19abr 2017
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O Martelo da Sexta de Mahler

A Sinfonia nº6 de Mahler requer uma orquestra gigantesca, incluindo celesta, harpas, sinos de vaca, xilofone… mas sem dúvida, o instrumento mais curioso da sinfonia é o martelo.

O Martelo de Thor

Martelo??

Sim! Ele aparece nos momentos mais cruciais do último movimento, e por isso acabou virando o instrumento símbolo de toda a sinfonia. Escreveu Mahler: o martelo deve ter um som breve e poderoso, mas sem brilho em ressonância, e sem uma característica metálica como a queda de um machado. Para atender estas recomendações, as orquestras geralmente providenciam um imenso martelo de madeira, e uma placa ou caixa de madeira para receber o impacto.

Curiosamente, mesmo com o golpe soando seco e sem sonoridade, o efeito é devastador. Como as orquestras geralmente tocam em palcos de madeira, a vibração do impacto é sentida por todos os músicos – alguns inclusive descrevem a experiência como um mini-terremoto.

Três golpes do destino

Foi assim que Mahler descreveu as três pancadas: “o herói recebe três golpes do destino, incluindo o terceiro que o faz cair como uma árvore”. Anos depois, Alma Mahler, esposa do compositor, iria relacioná-los com três trágicos eventos da vida do marido: a perda da filha mais velha, Maria Anna Mahler; a perda do cargo de diretor da ópera de Viena, com o consequente exílio da cidade; e o diagnóstico de um problema cardíaco que por fim o levaria à morte.

Onde estão os golpes na sinfonia?

Todos ficam no quarto e último movimento, que tem em média uns 30 minutos de duração.

O primeiro golpe acontece a mais ou menos 13 minutos, na metade do desenvolvimento:

 

O segundo golpe acontece ali pelos 18 minutos, na seção final do desenvolvimento, antes de voltar a introdução:

No vídeo abaixo, o pessoal montou um tablado à parte só para as marteladas:

O terceiro e último golpe (quando acontece) é lá no final da reexposição, aos 27 minutos (desculpem-me, não encontrei um vídeo apenas da martelada):

http://www.youtube.com/watch?v=8NpqfrYopEM&t=1m45s

Mahler cancelou esta última pancada na revisão que ele fez da sinfonia, alegando motivos técnicos. Alma depois iria dizer que o marido era muito supersticioso, e acreditava que, como o herói da sinfonia era ele próprio, o último golpe poderia levá-lo à morte. Alguns regentes porém restituem o golpe fatídico; Leonard Bernstein, no vídeo acima, é um deles.

Leonardo que me desculpe, mas isso sim é que é porrada em música clássica! :-D


Este post tem 9 comentários.

9 respostas para “O Martelo da Sexta de Mahler”

  1. Que blog irado esse de vocês. Parabéns!!!
    Eu escuto música clássica todo dia, mas não entendo patavinas da técnica etc etc etc valeu!

    J.

  2. Gosto muito de Mahler mas ainda estou na 4° sinfonia; Como vcs devem saber, apreciação musical não é nada instantânea -como o é com os livros – e em se tratando de mahler menos ainda.

    Ps.: isso daria idéia para um post (?)

  3. Caro Amancio, estou sim lendo todos os post do blog e direi que faço-o com um prazer singular e uma grande alegria. Se toda tarefa hérculea fosse ler textos tão maravilhosos eu nao titubiaria em fazê-lo quantas vezes fosse necessário. à saude espiritual!!!
    Pois bem, lá vou eu aos textos do Leonardo:)

  4. Dizer o que…é Mahler né…

    Essa sinfonia é especial em muitos aspectos. Normalmente uma sinfonia clássica em tonalidade menor se mantem angustiante até o fim, ou termina com triunfo, e que até por isso os clássicos de fato, Mozart e Haydn, compuseram pouquíssimas sinfonias em tom menor. São muito deprê, tem uma seriedade e importância que exigem muito mais inspiração e cuidado que uma sinfonia clássica normal. Aqui na sexta de Mahler acontece algo um pouco diferente: A sinfonia toda tem esse estilo marcante de trágico, desde a marcha inicial e as fanfarras dos metais. Mas, no fim do primeiro movimento, uma alegria incomparável dá sinais de esperança, seguido de um andante contrastante, e sugere um triunfo para o finale, como o típico Mahler. Mas… esses martelos…golpes do destino que o atormentavam, com sussurros da morte invocando seu nome…e o fim mais trágico já composto para uma sinfonia, logo no finalzinho o grito de choro incontido de um coro uníssono da orquestra toda, acompanhado por uma forte lamentação e pesar dos tímpanos… É o herói em primeira pessoa que desaba…mostrando que a superação é inerente à condição da existência humana, mas tanto quanto a derrota, eventualmente. É como se Mahler fosse um herói cuja história é narrada por Richard Strauss em terceira pessoa…

    Em Mozart e Haydn jamais que você encontra um “ar de esperança” no meio da sinfonia em tonalidade menor, exceto quando normalmente isso acontece no finale, para encerrar com o triunfo que é presente em quase toda obra de Haydn (ex.: sinfonia 95 de Haydn), ou mantem mesmo a tensão do começo ao fim (sinfonia 40 de Mozart). Em Beethoven, mesma coisa: sinfonias 5 e 9 começando tensas e terminando em tom maior: em vitória do herói.

  5. Olá Hikaru-san!

    Mate sua curiosidade clicando aqui.
    Lá embaixo, entre os tímpanos (Pauken) e as cordas, tem um “Hammer”, com um “fff” marcado no terceiro compasso da página. Bem lá embaixo tem uma nota de rodapé explicando o martelo: Kurzer, mächtig, aber dumpft hailender Schlag von nicht metallischem Charakter, que se traduz literalmente em “Curto, poderoso, mas pancada opaca de caracter não metálico” (o grifo está na partitura).

    Dá pra baixar a partitura completa no site do IMSLP, aqui; o primeiro grupo de partituras (Leipzig, Kahnt 1906) é da primeira edição, e assim inclui a terceira batida. As outras duas edições estão revisadas e só contêm duas pancadas. As batidas estão nos compassos 336, 479 e 783 no quarto movimento (números de ensaio 129, 140 e 164).

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