No post Um banho de seriedade na ópera barroca conversamos sobre uma das grandes reformas que a ópera passou na sua história como uma reação aos considerados excessos daquela arte relativamente nova que havia nascido em torno de 1600 e já era alvo de forte bombardeio por parte da elite intelectual italiana da virada do século XVII, buscando domesticar sua exoticidade; em especial, de torná-la mais obediente às regras que tinham regido o drama falado do século XVI. A seguir detalhamos um pouco mais o contexto que ambientou o nascimento da ópera-séria, cujo compositor mais importante foi Georg Friedrich Händel (1685-1759). Um marco na produção operística de Händel foi a composição de Rinaldo, a primeira ópera italiana escrita especialmente para o palco londrino.
Um gênero em eterna metamorfose
A ópera nunca passou por fases de calmaria. A sua história está pontuada por polêmicas e tentativas de reformas, como é vastamente analisado em A History of Opera: The Last Four Hundred Years, de Carolyn Abbate e Roger Parker (2012). Quase sempre uma reforma advinha de uma percepção, em geral entre homens letrados, de que a ópera havia saído do controle: de que suas extravagâncias se tornaram extravagantes demais; os sóbrios valores literários e estéticos do drama falado foram ignorados de forma bastante evidente, de que a música, e frequentemente o espetáculo cênico, tinham adquirido uma importância além da medida e ameaçava abafar o drama; de que os cantores tinham ficado poderosos demais.
No auge das óperas de Francesco Cavalli (1602-1676) os maiores salários iam (ainda continuam) para os grandes cantores solistas devido ao seu virtuosismo vocal. No livro Opera in Seventeenth-Century Venice (1991), Ellen Rosand afirma que, em 1658, por exemplo, Cavalli, um notoriamente bem-remunerado compositor, ganhou 400 ducados para escrever sua nova ópera, Antioco. Mas a soprano protagonista (“Signora Girolama”) recebeu 750 ducados para cantar o papel. Os grandes centros operísticos daquela época fizeram-se excepcionais acima de tudo por causa de vocalistas estelares. O surgimento dessa nova classe profissional de cantores teve pelo menos uma ramificação social: talvez pela primeira vez na história mulheres que trabalhavam recebiam pagamento igual, e às vezes maior, ao de homens que realizavam a mesma tarefa. As mulheres tinham a possibilidade de se tornar independentes e ricas por meio de seu talento, apesar de arcarem o peso do preconceito da época. Sua reputação era atingida pela convivência necessariamente constante com muitos homens: compositores, poetas, instrumentistas.
Outro reflexo da extravagância nas primeiras óperas era a aceitação de castrati nos teatros de Veneza, já que a presença deles era inicialmente justificada para prover de vozes agudas a Igreja. O castrato mais famoso da história é o italiano Farinelli (1705-1782), como era conhecido Carlo Maria Michelangelo Nicola Broschi, que foi o mais bem pago cantor de ópera da Europa em sua época. Com certeza, segundo Abbate e Parker, isso se devia ao desregramento carnavalesco. Quase todas as óperas que surgiram nas décadas posteriores a 1637 foram apresentadas na época do carnaval de Veneza, entre 26 de dezembro até a terça-feira gorda. Durante esse período a cidade se tornava um ímã para os turistas.
E por que Veneza foi tão importante para o nascimento da ópera? A sua estrutura política era um fator-chave. Veneza era, pelo menos em teoria, uma república; um lugar no qual um número relativamente grande de famílias nobres tinham influência na eleição de seu governante, e onde a riqueza era melhor distribuída do que o costume. A maioria dessas famílias nobres ficavam ansiosas para competir para o patrocínio das artes, e um dos resultados disso foi a proliferação dos teatros. Contudo, muitas dessas famílias nobres tinham se erguido por meio do comércio, e não queriam sacrificar dinheiro apenas para impressionar os outros. Assim, o novo gênero que era a ópera se tornou um negócio, algo que poderia ser realizado por empresários e atrair um público pagante, que poderia até mesmo arrendar um camarote pela temporada inteira.
Os novos dramas musicais venezianos continuavam a usar a ideia do recitar cantando das antigas óperas de Giulio Caccini (1551-1618), Jacopo Peri (1561-1633) e Claudio Monteverdi (1567-1643), como sempre entremeados de canções, interlúdios instrumentais e dança; e havia ainda a ênfase no espetáculo cênico. Mas todo o gênero precisava agora satisfazer uma audiência mais diversificada e em alguns aspectos mais exigente; em resposta a isso, ele captou algo do espírito do carnaval de Veneza – dos excessos, da pompa e do desregramento que o carnaval celebra. As histórias passavam a contar, além do tradicional casal de amantes a se lamentar com um fundo pastoral, com empregados zombando de patrões, com inserções de comédia, em que as virtudes não eram mais recompensadas necessariamente à medida que se desenrolava a trama. Logo ficou claro também que uma grande atração nesta nova e encenada versão dos excessos carnavalescos seria o virtuosismo vocal, a voz cantante em toda a sua exuberância.
Vale a pena ressaltar um ponto que os modernos frequentadores de ópera tendem a esquecer: como as antigas audiências dos teatros eram barulhentas. Isso justifica, em parte, o perfil vocal dos cantores: era preciso vozes agudas e estridentes para se sobrepor à turbulência e grosseria do público. Os teatros de Veneza tinham camarotes equipados com persianas, de modo que seus ocupantes podiam se fechar, comer, jogar e se divertir à vontade, falando tão alto quanto lhes conviesse. Excelentes ilustrações desses ambientes podem ser conferidos no famoso filme Farinelli, il castrato de 1994, dirigido por Gerard Corbiau. O vídeo abaixo traz uma cena com o ator Stefano Dionisi interpretando o papel-título numa ária da ópera Idaspe do irmão do castrato, o compositor Riccardo Broschi (1698-1756).
Broschi: “Ombra fedele anch’io” (Idaspe)
https://www.youtube.com/watch?v=GIPQtelKN28
Diante dessa onda crescente de liberdade na relação entre música e poesia, por volta de 1650, já começaram a aparecer as primeiras objeções sérias às óperas quanto ao seu realismo. Questionava-se por que os personagens estariam cantando. Existe um texto emblemático de 1670, escrito pelo escritor francês Charles de Saint-Évremond (1613-1703) em carta ao duque de Buckingham (citado em Opera: A History in Documents de Piero Weiss, 2002), sobre óperas italianas que tinham sido encenadas em Paris que demonstra bem esse desconforto:
Há mais uma coisa nas óperas que é contra a natureza, e com a qual não posso me conciliar; é o cantar a peça inteira, do início ao fim, como se as pessoas representadas se encaixassem nisso ridiculamente, e tivessem concordado em tratar com música tanto os mais corriqueiros quanto os mais importantes assuntos da vida. Pode-se imaginar que um patrão chame seu empregado, ou mande levar uma mensagem, cantando; que um amigo partilhe um segredo com outro, cantando; que homens deliberem num conselho, cantando; que ordens no campo de batalha sejam dadas, cantando; e que homens sejam melodiosamente mortos com espadas e flechas?
Frequentemente essas polêmicas têm sido sobre um elitismo que se perdeu sobre temores de que a ópera estava se tornando popular demais. Ellen Rosand também traz em seu livro (citado acima) o depoimento do poeta italiano Giovanni Mario Crescimbeni (1663-1728), membro da Academia da Arcádia em Roma (grupo formado por volta de 1690, citado no post acima), que era um grande apreciador de Giasone de Cavalli (vídeo abaixo), mas via essa ópera como o começo de um triste declínio. Este era o tom e a linguagem que sempre se ouviu na história da ópera:
Para estimular ainda mais com novidades o exaurido gosto dos espectadores, igualmente enojado do aspecto vil das coisas cômicas e da seriedade das trágicas, o inventor do drama uniu os dois, misturando reis e heróis e outros personagens ilustres com bufões e servos e os mais baixos dos homens, com monstruosidades nunca antes conhecidas. Essa mistura de caracteres foi o motivo que levou à ruína total das regras da poesia, que entrou em tal desuso que nem mesmo a locução pode ser considerada, a qual – forçada a servir à música – perdeu sua pureza.
Cavalli: “Dell’antro magico” (Giasone)
As críticas à ópera existiram durante toda a sua história, e existirão enquanto florescer essa forma de arte. A simbiose entre a música e a poesia foi um ideal redescoberto em períodos posteriores, especialmente por poetas ou teóricos temerosos de que o que era essencial na ópera tivesse sido corrompido por excessos ou frivolidades musicais. Essa foi a tônica de escritores tão diversos quanto Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) – o qual, entre muitas outras realizações, foi um dos filósofos da chamada Querelle des bouffons (Guerra de comediantes, tratada no post A conexão Rousseau-Mozart), uma polêmica sobre ópera entre franceses e italianos de meados do século XVIII – e Richard Wagner (1813-1883) em seu tratado Opera und Drama, de 1851. O que Rousseau e Wagner partilhavam era a repulsa por uma música que bastasse por si mesma, uma música à qual faltasse o que eles chamavam de conexão “orgânica” com a poesia e o drama. Mais especificamente, eles partilhavam uma aversão – com frequência formulada em termos de moralidade perdida – pelo canto virtuosístico: esses voos através de ornamentos musicais e a denotação de tons agudos nos quais as palavras se esvaecem. Essas queixas convenceram muitas pessoas de sóbrio discernimento. Mas contrariar com teorias o gosto das audiências por esse canto cheio de beleza, contrapor-se ao fascínio dos ouvintes pelo vocalismo e os voos que ele pode alcançar, muitas vezes na história da ópera mostrou ser uma tentativa fútil.
No final de século XVII, porém, a ópera era considerada extravagante demais. Ela não obedecia às “regras da poesia” e era um perigoso nivelador social, permitindo que todas as pessoas de todas as classes se misturassem no canto. A música, a causa de todos esses males, estava destruindo uma nobre forma de arte. Poetas italianos, para quem escrever libretos se tornara uma das ocupações principais, eram, devido a seus esforços, alvos de um disseminado desprezo. Em resposta a esta e a muitas outras polêmicas, houve realmente uma reforma, na qual a Academia da Arcádia teve muita influência. O patrocinador dos arcadianos, cardeal Pietro Ottoboni (1667-1740), também tinha tentado reformar os libretos, e seu projeto visava à purificação e racionalização de todas as artes, sendo seu alvo principal a ópera do anárquico tipo veneziano. Esses homens letrados tentaram insistir em que a questão da temática fosse compatível com o papel de condutor de um ideal moral, típico da Antiguidade romana ou grega. Personagens cômicos perturbadores deveriam desaparecer. Um número mais reduzido de personagens se restringiria então a um infindável exame das complexidades da emoção humana, com frequência vivenciando os conflitos entre os sentimentos pessoais e os deveres públicos de modo equilibrado e classicamente sereno.
Abbate e Parker atestam que mesmo os mais intransigentes críticos tiveram que admitir que a ária, musicalmente luxuriante, viera para ficar; mas precisava, diziam eles, ser mais controlada e estruturada com mais cuidado. Houve, nessa e em todas as subsequentes reformas, um elemento de meio-termo: todos compreenderam que a básica extravagância da ópera e sua carência de verossimilhança acabara se tornando a coroa de sua glória, e devia ser mantida, mas seus elementos essenciais, pensavam, deveriam ser restringidos e ordenados de modo mais lógico. A ópera-séria reformada do início do século XVIII, embora oferecesse travestis em grande profusão (castrati vestidos de mulher e, até com mais frequência, mulheres que se vestem como homem), tinha assim mesmo muito menos personagens e menor variedade de formas musicais do que L’incoronazione di Poppea de Monteverdi (1642) e as óperas venezianas posteriores. Personagens de pouca importância tinham sido descartados, e com eles desapareciam os aspectos cômicos do enredo.
O corte “carnavalesco” subjacente na ação séria, que era uma característica da ópera veneziana, tinha sido substituído por um constante propósito de moralização e de seriedade. A ópera-cômica adquiriu uma forma própria, que mais tarde chegou a rivalizar com o gênero sério. No que diz respeito à música, a racionalização era ainda maior: a rica profusão de formas que se amontoavam na Veneza do século XVII reduziu-se a dois tipos básicos de comunicação operística, o recitativo e a ária. A interminável alternância entre recitativo e ária pode parecer mais presa a uma fórmula, mais previsível e acima de tudo menos exuberante do que a variedade que florescia na Veneza de meados do século XVII. Contudo, foi esse tipo de ópera que, segundo Abbate e Parker, provou ser o mais prestigiado e duradouro no século XVIII, e que desencadeou a extraordinária disseminação desse gênero. Por volta de 1690, quando começou a reforma, a ópera, fora da Itália, podia ser encontrada em cerca de 20 principais cortes da Europa; cem anos depois a ópera-séria estava em toda a Europa – nas cortes e nas cidades, da Espanha e Portugal até a Rússia Ocidental, no leste.
Mas, por que a ópera-séria teve tanto sucesso? Um aspecto a se ter em mente é que ela, malgrado sua tendência à contenção, mostrou-se pouco empenhada em limitar o prazer do público. Lorenzo Bianconi e Giorgio Pestelli em sua obra Opera on stage (2002) ressaltam o papel de um importante libretista da reforma, Apostolo Zeno (1668-1750), que escreveu textos notáveis por apresentar novos fatores de entusiasmo artístico, como o orientalismo e o exotismo, com uma arquitetura histórica diferente das da Grécia e de Roma (China, Pérsia e Índia estavam entre esses cenários). Para Abbate e Parker, a ópera-séria tinha duas vantagens adicionais. Enquanto a desenfreada anarquia de Poppea de Monteverdi fazia qualquer significado político ser no melhor dos casos ambíguo, os novos enredos, mais simples, podiam transmitir diretamente mensagens morais e políticas, alinhando-se com uma época na qual a arte era tida como didática e um fator de progresso. Além disso, essas mensagens morais e políticas em sua maior parte felicitavam e bajulavam as classes governantes, mostrando sua racionalidade e beneficência, mas também demonstravam que tinham um lado humanitário e que podiam experimentar sentimentos tão intensos quanto os dos mais simples mortais. A outra vantagem era que esse tipo de ópera permitia um argumento musical mais complexo. A glória musical do drama, a ária em solo, desenvolveu-se a um ponto em que a música propiciava uma maior complexidade ao personagem e provia o cantor estelar com recursos ainda mais elaborados para o deslumbramento do público.
O compositor mais famoso no período da reforma foi Alessandro Scarlatti (1660-1725), cujas mais de 60 óperas foram mudando com o tempo, em particular com o incremento da complexidade das árias e a correspondente redução em seu número. Scarlatti nasceu e cresceu em Roma, uma cidade na qual a ópera sempre passou por momentos bem difíceis devido à desaprovação do papa; mas ele foi fator de decisivo impacto em Nápoles, que durante a maior parte desse período rivalizou com Veneza como centro proeminente da ópera italiana, graças às apresentações públicas das óperas e o número crescente de conservatórios na cidade – instituições nas quais o estilo operístico logo se tornou parte fundamental do ensino, e que produziu uma corrente constante de compositores e cantores de primeira grandeza que fizeram a ópera de Nápoles ser respeitada em toda a Itália e além dela. Mas o compositor de ópera-séria mais representativo para nós, hoje em dia, não foi de Nápoles, nem mesmo italiano.
Händel leva Rinaldo à Inglaterra
Händel nasceu em Halle, na Alemanha, e com 18 anos mudou-se para Hamburgo, que tinha a única casa de ópera pública (isto é, não patrocinada) de uso regular na Alemanha. De lá ele partiu para uma longa viagem para a Itália e conheceu Arcangelo Corelli (1653-1713), Alessandro e Domenico Scarlatti (1685-1757) e Agostino Steffani (1654-1728). Händel, então na casa dos 20 anos, já tinha adquirido alguma experiência operística na Alemanha e Itália. Neste país, ele aprendeu as características da música italiana que o acompanharia pelo resto da vida, em particular, conforme Winton Dean e John Merrill Knapp em Handel’s operas: 1704–1726 (1995), “fluência no tratamento do verso italiano, declamação precisa e ritmo harmônico flexível no recitativo, […] fazendo a distinção necessária entre material vocal e instrumental e, acima de tudo, a libertação do [seu] maravilhoso dom melódico”. Uma de suas óperas (Agrippina) tinha obtido grande sucesso na temporada do carnaval de Veneza de 1709-10, o que lhe deu projeção internacional e convites profissionais. Uma das propostas veio do príncipe Georg Ludwig, o Eleitor de Hanover e futuro Jorge I da Inglaterra. Em junho de 1710, Händel aceitou a posição de Kapellmeister na corte de Hanover, em termos que lhe davam considerável espaço e liberdade para conduzir projetos particulares. Portanto, Händel chegou à ópera italiana com uma vivência musical variada – assim como as influências italianas, ele tinha experiência no sofisticado contraponto alemão e em formas instrumentais, e suas aberturas nos dizem que ele também tinha algum conhecimento sobre os estilos da dança francesa. Com Händel, a ópera-séria tornou-se decididamente internacional; seu ecletismo musical decerto deve ter contribuído para o seu enorme sucesso em Londres.
Os motivos que levaram Händel a Londres em 1711 não são claros, mas ele contava com certa liberdade para viagens e trabalhos extras, como dissemos acima (vide o post 300 anos da aventura aquática de Händel). Embora fosse então a maior e mais rica cidade da Europa, a atração de Londres como lugar em que um compositor poderia ganhar a vida com ópera italiana não era de maneira alguma óbvia. As ricas tradições do drama falado na Inglaterra foram um obstáculo, assim como a posição enfraquecida da Coroa inglesa depois da guerra civil em meados do século XVII. Os teatros londrinos operavam tipicamente numa economia mista: como tinham apoio limitado de patrocinadores da realeza e da nobreza, precisavam ser financiados por companhias de capital aberto. Dessa forma, quando esses empreendimentos iam bem, a receita que geravam poderia competir com a de qualquer um no mercado internacional: Londres podia, e por algum tempo realmente o fez, contratar os mais caros cantores e cenógrafos, e se tornou a capital musical da Europa no que dizia respeito aos artistas, ressaltam Abbate e Parker. A primeira ópera de Händel para Londres, Rinaldo, entrou diretamente nesse mundo.
Rinaldo estreou no Queen’s Theatre, que existia na Haymarket, via do distrito de St. James, na City of Westminster (região administrativa da Grande Londres), em 24 de fevereiro de 1711. O teatro passou a se chamar King’s Theatre após a ascensão do rei Jorge I ao trono em 1714. Para a primeira apresentação de Händel na capital britânica, o gerente do teatro, Aaron Hill (1685-1750), planejou algo excepcional. Seria a primeira ópera italiana composta especialmente para o palco londrino; não se economizaria nenhuma despesa. A reforma operística que circulava na Itália em certa medida influenciou o formato da ópera de Händel. Por outro lado, Hill alegou saber exatamente do que o público iria gostar. Os mais proeminentes cantores teriam músicas escritas especialmente para eles, o que, com seu virtuosismo, resultaria num deslumbramento ainda maior. O efeito disso seria incrementado com maravilhas cênicas que suplantariam tudo que houvera antes no cenário operístico britânico.
Entre os cantores havia artistas capazes de valorizar as melodias handelianas: Francesca e Giuseppe Maria Boschi e o castrato Nicolò Grimaldi, conhecido como “Nicolini”. Este último, um celebrado intérprete de Scarlatti (citado acima), deu início ao hábito de os papéis handelianos de herói apaixonado serem normalmente confiados a um contraltista, segundo Lauro Machado Coelho em A ópera barroca italiana (2000). Na delicadeza de algumas das árias e na extensão muito específica que a voz deve abranger, do lá2 ao mi4, reconhecem-se não só as características da voz desse artista como também as influências estilísticas do mestre italiano em que ele era especializado. O mesmo se observa em relação ao casal Boschi, que Händel conhecia bem, pois ambos tinham cantado na estreia de Agrippina.
Hill, redigiu o argumento da ópera, baseando-se no célebre poema épico Gerusalemme liberata de Torquato Tasso (1544-1595); e Giacomo Rossi (ativo entre 1710-1731) escreveu o libreto, que Händel musicou em apenas 14 dias usando a prática comum da época de reaproveitar, habilmente maquiadas, várias das árias de suas obras anteriores. A quantidade de música reciclada em Rinaldo é tal que Dean e Knapp chamam a ópera de “antologia” das melhores obras do período italiano de Händel. O libreto publicado continha o texto completo da ópera em italiano e em inglês; como a maior parte do público iria entender pouco do italiano, tal ajuda era importante. As pessoas podiam comprar o libreto nas ruas em torno do teatro e depois, munidos de suas velas individuais no salão fracamente iluminado, poderiam acompanhá-lo durante a apresentação. O objetivo de Hill, de acordo com Dean e Knapp, era “combinar o virtuosismo do canto italiano com a extravagância da masque inglesa do século XVII”.
Os personagens principais de Rinaldo formam uma constelação típica da ópera naquele período, todos eles enfatizando que era necessário um emaranhado de emoções e lealdades para estimular uma multiplicidade de monólogos angustiados. A ação transcorre durante a primeira cruzada, no século XI; os cristãos estão fechando o cerco a Jerusalém, e entre eles estão Goffredo (contralto feminino), o comandante do exército, seu irmão Eustazio (um alto, castrato) e sua filha Almirena (soprano). Almirena está noiva de um jovem guerreiro chamado Rinaldo (soprano castrato). Seus oponentes incluem Argante (baixo), rei de Jerusalém, que ama uma feiticeira chamada Armida (mais uma soprano). Num relato muito simplificado das complexidades do enredo, no primeiro ato cada um deles é apresentado e tem uma ária ou duas, onde mostra suas motivações e suas paixões. No fim do ato, Argante e Armida tentam atingir a causa cristã sequestrando Almirena. No segundo ato Rinaldo vem em busca de sua amada e é capturado. Nesse ponto a trama se complica, porque Argante se apaixona por Almirena, e Armida se apaixona por Rinaldo. Argante descobre tudo sobre a nova afeição de Armida e não fica nada satisfeito. De fato, a esta altura, nenhum dos personagens está feliz. No terceiro ato todas as dificuldades são rapidamente resolvidas. Rinaldo e Almirena são libertados por meio de uma aplicação de mágica cristã; trava-se uma batalha com a vitória dos cristãos. Tudo acaba bem. Argante e Armida convertem-se ao cristianismo e são perdoados.
Por que, poderá alguém perguntar, o enredo é tão complicado? Não é um problema que só diz respeito ao público de hoje. As pessoas daquela época também reclamavam disso. Mas as confusões da trama são resultado direto de uma estrutura musical mais ampla. A todos os personagens principais deve caber uma série de árias, espalhadas ao longo da ópera, e com isso, em Rinaldo, há entre três e oito árias por personagem. Essas árias devem contrastar entre si quanto à atmosfera, o que vai conferir um sentido de ordem e de equilíbrio ao perfil de cada personagem, mas também oferecerá aos cantores a oportunidade de demonstrar várias emoções. Seguindo essas regras, pode-se ter ao fim da ópera uma noção do que (de modo um tanto anacrônico) pode ser chamado de um personagem “composto”. Havia também a convenção – já bem desenvolvida em Veneza do fim do século XVII – de que os cantores em geral saíssem do palco depois de suas árias, o que lhes conferia um máximo efeito. Esses imperativos musicais constituíam o mecanismo que manipulava o enredo em suas várias oscilações e reviravoltas. Era em torno dos cantores que se construía a trama, e não em torno da trama que se construíam os cantores. E essa situação traz à baila a ideia de que os libretistas foram a força que deu direção à reforma da ópera na virada do século XVIII, segundo Abbate e Parker. Sob o ponto de vista dos cantores, o libreto não era confuso em sentido algum, já que proporcionava exatamente o que eles queriam: uma progressão ordenada de árias contrastantes, espaçadas ao longo de uma noite de entretenimento. Reforçando esse aspecto, Machado Coelho afirma que, trabalhando com um libreto tão episódico, Händel não podia contar com a coesão do movimento dramático e sim com a variedade, o contraste e o efeito especial de cada cena isoladamente.
Assim que examinamos detalhadamente qualquer uma dessas árias, fica bem claro que sua estrutura interna também era formada levando em conta principalmente o cantor. Quase todas são no formato da capo: uma seção inicial “A” ressalta o modo básico; é seguida de uma seção “B”, provavelmente diferente em algum aspecto, quase sempre em contraste com o modo musical de “A”; por fim, há uma repetição da seção “A”, onde se espera que o cantor improvise elaborados ornamentados numa segunda passagem. Era esse “a mais”, esse imprevisível e virtuosístico acréscimo a algo que já fora ouvido antes, que emprestava um sentido altamente dramático e de suspense ao evento. Um bom exemplo da ária da capo em sua maior simplicidade é o primeiro número de Rinaldo. O cenário mostra a cidade de Jerusalém cercada, com soldados prontos para a batalha. De um lado estão os acampamentos do exército cristão. Num breve recitativo de abertura, Goffredo diz a seu clã que eles devem esperar a vitória, e então vem a ária:
GOFFREDO
Delle nostre fatiche
Siam prossimi alla meta, o gran Rinaldo!
Là in quel campo di palme
Omai solo ne resta
Coglier l’estrema messe,
E già da’ lidi eoi
Spunta più chiaro il sole,
Per illustrar co’ rai d’eterna gloria
L’ultima di Sion nostra vittoria.
[ária: seção “A”]
Sovra balze scoscesi e pungenti
Il suo tempio la gloria sol ha.
[seção “B”]Né fra gioie, piaceri e contenti
I bei voti ad apprender si và.
[repetição da seção “A”]Sovra balze scoscesi etc.
[Grande Rinaldo, por nossos esforços / estamos próximos de nosso objetivo! / Lá nesse campo de palmas / O que apenas nos resta / é reunir a derradeira colheita. / E já das terras do leste / o Sol brilha mais claro / Para iluminar com raios de glória eterna / Nossa vitória final de Sion. // Somente em penhascos íngremes e aguçados / a glória construirá seu templo. / Não é com alegrias e prazeres / que ela pode ser conquistada.]
O recitativo apresenta o contexto do que está acontecendo e se apresenta, como sempre, na estrutura do “verso branco”, essa mistura de versos de sete e de onze sílabas. O texto da ária é típico, como seu regular esquema de métrica e rima dos versos (linhas de dez sílabas cada uma, esquema rítmico tipo ABAB). Os sentimentos expressos também são característicos, e podem nos dizer algo importante sobre o modelo da ópera-séria. Assim como o libreto como um todo, a poesia é basicamente moralista. Somos informados, de maneira visivelmente complicada, de que o caminho para a glória é difícil, mas que essa dificuldade traz maior brilho ao objetivo. A mensagem moral é expressa na seção “A”, nas primeiras duas linhas, por meio de uma elaborada metáfora que tem como palco o mundo natural. As imagens de penhascos (balze) que são íngremes (scoscesi) e pontudos (pungenti), nos levam ao templo (tempio) e a sua glória (gloria). Isso é muito direto e até mesmo ingênuo em sua mensagem, sendo ecoado na composição musical, que faz tudo que pode para fazer com que essas imagens se expressem na música, e assim as transmitindo à audiência tão vivamente quanto possível. São linhas melódicas e ritmos abruptos e aguçados para essas rochas íngremes; e depois longas e sustentadas notas, agudos repetidos com obstinação e elaborados trechos de passagem para o templo e sua glória – tempio e gloria são expandidos e prolongados para ressaltar sua importância. O texto da seção “B” traz o obrigatório contraste. Ele ressalta que o prazer não o levará à glória. Händel muda aqui a tonalidade da variação musical, mas aqueles ritmos aguçados ainda ecoam na orquestra, para nos fazer lembrar seu propósito didático. Vem então a repetição de “A”, oportunidade para admirar os ornamentos musicais dos cantores.
A orquestração dessa primeira ária é esquemática, só um violoncelo, um contrabaixo e um cravo (o chamado grupo de “contínuo”) para o recitativo, e depois cordas e oboés para a ária. Como na maioria das árias de Händel, há um pouco de sentido de ingenuidade orquestral, de mudanças nos sons dos instrumentos em prosseguimento à mensagem musical, compasso a compasso. Esse é um processo mais mecânico, no qual cordas e oboés ou tocam juntos ou apenas se alternam. Há, é certo, sons orquestrais que não são usuais nas óperas de Händel, mas eles fazem seu efeito pelo fato de serem excepcionais. A orquestração, como no desenho formal das árias, é concebida de modo que o solo do cantor seja a parte mais importante de toda a tessitura. Replicando o conceito poético do texto, a música da ária se esforça por imitar a natureza, e com isso tê-la sob controle. A ópera handeliana é, dessa forma, irremediavelmente triunfalista; ela nos faz lembrar, ária após ária, a superioridade do homem sobre o mundo natural que ele habita.
Considerando sua fundamental similaridade de forma, o expressivo acervo de árias de Rinaldo é notável. Quando a outra facção do elenco aparece (os que se opõem ao exército cristão), é acompanhada por um esplendor cênico, essas “máquinas e decorações” que se jactava o empresário Aaron Hill em texto citado por Otto Erich Deutsch em Händel, A Documentary Biography (1955):
Argante, da cidade, é conduzido através do portal numa carruagem triunfal, com seus cavalos brancos guiados por mouros negros armados. Ele avança, assistido por grande número de guardas a cavalo e a pé, e descendo de sua carruagem se dirige a Goffredo.
Para acompanhar esse esplêndido quadro no palco temos uma súbita injeção de colorido musical: trompetes e tambores surgem pela primeira vez na ópera. De novo o texto da ária, “Sibillar gli angui d’Aletto”, é uma coleção de vívidas imagens, dessa vez o sibilo das serpentes de Alecto (uma das três erínias ou fúrias na mitologia greco-romana) e o ladrar faminto da Cila de seis cabeças (na mitologia grega, era uma bela ninfa que se transformou em um monstro marinho). E outra vez a música cumpre o seu dever ilustrativo, o sibilo traduzido como uma sequência ascendente de escalas nos violinos, e o ladrar numa linha angular e saltitante do contrabaixo (vídeo a seguir).
Händel: “Sibillar gli angui d’Aletto” (Rinaldo)
Mais um exemplo dessa música cênica vem logo depois, quando Armida aparece. A descrição da cena diz: “Armida, no ar, numa carruagem puxada por dois enormes dragões, de cujas bocas saem fogo e fumaça” – um crítico da época mencionou que o fogo e a fumaça eram produzidos por um menino escondido dentro da boca do dragão, e que às vezes era visto pelo público presente, segundo Mark W. Stahura em Handel’s Haymarket Theater (1998). E de novo há uma óbvia imitação musical na ária “Furie terribili”: as fúrias em volta são descritas por um repetido salto de uma oitava na voz e nas cordas; uma máquina que produz o efeito de trovões trabalha o tempo todo. É eletrizante a introdução orquestral, em ritmo exótico, quase de bolero (vídeo a seguir).
Händel: “Furie terribili” (Rinaldo)
https://www.youtube.com/watch?v=yhxSE4XoImQ
Essas seções enérgicas são habilmente inseridas na ópera. Os solos brilhantes de cravo que decoram a ária “Vo’ far guerra, e vincer voglio” no segundo ato – outro belo exemplo – foram originalmente improvisados no teclado por Händel durante as primeiras récitas, e foram extremamente populares.
Händel: “Vo’ far guerra, e vincer voglio” (Rinaldo)
Tais momentos quentes sempre alternam com inspirações mais suaves. Mas a ideia central da música imitando a natureza está sempre lá. Depois de todos os arquejos e bufos de Argante e Armida, e em contraste claro com eles, vem a ária para a filha do general cristão, Almirena. Ela acontece num delicioso arvoredo, onde se ouve o cantar dos pássaros, que são vistos voando, adejando entre as árvores. Começa com uma familiar imagem pastoral:
ALMIRENA
Augelletti, che cantate,
Zefiretti che spirate
Aure dolci intorno a me,
Il mio ben dite dov’e!
[Passarinhos que cantam, / brisas gentis que sopram / doce aura à minha volta, / digam-me onde está meu amor!]
Os passarinhos e as brisas gentis são convenientemente combinados para ajudar a configurar uma questão simples. Também nos fazem lembrar que o século XVIII foi uma grande época de paisagens – de tentativas de figurar a natureza numa ordem coerente. O prazer da simetria, com colinas levemente arredondadas, carneiros arrumados com bom gosto e cursos d’água murmurantes, encerra uma visão da natureza de modo tão firme quanto o fazem as outras árias de Rinaldo, com suas imagens de oceanos agitados, ou penhascos escarpados que foram domesticados sob o controle da música.
Aaron Hill não se satisfazia com o fato de essa ária ter um pano de fundo cênico com obedientes chafarizes, trilhas bem direcionadas e aviários arrumados. Ele decidiu que a natureza poderia ser feita teatral de modo muito mais imediato. Joseph Addison, num artigo de 6 de março de 1711 no jornal The Spectator, citado por Christopher Hogwood em Händel (Londres, 2007) conta a história:
Quando eu andava pelas ruas, há umas duas semanas, vi um sujeito comum carregando no ombro uma gaiola cheia de passarinhos; e enquanto eu me perguntava aonde ele os levaria, ele, por sorte, encontrou um conhecido meu que teve a mesma curiosidade, e perguntou o que tinha sobre os ombros. Respondendo, ele lhe contou que tinha comprado pardais para a ópera. Pardais para a ópera, diz meu amigo, lambendo os lábios, como? Vão ser assados? Não, não, diz o outro, eles vão entrar lá para o fim do primeiro ato, e sobrevoar o palco.
Realmente um paraíso, em que o espaço ao ar livre seria transportado para dentro do teatro, e no qual o belo canto ia competir com a natureza pela supremacia. Händel fez o melhor que pôde para juntar-se ao projeto, e convocou, para imitar o cantar dos pássaros, um órgão portátil e um flautim. Como que para enfatizar essa “naturalidade”, essa ária não é da capo, mais parece obedecer aos caprichos da natureza.
Rinaldo está cheio de melodias memoráveis, ainda que requentadas de ocasiões anteriores. E uma das mais célebres é a ária “Lascia ch’io pianga”, que Almirena canta no segundo ato, pedindo a Argante que pare de importuná-la: sua música é reaproveitada de “Lascia la spina, cogli la rosa” da cantata Il trionfo del tempo e del disinganno, apresentada em Roma em 1707. Esta, por sua vez, havia utilizado a melodia principal de uma sarabanda (dança em compasso ternário, com andamento lento, originária da Espanha) do terceiro ato de Almira, Königin von Castilien que Händel havia escrito em 1705, quando ele tinha 19 anos (sua primeira ópera). A evolução da ária é demonstrada na sequência de vídeos a seguir.
Melodia original de 1705:
Händel: Sarabanda (Almira, Ato III)
Texto da primeira ária de 1707:
Lascia la spina, cogli la rosa;
Tu vai cercando il tuo dolor.
Canuta brina per mano ascosa,
Giungerà quando nol crede il cuor.
Händel: “Lascia la spina” (Il trionfo del tempo e del disinganno)
Novo texto para a ária de Almirena, em Rinaldo, de 1711:
Lascia ch’io pianga mia cruda sorte,
E che sospiri la libertà.
Il duolo infranga queste ritorte
De’ miei martiri sol per pietà.
Händel: “Lascia ch’io pianga” (Rinaldo)
Dos outros números, Dean e Knapp destacam ainda a comovente “Cara sposa, amante cara” de Rinaldo (vídeo a seguir) como um exemplo da crescente confiança de Händel em diferentes estilos de árias.
Händel: “Cara sposa, amante cara” (Rinaldo)
No final da ópera, a heroica e potente “Or la tromba in suon festante”, também cantada pelo protagonista, é elogiada pelo brilho de sua orquestração: quatro trompetes, tambores, cordas e oboés – a única ária que Händel escreveu para essa combinação (áudio abaixo).
Händel: “Or la tromba in suon festante” (Rinaldo)
O resultado desse projeto ambicioso foi tão bom que Rinaldo obteve 37 récitas e foi reencenada quatro vezes nos seis anos seguintes das temporadas de Londres, e apareceu também numa tradução alemã em Hamburgo (1715), uma das poucas excursões das óperas de Händel ao exterior, além de Dublin e Nápoles. À medida que surgiam novos cantores em Londres, Händel adaptava a obra para que se adequasse a suas vozes. Resumindo, não há nenhuma versão definitiva de Rinaldo (na verdade, de quase nenhuma ópera do período). Cada partitura era parte de uma obra em plena progressão, à espera de novas condições de desempenho para estimular configurações mais frescas.
Rinaldo foi um momento crucial na história da ópera em Londres – um evento cujo sucesso mudou o rumo da vida operística na cidade durante cerca de 20 anos, e com isso mudou a carreira de Händel, assentando as bases do prestígio do compositor na Inglaterra.
Encerramos este post indicando algumas gravações de Rinaldo para melhor apreciação dessa obra-prima de Händel:
Brilhante análise.
Aproveito para indagar, qual das gravações acima sugeridas é, em sua opinião, a mais adequada ao espírito da época?
Obrigado e um abraço.
Caro Spartaco,
Agradecemos pela mensagem. Se entendermos como espírito da época as intenções extravagantes de Aaron Hill, gerente do Queen’s Theatre, onde estreou Rinaldo em 1711, a gravação mais indicada seria a de Jacobs/HM, com seus arranjos, recursos adicionais e improvisações liberais sobre a partitura da ópera. Porém, se optarmos por uma versão estritamente mais equilibrada, limpa e sintonizada com a música de Händel, a de Hogwood/Decca seria a melhor escolha – inclusive pela qualidade geral dos intérpretes. Cada uma possui pontos fortes e questões mais frágeis, naturalmente. Vamos a algumas considerações para embasar melhor uma audição dos álbuns apresentados. Jacobs sempre traz uma contribuição pessoal às óperas que grava, e Rinaldo não seria uma exceção. A obra oferece generosas oportunidades para isso. Jacobs ornamenta tudo com muito capricho, complementando a partitura de diversas maneiras, como se detalha no livreto que acompanha a gravação. Em particular, a parte do contínuo é bastante enriquecida, variando-se o seu colorido com harpa, órgão e violoncelo em muitos floreios. Inserem-se arranjos na parte do cravo de algumas árias, especialmente a imensa cadenza na ária final do segundo ato. Seus argumentos para isso citam as práticas de Monteverdi, o que para alguns não convence. Alguns recursos parecem estranhos, como os sons arranhados do violoncelo e o uso inusitado de castanholas. Jacobs também adiciona grande quantidade de percussão – caixas, gongo, simuladores de trovões etc. – para transmitir o impacto da magia de Armida; também há muitos sibilos e alguns estrondos. Como dissemos acima, percebe-se que ele dá muito espaço aos seus músicos para improvisação. Isso pode desagradar a ouvintes mais conservadores e fieis à partitura. Obviamente, a música de Händel não necessita dessas liberdades, pois tem riqueza suficiente para transmitir o que deseja. Por outro lado, Jacobs consegue captar a essência ideal de certos números como o dueto de Rinaldo e Armida no meio do segundo ato, que exige uma agilidade considerável de cordas e cantores, a sinfonia do terceiro ato, e o dueto de Armida e Argante nesse mesmo ato. “Lascia ch’io pianga”, com sua elaborada ornamentação, pode parecer excessivamente estática. No time de cantores tem uma séria ressalva: o papel do “primo uomo” original é cantado por uma mezzo, Vivica Genaux, com sua voz excessivamente incisiva, de timbre e vibrato incômodos (pelo menos para mim). Os demais cantores se mostram satisfatórios: o outro papel de castrato, Eustazio, foi para Christophe Demaux; Lawrence Zazzo, como o general cristão Goffredo – um cantor refinado em som e articulação; Inga Kalna mostra um poder considerável, dramático e vocal, como Armida. Almirena é cantada de forma muito precisa e com muita delicadeza por Miah Persson. Como Argante, James Rutherford se mostra um baixo de impacto, mas também é capaz de tons mais suaves. A gravação de Jacobs em termos de cantores não supera, porém, a de Hogwood. No topo do elenco está David Daniels como o cavaleiro cruzado e Cecilia Bartoli como Almirena. A voz de Daniels estava no seu auge nesta gravação. Não é uma voz grande, e embora ele seja tecnicamente eficiente nos voos virtuosísticos das árias mais rápidas, pode-se sentir que lhe falta o poder heróico esperado de um guerreiro; mas na música amorosa ele é convincente. Em “Cara sposa” o seu lamento pela Almirena raptada é comovente. Bartoli é igualmente tocante à sua maneira, embora não esteja tão bem à vontade e adaptada a Händel. Sim, como sempre, ela se entrega ao seu papel, mas um estilo mais natural e menos afetado seria mais apropriado para árias como “Lascia ch’io pianga” e “Augeletti che cantate”. O resto do elenco é inabalável. O papel do comandante cristão Goffredo é fartamente atendido pela sólida Bernarda Fink, que também mostra seu lado mais suave no reflexivo “Sorge nel petto”. O papel oposto de Goffredo, Argante, é retratado com enorme competência por Gerald Finley. A direção de Hogwood é tradicionalmente equilibrada, mesmo não sendo um regente típico de ópera. Às vezes se tem a sensação de que ele está acelerando os cantores em momentos importantes – mas Hogwood tem um sentido prudente de tempo em Händel e a ópera como um todo está bem ritmada. A Academy of Ancient Music desempenha seu papel em alto nível. Essa gravação concorreu na época com a pioneira de Jean-Claude Malgoire, de 1977, com o canto notável de Carolyn Watkinson como Rinaldo e Ileana Cotrubas como Almirena, mas sofre com membros inexpressivos do elenco, bem como com a sonoridade arranhada de uma orquestra barroca incipiente que, em geral, parece pisar com muito cuidado em toda parte que atua. A gravação da Decca pode não ser a última palavra na ópera, mas para todos os padrões de desempenho e produção, atualmente ganha as indicações. A gravação de Kevin Mallon pela Naxos merece uma respeitável menção honrosa pelo seu impressionante resultado global, e pela questão custo-benefício. Sua orquestra com instrumentos de época traz uma leitura viva e colorida da ópera, sabendo dozar delicadeza e energia. São particularmente cuidadosos com os recitativos. O elenco é uniformemente bom. Todos com belas linhas vocais. Kimberly Barber está muito bem como Rinaldo. Sua voz é firme, embora faltando algum carisma. O mesmo pode ser dito da Almirena de Laura Whalen. Ouvido Cecilia Bartoli e Ileana Cotrubas no papel é fácil entender o quão sedutor esse personagem deve ser, e Whalen perde um pouco disso. O Argante de Sean Watson é emocionante e agressivo, e sua agilidade e dicção são impecáveis; ele está entre os melhores. A Armida de Barbara Hannigan é incisiva, cantando com muita energia. Goffredo de Marion Newman é autoritário e fluido. A concorrência é pesada para tudo em Rinaldo, como se pode ver. Espero ter ajudado a formar opinião sobre as principais gravações de Rinaldo disponíveis no mercado.
Abraços musicais!
Frederico
Frederico, muito obrigado pela pronta resposta. Gostei muito das análises a respeito das gravações acima mencionadas, pois dá para termos uma ideia de todas elas.
Coincidentemente, a minha gravação é a da Decca; no entanto, quis saber sua abalizada opinião para saber se fiz, na época, a compra certa. Agora me deu vontade de ouvi-la novamente.
Espero que você continue analisando outras óperas de Händel e também de outros compositores do período, pois isso ajuda na hora de nossa audição.
Muito obrigado e um grande abraço.
Spartaco
Excelente trabalho, meu querido Fred. Corrija-me, por favor, mas a estrutura ABA da árias (da capo) nasce espontaneamente, sem o surgimento de qualquer influência acadêmica (se é que existia, além das convenções religiosas, qualquer teoria sobre música). E, de certa forma, ela está presente nas aberturas instrumentais (adagio-allegro-adagio) de todas as óperas do século XVIII. Indo além, a estrutura ABA é o núcleo da forma sonata. Li recentemente que a forma sonata foi realmente pensada e estruturada apenas no início do século XIX, ou seja o triunvirato do classicismo (Haydn-Mozart-Beethoven) não discutiram, nem por um momento, o principal ganha-pão deles (o compositor Brahms, um teórico profundo do classicismo, conscientemente usava a estrutura rígida da forma-sonata antes de introduzir suas “variações melódicas” românticas).
Meu velho amigo Bosco,
Saudades dos nossos encontros musicais com os colegas allegronautas. Quantos anos? Uns 12 ou mais… Suas indicações eram sempre preciosas. Obrigado pelo elogio ao post. Sim, a forma-sonata deve ter sido academicamente sistematizada no séc. XIX. Sem dúvida não houve discussão do trio Haydn, Mozart e Beethoven sobre essa estrutura musical. Talvez tenha havido algo neste sentido entre Haydn e Beethoven (por terem sido professor e aluno), mas entre este e Mozart não acredito em absoluto. Sobre a estrutura ABA das árias da capo, em 1680 este modelo já era o predominante e continuou vivo por um bom tempo, até o séc. XIX. As antigas árias de Pietro Agostini e Antonio Sartorio (em ritmo de marcha, danças ou canções estróficas ao estilo popular), ainda no estilo de Cavalli e Monteverdi (Satorio foi um dos últimos a usá-lo) foram ficando para trás. Carlo Pallavicino e Agostino Steffani (este genial, que está sendo redescoberto agora com novas gravações, influenciou sobremaneira Keiser e Händel) foram especialmente ousados em escrever árias de grandes proporções e acompanhamentos concertatos de densa textura na virada do séc. XVII. Vale a pena ressaltar que a ópera Enrico, detto il Leone de 1689 de Steffani já tinha árias em forma da capo, mesmo em dimensões modestas. A partir de meados do séc. XVIII tornaram-se mais frequentes as árias num único andamento, geralmente uma versão alargada da primeira parte de uma ária da capo, com uma estrutura tonal análoga à da sonata e com ritornellos orquestrais, à semelhança do concerto. Podemos dizer, sim, que a fórmula ABA nasce e se consolida espontaneamente. Aliás, foi um esquema simples e muito eficaz para exibir contrastes musicais, transmitir mensagens “educativas” em suas seções, e repetir a parte mais aclamada (seção A) com todas as ornamentações, potência e resistência (agilidade ou sustentação de notas) que o cantor era capaz de acrescentar à partitura original. Era o grande momento para o público, especialmente se fosse cantado pela prima-dona ou castrato protagonista. A ária da capo era um verdadeiro prêmio ao vedetismo. Compositores e libretistas em massa se alinharam cada vez mais ao longo do tempo a essa fórmula ABA das árias da capo, dada a sua eficácia e sucesso crescente junto ao público e patronos e até por exigência e acomodação dos cantores (o velho estilo da ópera veneziana estava em declínio no final do séc. XVII e os teatros enfrentavam dificuldades por razões econômicas). Finalmente, a poderosa Academia da Arcádia, dominada por monarcas e cardeais, contando com os talentosos Zeno, Stampiglia e Metastasio e aproveitando a chance de utilizar aquela nova arte que estava se popularizando para manipular o povo com seus libretos “moralizadores” de elogio à virtude dos nobres, sacramentou oficialmente o fatiamento da ópera-séria em recitativos e árias da capo, com algumas intervenções instrumentais, além da abertura, e o coro final de louvor ao governante. Daí o modelo se disseminou com muita eficiência pela Europa por décadas. A Arcádia foi seguida por inúmeras academias menores e seus poetas. Neste sentido, a ária da capo teve uma dimensão acadêmica. Com a popularidade crescente das óperas italianas no séc. XVIII, as aberturas instrumentais tinha, naturalmente, o estilo italiano, cuja forma usual consistia geralmente de três movimentos homofônicos: rápido, lento, rápido (diferente do estilo rival francês que você citou, que estava em decadência em meados do séc. XVIII, e provinha dos balés da corte da metade do séc. XVII, com uma introdução lenta num ritmo marcado, seguida de um movimento vivo e um fechamento solene mais lento). Na abertura italiana, o movimento de abertura era geralmente marcado e em tonalidade maior; o segundo movimento curto e numa tonalidade contrastante; e o terceiro era uma dança, geralmente uma giga ou minueto, e retomava a tonalidade do primeiro movimento. Surgiu por volta de 1680 e firmou-se especialmente nas óperas de Alessandro Scarlatti. Mas é interessante essa relação que você comentou da estrutura da ária da capo com o esquema ABA das aberturas de ópera do Barroco tardio e Classicismo. Apareça mais aqui no Euterpe.
Forte abraço!
Parabéns, Frederico, pela acurácia na análise e pela extensão da pesquisa. Com efeito , Bach e Handel me lembram Leonardo e Michelangelo: “Non plus ultra”.
Muitos associam o Barroco a música relaxante, talvez por ausência de grande orquestra ,ou de Dó no Peito!
Barroco é sinônimo de extravagância e engenho. Foi talvez precursor da música programática que invoca literatura, aquela que tanto interessava a Berlioz e Liszt.
O Barroco porta, sim, cânones (clichês?) idiomáticos… mas Wagner os portaria igualmente.
A riqueza emocional das árias lentas de Handel, Bach, Rameau e Vivaldi comove estátuas. Alguém escreveu sobre grandes árias líricas de Handel (por exemplo, “Ah, Mio Cor”, de Alcina, ou ” Scherza Infida” de Ariodante) a encerrarem sublime música por quase o mesmo tempo que dura o segundo ato de La Bohème. Ou seja, 13 minutos de ária , que assim rica é , nao apesar de , mas por causa do “da capo”. No Barroco , diz-se : evitar a repetição seria como apresentar uma mesa sem as quatro pernas.
Quanto a gravações de Rinaldo, se me permitem, lembraria a versão veiculada pela Folha, sem dúvida datada, apesar do vozeirão “viril” de Marilyn Horne, mas com a vantagem de libreto em português.
Não conheço a gravação de René Jacobs. A de Hogwood, David Daniels, C. Bartoli, Organosova, recebeu medalha do Grammophon, inclusive pela máquina de trovões de Drottningholm e pelo genuíno canto de pássaros! Barroco nao tem romantismo?!
Com o mesmo David Daniels, há DVD Arthaus , talvez esgotado, sob controvertida-modernosa montagem de Brian Large .
Já de Glyndebourne- Age of Enlightnment , existe Blue Ray de 2011.
Querido Fred. Importante você citar Agostino Steffani, pois ele justamente preenche a lacuna da maioria dos ouvintes de ópera, que pulam de Monteverdi para Handel. Eu conheço “Niobi, regina de Tebe”, mas como as árias, na sua maioria, são bem curtas (numa média de 2 minutos) não percebi que algumas delas já apresentavam o formato ABA. Preciso ouvir essa linda ópera novamente. Claro que minha especulação sobre as origens da forma sonata são exageradas, a exposição e reexposição na obra clássica tem similaridade com as árias da capo no sentido que você expôs: o tema (o herói), o contraste (o antagonista) e a volta do tema vitorioso.
Caro Flavio,
Obrigado pela mensagem! Concordo contigo sobre a carga emocional das árias lentas de Händel, Bach, Rameau e Vivaldi. As de Händel que você usou como exemplo são emblemáticas. Rinaldo tem “Cara sposa”, como citei acima, Giulio Cesare traz “Se pietà di me non senti”, Rodelinda nos brinda com “Ombre, piante, urne funeste” e tantas outras do mestre saxão. É até curioso tanta sensibilidade e delicadeza expressas nas composições estarem associadas à imagem sisuda e ao lendário mau humor de Händel, o que mostra que há certo exagero nesse julgamento. Sem dúvida, o “da capo” é responsável por boa parte da riqueza das árias barrocas – é nele que os cantores podem contribuir com seu talento no embelezamento da partitura. Imaginemos como era maravilhoso para aquele público poder ouvir de novo a seção magnífica de uma ária que acabaram de conhecer e dificilmente, ou nunca mais, ouvirão de novo. Hoje em dia temos como ouvir tudo que queremos quantas vezes desejamos. Mas algo simples assim naquela época era muito importante. Eles tinham todo o direito de celebrar e estimular o “da capo”. Bem lembrada a gravação de Horne em Rinaldo, porém, ao que me consta, esse registro tem um corte pesado de 50 minutos de música (algo muito considerável e lamentável), além de ter as deficiências de ser ao vivo. Mas, sem dúvida, a grande Horne é uma das referências no papel e uma das maiores cantoras do séc. XX. O DVD de Daniels pela Arthaus que você mencionou eu conheço, mas a modernosa montagem deixar bastante a desejar – além do cantor não estar em seus melhores dias e o time de músicos não ser tão bom quanto o da Decca. O registro de 2011 em Glyndebourne em blu-ray já adquiri. Embora modernoso e profundamente desviado do enredo em termos de direção cênica, há bons pontos positivos: regência, orquestra e alguns cantores, como Brenda Rae e Luca Pisaroni.
Abraços barrocos!
Caro Bosco,
Steffani é uma das maiores descobertas recentes da ópera barroca, e ainda há muito dele a ser revelado. Assim como esse grande mestre muitos outros aguardam uma oportunidade para nos deslumbrar com sua arte adormecida. Quantas óperas e oratórios belíssimos ainda são desconhecidos?! Milhares… As óperas de Steffani passaram a apresentar árias da capo gradualmente. Em Niobe, Regina di Tebe, que você indicou, já podemos ouvir algumas delas. Veja esse belo vídeo da ária “Sfere amiche” em esquema ABA desta ópera com Philippe Jaroussky no papel de Anfione:
https://www.youtube.com/watch?v=_pbb5S19V1g
Texto da ária:
Sfere amiche or date al labbro
l’armonia de’ vostri giri.
E posando il fianco lasso,
abbia moto il tronco, il sasso
da miei placidi respiri.
Aqui está uma outra ária da capo de Steffani com Cecilia Bartoli (“Ogni core può sperar” de Servio Tullio):
https://www.youtube.com/watch?v=8baWTJdqpbc
Grande abraço!
Verdade, Fred. Lindo exemplo. Fascinante viver nesta época de grandes descobertas. Até mesmo compositores consagrados, como Donizetti, estão ganhando maior atenção. Recentemente descobri a ópera “Poliuto”, cuja segunda metade do Ato II é eletrizante e magistral. E o que dizer de Telemann?…Um universo.
Caríssimo Fred,
Acabo de ouvir a ária inicial (dez minutos) da Cantata 151 , “Suesser Trost, mein Jesus Kommt” de Bach, sobre a qual comentei com Leo no passado.
Mencionei as árias emblemáticas de Ariodante e Alcina, porquanto mostram um Handel de 12 ou 13 minutos, por serem longas, “quase tanto quanto o segundo ato de la Bohème”….
Constituem-se, as longas e mais curtas , falando sobre Handel , Bach e outros, em musicalidade estupefaciente, beleza e gênio de tirar o fôlego.
Nas cerca de 40 óperas italianas de Handel, ou nos 22 oratórios “anglo-hebraicos”, há tanta formosura e competência, que somos levados a consagrar a excelência do Barroco, nunca mais repetida ,em termos de fecundidade COM qualidade. Podemos, quiçá, aqui incluir os “transitórios” Mozart e Haydn, os quais nao inventaram uma nova escola , mas compuseram “mil maravilhas”.
Não gostamos de lista dos melhores: são sempre toscas e subjetivas. O ciclópico Beethoven criou nova escola, principalmente nos , ainda insuperáveis ,quartetos e sonatas. Estes talvez foram , “popularmente”,ofuscados pelas sinfonias, área em que há concorrência, a meu ver. A qualidade de Beethoven está acima de discussão, nos seus 140 opus.
Enfim, nos lambuzamos com as sinfonias de Bruckner e Mahler, com as prolixas e desiguais óperas de Wagner , com o bel canto e verismo italiano, com as belezas de Debussy-Ravel, mas esquecemos o engenho das árias e bailados de Rameau – em minha opinião ,o maior compositor francês – ou a excelência “pura” das fecundas jazidas de Bach e Handel. Além da qualidade , também a quantidade é estonteante. Na música, o Barroco equivale à Renascença nas Artes Plásticas. E nunca cansa. Segundo o velho Dostoiévski: “A Beleza salvará o Mundo”!