19abr 2017
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Dvorák: Vodník (“O Espírito das Águas”) Op. 107

Começamos hoje a analisar o primeiro poema sinfônico de Dvorák: o “Espírito das Águas” (Vodník em tcheco, e comumente traduzido por The Water Goblin em inglês), de 1896. Como vimos na introdução a essa série de análises, os quatro primeiros poemas sinfônicos de Dvorák são inspirados em lendas individuais narradas pela Kytice, uma clássica antologia de lendas nacionais recontadas e versificadas por Karol Jaromír Erben em 1853.

O ator Jirí Pecha interpreta o Espírito das Águas no filme “Hell with Princess” de Milos Smídmajer

O Espírito das Águas é o mito eslavo de uma criatura com o corpo verde, coberto por algas, responsável por afogamentos em lagos e rios: com interesse malévolo, ele prende as almas das vítimas em porcelanas no fundo das águas, colecionando-as e lhes conferindo grande valor. Na ópera Rusalka de Dvorák, escrita cinco anos depois, encontraremos novamente o mundo do espírito das águas, onde Rusalka é sua filha que deseja se tornar humana.

Com base no poema de Erben e na breve carta de Dvorák para o Dr. Robert Hirschfeld, deixaremos que a própria música nos conte a estória do Espírito das Águas, adiantando apenas que, musicalmente, a obra se estrutura como um grande rondó (um tema principal que se alterna com temas secundários), ainda que todos os temas sejam como que mutações do tema principal.

O Espírito das Águas

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-01.-The-Water-Goblin-Theme-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 01. The Water Goblin Theme (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

A música começa nos apresentando o Espírito das Águas, que está sentado sobre o tronco de uma árvore diante de um lago, costurando seu velho casaco verde e suas botas vermelhas, e cantando para a lua sobre seu casamento no dia seguinte. Casamento? Sim: ainda não há uma noiva, mas ele está seguro a respeito de uma moça local. O tema em Si menor do Espírito das Águas, com todo o ar de tema protagonista em sua longa exposição, dominará a música inteira, tanto como fundo onipresente da ação como para a própria construção dos temas subsidiários. Notem como esse motivo de traquejo meio diabólico, em ritmo 2/4, é simples e consegue montar a música apenas se repetindo em diferentes alturas:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-00.-The-Water-Goblin-Motive-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 00. The Water Goblin Motive (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

Essas primeiras três notas repetidas que dão o apoio do tema serão a base de toda a música.

A filha

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-02.-The-Daughter-Theme-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 02. The Daughter Theme (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

Na manhã seguinte, conhecemos a tal moça e sua mãe. Depois de uma transição de três notas repetidas pela trompa, o tema da filha surge em Si maior, inocente, um tanto idílico e pastoral, construído sobre o apoio de três notas repetidas, tal como o tema do Espírito das Águas. O triângulo marca o meio e o fim das frases, dando o brilho dos olhos da filha.

A mãe

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Então a mãe começa uma conversa séria: na última noite, ela sonhou que vestia a filha em trajes brancos, marolejantes como as espumas das águas, e que lhe dava um colar de pérolas, brilhantes como as lágrimas mais duramente contidas. Entendendo o sonho como um mau presságio, ela alerta a filha: “Não desça ao lago hoje!”, pois era o lugar onde a filha lavava as roupas. Depois de uma transição de notas repetidas pela flauta, o tema da mãe é o tema da filha, só que em Si menor! A segunda parte do tema traz algumas apogiaturas realmente assustadoras nos baixos, simbolizando o medo que a conversa da mãe inspira com o seu mau pressentimento.

…Mas é claro que a filha não dá bola e vai ao lago. Ouvimos o tema da filha novamente, com a mesma inocência persistente:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-04.-The-Daughter-Theme-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 04. The Daughter Theme (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

Ao mesmo tempo em que ouvimos o tema da filha, o tímpano toca exatamente a figura rítmica do tema do Espírito das Águas ao fundo, o que não é bom sinal…

O lago

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-05.-Cadence-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 05. Cadence (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

…até que uma cadência incompleta tocada pelo oboé e pelo clarinete deixa algo estranho no ar…

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-06.-Drowning-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 06. Drowning (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

A ponte de onde a menina lavava as roupas se parte! Ouvimos a primeira inversão de um acorde de dó maior que dá com clareza o momento da queda na água (um verdadeiro “splash!”). O motivo do Espírito das Águas se torna dominante, escalas descendentes de tons inteiros apontam claramente para baixo, descrevendo um afogamento, e a música se torna agitada e instável, simbolizando a luta entre a filha e o Espírito das Águas que a prende e a puxa pra baixo.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-07.-The-Water-Goblin-The-Daughter-Themes-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 07. The Water Goblin & The Daughter Themes (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

E então ouvimos o tema do Espírito das Águas novamente, em seu deleite diabólico por ter prendido mais uma vítima, e a mais especial delas: aquela que ele pretende tomar por esposa. Algo muito sutil acontece musicalmente: o tema do Espírito das Águas é tocado ao mesmo tempo em que o tema da filha! Este soa adaptado àquele, também em Si menor, simbolizando quem foi que prevaleceu…

Debaixo d’água

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Uma transição nos faz mudar completamente de ambiente…

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-09.-The-Underwater-Theme-I-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 09. The Underwater Theme I (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]
Ilustração do Espírito das Águas de 1918

Estamos debaixo d’água, onde tudo é escuro e triste. Se o tema do Espírito das Águas era praticamente apenas um ritmo, o tema do mundo subaquático é apenas o desenvolvimento de uma melodia mais cantabile. Já a sua segunda parte é a citação literal do tema do Espírito das Águas, que ouvimos com clareza em pizzicatti pelas cordas.

E aqui confirmamos o talento orquestrador de Dvorák: depois de ouvirmos o tema subaquático ser exposto uma vez, ele é exposto de novo:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-10.-The-Underwater-Theme-II-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 10. The Underwater Theme II (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

…tomando maior parte da orquestra, com o tremolo das cordas como acompanhamento da primeira parte, e a citação do tema do Espírito das Águas na segunda parte afirmando a sua soberania nesse reino. E então o tema é exposto uma terceira vez:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-11.-The-Underwater-Theme-III-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 11. The Underwater Theme III (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

O que se passa? A filha foi aprisionada e forçada a se casar com o Espírito das Águas, com direito a peixes como padrinhos e tudo. Lá, eles têm um filho. Depois dessa evolução do tema subaquático sendo tomado cada vez mais pela orquestra, sua terceira aparição, ainda que mantendo o tom misterioso, toma as cordas e assume um ar lírico e romântico! É o par assumindo um filho em meio a esse cativeiro sombrio, com a citação do tema do Espírito das Águas terminando ainda mais soberano. Cada uma das três vezes em que o tema foi exposto, ele soou diferente e mais completo apenas pela mudança de arranjo na orquestra.

A canção de ninar

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Passam-se os dias, e a filha cuida da criança que teve com o Espírito das Águas. Sobre citações onipresentes do ritmo básico do Espírito das Águas, ouvimos o oboé entoar a canção de ninar que a filha canta para a criança: por três vezes, sobre três modulações, ouvimos o tema do seu lamento, do quanto ela se sente infeliz presa sob as águas, o quanto preferia estar morta a ser rainha ao lado do Espírito das Águas, mas que a sua única alegria (e então a música assume um ar otimista) é aquela criança.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-13.-The-Angry-Water-Goblin-Theme-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 13. The Angry Water Goblin Theme (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

O Espírito das Águas mostra ser bastante ranzinza, pois fica irritado com aquela cantoria e pede pra ela parar. Ouvimos o tema do Espírito das Águas num tom afirmativo e intimidador.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-14.-The-Water-Goblin-The-Daughter-Duet-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 14. The Water Goblin & The Daughter Duet (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

E então surge uma discussão: a bronca enfezada e as ameaças do Espírito das Águas, e as desculpas da filha, que aproveita e lhe diz que sente muitas saudades da mãe, e que gostaria muito de poder voltar a vê-la pelo menos mais uma vez! Ouvimos na música um dueto: uma primeira parte resistente, em que o motivo do Espírito das Águas aparece apontando claramente para baixo, em tom de negativa, e uma segunda parte em que o mesmo oboé que cantava a canção de ninar canta um motivo suplicante e carinhoso, sobre um acompanhamento dócil das cordas, representando o pedido da filha.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-15.-Persuasion-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 15. Persuasion (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

O convencimento vai se dando aos poucos, e ouvimos uma escala das cordas que vai subindo, modulando, tal qual uma vocalise, e o Espírito das Águas se convence! A música exulta de alegria, sempre se montando sobre o motivo musical básico do Espírito das Águas.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-16.-Conditions-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 16. Conditions (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

Mas peraí! O Espírito das Águas impõe algumas condições…: em terra, ela não poderá abraçar ninguém, nem mesmo a mãe! A criança vai ficar com ele! E até o badalar das oito horas ela vai ter que voltar! E essa é a palavra do Espírito das Águas! A música se torna violentamente afirmativa, e ouvimos o tema da canção de ninar da filha saindo de fininho, discreto nos sopros, saindo das águas e indo em direção à casa da mãe.

O reencontro

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-17.-The-Daughter-Theme-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 17. The Daughter Theme (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

O reencontro é descrito por uma cena liiinda: é o velho tema da filha sendo reexposto, só que agora num coral tocado pelas cordas. É a acolhida carinhosa da mãe. Ouvimos cada um dos sopros respondendo ao fim das frases, representando a filha chorando com a mãe.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-18.-Thunder-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 18. Thunder (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

Foi tudo muito bonito, mas logo elas ouvem alguns trovões vindos da direção do lago…

A hora está chegando…

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-19.-Agitation-Time-is-coming-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 19. Agitation – Time is coming (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

A agitação se instaura, o tempo está chegando! Ouvimos o tema onipresente do Espírito das Águas, que mais uma vez domina a cena mesmo sem que ele esteja presente. A chegada da hora aparece em um grande crescendo da orquestra e o tema do Espírito das Águas ganhando evidência nas cordas.

A hora chegou!

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-20.-Clock-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 20. Clock (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

E então o badalar do relógio dá a hora, e o cuco vem apitar as oito horas estipuladas como limite pelo Espírito das Águas (não por acaso, precisamente com oito apitadas).

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-21.-Knocking-I-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 21. Knocking I (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

Logo ele bate à porta! Três seqüências de três batidas fortes, nervosas, reivindicando a filha, dizendo que o seu jantar precisa ser feito! A mãe, que está decidida a não deixá-lo entrar nem deixar a filha ir embora, responde que ele vá comer o que tiver no lago! O tema da resposta da mãe é o mesmo tema que ouvimos quando a filha exultou ao convencer o Espírito das Águas a sair do lago pra visitá-la.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-22.-Knocking-II-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 22. Knocking II (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

Ele bate mais três seqüências de três batidas ainda mais fortes. Diz que a sua cama precisa ser feita! Novamente a mãe responde, corajosa, dizendo que ele as deixa em paz e que arrume a própria cama! E ouvimos o mesmo padrão anterior.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-23.-Knocking-III-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 23. Knocking III (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

Então ele bate mais vezes, diz que a criança está em casa chorando e com fome! A filha fica agitada ao saber da criança, e então a mãe pede que ele traga a criança pra elas! Ouvimos a música aumentar em tensão, o Espírito das Águas traz a criança até a porta, e um som horrível é ouvido do lado de fora! O silêncio segue o suspense… A mãe abre a porta, e encontra o corpo da criança separado da cabeça no chão! Se ouvirmos novamente o som final da discussão, percebemos claramente o golpe e o rolar da cabeça:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-24.-Killing-the-child-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 24. Killing the child (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

Epílogo

John Frederick Kensett (1816-1872): Lake George (1860)
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-25.-Frogs-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 25. Frogs (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

O Espírito das Águas desaparece pra nunca mais ser visto, o seu ritmo elementar ainda soa no lago, e os sapos coaxam uma espécie de epílogo à estória.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-26.-Mourning-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 26. Mourning (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

O oboé, que vinha representando a filha, reaparece expressando a sua tristeza.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/06/Dvorák-The-Water-Goblin-Op.-107-27.-End-Rafael-Kubelik-Symphonieorchester-des-Bayerischen-Rundfunks-1974.mp3|titles=Dvorák – The Water Goblin Op. 107 – 27. End (Rafael Kubelik – Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks – 1974)]

E o terror moralizante da estória se dissipa com a desconstrução do motivo do Espírito das Águas, com direito a reticências desenhadas com o seu motivo básico pelos tímpanos no final da música.

Este post pertence à série:
1. Dvorák: Introdução aos Poemas Sinfônicos
2. Dvorák: Vodník (“O Espírito das Águas”) Op. 107
3. Dvorák: Polednice (“A Bruxa do Meio-Dia”) Op. 108
4. Dvorák: Zlatý kolovrat (“A Roca de Ouro”) Op. 109
5. Dvorák: Holoubek (“A Pomba do Bosque”) Op. 110
6. Dvorák: Písen bohatýrská (“Canção de um Herói”) Op. 111

Este post tem 22 comentários.

22 respostas para “Dvorák: Vodník (“O Espírito das Águas”) Op. 107”

  1. Olá, Leonardo!

    Gostaria de parabenizá-lo por esta excelente iniciativa. Confesso que depois de acompanhar o desenrolar da estória através do blog compreendi bem melhor a obra do Dvorák e passei a gostar mais dela.
    Estou pensando até em comprar um CD com estes poemas sinfônicos!

    Um abraço!

  2. Oi, Daniel! Que legal! Existe um álbum da Deutsche Grammophon que traz esses poemas sinfônicos + as danças eslavas + as aberturas dele, e é o que mais vale a pena. Até citei esse álbum no ítem quatro daqui: http://euterpe.blog.br/interpretacao-e-interpretes/selecao-das-onze-leonardo-f-c. Só não traz a “Canção de um Herói”, que o Kubelík não gravou, mas em compensação traz um conjunto de variações pra orquestra que é muito bonito.

    Um abraço!

  3. Então é isso que os ex-allegronautas ficam fazendo nas horas vagas, hein… parabéns pelo site!! E ótima a escolha; confesso que não sou muito fã de Dvorak, mas este poema sinfônico é uma verdadeira aula. Obrigado, e abraços!

  4. Olá Leonardo!
    Congratulações por essa iniciativa de fornecer mais informações para nós que somos apenas melômanos e não musicistas, como você,e assim podemos apreciar melhor a nossa escuta!

    Continue assim…

    É isso!

    Abraço, saúde e muita música erudita!

  5. Leonardo,

    Acabei comprando um CD da CHANDOS com todos os poemas sinfônicos (inclusive com um outro: o Op. 62!). Ouvi, por enquanto, o “Espírito das Águas” e gostei bastante da interpretação de Neémi Järvi à frente da Royal Scottish National Orchestra. Eu recomendo.

    Abraços!

  6. Leonardo, urge você conhecer a Sinfonia “Asrael”, de Josef Suk (pai do violinista homônimo e genro de Dvorák). É uma espécie de meio-caminho entre “O espírito das águas” e a Sinfonia “Ressurreição” de Mahler. Suk rulez!

  7. André e Taglar, obrigado pelos comentários!

    Daniel, eu já cheguei a ouvir o Järvi justamente no Espírito das Águas. Está em boas mãos! Já discuti a respeito desse Op. 62 nada menos do que no artigo do Dvorák na WikiPedia em inglês, e há quem o deixe de lado da contagem de poemas sinfônicos por algum motivo, como se não houvesse um programa específico pra ele, etc. Ouça aí e depois conte pra gente!

    Opa, Ludwig, vou procurar conferir a sua sugestão. O único Josef Suk que eu conhecia, inclusive em um áudio antiqüíssimo interpretando justamente o Dvorák, era o filho. Obrigado pela sugestão!

    Abraços!

  8. Daniel, só agora vi que o Op. 62 que você mencionou e que vem na gravação do Järvi é a abertura “Meu Lar” (ou “Minha Pátria”, puxando a tradução para o lado do Smetana). Essa eu conheço e apenas não a incluí na lista porque ela é tecnicamente uma abertura, não um poema sinfônico. Foi inclusive estreada com esse espírito e obedece a uma forma-sonata tradicional no gênero. O “poema sinfônico” apendicítico do ciclo de Dvorák a que eu me referia é o obscuro Op. 14, também referido como “Rapsódia”. Desse se fala muito pouco e mal se sabe se realmente tem um programa específico ou apenas uma inspiração mais diluída no espírito de uma rapsódia.

  9. Leonardo, você teria condições de esclarecer-me por que motivo Maurice Ravel não orquestrou todos os movimentos de “Le Tombeau de Couperin”, uma obra-prima inconteste…agradeço antecipadamente.

  10. Olá, Paolo Ucello. A Gaspard de la Nuit também é das poucas que não foram orquestradas, e o motivo mais à mão sugerido é que seriam obras muito “pianísticas”, muito pensadas especialmente para o piano por Ravel. Seria inclusive muito interessante identificar o que torna essas peças assim, mas dá pra pensar em exemplos: quando tentam orquestrar Chopin, por exemplo, seja por demérito da orquestração ou não, no mais das vezes o resultado é bem menos interessante e mesmo brega! Não é difícil imaginar que haja casos em que a determinação do instrumento pra uma peça seja significativa o bastante pra não ser mudada sem prejuízos.

    Um abraço!

  11. ótima análise, Leonardo.
    O tema dessa poema é belíssimo.
    À propósito, vai fazer um ano que você começou essa série, e acho que você poderia comemorar postanto mais um poema analisado. (risos)
    Grande abraço.

  12. Ah! no final você deveria postar o poema todo pra gente ouvir sem pausa.
    Desde já obrigado.

  13. Haha, é verdade! Depois de um ano essa série tem que ser continuada logo. O próximo poema sinfônico é o mais longo e não temos nenhuma indicação (sequer geral, como nos dois primeiros casos) de qual parte da música retrata qual parte da estória. Mas é uma narrativa relativamente simples, tem que ser colocada nas prioridades de próximos posts.

    Sobre os poemas da Kytice do Erben, o problema é que sequer uma tradução em inglês já foi publicada! Susan Reynolds, curadora de literatura tcheca e eslovaca da British Library, parece ter feito uma tradução integral e mostra e comenta alguns trechos nesta entrevista aqui. Mas desde então nada desse tal livro sair! O que há, por enquanto, são só os poemas no original em tcheco, conforme o link que até tenho deixado em cada post quando menciono o título do poema. A obra completa em tcheco está aqui, na WikiSource tcheca, o que pode ser um deleite pra linguistas aventureiros por formação como o Bruno Gripp e eu, mas não serve muito ao interesse prático do post.

    Acabo de ler direito o seu comentário. Você fala sobre deixar a música inteira no final pra ser ouvida sem interrupções. É verdade, seria conveniente – como o Amancio tem feito em análises que ele faz. O arquivo neste caso seria grande e esses playerzinhos às vezes têm mau humor junto ao servidor, mas vou tentar! Valeu a sugestão!

    Abraço e obrigado pela lembrança!

  14. Leonardo, se o arquivo for muito grande para o player, aí vai a sugestão: videos do Youtube! Pode ser só o link, acho que não tem problema, quem tiver interesse vai lá e ouve.

  15. Essa é uma das séries que eu mais quero que continue. Esses poemas sinfônicos são maravilhosos e entendê-los melhor é ótimo.
    Alguma previsão pra continuar?

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