19abr 2017
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Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras nº5

Cândido Portinari: Chorinho
Cândido Portinari: Chorinho

A ária das Bachianas Brasileiras nº5 do brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959) talvez seja sua composição mais famosa – apesar de que, aqui no Brasil, ela dispute a fama par a par com o Trenzinho do Caipira. Mas, enfim, atendendo a um pedido recorrente de muitos leitores do blog, vamos então falar um pouco de música clássica brasileira. Não sem antes fazer uma ponte com a música clássica européia!

À moda de Bach

Uma das técnicas de composição preferidas do mestre alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750) era tomar melodias de corais luteranos e usá-las como base ou complemento em obras próprias. Por exemplo, com a melodia do coral luterano Werde munter, mein Gemüte de Johann Schop (1590-1667)…

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/bwv359.mp3|titles=Schop: Werde munter, mein Gemüte (harmonização de Bach BWV.359 – trecho) (Nicol Matt – Nordic Chamber Choir)]

… ele criou o final de sua cantata Herz und Mund und Tat und Leben BWV.147, um movimento que hoje é popularmente conhecido por “Jesus Alegria dos Homens”; ouça:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/bwv147-10.mp3|titles=Bach: Cantata Herz und Mund und Tat und Leben BWV.147 – 10. Choral: Jesu bleibet meine Freude (trecho) (Pieter Jan Leusink – Holland Boys Choir – Netherlands Bach Collegium)]

Villa-Lobos tinha uma imensa paixão por Bach, e empregou muitas de suas técnicas. Em 1925, por exemplo, ele pegou a canção Rasga o Coração (Iara) de Anacleto de Medeiros e letra de Catulo da Paixão Cearense (que no áudio abaixo você ouve na voz de Paulo Tapajós)…

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/rasga-o-coracao-tapajos.mp3|titles=Anacleto de Medeiros e Catulo da Paixão Cearense: Rasga o Coração (Paulo Tapajós)]

… e inseriu no Chôros nº 10, obra que herdou o mesmo nome da canção. Ouça um trecho:

Se tu queres ver a imensidão do céu e mar,
Refletindo a prismatização da luz solar,
Rasga o coração, vem te debruçar,
Sobre a vastidão do meu penar!
(…)

(Aguardem, eu ainda hei de dedicar um post a esta magnífica obra!)

As Bachianas Brasileiras

A partir de 1930, Villa-Lobos assumiu de vez o empréstimo das técnicas de composição de Bach e iniciou um ciclo de composições que ele chamou de Bachianas Brasileiras. No período entre 1930 e 1945 nove Bachianas foram escritas, misturando o estilo neoclássico europeu com o nacionalismo brasileiro.

Todas as Bachianas têm de dois a quatro movimentos, e a grande maioria dos movimentos possui dois títulos: um que remete a algo do universo “bachiano” como por exemplo Prelúdio, Fuga, Toccata, e outro título evocando algo “brasileiro”. Mas essa mistura de Bach e Brasil vai bem mais além do que apenas o título. Vamos ver um exemplo?

Bachianas Brasileiras nº 5

As Bachianas foram escritas para diferentes combinações instrumentais; algumas são para orquestras completas, outras para orquestras de câmara, e outras para formações mais camerísticas. A Bachianas Brasileiras nº 5, que se encaixa nesta última categoria, foi escrita para uma soprano e um conjunto de oito violoncelos. A obra tem apenas dois movimentos: a famosa Aria (Cantilena) que foi escrita em 1938, e o segundo movimento, Dança (Martelo), escrito em 1945.

1. Aria (Cantilena)

O primeiro movimento abre com uma bela melodia cantada somente sobre um “Ah”, repetida depois pelo primeiro violoncelo:

Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras nº5 - 1. Aria (Cantilena)

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/BB5-1A1.mp3|titles=Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras nº5 – 1. Aria (Cantilena) – seção A (Donna Brown – Antonio Meneses – Roberto Minczuk)]

Tanto o título “Aria” quanto a melodia nos fazem lembrar de uma outra ária de Bach, a ária da Suíte nº3 em Ré Maior BWV.1068 que muitos conhecem por “Ária na corda Sol” ou “Ária na quarta corda” devido a um arranjo de um violinista do século XIX. Sabem de que música eu estou falando? Essa aqui:

Bach: Suíte nº3 BWV.1068 - 2. Aria

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/bwv1068-2.mp3|titles=Bach: Suíte nº3 BWV.1068 – 2. Aria (trecho) (Robert Haydon Clark – Consort of London)]

Muito bem, conseguimos identificar a parte bachiana; mas e a parte brasileira, onde está? Está ali, atrás da melodia; se pudéssemos isolar só o acompanhamento dos violoncelos em pizzicato, ouviríamos isto:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/aria.mp3|titles=Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras nº5 – 1. Aria (Cantilena) – acompanhamento da melodia]

Os seis violoncelos que fazem o acompanhamento funcionam como um grande violão acompanhando a cantiga, ou cantilena, da soprano. Mais: eles parecem tocar um choro ou chorinho, outra paixão de Villa-Lobos. Não acredita? Compare então o áudio anterior com o próximo, o Carinhoso de Pixinguinha, e preste atenção no acompanhamento do violão:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/carinhoso.mp3|titles=Pixinguinha: Carinhoso (trecho)]

A parte central da Aria (Cantilena) é cantada à maneira de um recitativo – olha outra referência a Bach aí, gente! Os versos em português (a língua do Brasil!-sil-sil-sil) são de Ruth Valadares Corrêa, ouça:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/BB5-1B.mp3|titles=Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras nº5 – 1. Aria (Cantilena) – seção B (Brown – Meneses – Minczuk)]

Tarde, uma nuvem rósea lenta e transparente,
Sobre o espaço sonhadora e bela!
Surge no infinito a lua docemente,
Enfeitando a tarde, qual meiga donzela
Que se apresta e a linda sonhadoramente,
Em anseios d’alma para ficar bela,
Grita ao céu e a terra, toda a Natureza!
Cala a passarada aos seus tristes queixumes,
E reflete o mar toda a sua riqueza…
Suave a luz da lua desperta agora
A cruel saudade que ri e chora!
Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente,
Sobre o espaço sonhadora e bela!

E por fim, a melodia inicial é reprisada, porém com a soprano cantando em bocca chiusa (como um “mmmm”):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/BB5-1A2.mp3|titles=Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras nº5 – 1. Aria (Cantilena) – reprise seção A (Brown – Meneses – Minczuk)]
O Martelo de Thor
Hum… acho que não é bem isso…

2. Dança (Martelo)

Muitas vezes encontramos este movimento grafado como Dansa, com s e não ç, e por isso vale a pena lembrar que esta era a grafia correta da palavra até a Reforma Ortográfica de 1943. Problema maior é quando encontramos pela internet afora o título “Dança do Martelo”, o que descaracteriza muito a intenção do Villa-Lobos. “Dança” deve lembrar as danças das suítes de Bach – não seriam as Bachianas Brasileiras uma espécie de suíte de danças? – e “Martelo” é o título que deve lembrar o Brasil. Mas não, não estamos falando aqui do instrumento de trabalho do carpinteiro, e nem do instrumento musical criado e utilizado por Gustav Mahler em sua Sexta Sinfonia. Martelo é um estilo de poema com versos de 10 sílabas; ele ganhou este nome do seu criador, o francês Jaime Pedro Martelo (1665-1727). Aqui no Brasil, o Martelo foi adotado pelos cordelistas nordestinos na Literatura de Cordel, sofrendo várias modificações com o decorrer dos anos. No vídeo abaixo é possível conferir uma das suas variantes, o Martelo agalopado, criado pelo paraibano Silvino Pirauá de Lima (1848-1923):

http://www.youtube.com/watch?v=PlRIFnEQ28Q&t=24s

Villa-Lobos quis imitar esse estilo de recitação de versos, e o português acelerado dos cordelistas deu lugar ao la-la-la-la-li-la-li-li-li-li-li-li-la-li-la que ouvimos tanto nos violoncelos quanto na voz da soprano na primeira parte da Dança (Martelo):

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/BB5-2A1.mp3|titles=Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras nº5 – 2. Dança (Martelo) – seção A (Donna Brown – Antonio Meneses – Roberto Minczuk)]

Irerê, meu passarinho do sertão do Cariri,
Irerê, meu companheiro,
Cadê viola? Cadê meu bem? Cadê Maria?
Ai triste sorte a do violeiro cantadô!
Ah! Sem a viola em que cantava o seu amô,
Ah! Seu assobio é tua flauta de irerê:
Que tua flauta do sertão quando assobia,
Ah! A gente sofre sem querê!
Ah! Teu canto chega lá no fundo do sertão,
Ah! Como uma brisa amolecendo o coração,
Ah! Ah!
Irerê, solta teu canto!
Canta mais! Canta mais!
Prá alembrá o Cariri!

Sertão do CaririRepare que quando a soprano fala em “flauta do sertão”, um dos violoncelos toca várias notas em harmônico, de som flautado. E “sertão do Cariri”, para os que desconhecem, é uma região do sertão nordestino.

Naturalmente alguém há de perguntar: então esses versos estão escritos no estilo Martelo? Não, infelizmente não: primeiro Villa-Lobos escreveu a música imitando o som dos cordelistas, e só depois ele pediu ao amigo Manuel Bandeira para ele escrever alguns versos que se encaixassem na música. Certa vez o poeta desabafou:

“Esta tarefa de escrever texto para melodia já composta, coisa que fiz duas vezes para [Jaime] Ovalle e muitas vezes para Villa-Lobos, é de amargar. Pode suceder que depois de pronto o trabalho o compositor ensaia a música e diz: ‘ah, você tem que mudar esta rima em i, porque a nota é agudíssima e fica muito difícil emiti-la nessa vogal'”.

A seção central da Dança (Martelo) é um pouco menos movimentada que a seção inicial, confira:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/BB5-2B.mp3|titles=Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras nº5 – 2. Dança (Martelo) – seção B (Brown – Meneses – Minczuk)]
Irerê (Dendrocygna viduata)
Irerê (Dendrocygna viduata)

Canta, cambaxirra! Canta, juriti!
Canta Irerê! Canta, canta sofrê
Patativa! Bem-te-vi!
Maria acorda que é dia
Cantem todos vocês
Passarinhos do sertão!
Bem-te-vi! Eh! Sabiá!
La! liá! liá! liá! liá! liá!
Eh! Sabiá da mata cantadô!
Liá! liá! liá! liá!
Lá! liá! liá! liá! liá! liá!
Eh! Sabiá da mata sofredô!
O vosso canto vem do fundo do sertão
Como uma brisa amolecendo o coração.

O poema cita vários passarinhos, e a música parece mesmo imitar o canto dos pássaros: cambaxirras, juritis, irerês, patativas, bem-te-vis e sabiás. Manuel Bandeira até insere alguns liá! liá! liá! no seu poema para imitar as sabiás, enquanto que os pizzicatos dos violoncelos nesse momento sugerem o barulho dos passarinhos piando ou pulando de galho em galho.

E então a primeira parte é reprisada, tal como uma dança barroca ou clássica:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2013/06/BB5-2A2.mp3|titles=Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras nº5 – 2. Dança (Martelo) – reprise seção A (Brown – Meneses – Minczuk)]

Confira no vídeo abaixo a soprano Paloma Friedhoff Bello com violoncelistas da Jacobs School of Music da Universidade de Indiana, EUA. Apesar de espanhola, a soprano tem uma boa dicção do português.


Este post tem 38 comentários.

38 respostas para “Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras nº5”

  1. Não dá pra dizer qual o mais bonito: Se é as bachianas ou esse blog e esse tópico.

    Simplesmente fantástico.

  2. Muito bom o post, Amancio, parabéns. Realmente, como você falou, a Bachianas #5 é a obra mais famosa de Villa-Lobos no exterior, porém, no Brasil, “O Trenzinho do Caipira” (que é o quarto movimento da Bachianas #2) parece ser mais famoso. Isso me faz lembrar uma realidade triste: Villa-Lobos é muito mais valorizado no exterior que no Brasil.
    Uma curiosidade pouco conhecida é que Bidu Sayão, soprano brasileira que primeiro gravou a obra sob a batuta do próprio Villa-Lobos, revelou numa entrevista, pouco antes de morrer, a Luis Roberto Trench que essa Bachianas seria originalmente instrumental, para violino e oito violoncelos, mas, atendendo a seu pedido, Villa-Lobos trocou o violino por uma soprano. Essa informação consta do livro “Villa-Lobos – O Homem e A Obra” de Vasco Mariz (12ª edição, 2005), que foi também o primeiro biógrafo do Villa (a 1ª edição desse livro é de 1949).
    Abraços.

  3. Olá Tiago, obrigado pela informação! Eu já tinha ouvido falar que a instrumentação original era diferente, só não sabia qual era a fonte da informação. Obrigado!

    Outra curiosidade interessante: Bidu Sayão gravou só a ária com o Villa-Lobos porque, naquele ano, a Dança (Martelo) ainda não fazia parte da Bachianas nº5.

  4. Olá Amancio Cueto. Meu nome é Gabriel Ferraz. Sou pianista e musicólogo, e achei o teu texto muito legal; bem detalhado e com exemplos musicais, o que ajuda as pessoas que não são letradas em música a entender melhor.

    Em meu doutorado, eu estudei justamente Villa-Lobos; estudei o envolvimento de Villa-Lobos com Getúlio Vagas na década de 1930 e início da década de 1940.

    Fiz estudos sobre as Bachianas também, e acho que existe muito a ser entendido sobre essa séria de composições. Quando se trata do Villa, temos que tomar muito cuidado com o que ele fala (também acontece com outros compositores), porque ele tinha uma personalidade muito, digamos, “criativa”, principalmente quando falava sobre sua obra ou criava certas atmosferas sobre ela (no caso, a atmosfera neoclassica).

    Algumas obras das Bachianas no. 4 (se não me engano), para piano, por exemplo, não foram compostas para formar a série; Villa-Lobos juntou várias peças, inclusive algumas que já tinha composto para outras formações antes da década de 1930, e deu nomes “bachianos” a elas, para criar identidade com o movimento neoclássico (há um artigo da Lisa Peppercorn sobre isso).

    Isso não significa que não há elementos neoclassicos nas Bachianas, mas que temos que ser muito cuidadosos na análise, porque só o fato de haver contraponto ou árias tiradas de melodias populares não fazem a obra necessariamente Bachiana (nem mesmo neo-barroca, pois essa prática foi exercida por compositores de outras épocas).

    Devemos estar atentos para o que realmente é bachiano na linguagem musical, independentemente do que o título sugere (quem sabe, uma análise musical para complementar os fatos interessantíssimos que você já escreveu) :)

    É muito comum compositores criarem “interesse” -nos termos de Kant – para suas obras, e sugerirem um entendimento dela antes mesmo de a conhecermos.

    Escrevi diversos textos no blog do meu site (endereço no nome acima), que versam sobre o que é a música, e porque entendemos a música do jeito que entendemos.

    Se tiver interesse em acessar, mando aqui o endereço de um texto que fala sobre isso: O que é a música

    Obrigado pela atenção, e parabéns pelo blog! Excelentes iniciativa e excelentes textos (eu provavelmente vou ler e comentar em outros links :)

    Gabriel Ferraz

  5. Excelente comentário, Gabriel! Obrigado. Como o Tiago já havia mencionado, nós brasileiros ainda temos muito o que aprender e investigar sobre Villa e sua obra.

    E, realmente, ninguém em são consciência ouviria essa Bachianas e diria que é obra de Bach. O que eu fiz foi olhar a partitura e procurar vestígios de Bach nela: o resultado está aí. Entre erros e acertos, espero ter jogado alguma luz sobre o tema.

  6. Olá Amancio. Certamente jogou. Só o fato desse blog tratar de música clássica já é uma “luz” em meio a tanta coisa ruim que há por aí.
    Em breve farei outros comentários para tentar contribuir com as discussões :)

    Um abraço,
    Gabriel

  7. Olá Amancio,

    Primeiramente gostaria de me corrigir.
    A primeira apresentação da Bachianas #5 (somente a ária) se deu em 25/03/1939 e tinha como solista Ruth Valadares Correa (a mesma que escreveu a letra da ária). Bidu Saião cantou na segunda apresentação, logo depois, em 04/05/1939.

    Gabriel,

    Eu não concordo com a linha de argumentação que você segue. Villa-Lobos nunca teve a intenção de escrever suas Bachianas imitando o estilo de Bach. O próprio Villa-Lobos, em 1947, classificou suas obras em grupos e as Bachianas foram classificadas como “obras com transfigurada influência folclórica impregnada do ambiente musical de Bach”.

  8. Oi Tiago,

    Não há do que se corrigir: na sua primeira mensagem vc disse que Bidu Sayão foi a primeira soprano a gravar a música, o que é verdade. Em 1938, ela fez esta gravação: https://www.youtube.com/watch?v=2NvNxmqFxdU . Mas sim, a estréia aconteceu mesmo com a autora do poema.

    (Vc tem a fonte de onde conseguiu as datas? Estou curioso para saber as datas de composição da Dança e da Bachianas nº9: as duas são de 1945, mas qual foi a última?).

  9. Olá Tiago. É claro que ninguém precisa concordar com o que eu falei. Entretanto, gostaria de ressalvar que eu jamais mencionei a palavra “imitar”. Isso foi uma leitura pessoal sua.

    Em meu comentário, só chamei à atenção o fato de que Villa-Lobos sabia muito bem se vender no mercado. Ele não se tornou um compositor de tamanha estatura “apenas” pelo valor de suas composições e pelo que ele representou para o Brasil. O alinhamento dele com Vargas o levou de compositor rejeitado, no início da década de 1930, a compositor símbolo do Brasil, no início da década de 1940. O mais interessante é que essa década foi uma das menos produtivas do compositor. Além das Bachianas e outras obras importantes como a Missa de São Sebastião e, se não me engano, o Oratório Vidapura, o Villa não escreveu grandes obras nesse período, porque estava se dedicando à educação musical (e à divulgação de sua obra por meio dos concertos que faziam parte do programa de educação).

    O Villa foi, sem dúvida, um grande compositor, e, TALVEZ, o maior que já tivemos. Mas é preciso parar de endeusá-lo e vê-lo como um ser humano que estava simplesmente tentando sobreviver de música em um país onde a massa não queria saber de música clássica, e a elite não queria saber de nada que tivesse elementos brasileiros.

    Os caminhos percorridos pelo Villa fazem parte dessa realidade, e não sugiro, de modo algum, que ele tenha sido maquiavélico; apenas um sobrevivente

    Obrigado,

    Gabriel Ferraz

  10. Olá Amancio,

    Essa gravação é um tesouro histórico, obrigado. Você vai adorar a minha fonte:
    http://www.museuvillalobos.org.br/ingles/bancodad/VLSO_1.0.pdf

    Olá Gabriel,

    Quando eu falei em “imitar”, não usei essa palavra em conotação pejorativa, o que eu quis dizer foi “compor no estilo de Bach” ou “compor à maneira de Bach”.
    Agora entendo melhor o que você quer dizer. Você diz que Villa-Lobos tinha, além de talento musical, talento para o marketing pessoal e estou plenamente de acordo com essa opinião (alguém poderia se lembrar aqui das várias anedotas que Villa-Lobos inventou sobre sua vida). Entretanto, nós obviamente discordamos sobre até onde Villa-Lobos intencionalmente vai em nome da autopromoção.

    Abraços.

  11. Olá Sr.Amâncio, primeiro eu gostaria de parabenizá-lo pelo excelente post, o blog ta a cada dia melhor, Villa Lobos conseguiu a duras penas seu lugar “à sombra” e acho importante o papel desse poste em reconhecer a grandeza do nosso grande mestre.Aguardo ansioso pelo posto sobre o magnífico Choros nº10. Um grande abraço.

  12. Muito boa essa soprano espanhola, penso na dificuldade para cantar essa obra do Villa, em lingua portuguesa, e ainda mais no português “do interiô”. Beleza! É sempre uma satisfação ouvir essa obra, aliás, a obra de Villa Lobos precisa de mais difusão em nossa terra, seu Choros, sinfonias de beleza inigualáveis!
    Ótimos comentários, esclarecedores. Uma aula de música.

  13. Sobre a discussão a respeito de Villa-Lobos iniciada neste tópico, lembro de um post do blog que expôs o tipo de contextualização crítica das atividades do compositor junto ao Estado Novo feita cada vez mais comumente no meio acadêmico: http://euterpe.blog.br/historia-da-musica/villa-lobos-compositor-do-estado-novo, e de um post que expõe uma visão pessoal sobre essa tendência crítica escrito pelo maestro Osvaldo Colarusso: http://www.gazetadopovo.com.br/blog/falando-de-musica/?id=1321258

  14. Olá Leonardo,

    São muito oportunos os dois links que você postou, dois textos muito bem escritos por Fernando Randau e Osvaldo Colarusso, cada um defendendo com muita competência as duas visões antagônicas existentes sobre a relação de Villa-Lobos com o Estado Novo.

  15. Conforme disse anteriormente, Mariz em seu livro fala sobre o testemunho de Bidu Sayão de que originalmente a ária (cantilena) da Bachianas #5 seria totalmente instrumental e para oito violoncelos e violino (disse também que a mudança para voz teria sido a pedido dela).

    Entretanto, no livro de Humberto Amorim, “Heitor Villa-Lobos e o violão”, ele insere um depoimento de Olga Praguer Coelho, cantora e violonista brasileira, amante de Andrés Segovia por anos e autora da encomenda da versão para voz e violão desse movimento sobre o qual conversamos agora, no qual ela diz:

    “Villa-Lobos sentou-se diante da partitura que é para oito violoncelos e me disse que a Bachianas nº 5 foi composta para 9 violoncelos: enamorou-se do canto que fazia o 1º cello e resolveu então utilizar uma voz feminina e por isso a reescreveu para soprano”.

    Bem, essa última versão me parece mais provável, basta lembrarmos que a Bachianas #1 é somente para violoncelos, que Villa-Lobos era violoncelista e que o tema da cantilena é repetido por um dos violoncelos logo depois de ser cantado pela soprano.

    Abraços.

  16. Olá pessoal. Pegando o “gancho” dessa discussão tão frutífera, comecei uma série de posts sobre a participação de Villa-Lobos no governo de Getúlio Vagas, de 1932 a 1945. Esse foi o tema da minha dissertação de doutorado, e eu tentarei expor minhas ideias de uma maneira clara e objetiva. Para quem quiser acessar o primeiro post, aqui vai o endereço: Heitor Villa-Lobos, Canto Orfeônico, e Getúlio Vargas: Música e Política (derrubando mitos – post 1).

    Obrigado, e parabéns a todos pela excelente discussão!

    Gabriel Ferraz

  17. Agradeço a Tiago Arruda, a quem não conheço pessoalmente, a citação de minha descoberta junto à insigne Bidu Sayão, que em meio a – não digo nem entrevista – uma conversa amistosa, e do nada, me revelou a origem da fatura da Quinta Bachianas – Villa queria que fossem sempre intituladas no plural. E ela me disse exatamente violino e oito violoncelos. Até o fato da resposta em eco (procedimento neo-barroco usado por Villa-Lobos) pelo violoncelo ao violino, tecnicamente vem a confirmar a declaração a mim feita pelo maior soprano brasileira de todos os tempos. Esta declaração está gravada em fita e faz parte do meu arquivo. Há mais de dez anos atrás a Rádio Cultura FM de SP veiculou uma entrevista especial no programa Cantabile, em que o recentemente falecido compositor Eduardo Guimarães Alvares me entrevista, na qualidade de crítico de música erudita e musicólogo, e veicula trechos de conversa com Bidu Sayão. Como presidente do juri de música erudita do prêmio APCA da Associação Paulista de Críticos de Artes, em 1997 tive a idéia de indicar o nome de Bidu Sayão ao grande prêmio da crítica, a mais honrosa distinção da importante entidade paulista, uma vez que a crítica brasileira lhe foi muito desfavorável em inícios de sua carreira, principalmente através do famoso Oscar Guanabarino, influente crítico carioca de início do século vinte. Bidu ficou muito contente com a distinção que o Brasil, através dos críticos de São Paulo, por mim comandados lhe fez, e tinha feito menção de vir ao Brasil para receber o prêmio quando com ela conversei, diretamente de sua residência, no Condado de Maine, EUA. Ela tinha, inclusive me perguntado se poderia se hospedar em meu apartamento, onde morava com ex-esposa e minha filha. Tudo isto consta no depoimento a mim cedido e gravado. Tambem fizemos verdadeira amizade e foram diversas e longas conversas, algumas por mim gravadas. Bidu Sayão teve sua saúde declinada meses depois e acabou por não poder vir ao Brasil para receber o prêmio – a única vez no Brasil em que a crítica especializada a homenageou, mais um feito histórico que consegui relacionado à maior soprano brasileira, ´à parte a revelação sobre a origem da Bachianas Brasileiras no 5.

    Luis Roberto A Trench, membro titular da Academia Internacional de Música, na cadeira cujo patrono é Bidu Sayão. Felow da UNESCO – Paris. Titular da International Society for Contemporary Music, consultor de cultura do Governo do Estado de São Paulo, chanceler da Ordem do Mérito Cultural Carlos Gomes. Presidente do juri de musica erudita da Associação Paulista de Críticos de Artes. Crítico do jornal O Dia SP, colaborador da Folha de São Paulo, ex-redator da Folha da Tarde, ex-crítico do Correio Popular de Campinas, ex-colaborador do Jornal do Brasil, e das revistas VivaMúsica e Classic CD entre outros muitos veiculos. Textos sobre música divulgados em diversos países e traduzidos em 9 idiomas. Conferencista em diversas universidades brasileiras.

  18. Gabriel Ferraz,
    Se possível, me mande uma cópia da sua tese de doutorado por e-mail: tiagoarrudarb@yahoo.com.br

    Luis Roberto Trench,
    Achei muito legal a tua participação, bastante esclarecedora. Eu cheguei a suspeitar de que o Vasco Mariz, ao comentar a sua entrevista com Bidu Sayão, tivesse cometido um erro inocente de digitação.

  19. Thiago Arruda; qual hipotético erro de digitação você imaginou que o meu amigo, embaixador Vasco Mariz, houvesse cometido?
    Chanceler da OMC Luis Roberto Trench

  20. Dominguinhos foi ali, tocar um duo com o Velho Lua, mas volta já-já. Pra Casa Tudo Azul, pra sempre.

  21. Luis Gonzaga foi, para a música popular do Brasil, um de seus maiores referenciais, inclusive foi um herói. Isto porque em plena vigência e ascendência da bossa nova de João Gilberto e Astrud ofereceu a verdadeira contrapartida popular ( em alto nivel e não popularesca ) dentro da mais alta escala de sucesso fonográfico à vogue altamente elitista e protagonista de um bom gosto nacional para exportação que foi a bossa nova. Verdadeiramente um gênio musical oriundo do povo e que se impôs muito mais pela força de seu talento e pela perseverança do que pela imposição nos moldes atuais da grande mídia. Gonzaga teve a honra de ver algumas de suas melhores composições orquestradas pelo maior arranjador e orquestrador brasileiro do séc XX que foi o maestro César Guerra-Peixe. Já há mais de vinte anos tive o privilégio de assistir pela TV, Luis Gonzaga publica e notoriamente entregar o seu cetro de Rei do Baião a Dominguinhos, que à época se afigurava como um grande virtuose do acordeõn, além de cantor e de arranjador. Fiquei impressionado e sensibilizado com a cena. E mais ainda com o talento de Dominguinhos, muito embora competir com o gênio Luis Gonzaga fosse páreo duro. Deixa um vazio em nossa música e em nosso coração a partida, para a pátria espiritual desse grande músico popular brasileiro que foi e que é Dominguinhos.

    Luis Roberto Trench
    Crítico de música erudita, consultor cultural e conferencista. Membro da Sociedade Brasileira de Música Contemporanea e de diversas Organizações Culturais ex-redator da Folha da tarde, ex-crítico do Corrreio Popular (Campinas), ex-crítico do Estado de S.Paulo e do Brasil Post. Crítico do jornal O DIA de SP. Colaborador eventual da Folha de São Paulo e de jornais diversos do Rio Grande do Sul.

  22. Muito bom. A música clássica brasileira parece ser bastante valorizada lá fora, mas aqui a maioria do repertório executado não é brasileiro. Venham mais divulgações inteligentes como esta.

  23. Olá Amâncio, como sempre uma ótima análise.

    Por outro lado, como mencionou acima o Renato, também gostaria de que fosse analisada a obra, ou pelo menos alguma ópera, do nosso outro grande compositor, o campineiro Carlos Gomes.

    Fica o pedido. Obrigado e um forte abraço.

  24. Muito obrigado, Amâncio.
    Seu blog é a revista de música que faltava para os leigos, como eu.
    Que emocionante ver a discussão sobre música neste blog. O Brasil ainda tem jeito.
    Para mim, um ignorante apaixonado por música (meu pai tocava trompete), fui tudo maravilhoso.
    Li os comentários que buscam extrais a filigrana do processo criativo de Villa-Lobos e, confesso, nem me aventurar nesses meandros.
    Acho que você alcançou com louvor a meta de atrair nossa atenção e de simplificar os caminhos deste labirinto que a teoria musical parece ter. E isso, dá medo no leigo ou no cara curioso e preguiçoso como eu sou.
    Quando eu crescer quero ser igual a você. Valeu, man!!!

  25. Olá, você pode me mandar onde pegou essas referências, sua bibliografia. Estou fazendo um artigo sobre isso, irei te incluir nele também mas preciso de mais informação

    Grata
    Vanessa Chrispim

  26. Olá Vanessa!

    As informações que têm referência, estas já estão no texto em forma de link; basicamente são sobre o Martelo e a literatura de cordel. A citação de Manuel Bandeira é fácil de encontrar pela internet, por exemplo: https://piaui.folha.uol.com.br/nao-ha-nada-no-mundo-de-que-eu-goste-mais-do-que-de-musica/
    As informações biográficas podem ser encontradas em qualquer boa biografia de Villa-Lobos. Mas a análise musical é inteiramente de minha autoria: a grande referência é a própria partitura.
    https://imslp.org/wiki/Bachianas_brasileiras_No.5%2C_W389-391_(Villa-Lobos%2C_Heitor)

    Boa pesquisa!

  27. Parabens pela.excelente explicaçao. Nao sou conhecedor profundo de música clássica, mas compreendi perfeitamente. Parabens pelos exemplos que colocam ao longo do textos..Nunca li um texto tão completo e explicativo sobre música clássica..Essa forma ajuda os leigos ( como eu) a querer conhecer mais desse universo.Vou sempre usar o blog quando quiser me.aprofundar em uma música.classica que eu escute.

  28. Amâncio, o exemplo que vc utiliza prá mostrar que Johann Sebastian Bach enxertava sua EXTRAORDINÁRIA MÚSICA com retalhos musicais do folclore alemão é, no mínimo, duvidoso. Ouve-se trecho de melodia folclórica (“côro”, “estribilho”) e depois trecho de Jesu Bleibet Mein , (Jesus, Alegria dos Homens). São parecidos – na pequena parte que vc toma como semelhantes -mas está longe de serem iguais, idênticos. Amigo, só porque Bach, na minha opinião, O MAIOR GÊNIO QUE A MÚSICA JÁ TEVE, um dia resolveu prestar homenagem ao extraordinário Antonio Lucio Vivaldi, utilizando peça musical desse Gênio Italiano, coisa comum no mundo musical, não significa que a pessoa que se pretende especialista em música deve ficar a emitir opinião, nesse assunto, sem bases sólidas de comprovação. Se assim for, caro amigo, as cerca de 1600 peças que o PAI DA HARMONIA compôs – das quais se conseguiu salvar 1.100 – foram todas eivadas de enxertos folclóricos musicais e que tais. É isso que vc, como MOZARTIANO, tenta insinuar, nas entrelinhas, prá depreciar o GÊNIO MAIOR DA MÚSICA? Sinto que vc não vá conseguir, amigo! Afirmações, no mínimo, venenosas tentam dizer que Bach nada criou de novo. Pode até ser. Mas os conceitos e experimentos musicais que ele pegou já iniciados, ele os aperfeiçoou, e, concretamente, botou prá funcionar, com extraordinária perfeição técnica e beleza melódica, a exemplo de O CRAVO BEM TEMPERADO, as variações (VARIAÇÕES GOLDBERG), a fuga (A ARTE DA FUGA), as peças prá órgão, as sonatas, os motetos, as partitas, os concertos prá violino, os concertos prá oboé e oboé d’amore, as paixões, as missas, todas obras inigualáveis. Ninguém fez igual, com tamanha beleza e perfeição. Um abraço.

  29. Olá amigo, eu li, reli e li novamente e várias vezes seu comentário, mas juro que não entendi. Em qual parte do texto estou depreciando Bach? Onde é que eu falei de Vivaldi? Qual fato relatado aqui que vc quer que eu comprove com fontes seguras? E, por fim… onde é que eu fiz juízo de valor da obra de Bach?

    Sobre Jesu bleibet meine Freude, vc pode entender melhor no meu post sobre corais luteranos. Onde eu só presto elogios à genialidade de Bach. Não sei de onde você tirou suas afirmações.

  30. Olá Amancio, não tenho nenhuma formação em música… mas essa música marcou vários momentos felizes da minha vida. Obrigada por seu trabalho, por sua explicação. Chorei rios. Muito obrigada.

  31. Gostei de tudo e agradeço muitíssimo por trazer o conteúdo com as letras , história, comparações, pois sou apenas amante da música.

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