19abr 2017
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Stravinsky: A Sagração da Primavera

Roupas-pesadas
Dançarinos com as roupas criadas por Nicholas Roerich para a Sagração da Primavera

Há exatamente 100 anos atrás acontecia um dos episódios mais famosos da história da música: a tumultuada estréia do balé Le Sacre du printemps, A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky. Euterpe celebra a data publicando um resumo dos fatos que aconteceram naquela noite, acompanhado de uma breve análise da “mais importante obra do século XX”, segundo opinião do maestro Leonard Bernstein.

No começo do século XX Paris vivia os agitados anos da Belle Époque, quando o empresário Sergei Diaghilev iniciou apresentações de arte russa na cidade. O sucesso das apresentações o motivou a criar em 1909 o Ballets Russes, uma companhia de balé itinerante que contava com nomes famosos – e também nomes que criaram fama com as apresentações da companhia – como o bailarino Vaslav Nijinsky, o coreógrafo Michel Fokine e o designer/cenógrafo Léon Bakst.

Diaghilev encontrou o então desconhecido Igor Stravinsky em 1909, num concerto com obras do jovem compositor. O empresário ficou tão impressionado que solicitou a ele algumas orquestrações de peças de Chopin para o balé Les Sylphides. Animado com o resultado, encomendou na sequência os balés O Pássaro de Fogo (1910) e Petrushka (1911). O trabalho seguinte foi a peça cujo título em russo, Vesna svyashchennaya, poderia ser melhor traduzido como “Primavera Sagrada”, mas acabou ganhando fama mesmo com o título em francês que significa “O Ritual da Primavera”, com subtítulo “Cenas da Rússia pagã em duas partes”.

Nijinsky-faune
Nijinsky dançando L’après-midi d’un faune

O enredo é algo meio chocante: numa Rússia dos tempos primitivos, uma virgem é escolhida e deve dançar até morrer num ritual de sacrifício à primavera que se inicia. Diaghilev queria uma coreografia ainda mais ousada, e por isso escolheu o bailarino Vaslav Nijinsky como coreógrafo da obra. No ano anterior, em 1912, Nijinsky já havia causado grande escândalo em Paris com a coreografia de L’après-midi d’un faune, baseado na obra de Debussy. Ou seja: o empresário sabia bem o que estava fazendo, ele queria mesmo era um grande escândalo.

Stravinsky terminou a composição em março de 1913, porém continuou revisando a obra durante os próximos 30 anos. Pierre Monteux, o regente que conduziu a orquestra na estréia da obra, confessou anos depois que nunca tinha gostado daquela música, mas que foi convencido por Diaghilev a reger a peça: “Esta é uma obra-prima, Monteux! Ela vai revolucionar a música e o fará famoso, pois é você quem vai conduzi-la”. Os músicos não pensavam diferente do regente: eles acreditavam que aquilo tudo era uma absoluta loucura.

A estréia aconteceu em 29 de maio de 1913 no recém-inaugurado Théâtre des Champs-Élysées, e a primeira peça do programa foi uma coreografia tradicional de Michel Fokine, Les Sylphides, com música de Chopin. Depois veio a Sagração da Primavera, que não era a última peça da noite: ao fim desta, o público ainda assistiu a duas outras coreografias “tradicionais”, com músicas de Weber (Convite à Dança) e Borodin (o 2º ato do Príncipe Igor, com as Danças Polovitsianas).

Testemunhas contam que as vaias começaram ainda durante a introdução da primeira parte da Sagração, e elas aumentaram mais ainda quando as cortinas se abriram e aquela dança primitiva começou. A coreografia de Nijinsky incluía muitos passos “anti-dançantes”, com os pés para dentro e saltos que “faziam todos os órgãos internos do corpo sacudirem violentamente”, segundo relato de um dos bailarinos. As roupas, desenhadas por Nicholas Roerich, eram muito grandes e pesadas, algo totalmente oposto ao figurino tradicional de um Lago dos Cisnes, por exemplo. Nem as roupas e nem a dança lembravam a elegância e a leveza de um balé tradicional. “Quando as cortinas se abriram mostrando aquele grupo de Lolitas de longas tranças e pernas tortas saltando pra cima e pra baixo, a tempestade desabou”, relatou Stravinsky. “Eu tenho 60 anos de idade e esta é a primeira vez que alguém se atreve a tirar sarro assim de mim”, disse irritada a condessa de Pourtales, uma elegante parisiense. Mas houve quem batesse ritmicamente na cabeça do vizinho da frente, excitado com a performance… e o vizinho da frente só percebeu isso algum tempo depois, de tão hipnotizado que ele estava com a música.

Lolitas
As “Lolitas” de longas tranças e pernas tornas, segundo Stravinsky

As vaias cresceram tanto que, em certo ponto, a música se tornou inaudível para os que estavam dançando no palco. Nijinsky então subiu numa cadeira e passou a gritar o tempo dos compassos para os bailarinos. Para conter os mais exaltados, a gerência do teatro acendeu várias vezes as luzes da platéia, sem sucesso. E então, quando os que gostaram da novidade chegaram às vias de fato com os que vaiavam, a polícia foi chamada e colocou para fora, à força, cerca de 40 pessoas. Mesmo com toda a balbúrdia, Monteux se manteve firme conduzindo a orquestra até o final da obra, “insensível e com o sangue frio de um crocodilo”, teria dito Stravinsky. No final o balé foi bastante aplaudido, antes do programa continuar conforme planejado.

Em 2005 a rede britânica BBC fez um filme para a TV recriando os ensaios e a estréia da Sagração da Primavera. O filme se chama Riot at the Rite, “Tumulto na Sagração” em tradução livre, e está disponível no Youtube, mas infelizmente sem legendas ou tradução. Se você entende mais ou menos a língua de Shakespeare, recomendo assistir o filme desde o começo (está fácil de entender!), caso contrário vale a pena assistir pelo menos a segunda metade do filme, que mostra o balé completo, na íntegra (cerca de 33 minutos), tal como foi visto e ouvido naquela noite há 100 anos atrás. O vídeo abaixo já começa direto na segunda parte:

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Após a estréia

Sacrificial Dance
Desenhos de Valentine Gross, mostrando os passos da bailarina Marie Piltz na Dança do Sacrifício

Paris ainda assistiu a mais 5 récitas, não tão tumultuadas quanto a da estréia, antes da companhia rumar para Londres para mais 4 performances. Em abril de 1914 Monteux regeu a Sagração em concerto, sem a dança, e segundo reza a lenda, o sucesso foi tanto que Stravinsky chegou a ser carregado nos ombros de admiradores, em sinal de triunfo. Porém, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, cada membro do Ballets Russes rumou para sua terra natal e a companhia se desmontou. Quando Diaghilev decidiu reestreiar a Sagração em 1920, ninguém mais lembrava da coreografia original e Léonide Massine, o novo coreógrafo, teve de montar uma nova do zero. Nijinsky, a essa altura, já tinha sido diagnosticado de esquizofrenia e estava internado num hospital psiquiátrico. Por muitos anos, pensou-se que a sua coreografia estivesse perdida.

Mas em 1987, graças ao trabalho minucioso da pesquisadora Millicent Hodson, a coreografia original foi recuperada e reapresentada pelo Joffrey Ballet. A pesquisadora reuniu fotografias, esboços, documentos de Nijinsky e depoimentos de bailarinos daquela época ainda vivos; parte dos documentos pode ser visto no pequeno vídeo a seguir (não ligue para a narração em francês, apenas curta as imagens):

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O enredo e a música

A obra não tem um enredo específico: a cada nova montagem, os coreógrafos criam uma nova historinha para se encaixar na música, que é composta de 13 cenas. O enredo relatado abaixo segue a coreografia de Nijinsky, de acordo com o roteiro original imaginado por Stravinsky e Roerich.

PARTE 1: L’Adoration de la Terre (A Adoração da Terra, ou na tradução do russo, Um beijo para a Terra)

1. Introduction (Introdução)

O balé inicia com o famoso solo de fagote no seu registro super-agudo:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 1. Introduction (início) (Haitink – LPO):

Há muito de música folclórica na Sagração, apesar de que Stravinsky sempre negou isto. Segundo ele, as melodias vinham de sua “memória folclórica inconsciente”. Porém, certa vez ele confessou: a melodia inicial do fagote é uma canção folclórica da Lituânia, uma canção de casamento.

A música da introdução descreve a natureza sendo acordada pelo sol da primavera, e ouvimos aqui praticamente só a seção de sopros. Parecem passarinhos cantando, cada um na sua própria tonalidade.

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 1. Introduction (trecho) (Haitink – LPO):

E aqui faço a primeira constatação interessante dessa obra: ela não é atonal. Pelo menos não no sentido “germânico” da palavra; o tratamento harmônico dela está mais para um Debussy exagerado, com escalas exóticas e superposição de tonalidades e ritmos. Veremos alguns exemplos a seguir.

2. Les Augures Printaniers (Augúrios da primavera, ou Adivinhações da primavera: Dança das adolescentes)

Com o subir da cortina, vemos grupos de jovens dançando, celebrando a primavera que chegou:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 2. Les Augures Printaniers (início) (Haitink – LPO):

De onde Stravinsky tirou acordes tão brutais? Na verdade são acordes simples porém superpostos. Por exemplo, se misturarmos Fá b Maior com Mi bemol 7…

Montagem do acorde inicial de Les Augures Printaniers:

Diferente da harmonia clássica tradicional, aqui os acordes não levam a lugar algum; eles permanecem estáticos e assim constroem uma espécie de “recheio”, um “tapete harmônico” para sustentar melodias folclóricas.

Seguindo a historinha, uma velha mulher entra e começa a prever o futuro. E no calor da primavera, os jovens e as adolescentes dançam, provocando e seduzindo uns aos outros. Na música, as garotas são sempre associadas com melodias líricas; já os garotos tem uma música mais violenta, com ritmos explosivos. Repare como as duas coisas são combinadas:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 2. Les Augures Printaniers (trecho dos crótalos) (Haitink – LPO):

No final deste trecho em especial, Stravinsky emprega um instrumento pouco usado nas orquestras: os crótalos ou “pratos antigos”, que soam como aquelas “campainhas de recepção de hotel”.

3. Jeu du rapt (Ritual de rapto, ou O rapto simulado)

Ainda comemorando a primavera, os jovens começam algumas brincadeiras. Aqui temos o “jogo do rapto”, onde uma jovem é selecionada e raptada pelo outro grupo:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 3. Jeu du rapt (início) (Haitink – LPO):

As melodias usadas por Stravinsky são quase todas modais, e por isso carregam esse aspecto de “folclórico”. Por exemplo, essa melodia inicial nos sopros está em Ré mixolídio; depois quando a ouvimos junto com os violinos, já está em Mi bemol mixolídio. Por serem curtas, essas melodias de Stravinsky favorecem toda tipo de combinação, transposição e superposição. Por exemplo…

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 3. Jeu du rapt (melodia mixolídia) (Haitink – LPO):

4. Rondes printanières (Rondas da primavera)

Iniciando com uma tranquila melodia pentatônica, as jovens dançam o Khorovod, as “rondas da primavera”:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 4. Rondes printanières (início) (Haitink – LPO):

Repare que o tema seguinte é uma alteração de algo que já ouvimos nos Augúrios da Primavera:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 4. Rondes printanières (origem do tema) (Haitink – LPO):

Não só estes, mas vários outros motivos são trabalhados em cima de repetição e variação, criando este clima de algo que soa antigo (por causa das melodias folclóricas modais) e ao mesmo tempo selvagem (as dissonâncias e o ritmo).

5. Jeux des cités rivales (Ritual das tribos rivais, ou O jogo das duas cidades)

Os jovens se dividem em dois grupos opostos e iniciam uma nova brincadeira, o “jogo das tribos rivais”, imitando duelos entre dois clãs inimigos:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 5. Jeux des cités rivales (início) (Haitink – LPO):

A melodia das trompas é novamente uma melodia modal, em Fá lídio. Mas o destaque é o jogo entre os dois timpanistas: sim, a orquestra da Sagração emprega dois deles, cada qual com um jogo de tímpanos.

Lá pelas tantas, surge em cena o sábio, o mais idoso da tribo, e sua chegada interrompe os jogos dos mais jovens. Seus passos são marcados pelo bumbo, batido num ritmo diferente da dança dos jovens, junto com uma melodia que parece pentatônica entonada por duas tubas normais e duas tubas wagnerianas:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 5. Jeux des cités rivales (entrada do sábio) (Haitink – LPO):

6a. Cortège du Sage (Procissão do Sábio, ou A Procissão do mais velho e sábio)

A entrada do mais velho da tribo provoca um frenesi, e no seu auge Stravinsky emprega até um güiro, um instrumento de percussão “raspada” que aqui no Brasil nós conhecemos por reco-reco:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 6a. Cortège du Sage (o reco-reco) (Haitink – LPO):

6b. Adoration de la Terre (Le Sage) (Adoração da Terra: O Sábio, ou O beijo concedido à Terra (O Sábio))

A santa procissão dá início à cerimônia de Adoração da Terra. É bem curtinha, são só quatro compassos: o Sábio se ajoelha e beija a terra em sinal de agradecimento pela primavera.

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 6b. Adoration de la Terre (Le Sage) (Haitink – LPO):

7. Danse de la terre (Dança da Terra, ou A Dança figurada em honra da Terra)

Em sinal de agradecimento, a terra treme. Então as pessoas começam uma dança apaixonada, furiosa, como numa experiência mística de entrar em sintonia e se tornar um com a terra:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 7. Danse de la Terre (início) (Haitink – LPO):

No próximo trecho, fica claro o uso que Stravinsky faz da técnica de ostinato: motivos pequenos repetidos à exaustão para montar um grande clímax. Preste atenção na escala de tons inteiros que começa no clarinete baixo e vai conquistando contrabaixos, fagotes, tubas e violoncelos até o acorde final:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 7. Danse de la Terre (final) (Haitink – LPO):

PARTE 2: Le Sacrifice (O Sacrifício, ou O Grande Sacrifício)

8. Introduction (Introdução)

Stravinsky-Nijinsky-Petrouchka
Stravinsky com Nijinsky, na estréia de Petrushka

O início da segunda parte descreve aquele momento quando o dia ainda não amanheceu por completo, mas a noite vai dando lugar a uma meia-luz misteriosa…

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 8. Introduction (início) (Haitink – LPO):

… e trágica. Se na primeira parte tivemos jogos e brincadeiras para celebrar a chegada da primavera, a segunda parte será centrada no ritual de sacrifício da jovem. Por isso a música terá esse ar meio sinistro, com uma harmonia mais arcaica e timbres bem escuros.

9. Cercles mystérieux des adolescentes (Círculo místico das jovens garotas, ou Jogos misteriosos das garotas: movimento em círculos)

Quando a cortina se abre, vemos as jovens garotas dançando em círculos:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 9. Cercles mystérieux des adolescentes (início) (Haitink – LPO):

Stravinsky, com uma baita orquestra dessas, por vezes abre mão da força orquestral e usa os instrumentos de forma camerística. O trecho acima é um exemplo disso: temos as violas divididas em 6 grupos, 2 violoncelos solos e os demais divididos em 2 grupos, e mais 2 contrabaixos solos. Na sequência ouvimos o solo de uma flauta em Sol, a flauta contralto, com um timbre bem mais escuro do que a flauta normal:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 9. Cercles mystérieux des adolescentes (flauta contralto) (Haitink – LPO):

A cerimônia da escolha da virgem é simples: todas as garotas dançam em círculos, e aquela que cair duas vezes para fora do círculo será a escolhida para ser sacrificada. Os metais interrompem a música nos momentos de ambas as quedas, ouça:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 9. Cercles mystérieux des adolescentes (final) (Haitink – LPO):

10. Glorification de l’élue (Glorificação da Escolhida, ou A Homenagem da escolhida)

Após ser escolhida pelo destino, a vítima é imobilizada e louvada com uma dança conjugal:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 10. Glorification de l’élue (início) (Haitink – LPO):

As mudanças de compasso (ritmo) são frequentes aqui; só no trecho acima, temos dois compassos em 5/8, depois 9/8, 5/8, 7/8, 3/8, 4/8, 7/4, 3/4, 7/4, 3/8, 4/8, 7/4, 6/8, 5/8, 9/8, mais dois compassos em 5/8, um em 7/8 e outro em 5/8. Conseguiu contar os tempos? (risos) Falarei mais sobre isso ali na última dança.

11. Evocation des ancêtres (Evocação dos ancestrais, ou O apelo aos antepassados)

Depois de todo o frenesi anterior, as jovens dançam brevemente invocando o espírito dos ancestrais para o sacrifício:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 11. Evocation des ancêtres (início) (Haitink – LPO):

12. Action rituelle des ancêtres (Ação ritual dos ancestrais, ou A performance ritual dos mais velhos como os antepassados da humanidade)

Com o ritmo marcado pela percussão, os mais velhos da tribo surgem representando o espírito dos antepassados. Elas preparam a jovem para a dança final, a dança do sacrifício:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 12. Action rituelle des ancêtres (início) (Haitink – LPO):

Respondendo ao corne-inglês no trecho acima, a flauta contralto reaparece e tem grande destaque na sequência. Mas a última palavra cabe ao clarinete baixo:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 12. Action rituelle des ancêtres (final) (Haitink – LPO):

13. Danse sacrale (L’Élue) (Dança do sacrifício, ou A Grande Dança Sagrada)

Todas as danças anteriores eram danças em grupo; esta é a única dança solo, onde a escolhida deve dançar até morrer na presença dos mais velhos.

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 13. Danse sacrale (início) (Haitink – LPO):

Uma característica marcante da Sagração da Primavera é a mudança constante de ritmo. Mas aqui na dança final a coisa chega a ser mesmo absurda: são 275 compassos, que mudam 158 vezes depois do 3/16 inicial. Conte os tempos comigo aqui neste trecho:

Stravinsky: Le Sacre du Printemps – 13. Danse sacrale (contando tempos) (Haitink – LPO):

Essas mudanças frequentes de ritmo podem parecer novidade na música clássica, porém há alguns precedentes na música russa – se bem que mais comportados. O 2º movimento da Sinfonia Patética de Tchaikovsky é uma valsa em 5/4, alternando ritmos de 2 e 3, ouça:

Tchaikovsky: Sinfonia n.6 Op.74 Patetica – 2. Allegro con grazia (contando tempos) (Mravinsky – Leningrad PO):

E a Promenade que abre os Quadros de uma Exposição de Mussorgsky é num estranho 11/4, alternando ritmos de 5 (3+2) e 6, ouça:

Mussorgsky: Quadros de uma Exposição – 1. Promenade (contando tempos) (Giulini – Chicago SO):

O vídeo a seguir é de uma apresentação da Sagração da Primavera com o Joffrey Ballet, a mesma companhia que reviveu a coreografia de Nijinsky em 1987 pelas mãos da pesquisadora Millicent Hodson. O único inconveniente é que a introdução da parte 2 foi cortada e movida para o final, quando sobem os créditos; mas isso não impede que possamos curtir todo o restante do balé. Divirtam-se!

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Este post tem 20 comentários.

20 respostas para “Stravinsky: A Sagração da Primavera”

  1. Obrigado pela análise. Mas, ao contrário de você, gostei do texto lido no vídeo francês – e, pelo que notei, você não diverge das informações nele contidas.

  2. Olá Pádua! Na verdade, o “esqueça o bla-bla-bla em francês” não é uma reprovação minha ao que é dito no vídeo, mas sim um convite para que mesmo os leitores não-fluentes na língua o assistam sem medo de ficar boiando no que é dito. Eu entendo pouquíssimo de francês e adorei as imagens que aparecem, principalmente os desenhos do Roerich e da Valentine Gross. Como eu gostei mesmo sem entender o narrador, deixei aquela observação ali.

    Mas foi bom saber que meu texto e o vídeo não divergem. Obrigado!

  3. Isto é curioso, pois aqui pras bandas de Curitiba eu sempre ouço (e uso) a expressão “blá-blá-blá” para descrever um discurso em que não se compreende palavra alguma, não necessariamente carregando conotação negativa. O seu “obviamente” não era óbvio para mim…

    Por via das dúvidas, eu substituí o texto.

  4. Olá, Amancio. Acho que você fez bem. Fui olhar agora, o Houaiss não recolheu o significado das bandas de Curitiba… De qualquer forma, é estranho chamar assim, visto que há tanta gente que entende francês, até mesmo entre as pessoas que se interessam por Le sacre du printemps, que aliás, estreou na França. Acho antididática a qualificação, mesmo no sentido curitibano; afinal, poder-se-ia chamar todo o blogue de blá-blá-blá, já que tão pouca gente entende de música… E acho que o propósito de Euterpe, se o entendi, é bem o oposto: de fazer com que as pessoas que não conhecem a matéria, em vez de a rotularem como blá-blá-blá ou coisa parecida, por ela possam se interessar, e se informar.

  5. Tenho em mãos um album da Philips contendo Le sacre du printempse e Petrouchka, executadas pela Orquestra de Amsterdam e conduzida pelo maestro Sir Colin Davis. Devo dizer que: graças ao excelente texto explicativo deste belíssimo post, não ouço mais apenas a melodia e harmonia da música, mas sim adentro aos seus bastidores e sua fantasia. Obrigado Senhores administradores por manterem o blog no ar.
    J.Farias-PE

  6. Muito obrigada ao pessoal do blog, por este post.
    Um belo presente a riqueza de informações que
    vocês compartilharam.

  7. Análise brilhante! Rigorosa e bastante didática, inclusive quanto aos detalhes da linguagem musical. Já conhecia a peça, mas só de ouvir, e agora que aprendi tudo isso até me animei de discuti-la numa aula sobre o Modernismo :)

  8. Parabéns pelo trabalho, gostei muito do blog.
    Falando da Sinfonia, realmente ela fez sucesso?
    Sou músico amador e não gostei muito. Hehe

  9. Olá Marcos,
    Realmente, devo concordar, a música não é muito fácil de entender. Mas uma vez absorvida, ela se entrega facilmente, pois várias melodias são baseadas em canções folclóricas russas, é só a “roupagem” da música que impressiona. Hoje ela já faz parte do “repertório padrão” das salas de concerto, e é considerada por muitos uma das obras mais importantes do século XX.

  10. Engano meu, no primeiro momento havia apenas escutado a Sinfonia, de certo sem a dança fica meio vazia. É como ouvir apenas a trilha sonora de um filme, algumas vezes não conseguiria entender. Já acompanhando a apresentação dos dançarinos ela se torna mais agradável.
    Mais uma vez parabéns pelo blog.

  11. Muito bom … os excertos das partes musicais e suas explicações …realmente …deve ter sido um choque à época … e, para, muitos, ainda hoje, pode sê-lo … pelo inusitado dos movimentos tão distintos dos movimentos do balé clássico. Amei!

  12. Olá Fabiano!

    Os fatos históricos relatados são bem famosos e podem ser encontrados em qualquer boa biografia sobre os artistas citados, ou mesmo livros sobre história da dança ou história da música. Por exemplo “Stravinsky” de Eric White, ou “Diaghilev’s Ballets Russes” de Lynn Garafola. Uma análise do enredo do balé pode ser encontrado em “Stravinsky and the Rite of Spring: The Beginnings of a Musical Language”, de Pieter van den Toorn. A descrição dos eventos da noite da estréia você pode encontrar em “First Nights: Five Musical Premieres”, de Thomas Forrest Kelly. Já a análise musical é de minha autoria mesmo, a grande referência é a própria partitura:

    https://imslp.org/wiki/The_Rite_of_Spring_(Stravinsky,_Igor)

  13. Olá, quero agradecer em nome de toda uma turma que estuda História da Música em uma Faculdade de renome em Ctba. que está estudando o período.
    Temos consultado esse blog regularmente, desde que iniciamos o curso no início do ano de 2019.

    Abraços

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