Em post recente, abordamos a primeira grande reforma da história da ópera, representada essencialmente por Pietro Metastasio (1698-1782). Dessa vez, aproveitando a comemoração dos 300 anos do compositor alemão Christoph Willibald [Ritter von] Gluck (1714-1787), completados neste mês, comentaremos a segunda reforma na ópera, por ele conduzida.
Situando o mestre no tempo, Gluck fez parte de uma leva de artistas alemães “exportados” para Paris em meados do século XVIII, como Friedrich Melchior, o famoso Barão Grimm (1723-1807), e dominou a cena parisiense de 1774 a 1779, graças à proteção de uma ex-aluna, que se tornaria rainha da França: Maria Antonia Josepha Johanna von Habsburg-Lothringen, mais conhecida como Maria Antonieta (1755-1793). Escreveu mais de 100 óperas, das quais apenas cerca de 40 são conhecidas.
A formação musical de Gluck foi concluída em Milão com o mestre Giovanni Battista Sammartini (1700-1775) e lá mesmo na Itália teve suas primeiras óperas representadas até 1745, como Artaserse (1741), sobre libretos de Metastasio, que ainda reinava absoluto na época. Passou anos viajando e apresentando seus trabalhos em Paris e Londres – onde o grande Georg Friedrich Händel (1685-1759) o recebe, mas afirma (com sua famosa “delicadeza”) que seu cozinheiro sabe contraponto melhor que ele – e ainda: Leipzig, Dresden, Viena, Copenhague e Praga – nesta última estreou sua bela ópera Ezio, também com libreto de Metastasio, da qual temos um vídeo abaixo com uma ária magnífica – deleite para os oboístas. Somente em 1752, voltou à Itália para apresentar La Clemenza di Tito – novamente libreto de Metastasio (percebe-se aqui a onipotência do poeta no período), que foi musicado mais de 50 vezes, sendo a versão de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) a mais famosa.
Gluck: “Finché un zefiro soave” (Ezio)
[kad_youtube url=”https://www.youtube.com/watch?v=K0zif-quWiU” maxwidth=”600″]Tudo mudou na vida de Gluck quando ele finalmente foi contratado em 1754 para trabalhar como compositor dos teatros imperiais de Viena, onde, graças ao seu diretor, o conde e diplomata Giacomo Durazzo (1717-1794), teve contato intenso com a opéra-comique francesa. Essa experiência contribuiu para desviar Gluck das convenções da opera seria italiana. Assim, na própria capital austríaca, Gluck apresentou suas novas óperas cômicas a partir de 1758, culminando com La Rencontre imprévue ou Les pèlerins de la Mecque, de 1764 – cuja abertura podemos assistir no vídeo abaixo (note-se que a música turca estava em moda na Viena da época).
Gluck: “Ouverture” (Les pèlerins de la Mecque)
[kad_youtube url=”https://www.youtube.com/watch?v=uvbWwDuD4pU” maxwidth=”600″]No dia 17 de outubro de 1761, Gluck fez representar no Burgtheater de Viena o balé em três atos Don Juan ou Le Festin de pierre, com argumento e coreografia de Domenico Maria Angiolo Gasparini, mais conhecido como Gaspare Angiolini (1731-1803), futuro coreógrafo de Orfeo ed Euridice, e a colaboração de Ranieri Simone Francesco Maria de’ Calzabigi (1714-1795), futuro libretista de Orfeo. Calzbigi acabara de passar dez anos em Paris e incitou Gluck a romper com a estética convencional de Metastasio.
Don Juan fazia parte de uma corrente reformista do balé, com tendência a privilegiar os aspectos expressivos e humanos da dança diante dos aspectos puramente decorativos. Neste ponto, já era um prenúncio de Orfeo, tanto assim que, para a versão francesa desta ópera, Gluck retomaria para a Danse des furies, a chacona final de Don Juan (áudio abaixo). A propósito, o chamado Sturm und Drang em música teve nessa chacona a sua primeira manifestação na história, segundo a musicóloga francesa Brigitte Massin.
Gluck: “XXXI. Chaconne: Allegro non troppo” (Don Juan)
Um ano depois de Don Juan, foi a vez da montagem de Orfeo ed Euridice, no mesmo teatro, em 5 de outubro de 1762 – a primeira manifestação da “reforma da ópera” que seria empreendida por Gluck. Seu tema remete às origens da ópera: a Euridice de Jacopo Peri (1600) – considerada a primeira ópera – e o Orfeo de Claudio Monteverdi (1607). Mas se Gluck aparentemente olhava para trás, esta obra desbravou outros caminhos para a ópera. A nova abordagem de Gluck focava a ação dramática, em lugar das distrações virtuosísticas. Já no início se percebe a qualidade diferenciada dessa obra-prima: um coro lamenta a morte de Eurídice em tom formal e elegíaco, enquanto Orfeu chora por ela num estilo vocal eletrizante que prenuncia a era romântica (áudio abaixo). Essa mistura de dois mundos sonoros é puro Gluck, diz Alan Riding no seu guia.
Gluck: “Ah! Se intorno a quest’urna funesta” (Orfeo ed Euridice)
O momento mais famoso de Orfeo ed Euridice e talvez a passagem musical mais famosa de Gluck – que neste post comemorativo não podia faltar – é a ária “Che farò senza Euridice?”, cantada em tocante tristeza e desespero de Orfeu ao perder sua amada pela segunda vez (áudio abaixo).
Gluck: “Che farò senza Euridice?” (Orfeo ed Euridice)
A segunda manifestação viria somente em 16 de dezembro de 1767, após novas viagens de Gluck à Itália – onde ainda trabalhou com libretos de Metastasio. O mestre apresentou Alceste, também com libreto de Calzabigi. Essas obras inauguraram uma nova concepção da ópera, mais sóbria e mais dramática, de que a dedicatória de Alceste representa o manifesto das ideias reformadoras de Gluck.
“Pensei restringir a música à sua verdadeira função, servir à poesia na expressão e nas situações dramáticas, sem interromper a ação ou arrefecê-la com ornamentos inúteis, supérfluos […] Pensei, além disso, que meus maiores esforços deveriam reduzir-se a buscar uma bela simplicidade e evitei exibir dificuldades em detrimento da clareza”. [Trecho do prefácio de Gluck em Alceste]
Alceste é mais conhecida pela ária “Divinités du Styx”, interpretada por grandes cantoras do século XX, quando a ópera foi redescoberta, como podemos conferir no vídeo abaixo com a respeitada soprano norte-americana Jessye Norman. Na ária, o rei Admeto está morrendo, e seu povo está por isso desesperado. O deus Apolo recusa um sacrifício animal, anunciando que Admeto viverá apenas se a outra pessoa for sacrificada em seu lugar. A rainha Alceste suspeita que ela é a vítima desejada por Apolo, declarando que vai renunciar à vida por amor.
Gluck: “Divinités du Styx” (Alceste)
[kad_youtube url=”https://www.youtube.com/watch?v=tlDxFXR8rxk” maxwidth=”600″]Em 1770, foi levada uma terceira ópera, ainda com libreto de Calzabigi, Paride ed Elena. Um grande trabalho de Gluck que ainda permanece adormecido. Conta com apenas uma gravação, dirigida por Paul McCreesh pela Deutsche Grammophon. Bela música e cenas profundamente dramáticas perfeitamente integradas. Gluck registrou sua estratégia em elaborar “musicalidades diferenciadas” entre troianos e espartanos pelo “contraste entre a natureza rude e selvagem de um lado (Esparta) e toda a delicadeza do outro (Troia)”. Gluck conduz a transição da ópera barroca para a clássica com toda maestria. Ele frequentemente quebra a convenção da fórmula ária-recitativo – inserindo breves seções recitadas ou adicionando interjeições de outros personagens dentro das árias. O efeito está no fortalecimento do drama num caminho que olha decisivamente para o futuro, de Mozart para frente. No áudio abaixo está uma de suas mais belas passagens, a comovente ária de Paris do quarto ato (áudio abaixo).
Gluck: “Di te scordarmi, e vivere!” (Paride ed Elena)
Em 1772, François-Louis Gand Le Bland du Roullet (1716-1786), diplomata da França em Viena, redigiu para Gluck um libreto em francês baseado na tragédia Ipfigénie, de Jean-Baptiste Racine (1639-1699). Tendo decidido conquistar Paris, Gluck preparou-se para isso metodicamente e, em 1773, passou lá uma temporada numa expedição exploratória. Assim sendo, em 1774, fez representar sucessivamente na capital francesa Iphigénie en Aulide (19 de abril) e Orphée et Euridice (2 de agosto), versão francesa de Orfeo ed Euridice. O filósofo, escritor e compositor Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) declarou em bilhete ao cavaleiro Gluck: “Iphigénie derruba todas as minhas ideias. Ela prova que a língua francesa é tão capaz quanto outra qualquer de uma música forte, tocante e sensível ”.
Em 23 de abril de 1776, seguiu-se uma versão francesa de Alceste. O público fica desorientado por não poder classificar Gluck nem entre os italianos, nem entre os franceses. Aqui cabe uma referência à chacona final de Alceste (áudio abaixo), certamente uma das músicas mais belas que saíram da pena de Gluck, coroando o encerramento de sua ópera. Sopros sonoros, cordas brilhantes, tímpanos possantes e trompetes solenes.
Gluck: “Chaconne” (Alceste)
O musicólogo francês Roland de Candé sintetiza bem a concepção reformadora da ópera formulada e implementada por Gluck:
1. O interesse dramático é mais bem distribuído: há apenas três atos, em vez de cinco, e o prólogo convencional, que dispersa a atenção, é abandonado. A unidade de ação possibilita a expressão de sentimentos mais fortes e mais naturais.
2. A abertura anuncia o drama. Ela situa seu cenário e seu clima psicológico, servindo-se por vezes dos temas da partitura, como na grandiosa e admirável abertura de Iphigénie en Aulide, ópera da qual o compositor alemão Richard Wagner (1813-1883) era profundo admirador – o vídeo abaixo com o maestro Riccardo Muti é particularmente sublime. Ela pode ter o caráter de uma sinfonia descritiva, pela qual começa a ação, e encadear-se diretamente à primeira cena, como em Iphigénie en Tauride (áudio abaixo).
Gluck: “Ouverture” (Iphigénie en Aulide)
[kad_youtube url=”https://www.youtube.com/watch?v=ctko9P6IaMM” maxwidth=”600″]Gluck: “Introduction – ‘Grand dieux! Soyez-nous secourables’” (Iphigénie en Tauride)
3. Ao recitativo secco acompanhado ao cravo, Gluck prefere um recitativo arioso acompanhado pela orquestra (áudio abaixo). O gênero fica mais patético e não impõe a ruptura de continuidade.
Gluck: “Armide, que le sang qui m’unit avec vous” (Armide)
4. Além disso, as árias nunca são parênteses inúteis. São sóbrias, naturais, sem os ornamentos necessários ao bel canto, que, nas palavras do compositor alemão, “desfiguram há muito a ópera italiana e que, do mais pomposo e do mais belo de todos os espetáculos, fazem o mais ridículo e mais aborrecido”. Um dos mais refinados exemplos dessa ideia de Gluck está na ária celestial de Efigênia no segundo ato de Iphigénie en Tauride – talvez a mais bela da ópera (áudio abaixo).
Gluck: “Ô malheureuse Iphigénie” (Iphigénie en Tauride)
5. Os coros participam da ação. Em Alceste, o coro que representa o povo é um “personagem” de primeiro plano (áudio abaixo), como se verá mais tarde nas óperas do russo Modest Petrovich Mussorgsky (1839-1881), um dos herdeiros de Gluck.
Gluck: “Que les plus doux transports succédent aux alarmes” (Alceste)
6. A função dramática da orquestra é considerável. A instrumentação não é ornamentada, mas funcional. A orquestra romântica está em formação, com uma busca de caracterização instrumental de certas personagens ou de certas situações, que procede da ideia do leitmotiv. Um exemplo do emprego funcional, e intencionalmente suave, da orquestra está na representação do ambiente dos Campos Elísios em Orfeo. No áudio abaixo, podemos sentir a natureza, com os pássaros cantando, que deslumbra o pastor na ópera. Música de suprema qualidade.
Gluck: “Che puro ciel” (Orfeo ed Euridice)
Com o impacto de suas belas óperas reformadas em Paris, Gluck atraiu, de uma só vez, calorosos partidários e violentos detratores, do que deveriam decorrer, a partir de 1777, as controvérsias da famosa “querela dos gluckistas e dos piccinnistas”. Niccolò Piccinni (1728-1800) foi um dos mais populares compositores de ópera no seu tempo. Em 1760 ele compôs, em Roma, a opera buffa de grande sucesso La Cecchina, ossia La buona figliuola, com libreto de Carlo Goldoni (1707-1793), executada em todas as importantes capitais europeias – o que o projetou bastante internacionalmente e o fez ser contratado em Paris. Na capital francesa, Piccinni passou a ser o símbolo dos conservadores e manipulado por esses como força contrária às inovações de Gluck. A polêmica não opôs tanto os dois compositores, cujas relações pessoais continuaram sempre cordiais. Na verdade, não era a música que estava em causa, ou, pelo menos, não apenas a música, segundo Brigitte Massin. A despeito de todas as proclamações lançadas, a batalha entre ópera “dramática” (Gluck) e ópera “musical” (Piccinni) na verdade não aconteceu: pouco tempo depois, sem alardes nem manifestos, Massin afirma que Mozart iria mostrar como transcendê-la…
No plano artístico, Massin ressalta que Gluck simplificou os libretos, despojou a música de todo ornamento inútil, ligou a abertura orquestral ao drama em si mesmo, humanizou o recitativo, fez com que o coro participasse da ação e preocupou-se com o aspecto psicológico. Entretanto, não hesitou em proclamar que, para atingir tais fins, a música era apenas um meio, entre outros.
As reformas de Gluck praticamente nada tiveram a ver com o desenvolvimento da opera buffa. Gluck foi para Mozart um exemplo. Este ficou a dever-lhe principalmente Idomeneo (1781) no gênero opera seria. No mais, a influência de Gluck também pode ser percebida em algumas passagens de Don Giovanni e nas citações do balé Don Juan na ária de Pedrillo de Die Entführung aus dem Serail e no fandango de Le Nozze di Figaro (áudios abaixo).
Gluck: “XX. Moderato” (Don Juan)
Mozart: “Fandango” (Le Nozze di Figaro)
O herdeiro mais autêntico de Gluck não foi o classicismo vienense dos anos 1780, mas – por intermédio de músicos da Revolução Francesa, como Étienne Nicolas Méhul (1763-1817) – o compositor do Romantismo francês Louis Hector Berlioz (1803-1869), como podemos observar na sua grande ópera Les Troyens. De qualquer modo, a carreira de Gluck marcou sua época com um dos dois acontecimentos de grande envergadura que precederam a plena maturidade de Franz Joseph Haydn (1732-1809) e do próprio Mozart – o Sturm und Drang foi o outro fenômeno.
Nas bases das cinco principais obras de Gluck (Orfeo, Alceste, Iphigénie en Aulide, Armide e Iphigénie en Tauride), todas de caráter elevado, impregnadas de sinceridade e grandeza neoclássica, encontram-se, segundo Massin, princípios humanitários e ideais éticos fundamentais como a amizade, o amor conjugal, o espírito de sacrifício e, sempre, a vitória destes princípios e ideais sobre as forças destrutivas, inclusive a morte. Com justa razão, ele pôde definir sua música como a “linguagem da humanidade”, o que tem tudo a ver com a frase de Haydn ao partir para Londres: “O mundo inteiro compreende minha linguagem”.
Caríssimo Frederico,
Eu sempre tive ,em música, um apreço pelos menos celebrados. Desde que neles sentisse valor ,claro. Outrora cá falávamos no Zeitgeist dos anos 60, em que Carpeaux negligenciava Mahler, que ainda não estava em moda, mas dizia “Quando se encena uma ópera de Gluck, o teatro vira um templo; Se Bach tivesse composto óperas, seriam como as de Gluck”.
Logo depois, Gluck saiu de moda. Nos anos 90 , questionei um grande expert em ópera belcantista, o qual desconhecia Rameau e chamava Gluck de “estatuesco”.
Sim, Gluck ainda pertence à plêiade da mitologia, da solenidade sem apelo virtuoso, o sentimento clássico de Handel (Gluck não estava mais na era contrapontística;acho q Beethoven tb disse dele algo assim), onde a tragédia é sóbria, como na Grécia que transformava o sofrimento em estética. Não há lugar, em Gluck, para ligeiras árias de loucura, ou gargarejos rossinianos….respeitáveis, de resto.
Gardiner, em sua gravação de Troyens de Berlioz , explica ser esta a última ópera classicista e gluckiana. E eu ,particularmente, não gosto da ópera romântica francesa , nem a Grand Opera, nem a Comique. Exceção para Contes d Hoffmann.
Wagner via em Gluck um caminho diversionista do que ele chamava de “charangas italianas”. Todos tem razão nesse sentido.
Só sei que , há décadas, fiquei encantado com as duas Ifigênias e ,principalmente com Orfeo ed Eurídice . Há passagem mais nobre do que o início “Ah se intorno”.. e “Che puro ciel”? Nem falo em “Ché faró”… E o solo de flauta dos Elísios, tão simples e tão elísio?
Gluck foi o primeiro inconfidente do reinante italianismo, abrindo caminho a Mozart.
Voltando a Zeitgeist, vejamos como, então, Gluck queria provar que o Francês (após Rameau) também se prestava à ópera, como Mozart, pouco depois, teve a ousadia de mostrar que era possível uma ópera em alemão.
É um autor hoje pouco conhecido. Entretanto, “Que faríamos sem Gluck?”
Muito interessante esse artigo dobre Gluck. Parabéns
Obrigado, Heber. Sempre presente conosco! :)
Meu caro Flavio, obrigado pelo comentário. A celebração de Gluck nos últimos tempos, de fato, restringe-se basicamente a Orfeo ed Euridice. Talvez Gluck ficasse um tanto avançado para um estilo operístico de Bach, distante que este estava da alma da ópera francesa de Lully e Rameau. Talvez Bach apontasse mais para Telemann na ópera… Questão bastante instigante essa. Acho que a mitologia greco-romana nunca será algo ultrapassado. Suas passagens sempre trouxeram valiosos enredos e reflexões atuais. Gluck soube se apropriar de capítulos ricos da mitologia e trabalhá-los com toda maestria musical, gerando pérolas que nos fascinarão eternamente. Confesso que ainda não me dediquei suficientemente a Les Troyens de Berlioz. Devo fazer isso em breve. Gluck tinha sua visão respeitável sobre a ópera, mas de forma nenhuma superior a outras, como a de Rossini, que você lembrou. São territórios distintos. Também sinto o mesmo que você sobre a ópera romântica francesa. É uma área mais distante do meu gosto musical, assim como a ópera romântica alemã. Sou absolutamente fascinado com as passagens de Orfeu que você citou. Sinto-me transportado para outra dimensão quando ouço o coro inicial e “Che puro ciel” – é como se fosse o som do paraíso. Ótimo seu paralelo Gluck-Mozart no desbravamento de uma nova linguagem para as óperas francesa e alemã. Penso sempre como caminharia a ópera mozartiana se o mestre tivesse vivido, ao menos, o dobro de anos que viveu…
Obrigado, Frederico, pelas cumplicidades. Lembro que há um DVD Blue Ray de Les Troyens-Berlioz magnificamente executado por Gardiner, Susan Graham e a Antonaci. Está a preço acessível lá fora. Problema são os atrasos de nossa Rceita e Correio. Eu o tenho e a entrevista inicial do regente ilustra bem que ali (Berlioz) terminava a grande era gluckiana da pompa mitológica.
Bela interpretação do trecho de Ezio com instrumentos da época.
Obrigado, Flavio!
Vou procurar esse blu-ray. Deve ser muito bom, com esse time.
De fato, Paula.
Esse registro inteiro (há em CD) tem excelente nível. Recomendo!
Outro excelente post sobre um dos “patinhos feios” da história da música, parabéns, mestre! A anedota de Händel sobre os conhecimentos contrapontísticos de Gluck não está documentada. Ma si non è vera, è ben trovata, porque é certo que Gluck foi durante sua carreira criticado pelo seu contraponto chinfrim. Ele inclusive levou pau no exame desta matéria, ao se candidatar, em 1736, a um posto na corte vienense. Também, na banca estava o severíssimo coroa Johann Joseph Fux (1660-1741), mestre de capela imperial e um verdadeiro papa na matéria.
Não existem registros de que Gluck teve algum professor de teoria ou composição, o que indica que ele deve ter sido, em grande parte, autodidata. Nada mau, se escutarmos sua obra, bem mais famosa do que a do cozinheiro de Händel… Abs órficos.
É sempre um prazer absoluto ler as colunas do Frederico (como de todos os demais colunistas do Euterpe, que se deixe claro). O tempo entre as atualizações vale pela qualidade incomparável das análises. Parabéns, meu caro, que continue a nos brindar com as suas verdadeiras aulas.
Obrigado, Fernando.
Apareça sempre no nosso blog! :)
Caro Fabio,
Tantos “patinhos feios” merecem nossa atenção – muitos ainda absolutamente esquecidos. Essas anedotas são bem a cara de Händel! rs. Eu me divirto muito. Há uma penca delas nesse site: http://gfhandel.org/anecdotes.html. Vamos abafar a comparação entre Gluck e o mestre do Gradus ad Parnassum em 1736… rs. Quem sobreviveria?! Gluck era muito esforçado (vemos as viagens dele e seu estágio de 1773 em Paris). De fato, tem muito de autodidata. Teve alguns alunos, naturalmente, como Maria Antonieta, mas não se projetou como professor. Tenho curiosidade sobre a obra sacra dele… Parece não ter se dedicado ao gênero. Há poucas peças registradas (pelo menos até onde li).
Obrigado pelo link das anedotas de Händel, muito divertidas! Retribuo com uma sobre Gluck, contada por seu amigo, o compositor e violinista austríaco Carl Ditters von Dittersdorf (1739-1799) em suas memórias (que aliás já foram traduzidas pro inglês):
Em 1763 estavam Gluck e Dittersdorf em Bolonha, onde seria estreada a ópera ‘Il Trionfo di Clelia’, do primeiro, sobre libreto de Metastasio. Pouco antes da estreia, Dittersdorf toca durante uma missa numa igreja local um solo de violino. Um bolonhês que escutava comentou, espantado: “Mas como pode uma tartaruga alemã dessas tocar tão bem?” Ao que Gluck respondeu: “Mio Signore, per favore! Eu também sou uma tartaruga alemã, e fui honrado com a tarefa de escrever uma ópera para a inauguração de vosso teatro.”
Realmente Gluck escreveu poucas obras sacras (quem sabe, por consciência de sua fraqueza contrapontística?). Além de algumas árias sacras – que, em boa parte, eram paródias de árias de óperas suas – só encontrei um moteto (Alma sedes, para canto e orquestra, antes de 1779) e três Salmos: de números 50 (Miserere, para 8 vozes, ca.1744-45, desaparecido), 8 (Domine Dominus Noster, ca. 1753-1757, tb desaparecido) e o salmo 130 (De Profundis, para coro e orquestra, ca. 1785-1787). Esta última obra talvez seja a mais importante do grupo, visto que foi executada durante o enterro de compositor, em 17/11/1787. Aqui um link para a partitura e gravações:
http://www.musicalion.com/de/scores/noten/693/christoph-willibald-gluck/14713/de-profundis-clamavi-trauergesang
Bom domingo para todos!
Caro Fabio,
Ótima a anedota de Gluck! Aliás, comprei o álbum com Il Trionfo di Clelia da MDG (3CD) e recomendo. Que bela obra! Belas árias, bela sinfonia. Gluck deu o melhor que podia no gênero “opera seria”. Gosto muito dos textos de Metastasio. Transmitem um ideal que, embora visto como artificial, traz uma nobreza intrínseca com toda beleza que a língua italiana pode oferecer. Aqui está a gravação:
http://www.amazon.com/trionfo-Clelia-Christoph-Willibald-Gluck/dp/B00701QXVW
Dittersdorf me surpreendeu com suas sinfonias baseada nas Metamorfoses de Ovídio, obras densas e enérgicas bem dentro do Sturm und Drang.
Obrigado pelas informações sobre as obras sacras de Gluck. Não foi um gênero forte no seu legado, infelizmente.
Abraços germânicos!
AS IFIGENIAS COM MINKOWSKI: Aproveitando o embalo, quero compartilhar o recente DVD Blue Ray com as duas Ifigênias, bem cantadas por Veronique Gens, Nicolas Teste, Anne Sophie von Otter, Frederic Antoun, Laurent Alvaro, Mireille Delunsch ,Jean François Lapointe e Yann Beuron.OPUS ARTE.
Les Musiciens du Louvre Grenoble.
Hoje se discute sobre versões modernas com instrumentos antigos e versões antigas com instrumentos modernos. Como se não bastasse, há montagens com figurinos modernos e instrumentos de época,que é o caso desta em pauta, como há montagens com orquestras atuais mas figurinos de época.
Enfim, instrumentos “antigos” são próprios de performances “modernas” e vice-versa. Eu sempre, na contramão, preferi cenários originais de época , com instrumentos atuais.
Isto por causa , nao da sonoridade dos instrumentos autênticos, mas pq os regentes costumam usar andamentos atropelados ,ou muito poucos instrumentos, de modo que o conjunto fica camerístico, por vezes quase fanhoso e sem densidade.
Eu possuo, em DVD , a Ifigênia em Áulida na versão orquestrada por Wagner ao final. Tenho tb ,em CD, Áulida com Gardiner e “Táurida” com Muti.
Pois preciso dizer que Minkovski foi uma revelação , em viço das cordas e sopros, além de uma percussão vivaz que nao me deu saudade dos demais.
Entretanto, quem não suporta cenários minimalistas”modernos”, vai odiar música tão clássica em meio a uma metalúrgica, quase depósito de sucata. Eu apreciei; vou revisando conceitos porque tudo é moda. O mito grego é atemporal ; pior foi o folhetim medieval que é Beatrice de Tenda, talvez a obra-prima de Bellini, com a suprema Gruberova numa escada de alumínio…
Na presente produção, em meio a tantos canos metálicos, há uma boa inserção dramática. …Além de alguns movimentos que deixam Gluck menos “estatuesco”.
Modismos tudo presidem. Há umas décadas, os americanos chamavam isso de “eurotrash”; hoje, por economia ou moda, eles também praticam o minimalismo de guarda-roupa e cenários.
A narrativa começa em Áulida ,porto onde a frota grega estava trancada por falta de ventos porque Agamenon dissera que nao era pior caçador do que Ártemis-Diana.
Meia irmã-gêmea da semi-deusa Helena(de Troia), Cliptemnestra era mulher de Agamenon e nunca o perdoaria por ter cogitado sacrificar sua predileta filha Ifigênia para aplacar Diana(a ópera usa o nome romano) em troca de ventos para guerrear Troia. Disto tudo depois decorrem tragédias como Electra e Oresteia, respectivamente, óperas de R. Strauss e Taneiev .
Na Ifigênia em Áulida , o heroi é Aquiles, noivo da protagonista, que nao aceita o pretenso sacrifício. Em “Táurida”, o heroi é Orestes, que já matara a mãe Cliptemnestra.
“Diana” perdoou o sacrifício em Áulida desde que Ifig~enia a servisse em Táurida (atual Crimeia) enxotando forasteiros.
Bem, as duas óperas tem belas árias, duetos, reflexões, coros, dramas clássicos, como Cliptemnestra (Otter) a maldizer Júpiter e os gregos por desejarem o sangue inocente de sua filha por causa de Troia.
Não temos aqui tantos momentos “elísios” como em Orfeu, porém são duas óperas belíssimas a ressuscitar o imortal mito grego e gluckiano numa montagem com figurinos e cenários “feios”. Há recitativos não excessivos. A sonoridade, principalmente da orquestra, dá uma ótima ideia “atualizada” do mito grego e da mística clássica de Gluck