19abr 2017
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O “jeca” da música clássica

Ontem, no caderno Folha Ilustrada da Folha de S.Paulo, foi publicada a tirinha acima, de Ricardo Coimbra, que ridiculariza pesadamente a empáfia do conservadorismo de influência britânica que grassa pela nossa direita liberal brasileira, particularmente entre alunos e simpatizantes de Olavo de Carvalho: meramente por instrumentalizar referências da alta cultura europeia, tal sujeito se enxergaria como parte de uma casta espiritual e intelectual superior, em que ele mais parece se encastelar -com certo asco árcade pelo Brasil- do que se apresentar como um reformador cultural da iluminação que arroga.

No entanto, duas coisas chamam a atenção: 1) a acusação de que tal sujeito se contradiz por ser “mestiço” e, 2) claro, a menção à música clássica como afetação muito distante da realidade brasileira.

Quanto à acusação de mestiçagem, se a intenção era voltar os princípios de certa eugenia contra o próprio sujeito, o resultado desastrado soa ainda mais eugenista: independentemente do ataque a uma concepção “jeca” de “alta cultura”, acaso haveria no **ser mestiço**, em qualquer medida, uma contradição no contato com essa “alta cultura europeia”? Que se largue dela **porque** ela está mais para coisa de europeu puro-sangue? Falta desconfiômetro aos pianistas clássicos chineses?! Nazistas adorariam esse raciocínio!

E quanto à música clássica, tema desta página, é bem verdade que esse bloco glamourizado e chamado de “música clássica” sofre muito daquele tom “asséptico” dos que a tratam como pó de arroz, mas a pronta imagem desse ridículo é uma orquestra sinfônica popular?

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Vamos logo nos dar conta de que a maioria dos ritmos populares no Brasil (modinha, maxixe, chachado, samba, chorinho) nasceu de uma “miscigenação” brasileira com danças e gêneros de música clássica europeia, que estiveram presentes aqui desde a colonização e ficavam muitas vezes a cargo de mestiços como trabalho “braçal”. No fim das contas, não é justamente esse contato o que tem construído identidades culturais no Brasil até hoje?

Talvez um ataque à referida “concepção jeca de alta cultura” precise de uma mão pesada para desconstruir o elemento “jeca” e não se pudesse esperar mais de uma tirinha de jornal. Mas, para não cairmos em outro extremo, ignorante e ridicularizador de quaisquer raízes culturais, devemos lembrar, sem qualquer “assepsia” iluminista ou progressista, que ao sangue mestiço a música clássica bem pode ser antes atavismo do que veneno.


Este post tem 18 comentários.

18 respostas para “O “jeca” da música clássica”

  1. Que bom que as publicações estão de volta….Pensei que o “site” estivesse fora do ar…

  2. O autor da tirinha não estava ridicularizando os “mestiços”, mas apenas os puristas que fingem possuir a tal respeitabilidade racial, cultural e europeia. Uma boa forma de fazer isso foi demonstrar que eles têm muita semelhança com aquilo que menosprezam.

  3. Olavo de Carvalho? Aquele que descobriu que Adorno compôs as músicas dos Beatles? Pöe Jeca nisso…

  4. Gostei 👍 obviamente essa tira quer nivelar razamente o assunto através de uma visao unilateral e imperialista, sem descortinar com profundeza argumentativa e histórica todos os pontos necessários a uma análise honesta e verdadeira.

  5. Boa reflexão. Só hoje descobri este blog maravilhoso (via análise do poema sinfônico “Polednice”, de Dvorák. Que grata surpresa. Parabéns, longa vida a vocês!

  6. Fiquei feliz em ver uma publicação nova. Sei que deve ser muito difícil manter um trabalho sobre música clássica, mas não desistam. Aprendi muita coisa sobre música neste blog.

  7. 4 coisas devem ser consideradas:
    (1) Somos Ocidentais. A ocidentalizada deve ser medida pelo que mais importa e não pela superficialidade: nossas principais instituições são ocidentais e nossos valores mais fortes também. Trouxemos o capitalismo, o industrialismo, os valores do cristianismo, o Estado ao modo Ocidental, etc.
    (2) Os críticos de mestiçagem são racistas.
    (3) Olavo de Carvalho é burro;
    (4) A tirinha é ridícula.

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