19abr 2017
A+ A-
,

Quando Paris se rendeu a Haydn

Joseph Haydn tocando quartetos (autor anônimo; Staatsmuseum, Viena)

Poucos anos atrás, quando eu pensava em ouvir as sinfonias de Franz Joseph Haydn (1732-1809), recorria às coletâneas que oferecem aquelas mais famosas – geralmente são as que possuem título: o trio Le Matin, Le Midi & Le Soir, O Filósofo, Lamentação, Mercúrio, Maria Teresa, A Paixão, Imperial, Oxford, O Relógio, Londres e várias outras. Mesmo tendo a integral da Decca com a obra sinfônica do compositor em 33 CDs, dirigida pelo heróico Antal Doráti (1906-1988), ouvia sempre as sinfonias mais populares.

Karajan, a arte da regência

Eis que, em meados de 2008, um grande e saudoso amigo me apresentou, desinteressadamente, um álbum do selo Deutsche Grammophon com seu venerado Herbert von Karajan (1908-1989) regendo as chamadas Sinfonias Paris do mestre austríaco. Disse-me ele, profeticamente: “ouça sem compromisso e me diga algo, depois”. Lembro-me como se fosse hoje: decidi ouvir no carro o segundo CD do álbum, pois começava com uma sinfonia sem título. Ao fazer a curva para me dirigir à Asa Norte, bairro onde residia em Brasília na época, iniciou-se uma seqüência de momentos de êxtase a partir daquela leitura sobrenatural.

Duas coisas me chamaram de pronto a atenção na interpretação de Karajan: a sensação de imensidão dominada pelo som que aqueles tempos lentos passavam e a absoluta sincronia das cordas (áudio abaixo). A elegância aplicada aos minuetos os tornou devidamente aristocráticos (áudio abaixo). Os sopros transbordavam por todas as direções. Parecia que o regente queria nos dizer que não importava o quanto aquela exposição – ora possante, ora compassadíssima – iria durar, ou seja: a música nunca deve se curvar às contingências; todos os seus recursos devem ser explorados irrestritamente. O caráter de cada movimento é efetivamente respeitado: enérgico ao que deve ser enérgico; suave ao que assim deve se expressar.

Haydn: Sinfonia No. 86 em Ré maior: 1. Adagio-Allegro spiritoso (seleção)

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/05/Symph-No-86-Mvmt-No-1.mp3|titles=Haydn: Sinfonia 86.1 (Karajan/DG)]

Haydn: Sinfonia No. 87 em Lá maior: 3. Menuetto (seleção)

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/05/Symph-No-87-Mvmt-No-3.mp3|titles=Haydn: Sinfonia 87.3 (Karajan/DG)]

Enfim, aconteceu o inevitável: passei a adquirir tudo o que Karajan havia feito em Haydn. O impacto dessa descoberta foi tal que redirecionou minha atenção à obra sinfônica do compositor, com novo ânimo e uma atenção redobrada à importância daquele imenso colosso musical. Aqui estou eu ouvindo as sinfonias parisienses, após várias aventuras em outras gravações, confirmando definitivamente que o lendário Herr Direktor continua intocável no topo das recomendações. Para se ter uma idéia da importância do álbum, disse o musicólogo Howard Chandler Robbins Landon, maior especialista em Haydn, na publicação The Haydn Yearbook:

In the early 1980s Karajan created a whole new high standard of Haydn interpretation.

Vale a pena comentar um pouco da história dessas obras-primas, que revela como fascinaram e impressionaram seus ouvintes e executantes desde a sua estréia.

A rainha Marie Antoinette tocando espineta (1769/70)

As sinfonias foram compostas em 1785 e 1786 para uma grande orquestra parisiense (talvez a maior da Europa) chamada Le Concert de la loge Olympique, que reunia alguns dos maiores músicos da França. Incluía um grande e versátil conjunto de sopros, 40 violinos e 10 contrabaixos – o conjunto musical de Haydn em Esterháza tinha 25 membros no total. De acordo com Robbins Landon, os músicos vestiam esplêndidas casacas na cor azul celeste, com elaborados babados em renda e espadas ao lado.

Eles se apresentavam nos famosos Concerts Spirituels, o mais importante evento de concertos de Paris na época. Aliás, foi para um desses eventos, em 1777, que foi encomendada a célebre sinfonia nº 31 de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), por ocasião da última estada deste na capital francesa – ficando a obra conhecida como Sinfonia Paris. Os Concerts Spirituels eram uma iniciativa da loja maçônica Olympique, que contava com a proteção da rainha Marie Antoinette (1755-1793), ou Maria Antonia Josefa Johanna von Habsburg-Lothringen – austríaca de nascimento, como Haydn, e reconhecida amante da música.

Conde d’Ogny

O responsável oficial pela encomenda das sinfonias a Haydn foi Claude-Francois-Marie Rigoley (1757-1790), conde d’Ogny, um jovem aristocrata de 27 anos de idade, com sólida formação musical – sua família possuía uma grande coleção de partituras. As negociações do contrato, entretanto, foram feitas pelo compositor, maestro e violinista virtuose Joseph Boulogne (1745-1799), regente da orquestra e mais conhecido como Chevalier de Saint-George – uma importante figura na cena musical parisiense da segunda metade do século XVIII.

Chevalier de Saint-George

Segundo os musicólogos Jean e Brigitte Massin, para cumprir a encomenda, Haydn não teve necessidade de deixar os castelos de Eisenstadt e de Esterháza – as principais residências (situadas na Hungria) da família principesca dos Esterházy, a serviço da qual se encontrava desde 1761. Foi na qualidade de mais célebre dos compositores vivos que Haydn recebeu a encomenda, aos 52 anos de idade.

Mais do que uma honra para Haydn, o contrato foi um negócio extremamente lucrativo: ele recebeu a quantia de 25 louis d’or (moeda francesa vigente) por sinfonia – cinco vezes do que qualquer outro compositor receberia em seu lugar. Foram, assim, compostas as sinfonias de número 82 (Dó maior), 83 (Sol menor), 84 (Mi bemol maior), 85 (Si bemol maior), 86 (Ré maior) e 87 (Lá maior).

Cherubini testemunhou o sucesso das sinfonias de Haydn

O compositor italiano Luigi Cherubini (1760-1842), que trabalhou a maior parte da vida na França, foi um dos membros da orquestra que estreou as Sinfonias Paris – com isso, pode-se imaginar a qualidade do conjunto.

Segundo seus relatos, as obras foram recebidas com “êxtase”, tornando-se rapidamente populares para público e editoras – foram logo publicadas em Londres, Paris e Viena.

Jean e Brigitte Massin comentam que um crítico do jornal parisiense Mercure de France, depois de ter ouvido as Sinfonias Paris em 1787, observou com admiração que, enquanto tantos compositores tinham necessidade de vários temas para construir um movimento de sinfonia, um único tema bastava a Haydn:

Esse grande gênio, em cada uma de suas peças, sabe construir desenvolvimentos tão ricos e variados a partir de um único tema (sujet) – muito diferente daqueles compositores estéreis, que passam continuamente de uma idéia para outra por não saber apresentar uma idéia em variadas formas.

 O musicólogo Charles Rosen complementa da seguinte forma:

Não há uma passagem, mesmo a mais séria, dessas grandes obras que não seja marcada pelo humor de Haydn, e seu humor cresce de forma tão poderosa e tão eficiente que se torna uma espécie de paixão, uma força ao mesmo tempo onívora e criativa.

Meu objetivo aqui não é analisar detalhadamente cada sinfonia da série parisiense. Considero ser um conjunto para apreciarmos como um monumento único. Minha intenção é, sobretudo, despertar a atenção dos leitores para essas obras-primas, ainda pouco focadas pelas gravadoras e pela literatura. Muito se faz pelas sinfonias do período londrino de Haydn – que, certamente, possuem todo o mérito para isso. No entanto, as Sinfonias Paris oferecem um impacto arrebatador para quem acompanha a evolução da obra do compositor, representando um marco em sua produção.

Programa do Concert Spirituel de 1754

As sinfonias de Haydn do início da década de 1770 pareciam exigir mais espaço, para além dos seus limites. Em torno de 1780, as dimensões pareciam grandes demais para a energia musical. Após 1785, entretanto, tais conflitos se dissiparam. Passou a existir uma combinação perfeita de dimensão com energia e do caráter individual produzido pela integração de tema e tonalidade com a universalidade requerida por uma sinfonia.

As Sinfonias Paris foram tão importantes para o gênero sinfônico quanto os quartetos do Op. 33 do próprio Haydn foram para os quartetos de cordas (vídeo abaixo). Numa troca de inovações, as técnicas do quarteto de cordas ganharam as cores e a grandeza da sinfonia. Essa nova estrutura tornou a música mais acessível ao músico amador burguês – sua nova audiência. Por outro lado, os elementos do quarteto de cordas desenvolvidos por Haydn permitiram a sinfonia falar em termos universais, válidos para todas as pessoas. Três das sinfonias parisienses têm uma introdução lenta, o que em si não era novidade, mas aparecia agora com mais freqüência para adicionar mais solenidade a grandes concertos públicos.

[kad_youtube url=”http://www.youtube.com/watch?v=rkg_VNKo_8g” maxwidth=”600″]

Philip Downs, professor emérito da University of Western Ontario, destaca, numa visão geral, que os primeiros movimentos das Sinfonias Parisienses têm toda a potência e animação das sinfonias anteriores, mas, além dos habituais acordes e arpejos, há material melódico bem mais substancial. O número de movimentos em Adagio de caráter mais sério, quase religioso, cresce gradualmente, substituindo movimentos em Andante ou mais rápidos. Os minuetos apresentam menos mudança, enquanto os Finales se baseiam mais em melodias populares.

Nesse post, naturalmente, não poderíamos deixar de comentar a origem dos apelidos de três das Sinfonias Paris.

Ilustração de 1810 apresentando espetáculo com urso na Europa da época

No movimento final da sinfonia nº 82, os baixos são sustentados com a tonalidade de gaitas de fole, numa melodia eslava (áudio abaixo). Tal efeito gerou um arranjo para piano em 1829 que passou a acompanhar ursos dançarinos (tipo de espetáculo de rua muito popular na época), do que decorre o apelido da sinfonia (“O Urso”). A tradição dos ursos dançantes possui séculos e tem origem nos ciganos em países como Bulgária e Sérvia. Ursos dançarinos eram comuns na Europa durante a Idade Média. A prática começou a perder força na Europa Ocidental no século 15, mas permaneceu viva na Europa Oriental. Ursos dançarinos eram comuns em festivais de inverno tradicionais da Polônia ao longo do século 18. Tal prática foi proibida oficialmente na União Européia em 2006 por ser considerada cruel e prejudicial aos animais, mantidos sob controle com o auxílio de uma focinheira. Muitas vezes aprendiam a “dançar” e pular de um pé para outro em cima de uma placa quente de metal.

Haydn: Sinfonia No. 82 em Dó maior: 4. Finale: Vivace (seleção)

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/05/Symph-No-82-Mvmt-No-4.mp3|titles=Haydn: Sinfonia 82.4 (Karajan/DG)]

O título da sinfonia nº 83, La Poule (“A Galinha”), se refere ao segundo tema do seu primeiro movimento, no qual o pontuado acompanhamento do oboé lembra algo como um cacarejado de uma galinha (áudio abaixo).

Haydn: Sinfonia No. 83 em Sol menor: 1. Allegro spiritoso (seleção)

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/05/Symph-No-83-Mvmt-No-1.mp3|titles=Haydn: Sinfonia 83.1 (Karajan/DG)]

A sinfonia nº 85, conhecida como “A Rainha”, ganhou seu título pelo fato de Marie Antoinette ter gostado bastante dela – o título original completo era La Reine de France e apareceu pela primeira vez na edição francesa de 1788. O primeiro movimento é sustentado incrivelmente como monotemático – a propósito, sinto influência da sinfonia nº 45 (intitulada de “A Despedida” ou “O Adeus”) nessa parte (áudios abaixo). Seu segundo movimento é formado por um conjunto de variações sobre a antiga canção folclórica francesa “La gentille et jeune Lisette”.

Haydn: Sinfonia No. 85 em Si bemol maior: 1. Adagio-Vivace (seleção)

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/05/Symph-No-85-Mvmt-No-1.mp3|titles=Haydn: Sinfonia 85.1 (Karajan/DG)]

Haydn: Sinfonia No. 45 em Fá sustenido menor: 1. Allegro assai (seleção)

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/05/Symph-No-45-Mvmt-No-1.mp3|titles=Haydn: Sinfonia 45.1 (Pinnock/DG)]

O humor, a ironia e as peculiares excentricidades das duas primeiras sinfonias da série (82 e 83) contrastam com a refinada natureza das sinfonias de número 84, 86 e 87, escritas por Haydn intencionalmente para atender ao gosto parisiense pela chamada “grande symphonie” (áudio abaixo). Essas três, em particular, foram as que mais me impressionaram – teria sido devido ao pomposo e sério estilo parisiense aplicado pelo compositor? Possivelmente.

Haydn: Sinfonia No. 84 em Mi bemol maior: 1. Largo-Allegro (seleção)

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/05/Symph-No-84-Mvmt-No-1.mp3|titles=Haydn: Sinfonia 84.1 (Karajan/DG)]
O álbum recomendado

Foi com suas seis Sinfonias Paris que Haydn, definitivamente, atingiu o pináculo de sua carreira de compositor, um fato que foi amplamente reconhecido por seus contemporâneos e refletiu-se na sua popularidade internacional – em 1790, 80% de todos os concertos executados em Paris apresentavam obras de Haydn.

Mais detalhes sobre as sinfonias parisienses podem ser encontrados na densa obra do professor Bernard Harrison (Lancaster University) intitulada “Haydn: The Paris Symphonies”, da série Cambridge Music Handbooks, com 136 páginas e publicada em setembro de 1998. Uma seleção desse trabalho está disponível neste link.


Este post tem 21 comentários.

21 respostas para “Quando Paris se rendeu a Haydn”

  1. Entre os grandes compositores da História da Música, Haydn é certamente um dois mais subestimados. Por isso, sempre é bom lembrar da sua importância, não apenas histórica. Stravinsky era outro grande fã de Haydn, especialmente do seu tratamento com os sopros.

    Talvez vc não conheça uma gravação mais recente (de 2003) da integral das sinfonias de Haydn, regidas por Adam Fischer. É extremamente interessante escutar as ideias do regente postas em prática, num projeto de gravação de 33 CDs que levou 14 anos. Pode-se adquirir o box completo por um preço quase irrisório na Europa. Detalhes em http://www.amazon.de/Symphonies-Complete-33-CD-Box/dp/B0000666AF

    Pra mim, a grande descoberta da nova integral foram as sinfonias do “jovem” Haydn, escritas quando o compositor tinha de 30 a 40 anos, por aí. Ou seja, bem antes das sinfonias de Paris. Tenho um carinho especial pela número 39, de 1767, em sol menor e que utiliza quatro trompas. Pra mim, ela serviu de modelo para a sinfonia KV 183 de Mozart (de 1773), na mesma tonalidade e com as mesmas quatro trompas. Mozart que, aliás, nunca escondeu sua admiração e o quanto devia a Haydn.

    E de Robbins Landon não esqueçamos de citar sua Bíblia: “Haydn, Chronicle and Works” (1976-1980), um admirável trabalho de pesquisa e paixão, em cinco volumes.

  2. Caro Monteiro, é justamente essa uma das nossas missões: resgatar a relevância dos compositores injustiçados. Felizmente, Haydn tem ganhado grande destaque nos últimos tempos. Por falar na sinfonia nº 39 (gostei de sua associação com a 25 de Mozart), estou ouvindo exatamente a série do intervalo 30-40 com Doráti/Decca. Quanta inspiração nesse bloco! Já começa com uma das minhas favoritas entre todas do compositor: a nº 31, “Hornsignal” (a trompa é o meu instrumento preferido).
    Conheço a integral do Fischer e comprei recentemente seu álbum duplo com as Sinfonias Paris – uma ótima aquisição, sem dúvida! Fiquei impressionado com a percepção dele para os trios dos minuetos e a valorização dos contrastes. Outra gravação bem recomendada, especialmente para quem gosta de leituras historicamente informadas, é esta: http://www.amazon.com/Haydn-Paris-Symphonies-Franz-Joseph/dp/B000031WJC/ref=sr_1_1?s=music&ie=UTF8&qid=1337043322&sr=1-1, trazendo o grande Sigiswald Kuijken e a Orchestra of the Age of Enlightenment.
    Abraços parisienses!

  3. Que primor! Descobri o site hoje e já estou devorando o que vocês escrevem. A velha e boa inteligência crítica!

    Volto a dizer… Que primor!

  4. Pois é, mestre, parece que a Sinfonia 31 („Hornsignal“) de 1765 é tb uma das favoritas de Robbins Landon, que dela escreveu: “For those who know the rest of Haydn’s oeuvre, stretching away (as it were) towards the distant horizon, there is something peculiarly poignant about this Hornsignal Symphony, whose perfect construction and gay, light-hearted language, as yet untroubled with the ominous accents of Sturm und Drang, represent in some indefinable way Haydn’s farewell to youth; for in the next decades he was never quite able to recapture the deep-seated joy and innocence of this music.”

    É legal lembrar tb que a orquestra de que Haydn dispunha em Esterhazy tinha trompistas tão bons, que ele não só os colocava em grupos de quatro (como nas sinfonias 31 ou 39), como tb compôs pelo menos dois concertos de trompa, e um para duas trompas, na época. No último movimento da 31, temos ainda aquela variação para as quatro trompas, capaz de tirar o sono de muito profissional, ainda hoje. Ah, e a sinfonia 73 (“La Chasse”) tem não só aquele contraponto legal no primeiro Allegro, como tb a fuzarca do par de trompas, no Presto final.

    (Falando em trompa, uma sugestão pra tema de post: as obras que Mozart escreveu para seus instrumentistas de sopros favoritos, o clarinetista Anton Stadler e o trompista Joseph Leutgeb, que tanta gozação teve que aguentar do compositor. Abs.)

  5. Já que já foram citados Dorati, Fischer e Kuijken, me deixem acrescentar também o Harnoncourt – é pela interpretação deles que eu ouço a maior parte das sinfonias do Haydn.

    E me impressiona nas sinfonias parisienses a velha qualidade de Haydn, capaz de guardar surpresas em cada obra: o ARDIL. Haydn daria outra ótima série de “10 momentos bizarros”, porque há sempre alguma inspiração bem humorada e improvável que renova o interesse da sua música.

  6. De fato, Monteiro, a sinfonia nº 31 de Haydn foi um divisor de águas. Sua estrutura é absolutamente equilibrada em elaboração e densidade. É uma obra planejada como um todo, cuja finalização funciona como elo à origem; o fechamento de um ciclo que pode ser reiniciado indefinidamente. Se não me engano, foi a primeira sinfonia do compositor a ter tema com variações num segundo movimento… A empolgação de Haydn nessa obra-prima teve uma motivação à altura: era comemoração à chegada de novos trompistas, depois de tantas e tantas reivindicações do compositor ao seu patrão. Haydn quis mostrar ao príncipe que a contratação tinha valido a pena, colocando-os à prova para demonstração… Que prova de fogo!!! Li em algum lugar que a sinfonia nº 13 também foi (re)escrita para quatro trompas. Por falar nos concertos de Haydn, recomendo a gravação sensacional de Thomas Fey pela Hänssler, a melhor que conheço: http://www.haenssler-classic.de/detailansicht/titel/symphonies-nos-1-2-31/155473/155473/155473.html.
    Leo, esqueci de indicar o próprio Fey também nas Sinfonias Paris! Aliás, esse regente foi premiado recentemente com um Grammy num CD de Salieri. Sim, ficamos esperando o seu post sobre os 10 momentos “bizarros” de Haydn! ;)
    Ah, obrigado a Heber e Jean pelos elogios!
    Abraço a todos!

  7. Fred, impressionante que Haydn, praticamente um provinciano, tenha sido o compositor mais famoso de sua época. A surreal história do público que vai ao encontro do mestre. Handel teria morrido de inveja dessa sorte. Mas quais foram os verdadeiros promotores de sua música? Os nobres que visitavam a casa dos Esterházy? Será que o conde d’Ogny passou um fim de semana por lá? Não podemos esquecer também que o conde fez outra encomenda importantíssima, as sinfonias sem nome 90-92, que aliás estão entre minhas preferidas. Outra coisa interessante é que Haydn em suas correspondências diz que precisa escrever ao gosto do público francês ou ao gosto do público inglês (no caso das sinfonias londrinas). Como ele percebia esse gosto? O tamanho das orquestras, qualidade dos músicos, gosto por “surpresas”…? Assunto inesgotável, não é mesmo, amigão?

  8. Sem dúvida, Carlos. O assunto renderia bastante. Já conversamos em outros tópicos sobre a fantástica carreira de Haydn, que chegou a dormir nas ruas na sua adolescência e acabou se tornando um dos pilares da música ocidental. A difusão de sua música na Europa certamente foi favorecida pelos privilegiados que compareciam aos concertos privados dos Esterházy, entre eles seria perfeitamente possível estar o jovem Conde d’Ogny. Imagino a sensação de estar naquele ambiente magnífico de Esterháza, ouvindo músicos recrutados entre os maiores talentos da Áustria, Itália e outros países. Li em Grout e Palisca que todas as semanas eram apresentadas duas óperas e dois longos concertos para o patrão de Haydn e seus convidados. Além desses, havia óperas e concertos especiais em honra dos visitantes mais notáveis, bem como, quase diariamente, música de câmara nos aposentos particulares do príncipe. Os dois autores informam ainda que, embora Esterháza fosse bastante isolada, o fluxo constante de hóspedes e artistas notáveis, bem como as ocasionais viagens a Viena, permitiram que Haydn se mantivesse a par das mais recentes inovações no mundo da música. Downs traz ainda exemplos de agendas diárias de Haydn se apresentando para convidados em recepções no palácio rural dos Esterházy. Isso mostra que Haydn interagia com músicos de diversas origens e tinha acesso às culturas desses estrangeiros, o que favoreceu a percepção de gostos diferenciados. O diferencial de tudo isso, como digo sempre, está na genialidade de Haydn em transformar essas informações e conhecimento em arte. O nível musical era tão elevado em Esterháza que o príncipe gastou uma fortuna contratando Salieri e outros músicos durante a viagem de Haydn a Londres (que ele mesmo autorizou) apenas para comemorar uma nomeação sua como administrador de outro condado na Hungria. Aliás, este fato específico tem TUDO a ver com a composição de La Clemenza di Tito por Mozart. Mas isso é outra história… ;)

  9. Grande mestre: após consultar com calma meus alfarrábios, posso confimar que a sinfonia de número 13, em ré maior, utiliza mesmo quatro trompas na orquestra. Entre 1763 e 1765 havia realmente quatro bons trompistas na orquestra do príncipe Nikolaus de Esterhazy. Haydn tirou bom proveito disso, utilizando todas as trompas nas suas sinfonias 13, 31, 39 e 72. Robbins Landon cita tb uma Cassação em ré maior, para o quarteto de tropas, violino, viola e baixo, mas a autenticidade desta obra ainda não foi comprovada.

    Quanto à questão sobre qual seria a primeira sinfonia haydniana a ter um tema com variações no segundo movimento, aí é preciso procurar com mais tempo… As variações da 31 estão no quarto movimento, assim como na sinfonia 72 (anterior à 31). Abs.

  10. Fred,

    Você tem toda razão, não podemos subestimar a riqueza de eventos acontecidos naquela “pobre casinha” dos Esterhazy. O humor de Haydn tinha uma razão de existir.

  11. Excelente Post, Frederico

    Gostaria de acrescentar ainda que as Sinfonias Parisienses foram compostas na época que Haydn entrou para a Maçonaria (por influência de seu amigo Mozart) sendo que as sinfonias 84, 85 e 86 têm simbolismos maçônicos, como demonstra Jacques Henry em sua obra “Mozart the Freemason” (aliás, o encomendante era de Loja Maçônica Francesa).
    Um dos temas mais interessantes na História da Música é justamente a influência da Maçonaria nos compositores que eram maçons (como Mozart, Haydn e tantos outros) e até que ponto os simbolismos e doutrinas Maçônicas foram tomadas como idéias musicais e como tais idéias foram desenvolvidas. Assim, as Sinfonias Francesas de Haydn também podem ser estudadas sob este aspecto, dando assim maior compreensão (e por vezes também melhor interpretação) destas obras.

  12. Puxa, que solo fantástico de trompa! Obrigado, F.S.!

    (E eu que podia jurar que a única passagem de harpa em Brahms era no Requiem Alemão… Que jeito maravilhoso de descobrir que se está errado!)

  13. Pois é, o Brahms aos 27 anos já compunha essas maravilhas. Esta é a primeira de 4 pecas escritas pra coro feminino, trompas e harpa, op. 17, sobre textos de Shakespeare, Eichendorff, Ruperti e… Ossian (isso mesmo, o falsificado).

    Existe ainda outra obra de Brahms com harpa: a Nênia op. 82, pra coro e orquestra. de 1881. Abs.

  14. Devo dizer que, reconhecidamente, a leitura dos textos desse blog não é apenas informativa. É, deveras, imponente e romântica. Empolga, e nos conduz a curiosidade de querer ouvir os compositores, suas obras, e é claro, os regentes citados. Como sou grato por isso.

  15. Para contribuir numa melhor contextualização do que acontecia em Paris na época , para ajudar a entender porque a prática musical parisiense era tão reputada, e sobretudo qual era o estilo dos sinfonistas franceses, sugiro os seguintes CDs, entre muitos outros, todas acessíveis inclusive em plataformas de streaming como Spotify. Vocês aí perceberão como Haydn e Mozart souberam incorporar ao seu fazer os estilo francês. Gossec, inclusive, precedeu Haydn de alguns anos na publicação das suas primeiras sinfonias, que viriam a ser o modelo da sinfonia clássica que Haydn e Mozart adotaram.

    Gossec: Symphonies. Concerto Koln.
    Simon Le Duc: Symphonic Works (Complete). La Stagione Frankfurt. Michael Schenider. CPO.
    Beck & Gossec: Symphonies . Northern Chamber Orchestra. Nicholas Ward. NAXOS.

    Abraços e parabéns pelo blog!

  16. Tenho ouvido as sinfonias “Paris” e, de fato, a citação de “A Despedida” no primeiro movimento da sinfonia nº 85 é bem instigante! Ela surge na dominante menor quando esperávamos pelo segundo tema da exposição, de modo contrastante através da sua ênfase, e depois dele o próprio primeiro movimento ressurge na dominante, como se nada tivesse acontecido. O que foi isso? Quem é o segundo tema afinal? No desenvolvimento, a citação volta, e depois o primeiro tema, que não sabemos se vem a caráter de primeiro ou de segundo tema afinal! Na reexposição, a citação some. Então o que foi isso afinal? Uma forma-sonata monotemática que emprestou o primeiro tema da sinfonia “A Despedida” para a exposição e o desenvolvimento?

  17. Hadyn foi sem dúvida um dos mais marcantes e plurifacetados compositores do século XVIII e do início do século XIX a par de Mozart e de Beethoven.
    Apesar de seu enorme valor e obra, foi injustamente relegado para uma posição secundária bem inferior á sua enorme potencialidade e quase genialidade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *