19abr 2017
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Vamos ouvir Wagner? Especial de 200 anos – Die Walküre: Ato I: Cena II

Sieglinde (Arthur Rackham)Sieglinde, por Arthur Rackham

Continuando a audição comentada de Wagner, ouviremos hoje a segunda das três cenas do primeiro ato de Die Walküre. A primeira cena foi muito delicada, mas preparem-se: a partir de hoje teremos emoções fortes e informações importantes! A tradução do libretto é de Luiz de Lucca, do site Wagner em Português.

Hunding

04. 1. Beginning (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Ouçam a música e saquem só a figura que se aproxima…

Depois de servir a Siegmund, saindo de um contexto de ré maior e entrando em um escuro dó menor, Sieglinde se afasta rapidamente, aguçando o ouvido para escutar seu marido, Hunding, a apear de seu cavalo e a conduzi-lo ao estábulo.

Conforme Hunding está chegando à casa, a orquestra começa a esboçar o Motivo de Hunding.

04. 2. Hunding Motive (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Sieglinde então corre à porta e a abre, e o Motivo de Hunding é tocado, nos fazendo enxergar um tremendo de um homem rude e austero (o contexto musical é dó menor, mas o Motivo o ignora ao tentar “rudemente” impor a tonalidade de fá menor):

Motivo de Hunding

Hunding, armado de escudo e lança, entra, e para à porta, ao perceber Siegmund. Nisto volta-se para Sieglinde, com um olhar sério e interrogativo.

04. 3. Mud am Herd (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Respondendo ao olhar do marido, ela diz:

Müd am Herd
Exausto, junto à lareira,
fand ich den Mann:
encontrei este homem:
Not führt’ ihn ins Haus.
infortúnios trouxeram-no a nossa casa.

Em seguida os cellos tocam rapidamente o Motivo de Siegmund, sendo ele o motivo da conversa.

Hunding pergunta:

Du labtest ihn?
Deste-lhe cuidados?

Ela responde:

Den Gaumen letzt’ ich ihm,
Aliviei-lhe dos lábios a sede;
gastlich sorgt’ ich sein.
tratei-o com hospitalidade.

Tendo até então observado Hunding com firmeza, Siegmund diz:

Dach und Trank
Teto e de beber
dank ich ihr:
devo a ela;
willst du dein Weib drum schelten?
repreenderás tua mulher por isto?

A orquestra reassume o Motivo de Hunding (a figura da sua escala inicial) enquanto este pondera. Até que responde solenemente:

Heilig ist mein Herd:
Sagrada é minha lareira:
heilig sei dir mein Haus!
sagrada seja-te minha casa!

Hunding então se desveste de suas armas e as entrega a Sieglinde. Falando para ela, ele ordena:

Rüst uns Männer das Mahl!
Serve a refeição a nós homens!

Sob o Motivo de Hunding em plena soberania na orquestra, Sieglinde pendura as armas dele nos galhos da árvore; depois, vai buscar comida e bebida no depósito, e dispõe à mesa a refeição noturna.

04. 4. Wie gleicht er dem Weibe (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Involuntariamente, o olhar de Sieglinde volta a se fixar em Siegmund. As cordas tocam o Motivo da Piedade seguido do Motivo do Amor nos sopros.

Enquanto isso Hunding estuda, com fixidez e surpresa, as feições de Siegmund, comparando-as com as de sua mulher.

Fala, a seguir, a si próprio:

Wie gleicht er dem Weibe!
Como ele se parece com a mulher!
Der gleißende Wurm
A mobilidade luminosa
glänzt auch ihm aus dem Auge.
brilha também nos olhos dele.

Muitíssimo sutilmente e de modo instigante, ao fim da fala de Hunding o clarinete baixo toca o Motivo da Lança de Wotan, símbolo da relação dessa divindade com o destino e que, embora ainda não tivesse aparecido em Die Walküre, já havia dado origem ao Motivo da Tempestade e ao Motivo de Siegmund:

Motivo da Lança de Wotan1

04. 5. Wotan’s Treaty Motive (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Escondendo sua admiração, Hunding se volta a Siegmund, simulando naturalidade.

04. 6. Weit her, traun (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Weit her, traun,
kamst du des Wegs;

Com certeza, vens de longe, em teu caminho;
ein Roß nicht ritt,
não montavas um cavalo,
der Rast hier fand:
quando aqui achaste repouso:
welch schlimme Pfade
que maus atalhos
schufen dir Pein?
te causaram tormento?

À menção aos tormentos do caminho de Siegmund, a orquestra relembra o Motivo da Tempestade. Siegmund responde:

04. 7. Durch Wald und Wiese (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Durch Wald und Wiese,
Por florestas e prados,
Heide und Hain,
charnecas e bosques,
jagte mich Sturm
perseguiram-me tempestades
und starke Not:
e grandes infortúnios:
nicht kenn ich den Weg, den ich kam.
desconheço o caminho por que vim.
Wohin ich irrte,
Por onde andei errando,
weiß ich noch minder:
conheço ainda menos:
Kunde gewänn’ ich des gern.
com satisfação, eu obteria ideia de tal.

À mesa, oferecendo um lugar a Siegmund, Hunding enfim se apresenta, dizendo:

04. 8. Des Dach dich deckt (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Des Dach dich deckt,
Do teto que te abrigou,
des Haus dich hegt,
da casa que te guardou,
Hunding heißt der Wirt;
Hunding é o nome do anfitrião;

A orquestra volta a tocar o Motivo de Hunding.

wendest von hier du
se daqui dirigires
nach West den Schritt,
a oeste o teu passo,
in Höfen reich
em ricos domínios
hausen dort Sippen,
lá residem famílias
die Hundings Ehre behüten.
que guardam a honra de Hunding.
Gönnt mir Ehre mein Gast,
Se meu hóspede reconhece-me a honra,
wird sein Name nun mir gennant.
seja-me, então, pronunciado o seu nome.

04. 9. Volsungs’ Woe, Pity & Love Motives (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

A essa pergunta, Siegmund, já instalado à mesa, olha pensativo à frente. A orquestra toca o Motivo do Infortúnio de Siegmund, revelando seus pensamentos: primeiro com o clarinete baixo, depois com os cellos.

Sieglinde, sentada junto a Hunding e diante de Siegmund, fita-o com interesse e expectativa notórios. É quando a orquestra toca o Motivo da Piedade com os clarinetes, seguido do Motivo do Amor com o oboé. Essa é a mesma sequência que encerrou a primeira cena.

Motivos

04. 10. Tragst du Sorge (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Hunding observa a ambos e diz:

Trägst du Sorge,
Se sentes receios
mir zu vertraun,
de mo confiares,
der Frau hier gib doch Kunde:
dá, contudo, a referência a esta mulher:
sieh, wie gierig sie dich frägt!
repara como ela te interroga ansiosa!

Sieglinde, ávida e com simplicidade, diz:

Gast, wer du bist,
wüßt’ ich gern.
Hóspede, agradar-me-ia saber quem és.

Os Volsungs

05. 1. Friedmund darf ich nicht heißen (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

A música modula de dó menor para sol menor. Siegmund, novamente sobre o Motivo do Infortúnio de Siegmund, agora em uma quinta acima com os cellos, alça o olhar, encara Sieglinde nos olhos, e apresentando-se nos faz conhecer sua história:

Friedmund darf ich nicht heißen;
“Pacífico” não posso ser chamado;
Frohwalt möcht’ ich wohl sein:
“Jubiloso” de bom grado eu seria;
doch Wehwalt muß ich mich nennen.
mas “Doloroso” devo nomear-me.
Wolfe, der war mein Vater;
Wolfe [Lobo] foi meu pai;
zu zwei kam ich zur Welt,
em dois, eu vim ao mundo:
eine Zwilingsschwester und ich.
uma irmã gêmea e eu.
Früh schwanden mir
Cedo me foram perdidas
Mutter und Maid;
a mãe e a menina;
die mich gebar
aquela que deu-me à luz
und die mit mir sie bargt,
e aquela que nasceu comigo,
kaum hab ich je sie gekannt.
eu mal as conheci.
Wehrlich und stark war Wolfe;
Valente e forte era Wolfe;
der Feinde wuchsen ihm viel.
muito se multiplicaram seus inimigos.
Zum Jagen zog
mit dem Jungen der Alte:

A uma caçada, com o jovem, saiu o mais velho;
von Hetze und Harst
einst kehrten sie heim:

um dia regressaram da caça, ao lar:
da lag das Wolfsnest leer.
lá estava a casa de Wolfe, vazia.
Zu Schutt gebrannt
Reduzia-se a um monturo incendiado
der prangende Saal,
a magnificente sala,
zum Stumpf der Eiche
blühender Stamm;
a um toco, o tronco florido do carvalho;
erschlagen der Mutter
mutiger Leib,

morto, o corpo vigoroso da mãe;
verschwunden in Gluten
desaparecidos nas brasas,
der Schwester Spur.
os vestígios da irmã.
Uns schuf die herbe Not
Causou-nos tal atroz infortúnio
der Neidinge harte Schar.
a malta brutal dos Neidinge [Invejosos].

Imediatamente a orquestra toca o Motivo de Hunding!

Geächtet floh
der Alte mit mir;
Desterrados, o mais velho e eu, fugimos;
lange Jahre
por longos anos
lebte der Junge
viveu o jovem,
mit Wolfe im Wilden Wald:
com Wolfe, na floresta selvagem:
manche Jagd
muitas perseguições
ward auf sie gemacht;
foram feitas no encalço deles;
doch mutig wehrte
das Wolfspaar sich.
Mas a dupla de lobos corajosamente se defendia.

Voltando-se para Hunding, Siegmund conclui:

Ein Wölfing kündet dir das,
Conta-te isto um Wölfing [filhote de lobo],
den als ,,Wölfing” mancher wohl kennt.
que como “Wölfing” é conhecido por muitos.

Assim (com uma riquíssima inflexão musical a cada palavra) sabemos que Siegmund tem uma origem obscura mesmo para ele: tendo sido forçado a viver como lobo com seu pai, a fugir de seus inimigos, ele parece ignorar o próprio nome de batismo, intitulando-se “Doloroso” [Wehwalt] e sendo conhecido como “Wölfing” [filho de Wolfe (“lobo”)]. Ao contar como os Neidinge atacaram sua casa e sua família, a orquestra denuncia que Hunding tem ligação com os agressores.

05. 2. Wunder und wilde Mare (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Hunding, sobre o ritmo do seu Motivo, reage dizendo:

Wunder und wilde Märe
Espantosas e selvagens lendas
kündest du, kühner Gast,
tu contas, bravo hóspede,
Wehwalt, der Wölfing!
“Doloroso”, o Wölfing!

A música modula de sol menor para lá menor.

Mich dünkt, von dem wehrlichen Paar
vernahm ich dunkle Sage,
Creio que já ouvi obscuras estórias
sobre esse par pugnaz,
kannt’ ich auch Wolfe
und Wölfing nicht.
embora não tivesse conhecido nem Wolfe
nem Wölfing.

Então Sieglinde pergunta:

Doch weiter künde, Fremder:
Mas conta mais, forasteiro:
wo weit dein Vater jetzt?
onde anda o teu pai agora?

05. 3. Ein starkes Jagen auf uns (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

A orquestra acompanha o ímpeto de Siegmund com uma variação do Motivo do Infortúnio de Siegmund e ele prossegue:

Ein starkes Jagen auf uns
stellten die Neidinge an:
Os Neidinge empreenderam
uma grande perseguição a nós:
der Jäger viele
os muitos perseguidores
fielen den Wölfen,
atacaram os lobos;
in Flucht durch das Walt
em fuga, pela floresta,
trieb sie das Wild:
os dois afugentaram os bárbaros:
wie Spreu zerstob uns der Feind.
dispersamos o inimigo, como se o debulhássemos.
Doch ward ich vom Vater versprengt;
Mas fiquei desgarrado de meu pai;
seine Spur verlor ich,
perdi seu vestígio,
je länger ich forschte:
por muito que o procurara:
eines Wolfes Fell nur
apenas uma pele de lobo
traf ich im Forst;
eu achei na floresta:
leer lag das vor mir,
estendia-se diante de mim, vazia,
den Vater fand ich nicht.
e o pai eu não encontrara.

Neste ponto as trompas de postilhão e o clarinete baixo tocam o Motivo do Valhala (que já havia aparecido em Das Rheingold), o palácio criado por Wotan, símbolo de seus planos, revelando-nos a identidade do pai de Siegmund: trata-se do próprio Wotan, uma divindade que não raras vezes errava entre os humanos! Siegmund, que até aqui se referiu ao pai como Wolfe (“lobo”), desconhece esse fato.

Motivo do Valhala

06. 1. Aus dem Wald trieb es mich fort (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Aus dem Wald trieb es mich fort;
Assim sendo, levei-me para fora da floresta;
mich drängt’ es zu Männern und Frauen.
assim, me oprimiram homens e mulheres.

À menção de “mulheres” [Frauen], a orquestra toca o Motivo do Amor.

Siegmund prossegue, cada vez mais aflito:

Wie viel ich traf,
Por muitos que eu conhecesse,
wo ich sie fand,
onde quer que os encontrasse,
ob ich um Freund’,
se como amigos os procurava,
um Frauen warb,
ou se mulheres requestava,
immer doch war ich geächtet:
eu era sempre rejeitado:
Unheil lag auf mir.
A desventura vivia sobre mim.
Was Rechtes je ich riet,
O que a mim parecesse justo
andern dünkte es arg,
os outros achavam mau;
was schlimm immer mir schien,
andere geben ihm Gunst.

ao que mau se me afigurava
os outros sempre davam apoio.
In Fehde fiel ich, wo ich mich fand,
Eu caía em contenda onde quer que me achasse,
Zorn traf mich, wohin ich zog;
a ira me achava onde quer que eu fosse;
gehrt’ ich nach Wonne,
anelando pela alegria,
weckt ich nur Weh:
só despertei o sofrimento:

As cordas tocam então o que alguns comentadores reconhecem como o Motivo do Sofrimento ou da Rejeição (cantado pela primeira vez por Alberich em Das Rheingold), e Siegmund conclui:

drum mußt ich mich Wehwalt nennen;
por isto devo chamar-me “Doloroso”;
des Wehes waltet’ ich nur.
só a dor eu obtive.

Ele olha para Sieglinde e percebe seu olhar atento. Sobre o ritmo do Motivo de Hunding nos tímpanos e contrabaixos, a orquestra toca em uma frase contínua o Motivo do Sofrimento com as cordas e o oboé (este com uma figura de mesmo ritmo), seguido do Motivo do Amor.

Motivo do Sofrimento

06. 2. Die so leidig Los dir beschied (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Depois de uma modulação para dó menor, Hunding observa:

Die so leidig Los dir beschied,
Aquelas que te legam tão triste sorte,
nicht liebte dich die Norn’:
as nornas, não gostaram de ti:
froh nicht grüßt dich der Mann,
com alegria não te saúda homem algum,
dem fremd als Gast du nachst.
a quem chegas, desconhecido, como hóspede.

E Sieglinde reage:

Feigen nur fürchten den,
Só os covardes temem aquele
der waffenlos einsam fährt! –
que vai desarmado e solitário! –

A orquestra toca rapidamente o Motivo da Piedade. Ela continua:

Künde noch, Gast,
Conta ainda, hóspede,
wie du in Kampf
como tu, em luta,
zuletzt die Waffe verlorst!
por fim, perdeste as armas!

06. 3. Ein trauriges Kind (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Novamente, a orquestra toca uma variação do Motivo do Infortúnio de Siegmund e ele, acalorado, prossegue:

Ein trauriges Kind
Uma infeliz criança
rief mich zum Trutz:
chamou-me em seu auxílio:
vermählen wollte
der Magen Sippe
dem Mann ohne Minne die Maid.

a própria família queria casar
a jovem com um homem a quem não amava.
Wider den Zwang
Reprovando a coerção,
zog ich zum Schutz,
corri em sua defesa;
der Dränger Troß
traf ich im Kampf:
em luta acometi a turba opressora:
dem Sieger sank der Feind.
eu, vitorioso, abati o inimigo.

A orquestra assume uma variação do Motivo do Sofrimento ao fundo.

Erschlagen lagen die Brüder:
Mortos jaziam os irmãos:
die Leichen umschlang da die Maid,
a menina abraçava-se em seus corpos;
den Grimm verjagt’ ihr der Gram.
a pena afugentara-lhe a raiva.

A orquestra assume então o que alguns comentadores identificam como o Motivo do Choro da Menina, uma escala descendente que evoluiu do Motivo do Sofrimento, já esboçado pela orquestra quando Siegmund contava sobre sua vitória sobre os irmãos da menina.

Motivo do Choro da Menina

06. 4. Mit wilder Tranen Flut (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Mit wilder Tränen Flut
Num violento fluxo de lágrimas,
betroff sie weinend die Wal:
perplexa e chorando, ela contemplava a chacina:
um des Mordes der eignen Brüder
pela morte de seus irmãos
klagte die unsel’ge Braut.
lamentava-se a noiva infeliz.
Der Erschlagnen Sippen
stürmten daher;

Os familiares dos mortos acorreram;
übermächtig
ächzten nach Rache sie;

em grande número,
gritaram por vingança;
rings um die Stätte
cercando o lugar,
ragten mir Feinde.
os inimigos avançaram contra mim.
Doch von der Wal
wich nicht die Maid;

Mas a menina
não se moveu de onde se dava a batalha;
mit Schild und Speer
armado com escudo e lança,
schirmt’ ich sie lang,
eu a protegi por longo tempo,
bis Speer und Schild
im Harst mir zerhaun.

até que, em meio ao combate,
partiram-me a lança e o escudo.

A orquestra toca o Motivo de Siegmund.

Wund und waffenlos stand ich –
Fiquei ferido e desarmado –
sterben sah ich die Maid:
vi a jovem morrer:

A orquestra toca o Motivo da Tempestade.

mich hetzte das wütende Heer –
a furiosa tropa me perseguiu –
auf den Leichen lag sie tot.
e, sobre os corpos, jazia ela morta.

Sobre o Motivo do Infortúnio de Siegmund, dirigindo a Sieglinde um olhar de brilho doloroso, Siegmund conclui:

Nun weißt du, fragende Frau,
Agora sabes, mulher que me questionas,
warum ich Friedmund – nicht heiße!
porque não me chamo “Pacífico”!

A conclusão de Siegmund é um embrião de um motivo que a orquestra toca a seguir:

Motivo dos Volsungs

06. 5. Volsungs Motive (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

É o Motivo dos Volsungs, a sofrida linhagem de Siegmund. É o meu motivo favorito de todo o Anel! Primeiro nas cordas e metais, depois nos sopros.

Siegmund é um herói deslocado, suas convicções não coincidem com as leis da sociedade nem com a moral convencional – um tipo de tensão especialmente conflituosa para um herói –, e assim o seu caráter é todo formado pelo sofrimento.

Ele então se levanta e caminha em direção à lareira. Sieglinde, empalidecida e profundamente perturbada, leva o olhar ao solo.

07. 1. Ich weiss ein wildes Geschlecht (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Hunding se levanta, muito sombrio, e diz:

Ich weiß ein wildes Geschlecht,
Eu sei de uma estirpe selvagem
nicht heilig ist ihm,
à qual não é sagrado
was andern hehr:
o que às outras honra:
verhaßt ist es allen und mir.
é odiada por todos e por mim.

A orquestra assume o ritmo do Motivo de Hunding.

Zur Rache ward ich gerufen,
Fui convocado à vingança
Sühne zu nehmen
destinada a redimir
für Sippenblut:
o sangue da família:
zu spät kam ich
cheguei muito tarde,
und kehre nun heim,
e volto agora ao lar,
des flücht’gen Frevles Spur
im eignen Haus zu erspähn.

para descobrir em minha própria casa
o vestígio do criminoso fugitivo.

A orquestra toca uma variação do Motivo de Hunding. Caminhando para baixo, ele decreta:

Mein Haus hütet,
Wölfing, dich heut;

Minha casa, Wölfing, abriga-te por hoje;
für die Nacht nahm ich dich auf;
durante a noite eu te relevo;
mit starker Waffen
doch wehre dich morgen;

mas amanhã guarnece-te com fortes armas;
zum Kampf kies ich den Tag:
para a luta, eu designo o dia:
für Toten zahlst du mir Zoll.
deves pagar-me o preço das mortes.

Sobre o Motivo da Piedade nas cordas, num movimento de ansiedade, Sieglinde passa entre os dois homens.

Hunding brada-lhe, asperamente:

Fort aus dem Saal!
Fora da sala!
Säume hier nicht!
Não fiques parada aqui!
Den Nachttrunk rüste mir drin,
Vai preparar lá dentro a minha bebida da noite,
und harre mein zur Ruh’.
e espera que eu me vá deitar.

07. 2. Silence (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Sieglinde fica, por um espaço de tempo, indecisa e pensativa. Num passo lento e hesitante, ela se dirige ao depósito. Lá se detém novamente e permanece, em esparsos pensamentos, com o rosto voltado para trás. Com tranquila determinação, abre o armário, enche um copo de chifre e, de um pote, despeja nele uma especiaria. Depois, volta o olhar para Siegmund, a fim de encontrar seus olhos, que se mantêm fixos nela. A seguir, encontrando o olhar perscrutador de Hunding, dirige-se imediatamente ao quarto.

A música, que alterna o grave intervalo de semitom do olhar severo de Hunding com o Motivo da Piedade nos sopros do olhar de Sieglinde, e mesmo com o Motivo dos Volsungs do olhar de Siegmund, nos faz facilmente enxergar a troca de olhares dos três.

07. 3. Silence II (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Já a subir os degraus, Sieglinde se volta mais uma vez, fixa em Siegmund o olhar amoroso, e indica-lhe, com o olhar, e com um expressivo relance da vista, um determinado ponto no tronco do freixo.

Nesse momento, sobre o trêmolo das cordas, o trompete, seguido do oboé, toca um motivo muito especial cujo significado conheceremos mais adiante:

Motivo da Espada

Hunding sobe e a impele, com um rude gesto, a retirar-se. Com um último olhar a Siegmund, ela entra no quarto, fechando a porta atrás de si. Hunding retira suas armas do tronco.

07. 4. Mit Waffen wahrt sich der Mann (G. Solti – VPO & Chor der Wiener Staatsoper – 1965):

Sobre o Motivo de Hunding, saindo, ele se volta para Siegmund e diz:

Mit Waffen wahrt sich der Mann.
Com armas garante-se o homem.
Dich, Wölfing, treffe ich morgen;
Contigo, Wölfing, eu me encontro amanhã;
mein Wort hörtest du –
ouviste minha palavra –
hüte dich wohl!
cuida-te bem!

Com as armas, ele entra no quarto; e ouve-se-o fechar a tranca por dentro. O ritmo do Motivo de Hunding domina todo o fim da cena.

E esta foi a segunda cena!

No próximo post ouviremos a última cena do primeiro ato, em que coisas surpreendentes e profundas acontecerão. Não percam!

Este post pertence à série:
1. Vamos ouvir Wagner? Especial de 200 anos – Die Walküre: Ato I: Cena I
2. Vamos ouvir Wagner? Especial de 200 anos – Die Walküre: Ato I: Cena II
3. Vamos ouvir Wagner? Especial de 200 anos – Die Walküre: Ato I: Cena III

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