19abr 2017
A+ A-

Proêmio

Euterpe tocando flauta, de Crispijn de Passe de Oude (ca. 1565-1637)

Pelas Musas heliconíades comecemos a cantar. (Teogonia, v. 1)

Hesíodo sabia muito bem que todo bom proêmio de cosmologias, odisséias e blogs de música clássica não deve se eximir de invocar a ubiqüidade das Musas. Patronas de toda a beleza e de toda a sabedoria, o velho problema do “como começar?” é decidido divinamente quando o poeta invoca as Musas cantando a origem da própria poesia e do impulso poético. E agora sim, ele pode cantar este e outros mundos.

As Musas

Segundo a tradição clássica, são nove as filhas de Zeus e Mnemosine, a cada uma cabendo uma qualidade do sublime revelada em seus nomes próprios: a glória (Clio), o deleite (Euterpe), o florescer (Talia), a cantora (Melpomene), a dançarina (Terpsícora), a amorosa (Erato), a de grandes hinos (Polímnia), a celeste (Urânia) e a de bela voz (Calíope). Da imagem do coro divino que alegrava os deuses, pouco a pouco cada uma foi sendo identificada a um emblema – um instrumento ou adereço típico – e ao domínio de uma arte, de onde Euterpe, que dá nome ao nosso blog, tornou-se símbolo da Música.

Nosso proêmio

Se há proêmio a ser cantado por este blog, ele teria direito às retóricas clássicas do emulatio (“pois quem fala de música só fala porcaria por aí, Musa!”) e do rejectio (“a música, ó Musa, canta-nos hoje, e não os mexericos dos músicos, os delírios que mais a tresvariam que a contemplam, os ‘contextos históricos’ vazios e os vícios biografistas!”). Pois o fato é este: acreditamos haver pouca divulgação de gente no Brasil que 1) realmente entenda de música e 2) realmente fale sobre música. Quem se expõe no assunto, seja na mídia, seja no meio acadêmico, parece emprestar da música tudo o que a contorna – as letras cantadas, os eventos musicais e as reações do público, o estilo classificado e associado aos músicos, as alusões subjetivas a certos sentimentos, o contexto social e político do artista, os biografismos de compositores e intérpretes, etc. -, mas raramente encontrando o que dizer sobre o conteúdo musical de fato! A discussão desse “conteúdo musical”, aliás, parece confinada a análises técnicas voltadas para os próprios músicos, criando na prática uma barreira inexplicável entre músicos e ouvintes naquilo que a princípio eles já tinham em comum: a fruição da música. E é isso o que torna a música para o público uma arte tão comumente associada à idéia extrema de fruição irracional, sujeita apenas a desnaturação, a “pseudo-intelectualismo” quando pensada ou discutida em si mesma – é o “gosto não se discute!” e pronto, com o resto sendo obra do preciosismo.

Cá em Euterpe, no entanto, queremos falar de música, e música mesmo, sem fugir dos seus rudimentos, aliando a fruição sincera que cada um de nós tem dela como ouvintes com as indagações pessoais geradas pelo contato com essa arte de tantas formas e tantos sentidos.

Com uma questão inaugural, já abrigando a pergunta crítica de “por que falar de música?”, o próximo post quer saber: o que é e pra que serve essa “música clássica” que se lê aí em cima no nosso cabeçalho?


Este post tem 9 comentários.

9 respostas para “Proêmio”

  1. Enfim um blog para alimentar nossas ansias de conhecimento e crescimento estético e humano. Ave Euterpe !

  2. parabéns..! ainda bem que encontrei este blog.

    (vocês sabem qual a capital nordestina onde tem maior apresentação de música erudita, clássica.? ) obrigado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *