Infelizmente, para quem gosta de cinema na mesma proporção com que aprecia música, a vida dos compositores raramente resulta em cinebiografias muito dignas. Digo isso em vista das vidas particularmente entediantes que a maioria teve – tais como Bach e Haydn, por exemplo – bem como pelo resultado dos filmes dedicados a Beethoven, o compositor bipolar que fica surdo, protagonista ideal de herói para o drama de grandes platéias. Immortal Beloved, de Bernard Rose, detém o mérito de uma bela reconstituição de época, e só. Já Copying Beethoven de Agnieska Holland é medíocre – como esquecer a cena praticamente plagiada de Amadeus?
Este último, aliás, deve ser o melhor filme a respeito de um compositor, justamente por não se pretender realista, mas por causa do texto teatral original de Peter Shaffer, e, igualmente, pela direção de Milos Forman.
De fato, é com os compositores românticos que encontramos vidas que mereçam uma película que se pretenda verossímil; o problema é, digamos assim, o açúcar. Um exemplo é A Song to Remember, de Charles Vidor, sobre Chopin, obra devidamente datada (o episódio de Chapolin sobre a vida do polonês termina sendo mais divertido). Idem para Song of Love de Clarence Brown, sobre os Schumann, apesar de que, diga-se, deve ser o melhor caso de bem sucedida “dublagem” de atores ao piano.
Portanto, a livre ficção declarada sobre a vida dos compositores tem tudo para ser mais atrativa. Sabendo disso Ken Russell chutou o balde e fez Mahler, um filme significativamente estranho que salta do sublime ao tosco em questão de segundos, ganhando o duvidoso status cult.
Mas tudo isso é para falar do mais recente e apurado filme sobre um compositor, Coco Channel & Igor Stravinsky, de Jan Kounen, que é exatamente isso: romance e não história. Verdade que não é exclusivamente para ele, e mais verdade ainda que a protagonista é Channel (Anna Mouglalis), sem dúvida uma personalidade mais pop que Stravinsky (Mads Mikkelsen). Entretanto, diga-se que os vinte primeiros minutos são muito interessantes pela representação da estréia da Sagração da Primavera, expondo um delicioso passeio por um dos incidentes mais divulgados de nosso tempo.
Infelizmente o que se anuncia como a intensa e breve relação sobre duas figuras revolucionárias do século XX termina num filme morno e desinteressante, com cenas tórridas de paixão belucciniana, ensinamentos feministas de uma mulher à frente de seu tempo e angústias de um compositor galante entre seu casamento e uma amante excepcional como ela – e com a Sagração tocada ad infinitum entre tudo isso…
Enfim, a ausência de realismo não se justifica ali, uma vez que termina apenas por nos entediar com personagens tão pouco atraentes – o que não eram, ao menos para os seus entusiastas. Ainda não foi dessa vez.
Música clássica e cinema raramente tiveram bons acordos, é curioso. Mas dizem que “Rossini! Rossini!” – com Philippe Noiret, Sabine Azéma, Jacqueline Bisset e Vittorio Gassman -, dirigido por Mario Monicelli em 1991, é bem bom. Também já vi algumas partes de um filme bem antigo (1936) sobre Beethoven chamado “Un grand Amour de Beethoven”, dirigido por Abel Gance, que, melodramas românticos à parte, tinha cenas montadas com bastante interesse.
Engraçado, eu gostei do filme “Coco & Igor”, mas talvez por me encantar com a Coco da Anna Mouglalis. Agora, o filme nos deixa entender que a Sagração da Primavera só foi possível por causa da Coco Chanel, isso é verdade?
Soube que fizeram um filme (alemão) do encontro entre Mahler e Freud, só deve estrear por aqui ano que vem!
Leonardo T.
Nossa, um filme sobre Rossini tem tudo pra ser bom, ainda mais do Monicelli, irei procurar.
Leonardo V.
Não creio. Acho q a ideia foi mais de q Coco ‘civilizou’ a Sagração, ou ao menos, o seu compositor mesmo após a estréia. Já tal filme sobre o encontro Mahler-Freud parece ser algo, espero ver.
Fato que a vida ‘morna’ de alguns compositores autorizaria alguma licença poética das mais extravagantes. Mas fato também que alguns episódios da história da música ainda está por ser desvendado até por aqueles que gostam de pipoca com açúcar; O que dizer dos incontáveis casos amorosos de Alma Mahler, das tensões entre os Schumanns e Brahms, a vida agitadíssima de Liszt? Sugestões apenas para aqueles que gostam de Blockbusters.
O que dizer então dos episódios mais sérios e menos açucarados? Afinal, Schoenberg não foi deliberadamente para Los Angeles, nem Shostakovich escolheu de bom grado ficar ‘em casa’, só pra dar alguns exemplos.
Mas talvez o diálogo entre cinema e música esteja fadado ao desastre, pois afinal de contas, a música sempre será uma coadjuvante, papel subalterno que ela jamais mereceu.
Abraços
Lembrei de outro filme que eu nunca vi mas do qual falam sempre muito bem: Ludwig, do Lucchino Visconti, de 1972. Além do Ludwig da Baviera, tem a participação central de Wagner (interpretado pelo Trevor Howard, que dizem ter sido o melhor ator possível pro papel, por ser muito bom e muito a cara do Wagner mesmo), mais a Cosima e o Hans von Bulow.
Sem dúvida Ludwig é extraordinário, e o Wagner do Visconti é incrível, apesar de falar italiano – o que sem dúvida deve causar algum desconforto para aqueles que sabem que a diferença entre o italiano e o alemão não é meramente gramatical.
E Morte em Veneza? Que tal o Mahler encarnado naquele Gustav Von Aschenbach?
haha! Às vezes a escolha do ator fica mesmo muito engraçada. Aliás, vem post sobre esse assunto por aí em breve.
E lembrei de mais um filme que nunca vi mas que tem pelo menos uma cena genial: “Spring Symphony”, de Peter Schamoni e de 1983, sobre o Schumann e as celebridades que o rondaram. A cena é logo o começo do filme, quando Paganini – interpretado pelo GIDON KREMER – toca o Capricho No. 17 em uma das performances mais impressionantes que alguém já viu. Liszt, fascinado na platéia, já dedilha algumas idéias na cerca do balcão onde assiste ao concerto. Dá pra ver a cena aqui: http://www.youtube.com/watch?v=puVWbAncCkI.
E fora isso tudo, parece haver também o tal “Notturno”, filme de 1988 sobre Schubert com umas cenas bem preciosistas. Comentei rapidinho no post sobre o Doppelgänger: http://euterpe.blog.br/analise-de-obra/a-cancao-mais-assustadora-de-schubert#comment-66
Nossa, lembrei de mais um: Kinski Paganini!, escrito, dirigido e atuado pelo Klaus Kinski em 1989. Imagina a maluquice.
Por falar em Klaus Kinski: a Clara Schumann do “Sinfonia da primavera” citado era interpretada por Nastassja Kinski, sua filha.
Aliás, ela Clara a personagem principal do filme, não Robert. A trama toda é focada na oposição ao casamento dos dois feita pelo pai dela, Friedrich Wieck. É um filme mediano.
Filme mediano, mas rendeu este vídeo do Kremer tocando o Capricho 17, um dos pontos altos do virtuosismo violinístico gravado… Eu assisti esta coisa no cinema em Florianópolis, e as marcas dos meus dedos no descansa-braço da cadeira ainda devem estar lá. :)
Nossa, esqueci o Paganini do Kinski, de fato, algo bem excêntrico (sobretudo porque é sobre Kinski, e não sobre o compositor).
João Rizek colocou um ponto interessante sobre o Von Aschenbach do Visconti: mesmo sendo uma versão livre da vida de Mahler termina contendo muito do “pathos”, digamos assim, de sua obra. Aliás, veja-se o quanto a narrativa ganha em substância se comparada à novela de Mann ao substituir o escritor pelo compositor, enfim…
Pra TV foram feitas pelo menos duas séries boas sobre compositores: A Vida de Verdi, que infelizmente foi lançada em DVD no Brasil dublada em inglês (é falada em italiano) e Wagner, maravilhosamente interpretado por Richard Burton, que também ganhou uma versão tosca em DVD brazuca.
Em cinema, tem um filme muito ridículo e muito divertido sobre a vida do Strauss, A Grande Valsa, se não me engano.
Excelente site. Parabéns.
Abs!
Olha achei um link bacana com a cena do escândalo da estréia do Le sacre du printemps, no filme Coco Channel & Igor Stravinsky:
http://www.youtube.com/watch?v=mvAj2cOh1s4&feature=related
A propósito…muito pouco convincente a atuação do ator que interpreta Stravinsky…
eu acho o maximo
Foi mencionada a série sobre a vida de Wagner com o Richard Burton, o que me lembra que recentemente tem sido divulgado um lançamento no Brasil em DVD de uma série alemã sobre Bach, feita em 1985: http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/995854-minisserie-revela-musica-religiosidade-e-amores-de-j-s-bach.shtml. Além da cena que essa página oferece como excerto, eu vi também uma outra, com a duvidosa anedota da fuga do cravista Louis Marchand de uma competição que ele teria com Bach. Me pareceu tudo bem romantizado e às vezes um pouco didático, mas a reconstituição de época como um todo parece bem dedicada.