando saudade:

Händel: “Ritorna, oh, caro e dolce mio tesoro” (Rodelinda)

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– Ária expressando tristeza:

Händel: “Se pietà di me non senti” (Giulio Cesare in Egitto)

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– Ária expressando perdão:

Hasse: “Se mai senti” (La Clemenza di Tito)

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– Ária expressando alegria:

Händel: “Bel piacer è godere fido amor” (Agrippina)

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– Ária expressando desejo de vingança:

Händel: “Destructive war” (Belshazzar)

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A reforma dirigida por Zeno e Metastasio revestiu a opera seria com algumas características básicas, bem detalhadas por Lauro M. Coelho (*). São alocados seis (raramente oito) personagens arquetipicamente desenhados (cada um representando determinado sentimento humano). Nos libretos de Metastasio, é fixado o número de três atos. O desenrolar dos acontecimentos pode ser colocado dentro de um só dia: do amanhecer até o crepúsculo (muitos libretos prendem-se a esse esquema) – mas a impressão que muitos deles dão é de que a ação está se desenvolvendo fora de qualquer colocação temporal. O elemento miraculoso é totalmente eliminado e o desenvolvimento da intriga concentra-se na análise das emoções e dos conflitos íntimos e na interação psicológica das personagens, de acordo com a chamada “doutrina das afeições”, que separava as emoções em “afeições” bem definidas (tristeza, alegria, raiva, esperança), como comentado acima. Em cada uma das unidades musicais autônomas, apenas uma dessas “afeições” poderia ser tratada. Em cada ária da capo, portanto, um único estado emocional era abordado. Com isso, a opera seria é também conhecida como “ópera dos estados de ânimo”.

Diante dessa formalização no tratamento das árias e a padronização de suas posições nas óperas, tornaram-se cada vez mais autônomas e funcionavam basicamente como ilustração e metáfora do estado de espírito exposto na cena anterior. Com o tempo, passou-se a observar um intercâmbio de árias entre óperas sem grandes problemas para seus enredos. Os músicos substituíam as árias antigas por novas quando suas óperas eram reprisadas ou as adaptavam para as características de novos cantores que chegavam ao elenco. Era visto com frequência o chamado pasticcio, tipo de opera seria que abrigava música de vários compositores sobre um mesmo libreto. Cristalizaram-se, assim, diversos modelos diferentes de árias, cada um deles utilizados numa situação específica. Abaixo estão alguns deles, com respectivo exemplo.

Aria di bravura ou d’agilità: ária em tempo enérgico, valorizando a agilidade vocal dos cantores e empregada para exprimir ira, vingança e paixão.

Hasse: “Come nave in mezzo all’onde” (Viriate)

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Aria di mezzo carattere: ária em tempo moderado para exprimir ternura, amor e dor.

Händel: “Piangerò la sorte mia” (Giulio Cesare in Egitto)

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Aria di portamento: ária em tempo lento que destaca a capacidade do cantor de conduzir a voz e de sustentar as notas longas.

Porpora: “Morte amara” (Lucio Papirio)

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Aria di sorbetto: ária dirigida aos papéis secundários, durante as quais o público se distraia lanchando ou, geralmente, tomando sorvete.

Vivaldi: “La timida cervetta” (Teuzzone)

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Aria di caccia: ária na qual a trompa (antigo instrumento de caça) acompanha o cantor.

Händel: “Sta nell’Ircana” (Alcina)

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Aria di guerra: ária na qual o trompete acompanha o cantor.

Händel: “Or la tromba in suon festante mi richiama a trionfar” (Rinaldo)

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Quando se tornou um estilo consolidado, a opera séria tinha em Johann Adolph Hasse (1699-1783) o compositor com quem a fórmula metastasiana pura chegou a seu apogeu. Na Inglaterra, com superior importância musical e certa inovação, Georg Friedrich Händel (1685-1759) trazia a influência da ópera francesa para o modelo metastasiano. Juntos, Hasse e Händel representavam os mestres supremos que demonstram plenamente o potencial dramático do gênero. Outros compositores também produziram trabalhos relevantes em paralelo, como Nicola Antonio Porpora (1686-1768) e Leonardo Vinci (1690-1730).

Handel Porpora Vinci Hasse
Händel, Porpora, Vinci e Hasse: os grandes mestres da fase madura da “opera seria”, sendo o primeiro considerado o maior compositor do Barroco Tardio no gênero.

A qualidade dos libretos dessa época é reconhecidamente muito alta. São verdadeiras obras de arte isoladas. Geométricos, refinados, elegantes. Tudo na busca de um “bom gosto”, que respondesse aos hábitos aristocráticos. Na linha da tragédia francesa do século XVII, entendia-se que não era adequada ao palco a exibição de cenas violentas ou chocantes. Assim sendo, as cenas de batalha, os assassinatos, as representações de tempestades ou terremotos foram substituídas por narrativas. O final feliz não era regra no início da reforma da ópera. Em seus primeiros libretos, Metastasio manteve o final trágico, por querer manter-se fiel ao modelo da tragédia antiga. Isso mudou porque os espetáculos sanguinários não agradavam ao imperador Carlos VI, para quem trabalhava. Na tragédia francesa, a morte não era exibida diretamente em cena. Um herói perdia a vida nos bastidores, e a notícia era trazida ao palco por um porta-voz em um sóbrio recitativo seco. Metastasio procurava oferecer ao público a sensação de sospensione: um tipo de tensão que nasce do conflito entre a paixão e a virtude existentes na alma do protagonista.

A atuação do coro ficou mais limitada na opera seria. Sua presença era maior apenas nas chamadas feste teatrali, como Ascanio in Alba, de Mozart, que eram espetáculos organizados para grandes comemorações. Outra perda se verificou nos números de conjunto, que se tornaram raríssimos. No início do século XVIII, havia um apressado número de encerramento de que todo o elenco participava (exemplo no áudio abaixo). Mais adiante, por influência da ópera bufa, os números de conjunto passaram a adquirir maior importância. Os duetos eram mais comuns, embora a sua escrita se baseasse mais na alternância do que na combinação das duas vozes. Em geral ficavam no fim das cenas, como as arie di sortita, e quase sempre tinham um da capo (vídeo abaixo).

Händel: “Non trascurate, amanti” (Deidamia)

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Händel: “Io t’abbraccio” (Rodelinda)

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A abertura das opere serie seguiam o modelo italiano (rápido/lento/rápido) ou o francês (lento/rápido/lento), como podemos conferir nos vídeos abaixo. Com exceção de Händel, Vivaldi, Hasse e outros poucos mestres, as aberturas eram superficiais e serviam como aviso de início do espetáculo. Com o barulho da sala, era geralmente ouvida com dificuldade.

Pergolesi: L’Olimpiade (Abertura) [modelo italiano]

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Händel: Admeto (Abertura) [modelo francês]

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Havia o cuidado para que a escrita orquestral sustentasse a voz do cantor sem encobri-la. Em geral, os primeiros violinos tocavam em uníssono com a voz e continuavam a tocar a melodia tal como era escrita a partir do momento em que o cantor começava a fazer variações. Os instrumentos solistas obbligati forneciam um contraste preciso em torno da linha vocal, como se pode conferir no áudio abaixo.

Pergolesi: “Lieto così talvolta” (Adriano in Siria)

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Em torno da metade do século XVIII, Carl Heinrich Graun (1704-1759), Baldassare Galuppi (1706-1785) e Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736) passaram a construir um novo caminho que apontava para uma renovação na ópera metastasiana.

Graun Galuppi Pergolesi
Graun, Galuppi e Pergolesi: grandes nomes da “opera seria” em sua fase tardia, indicando transição para um novo estilo. Os dois últimos foram fundamentais para o desenvolvimento da ópera cômica, a partir dos “intermezzi” compostos para os intervalos das “opere serie”.

Niccolò Jommelli (1714-1774) e Tommaso Traetta (1727-1779), baseando-se no exemplo de Jean-Philippe Rameau (1682-1764), abrem mais espaço ao coro, dando-lhe papel funcional e não só decorativo. Tais experiências abriram espaço para a grande reforma de Christoph Willibald Gluck (1714-1787), que vai formular o modelo da ópera para temas sérios. A superação da opera seria também decorreu do prestígio crescente da ópera bufa e, na Alemanha, do singspiel, que ocuparam lugar cada vez maior no palco, agradando a um público mais amplo. Refugiada no mundo fechado da estética aristocrática, como bem explica Lauro M. Coelho, a opera seria extinguiu-se naturalmente com a Revolução Francesa e a consequente ascensão do gosto burguês.

Jommelli Traetta Gluck
Jommelli, Traetta e Gluck: valorizaram o coro, inserindo-o com mais peso na ação da ópera. Suas obras já revelam notável avanço sobre o modelo metastasiano. O último será resposável pela segunda grande reforma da história da ópera…
 (*) Recomendo em especial, para aprofundamento no tema, a obra A Ópera Barroca Italiana (Coleção “História da Ópera”), de Lauro Machado Coelho, pela editora Perspectiva (2009). Bibliografia adicional: A Short History of Opera (Donald Grout, Columbia University Press: 2003); A History of Opera (Carolyn Abbate & Roger Parker, W.W.Norton: 2012) e History of Opera (Stanley Sadie, W.W.Norton: 1990).

Este post tem 6 comentários.

6 respostas para “Um banho de seriedade na ópera barroca”

  1. Grande post sobre a “opera seria”, parabéns, mestre! Como fã de carteirinha de Pergolesi, nunca deixo de amargurar sua morte, aos 26 anos, cortando uma carreira brilhante e um talento musical extraordinário.

    Com relação à iconografia pergolesiana, é incrivel descobrir que o único retrato autêntico feito em vida do compositor foi uma caricatura de 1734 de Pier Leone Ghezzi:
    http://www.centrostudipergolesi.unimi.it/pergolesi.php

    Neste desenho pouco lisonjeiro se percebem a perna esquerda atrofiada (consequência de pólio na infância?) e as feições grotescas. Ou seja, uma figura bem diferente do quadro “oficial” de Domenico Antonio Vaccaro, feito após a morte de Pergolesi. Abs.

  2. Caríssimo Monteiro, muito bom voltar a interagir contigo, nobre amigo do nosso blog, sempre com participações valiosas. Agradeço pela receptividade ao post. Também sou grande fã de Pergolesi. Sua morte sempre será algo que nunca vou digerir… 26 anos é inadmissível!!! Se com tão breve vida ele deixou o que deixou, imaginemos vivendo pelo menos o dobro disso… Gênio da mais alta grandeza! Obrigado por compartilhar a caricatura do mestre. Não a conhecia. Digamos que não tem muito a ver com a imagem tradicional dele, como você ressaltou… rs. Aliás, essas caricaturas de época geralmente são impiedosas. Recentemente adquiri esse registro de Adriano in Siria que me deixou extasiado de tanta beleza: http://www.amazon.com/Adriano-Siria-Blu-ray-Pergolesi/dp/B005UOK9HA. Além da ópera-séria, inclui um intermezzo dele (Livietta e Tracollo). O libreto magnífico só podia ser de Metastasio. Cenários e figurinos decentes; intérpretes irretocáveis. Abraços!

  3. Caro Frederico, seu trabalho está muito bem articulado. Sou doido por oratórios e óperas barrocas. Penso que os oratórios de Handel aqui não fossem seu escopo.
    Em termos de óperas, se permites, senti falta ,por exemplo ,de “Scherza Infida” de Ariodante e de “Ah,mio cor”, de Alcina . Ambas duram 13 minutos de pura delícia. Alguém escreveu que os 15 minutos de La Boheme,segundo ato, ficam devendo muito a uma grande ária de Handel.
    Também senti falta do delicioso Rameau, a meu ver, disparado, o melhor operista da França em todos os tempos.
    Mas, sem dúvida, somos todos subjetivos e parciais. Abraço

  4. Caro Flavio, obrigado pela mensagem e valiosa participação sua no blog. Suas questões e posicionamentos bem fundamentados trazem importantes contribuições aos nossos posts. Agradeço em nome dos demais autores. Quanto ao tema, certamente se reflete nos oratórios de Handel, tanto que trouxe um áudio de um deles (Belshazzar, HWV 61). As árias de Alcina e Ariodante que você citou são exemplos sublimes da arte do mestre alemão. Como você disse, o assunto é inesgotável e os exemplos, idem. Sempre seremos parciais. Abraços operísticos!

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