19abr 2017
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A conexão Bach-Mozart

Nosso colega Amancio se referiu ao compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) no post Então você quer entender o que tem numa fuga… como aprendiz do mestre barroco Johann Sebastian Bach (1685-1750). De fato, assim como aconteceu com Franz Joseph Haydn (1732-1809), tema de post recente, Mozart estudou a música de Bach em várias fases da sua vida.

Bach e Mozart, uma conexão valiosa

A influência de Bach sobre Mozart tem sido estudada há décadas por pesquisadores como o recentemente falecido professor Stanley Sadie, do Trinity College of Music, que publicou o estudo Mozart, Bach and Counterpoint (Musical Times, 1964) e, em especial, Yo Tomita, da Queen’s University, autor de trabalhos mais recentes, como Bach Reception in Pre-Classical Vienna: Baron van Swieten’s Circle Edits the Well-Tempered Clavier II (Music & Letters, 2000). Tenho percebido, por sinal, que a academia vem se interessando cada vez mais pela recepção póstuma dos compositores.

Leopold Mozart

Tudo indica que Mozart foi apresentado a Bach, na infância, por seu pai e primeiro professor, Leopold Mozart (1719-1787), utilizando peças para teclado do velho mestre. Com ele, aos oito anos de idade, Mozart viajou para Londres. Lá morava há dois anos o filho caçula de Bach: Johann Christian Bach (1735-1782), que foi um professor fundamental na formação musical de Mozart, especialmente quanto ao estilo melodioso e à colorida escrita para os sopros, pela combinação da melodia da ópera italiana com a prática sinfônica alemã (o chamado Allegro cantante).

J. C. Bach

Alguns escritores, como Sadie, observaram que Mozart teve contato com a música do gênio barroco pelas mãos do Bach inglês. No entanto, outros pesquisadores, como Christoph Wolff (Harvard University), afirmam que Johann Christian não parece ter sido uma fonte de transmissão de Bach para Mozart. Wolff informa que Christian Bach se referia ao pai como Peruca Velha, e pouco executava sua música (The New Bach Reader, 1998).

Barão van Swieten

A fase em torno de 1782 na vida de Mozart foi muito especial para o tema deste post. Ele tinha acabado de instalar residência em Viena, onde os novos ares o fizeram resgatar o estilo de Bach. E de onde vinham esses ares? Vinham da residência do barão Gottfried Bernhard van Swieten (1733-1803).

Como diretor da biblioteca da corte, atual Österreichische Nationalbibliothek, Swieten tinha acesso privilegiado a manuscritos musicais já esquecidos e isso nutria o seu interesse em ressuscitar os mestres do passado. Antes disso, porém, ele era diplomata em Berlim, considerado o centro de divulgação da música de Bach. Lá Swieten iniciou sua aventura na obra bachiana.

Österreichische Nationalbibliothek

Nesse espírito, o barão realizava encontros privados com músicos para execução de música antiga, dos quais Mozart passou a ser presença fiel a partir de 1782, conforme carta sua de 10 de abril desse ano:

“Eu vou todo domingo, ao meio-dia, à casa do Baron van Swieten, onde nada é tocado além de Händel e Bach. No momento, estou interessado nas fugas de Händel e Bach – não apenas do Sebastian, mas também do Emmanuel e do Friedmann.”

Mozart voltava para casa com a cabeça fervendo em idéias barrocas. Daí se dedicava a exercícios como, por exemplo, o Prelúdio e Fuga em Dó maior KV 394 (áudio abaixo). A fuga, anotada como Andante maestoso, remete às do Das wholtemperierte Klavier de Bach. Outro exercício interessante é o KV 401/375e, uma fuga em Sol menor para teclado a quatro mãos (áudio abaixo). Mozart foi rápido na assimilação das regras do contraponto estrito – o que pode ser comprovado a partir de sua primeira grande obra-prima deste estilo: o Molto allegro do Quarteto em Sol maior KV 387 (áudio abaixo).

Seleção da Fuga em Dó maior para cravo solo do KV 394:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/KV-394-Fuge-Koopman.mp3|titles=KV 394 – Fuge (Koopman/Philips)]

Seleção da Fuga em Sol menor para cravo a quatro mãos KV 401:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/KV-401-375e-Koopman.mp3|titles=KV 401-375e (Koopman/Philips)]

Seleção do Molto allegro do Quarteto em Sol maior KV 387:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/KV-387-Molto-Allegro-Mosaiques.mp3|titles=KV 387 – Molto allegro (Quatuor Mosaïques/Naïve)]

Com as reuniões na casa do barão, Mozart revisou para violino, viola e violoncelo fugas avulsas de Bach integrantes do KV 404a (áudio abaixo) e arranjou algumas do Das wohltemperierte Klavier, encontradas no KV 405 (áudio abaixo) para quarteto de cordas. As cartas de Mozart a partir de 1782 comprovam o seu prazer em descobrir as fugas de Bach. O KV 405 é composto por fugas em Dó menor (BWV 871), Mi bemol maior (BWV 876), Mi maior (BWV 878), Ré menor (BWV 877) e Ré maior (BWV 874).

Seleção da Fuga do KV 404a, Nº 1, para trio de cordas:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/KV-404a-No.-1-Fuga-Grumiaux-Trio.mp3|titles=KV 404a No. 1 – Fuga (Grumiaux Trio, Philips)]

Fuga do BWV 874 transcrita para quarteto de cordas no KV 405:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/KV-405-BWV-874-Fuga-Hagen.mp3|titles=KV 405 – BWV 874 – Fuga (Hagen Quartett, DG)]

Também é da época dos encontros barrocos na casa de Swieten (1783) a Fuga em Dó menor para dois pianos KV 426 (áudio abaixo), que foi transcrita anos depois para cordas e inserida após o Adagio em antigo estilo de abertura francesa do KV 546. O KV 426 tanto chamou a atenção de Beethoven que ele anotou toda a fuga na partitura da sua Sonata em Dó menor (Op. 111) e nela se inspirou, segundo William Kinderman (University of Illinois).

Seleção da Fuga em Dó menor para dois pianos KV 426:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/KV-426-Haebler-Hoffmann.mp3|titles=KV 426 (Haebler & Hoffmann, Philips)]

Em relação ao Adagio e Fuga KV 546 de Mozart, Peter Branscombe (St Andrews University) considera a obra como orquestral, por haver o termo violoncelli no manuscrito original (dividindo o basso com o contrabasso), embora seja muito difundida a versão para quinteto de cordas (áudio/vídeo abaixo).

Seleção do Adagio e Fuga para quinteto de cordas KV 546:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/KV-546-Fuga.-Allegro-Hagen.mp3|titles=KV 546 – Fuga. Allegro (Hagen Quartett, DG)]

Adagio e Fuga para orquestra de cordas KV 546:

K. Lichnowsky

Outra fonte de acesso à música de Bach para Mozart foi o príncipe Karl Lichnowsky (1761-1841), com o qual o compositor viajou para Berlim em 1789 e lá obteve cópias manuscritas de diversas peças do mestre barroco: Invenções e Sinfonias BWV 772-801; Suítes Inglesas e Francesas BWV 806-17; Suíte BWV 819; Fantasia e Fuga BWV 906 e a Fuga BWV 961.

Na mesma viagem, Mozart esteve em Leipzig (Alemanha), onde assistiu a uma apresentação do moteto Singet dem Herrn ein neues Lied (BWV 225) na Thomaskirche – igreja em que Bach está sepultado (vídeo abaixo).

Singet dem Herrn ein neues Lied (BWV 225) de Bach:

Thomas Attwood
Thomas Attwood

Thomas Attwood (1765-1838), compositor inglês e aluno de Mozart, registrou que um volume de fugas do Das wohltemperierte Klavier sempre estava aberto sobre o piano do seu professor durante as aulas.

A influência de Bach, sem dúvida, foi importante no desenvolvimento artístico de Mozart. O professor Tomita, no entanto, considera que essa importância tem sido supervalorizada, em detrimento de forças maiores. Ele aponta que houve, no final do século XVIII, um crescente resgate do uso de fugas pelos compositores vienenses, relacionado aos movimentos artísticos conhecidos como Renascimento Gótico e Sturm und Drang (vídeo abaixo).

Fuga a due soggetti do Quarteto Op. 20 nº 5 de Haydn:

Robert Marshall, da Brandeis University, sugeriu quatro estágios da recepção da música de Bach por Mozart: 1º) Transcrição; 2º) Imitação; 3º) Assimilação/Síntese e 4º) Transcendência (Bach and Mozart’s Artistic Maturity, 1998). Foi um processo gradual de absorção da essência do contraponto bachiano. De forma geral, um contraponto mais elaborado, segundo Marshall, é crescentemente notado nas obras pós-1786 – mais claramente, como exemplificou o colega Amancio no seu post, o final da Sinfonia Júpiter (KV 551) – vídeo abaixo.

Molto allegro da Sinfonia Júpiter de Mozart (KV 551), com fuga final:

J. J. Fux
J. J. Fux

Marshall indica ainda algumas distinções entre a polifonia de Bach e a antiga música austríaca, representada por Johann Joseph Fux (1660-1741), colocando Mozart em contato com diferentes estilos e compositores barrocos (estando Bach em destaque).

Estudos afirmam que a visita de Mozart a Leipzig acima mencionada, em 1789, trouxe um diferente tipo de influência bachiana, além da imitação estilística: a considerada arcaica linguagem do Barroco passou a ser claramente identificável em certas obras tardias, como o Requiem, KV 626 (vídeo abaixo) – não apenas em passagens com fugas, mas também nas muitas seções elaboradas com contraponto estrito. Em relação ao rascunho de um Amen de Mozart descoberto em 1963, supostamente destinado ao final do Lacrimosa do Requiem, alguns escritores defendem que se trata de uma obra mais antiga, sem esse objetivo.

Kyrie do Requiem de Mozart (KV 626), com dupla fuga:

https://www.youtube.com/watch?v=TNEUM4F80WE

Amen com fuga de Mozart descoberto em 1963:

Nesse contexto estimulado pelos ares de Leipizig, considero oportuno também mencionar a Fantasia em Fá menor para órgão KV 608 (vídeo abaixo), finalizada em março de 1791. Essa obra representa uma das mais refinadas e expressivas manifestações do esforço criativo do Mozart maduro sob a influência de Bach. Beethoven considerou a obra tão valiosa que fez uma cópia para estudo.

Seleção da Fantasia em Fá menor para órgão KV 608:

G. F. Händel

Finalmente, convém esclarecer que, diferentemente do que muitos pensam, o Adagio e Allegro em Fá menor para órgão KV 594 (áudio abaixo), é inspirado essencialmente nos concertos para órgão de Georg Friedrich Händel (1685-1759), outro mestre venerado pelo Barão van Swieten que influenciou profundamente a música de Mozart.

Seleção do Adagio e Allegro em Fá menor para órgão KV 594:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/02/KV-594-Allegro-Chorzempa.mp3|titles=KV 594 – Allegro (Chorzempa/Philips)]

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Filhos de Mozart

Encerro este post com uma homenagem, registrando aqui a eterna gratidão dos mozartianos ao generoso Barão van Swieten. Além de ter estimulado Mozart a se inspirar nos mestres antigos, esse grande homem ofereceu apoio e incentivo especial ao compositor e à sua música, financiando vários dos seus concertos por assinatura na época da séria crise que abateu Viena em torno de 1789-1790, nada exigindo por isso. Após a morte de Mozart, Swieten organizou ainda um evento beneficente em prol da viúva Constanze (1762-1842), no qual o Requiem foi executado, e ajudou na educação de Karl Thomas (1784-1858), filho do compositor, em Praga – além de colaborar na assistência ao outro filho, nascido no mesmo ano da morte de Mozart: Franz Xaver Wolfgang (1791-1844).


Este post tem 38 comentários.

38 respostas para “A conexão Bach-Mozart”

  1. A obra de Beethoven em que ele faz exercícios sobre a fantasia KV 608 é a fuga para órgão em D maior WoO 31.

    É interessante notar que a influência de Bach sobre Mozart pode ser observada em várias outras obras, como A Grande Missa em C menor KV 427, o Andante e Fuga para violino e piano KV 402 (bela fuga), o instigante contraponto do primeiro movimento da sonata para piano KV 576, a suíte para piano KV 399. Fred, você me disse que a Pequena Giga KV 574 foi inspirada nas gigas de Handel, mas ela me lembra bastante as gigas de Bach. É claro que giga barroca é giga barroca, então as gigas de Bach e Handel devem ser parecidas.

    Mas o que eu acho mais interessante é que mesmo que haja forte influência bachiana na obra, há sempre o “toque mozartiano”, destacando-se a riqueza melódica. Por exemplo, a fuga do Prelúdio e Fuga KV 394 tem aquela bela melodia que foi usada naquela canção natalina que diz “quero ver você não chorar, não olhar pra trás, nem se arrepender do que faz”.

    Isso é o mais fantástico das influências musicais, quaisquer que sejam, na minha opinião.

  2. Sem dúvida, Tiago, se cavarmos mais, muita música de Mozart sob influência de Bach ainda aparecerá. Ótimo você trazer exemplos novos, como a missa KV 427. Acho até que a motivação do compositor para escrever uma obra religiosa monumental como essa tem tudo a ver com a sua redescoberta de Bach. O poderoso clímax do coro duplo no Qui tollis é inquestionável fruto da influência de Bach e, para mim mais ainda, Händel sobre Mozart.
    Boa lembrança a sonata KV 576 – e olha que Mozart disse a um amigo que ela deveria ser muito fácil porque foi encomendada pelo rei da Prússia para sua filha! Imagine se ele pudesse descarregar sua fúria criativa na peça…
    Você está certíssimo: a giga KV 574 foi um tributo a Bach para o organista de Leipzig – onde Mozart escreveu a peça, embora com certa independência estilística, marcantes dissonâncias e incomuns efeitos do pedal.
    Não citei a suíte KV 399 por perceber maior presença de Händel nela – especialmente na Ouverture, mesmo com cadência final muito própria.
    O curioso é Mozart levar a esposa para as reuniões do barão ao ponto de estimular Constanze a lhe pedir, em seguida, para compor fugas. Stanzi era pianista, além de cantora. O KV 402, aliás, como o KV 394, nasceu dessa interação conjugal! :)

  3. E a giga? A KV 574? Quê-que-é-aquilo???

    http://www.youtube.com/watch?v=nTl49aMaAXA&feature=related

    Schiff tenta exprimir:

    http://www.guardian.co.uk/music/2006/jul/13/classicalmusicandopera.proms2006

    The tiny piano piece, Eine Kleine Gigue (K574) was written in Leipzig and is a homage to Bach. Try playing this to someone who is unfamiliar with it and ask them who the composer is. There will be some strange guesses, even Schönberg and Webern, because the music is so daringly modern.

  4. A propósito: para além do mero aprendizado Bach-Mozart, existe uma passagem de Mozart que eu considero colocá-lo muito acima de qualquer outro músico. Trata-se da introdução do último movimento do quinteto em sol menor.

    http://www.youtube.com/watch?v=gKNBmueLke0

    Música como essa, não encontramos em qualquer outro compositor — à exceção, talvez, de Bach (e vou ser específico, aqui: o Bach da Paixão segundo São Mateus, e não outro).

  5. Beethoven alcança algo do tipo de sentimento de que estamos falando, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=733bnDTrO6Y

    Bach quase o alcança, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=dHbOOe8n2gY

    E quiçá o ultrapassa, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=475pqwwbZ1w

    Mas Mozart é que — ao final do dia — nail it down: http://www.youtube.com/watch?v=gKNBmueLke0

    (Intenções diferentes, épocas distintas, etc. Whatever… Estamos falando de NUMINOSO, aqui ;-)

  6. Acho que a Fantasia KV 608 originalmente não era para órgão, mas sim para uma espécie de órgão mecânico exótico, que um nobre rico com sensibilidade mórbida encomendou para uma “instalação”, vá lá. Parece que Mozart não gostava muito do som desses tais órgãos-relógio, embora precisasse do dinheiro. Ele pôde escrever música que não dava para ser tocada por duas mãos normais, e o arranjo para órgão é posterior.

    http://home.versatel.nl/vspickelen/Mozartfiles/Mozart.htm
    The K.594 piece was commissioned in 1790 by a mr. Müller—formerly Joseph count Deym von Stritez, who had left Vienna due to a duel where he killed his opponent and had recently returned under an alias. Mozart probably met him through the sculptor Leonhard Posch, author of the 1788 wax relief alongside, who also worked for the Müller’schen Kunstkabinett founded by Deym. In this ‘multimedia’ exhibition gallery wax figures of an exotic or heroïc nature were displayed, while ‘musical clocks’ or player-organs provided atmosphere.

    (…)

    Though there is no direct evidence, K.608 is believed also to be commissioned by Deym for use in his Panoptikum. Haselböck suggests that it had its première on occasion of the re-opening of Müller’s gallery in mid-august 1791. For years to come, the Flötenuhr-pieces with their stunning display of superhuman mechanical virtuosity continued to amaze visitors. From a 1799 description of the ‘Viennese art gallery established by mr. court-statuarian Müller’ it is clear that at least one of Mozart’s compositions was still in use:

    ‘Every hour an apposite funeral music is heard, composed by the unforgettable Mozart himself, lasting eight minutes and in precision and purity surpassing anything that was ever attempted to suit this kind of artistic product.’

    Aliás, convém reparar que o KV 608 tem duas fugas, sendo que a segunda aproveita material da primeira, e consegue ser ainda mais bela (soa mais “urgente”, como que fugindo rapidamente do tom reverencial do adagio que a separa da primeira fuga, rumo a uma conclusão enfática).

    De qualquer modo, o desprezo do Mozart pelo som desse instrumento mecânico não o impediu de criar música sublime — tanto quanto, muitos anos antes, o desprezo de Mozart pela flauta não o impediu de escrever isso:

    http://www.youtube.com/watch?v=XMA6GpvJXMM&feature=fvwrel

    E isso: http://www.youtube.com/watch?v=btCxIB7md1g&feature=related

  7. Interessante notar que a transição do barroco para o período clássico não foi uma revolução artística. O processo foi natural, sem ninguém encabeçando uma nova tendência (como no caso de Berlioz e Wagner no romantismo, Schoenberg no modernismo, e nos anos 1960, Boulez). A causa dessa transição pode ser muito mais entendida do ponto de vista econômico (público maior, salas maiores) e de como a classe burguesa se apresentava naquele período. Enfim, tanto Haydn como Mozart tiveram que se adaptar a este meio social. Não havia, portanto, uma preocupação de quebra com o passado, como ocorreu nos casos citados. Por isso Bach, como muito bem Fred colocou, era naturalmente revisitado por Mozart. Não quero dizer com isso que Berlioz, Wagner, Schoenberg e mesmo Boulez negassem o passado, muito pelo contrário, era o passado que servia de referência para suas ousadias e originalidades. Algo que não era, necessariamente, preocupação de Mozart.

  8. Será que essa transição foi tão pacífica assim, Carlos? A partir do gatilho disparado por Rousseau, como bem explicou nosso colega Fernando, Gluck iniciou em 1750 o famoso movimento de reforma da ópera e é esse, formalmente, o ano de início do Classicismo. Com isso, temos Gluck como a primeira cabeça revolucionária do Classicismo na ópera. Basicamente, a literatura considera que Gluck encerrou a era barroca de Rameau e Händel e inaugurou a clássica, abrindo as portas para as obras-primas de Mozart e Cherubini no gênero. Gluck foi tão revolucionário, que influenciou profundamente Berlioz, Wagner e Richard Strauss! A partir do momento que o movimento de Gluck na ópera defendia (como de fato implementou) o rompimento definitivo com o puro virtuosismo e o fim de toda a música ou dança que não servisse à raison d’être dramática de uma ópera, acho que isso não foi um processo tão natural assim, como você disse… Como vemos, a causa da transição teve sim, ao contrário do que foi colocado, fatores essencialmente musicais, além dos econômicos… Havia, sim, uma preocupação consciente e objetiva de quebra com o passado imediato: danças irrelevantes, música de diversão e floreadas árias da capo seriam sacrificadas em nome do drama. Por outro lado, como você falou, o passado mais remoto também serviu de referência para Gluck: de certa forma, ele voltou ao grande Monteverdi, cujos dramas se alicerçavam primordialmente no texto.

  9. Que tema fascinante, não é mesmo Fred? Ontem vi um dvd de Tarmelano de Handel e fiquei absolutamente espantado com a densidade dessa obra, que praticamente ao longo de 3 horas é um embate de cinco personagens ricamente desenhados pela música e libreto. Sem danças ou virtuosismos baratos, com participações raríssimas do coro. Nos Les Troyans do grande Berlioz há um momento cuja dança é tão cansativa e sem propósito que me fez correr para as óperas de Rameau (Les Indes Galantes principalmente). Creio que Rousseau não falaria tão mal de Rameau se tivesse visto as óperas de Meyerbeer.

    Mas você tem toda razão, creio que minha tese de transição natural foi exagerada, Gluck foi um revolucionário, ele enxugou a ópera e abriu caminho para Haydn e Mozart.

  10. Outro ponto. Falamos sobre ópera, aspecto importantíssimo, sem dúvida. Mas quando falo transição barroco-classicismo, gostaria de salientar um aspecto mais amplo, como no caso das influências dos filhos de Bach para este processo. Fico absolutamente fascinado que a “negação” (ingrediente de uma revolução), se realmente existiu, foi mais importante para JC e CPE Bach, responsáveis diretos para os alicerces do classicismo (mas ainda considerados compositores pré-clássicos), do que para Mozart. Ou seja, talvez Fred concorde comigo (considerando que Gluck não seja realmente um compositor da primeira escola clássica [jargão errado, por sinal]) que os principais membros do classicismo ( Haydn, Mozart, Cherubini,..) não foram revolucionários.

    p.s.: perdão pela confusão do texto, estou correndo no momento :)

  11. Qual o DVD de Tamerlano que você assistiu, Carlos? Tenho o da produção regida por Pinnock (Kultur), que gosto bastante. Regência, orquestra, cantores, figurinos e qualidade de som/imagem espetaculares! Passa até partitura na tela! Descobri recentemente essa obra-prima de Händel, e foi um belo aprendizado… É uma ópera pesada, envolvendo uma angústia amorosa numa briga política. Interessante é o raríssimo destaque dado a um tenor (Bajazet) numa ópera barroca.
    Voltando ao tema do tópico, não entendi o que você colocou sobre a “negação” quanto aos filhos de Bach em relação ao Classicismo (“do que para Mozart”?). Sei que você estava apressado no momento. Peço para explicar melhor. Esclareço apenas que, como você tinha se referido ao Classicismo como algo “sem ninguém encabeçando uma nova tendência”, eu pincei a ópera para mostrar que, nesse gênero, Gluck encabeçou a nova tendência.
    Realmente é muito complicada essa classificação da música no século XVIII… C. P. E. Bach, J. C. Bach, Gluck na Escola Galante? Rococó? Pré-Classicismo? Primeira Escola Clássica? É nebuloso… Definitivamente não me sinto à vontade com isso, especialmente com esses compositores que viveram na metade do século.
    A idéia de Mozart não ter sido revolucionário ou inovador foi disseminada por Harnoncourt em seu livro O Diálogo Musical. O que o nobre maestro entende é que simplesmente Mozart não precisou inovar, ou seja, não precisou construir um novo caminho musical porque percebeu que havia uma série de idéias e conceitos ainda muito recentes e que tinham muito a oferecer. Não foi um comentário negativo de Harnoncourt sobre Mozart, como muitos entendem à primeira vista. Pelo contrário: Harnoncourt foi um dos regentes que mais gravaram e estudaram suas obras e sua biografia. Eu mesmo assisti a uma palestra sua nos 250 anos de Mozart em Salzburg, em 2006. Ele falava extasiado sobre o compositor. Harnoncourt afirma no seu livro que Mozart “conseguiu dar à música uma profundidade inigualável e uma inconcebível grandeza sem empregar técnicas musicais inéditas”.
    Creio, Carlos, que a música no sentido colocado por Harnoncourt acima foi reduzida à música sem o drama, ou seja: sem a ópera. A música que consideramos (como mostrado acima, ao falarmos de Händel) envolve todo o universo adicional trazido pela ópera e isso representa muita coisa… Representa, inclusive, a capacidade do compositor em lidar com esse universo e o quão hábil, criativo, inovador ele se mostra nessa tarefa. O que dizer de Mozart como compositor de óperas? O Prof. H. C. Robbins-Landon afirmou no documentário In Search of Mozart (tenho o DVD) que, antes de Don Giovanni, nunca antes na história um compositor havia inserido a idéia de TERROR na música, por exemplo.
    Como você disse, é uma discussão fascinante! E te falo, sinceramente: a cada Kyrie da Missa Nelson de Haydn, a cada dissonância do Quarteto KV 465 de Mozart, a cada final romântico da Medea de Cherubini, entre tantos exemplos, eu vejo uma revolução acontecendo…

  12. Oi Fred,

    Eu tenho Tamerlano com Plácido Domingo em Bezajet (ótimo) e direção de Paul McCreesh. Cenário bem minimalista, mas efetivo. Recomendo.

    Eu fui muito pouco maleável na definição da palavra revolução, onde negar o passado, como disse naquela minha mensagem confusa, é a primeira coisa que me vem na mente. Mas se eu for muito restrito a isso, quase nenhum movimento revolucionário ocorreu na arte, com exceção, talvez, de 4´33´´ de Cage e o mictório de Duchamp. Mas sendo maleável, agora, eu não tenho dúvida da importância e revolução de Gluck para o classicismo.

    Além disso, quando falo negar o passado, eu vejo isso mais nos filhos de Bach, que não tiveram o respeito devido ao acervo do pai, além de indicarem um caminho totalmente oposto aos métodos rígidos do mesmo. Mozart, como bem disse Harnoncourt (não li esse livro e nem sabia dessas idéias semelhantes a minha), já pegou de certa forma as coisas prontas, quer dizer, as ferramentas. Mas as catedrais construídas por ele foram além do que qualquer um, naquela época de transição, poderia imaginar.

  13. Carlos, o livro de Harnoncourt que citei foi publicado pela editora Jorge Zahar (juntamente com sua outra obra: O Discurso dos Sons). São curtos ensaios selecionados, frutos de palestras que ele havia ministrado.
    Geralmente lemos que os filhos de Bach consideravam o pai antiquado e tal, mas não sei se isso pode se aplicar impiedosamente ao caso de C. P. E. Bach… Sabemos que ele sistematizou, pela primeira vez, o emprego da estrutura ditemática em suas sonatas (cerca de 1740) – e daí, por volta 1760, essa mesma forma se tornaria característica do primeiro movimento da sonata e da sinfonia clássicas, a ser chamada de forma-sonata. Também sabemos que C. P. E. Bach foi aluno do seu pai. A questão é que na coletânea de sonatas para violino e cravo compostas por J. S. Bach por volta de 1720 (que certamente serviu de material de estudo para o jovem filho, ainda morando na casa do pai) há esboço de um segundo tema em algumas dessas obras, o que pode configurar um embrião da forma-sonata. Não se pode negar, dessa forma, que o filho tenha trazido do pai a inspiração para a nova linguagem musical do Classicismo, embora se deva considerar a influência de D. Scarlatti para a obra de C. P. E. Bach (detalhes em Massin, 1997/Candé, 2001).
    Com isso, acabamos tendo, ainda que de modo reducionista, o esquema:
    BACH -> esboço do segundo tema para movimento de sonata -> CPEBach -> sistematiza estrutura ditemática -> forma-sonata -> Classicismo -> MOZART
    Um novo ângulo da CONEXÃO BACH-MOZART! :)

  14. Oi Fred,

    Adorei sua louvável tentativa de conectar Bach com Mozart. Sem dúvida, um dos períodos mais dolorosos para os musicólogos. Lembro de ter lido que a dificuldade nasce da impossibilidade de colocar num mesmo contexto a música que se fazia nas terras de língua alemã, italiana, inglesa e espanhola. Até mesmo a Itália era um país fragmentado, dependendo da região, poderíamos ouvir músicas de diferentes estilos, como, por exemplo, a música que se fazia em Veneza e Roma. O mundo naquela época era realmente plural. A grande vantagem de Mozart foi ter viajado, na mais tenra idade, por todas as mais importantes regiões do mundo. Li que ele conheceu as sinfonias de JC Bach em Londres em 1765.

    Você está certo sobre CPE Bach. Fui dá uma olhada no New Grove Dictionary of Music e encontrei essa frase:
    “He reacted angrily to criticism of his father and to the publication of unauthorized editions”

  15. Fred,

    Mudando um pouco de assunto. Você acredita que Haydn pode ser reabilitado como um grande compositor de óperas? Eu sou um entusiasta dessa possibilidade já que nos últimos anos venho descobrindo tesouros dessa fase do compositor. Harnoncourt e Rene Jacobs gravaram recentemente Orlando Paladino, que é um delícia de ópera. Recentemente comprei e vi três vezes o DVD do “Il Mondo della Luna” que é uma loucura de história: um astrônomo faz com que o pai de uma linda donzela acredite que acordou na lua, e lá existe um reino encantado. O rei ordena que a filha desse pai case com o astrônomo, no fim tudo acaba bem. A regência é também de Harnoncourt.

    Para quem é desconfiado, eu sugiro a compra imediata do disco de arias italianas cantadas por Thomas Quasthoff. Na verdade, as árias de Haydn são bastante gravadas já faz um bom tempo.

  16. Só retomando a discussão sobre a Fantasia KV 608: acho engraçado como ela me lembra a fantasia da Fantasia & Fuga em Sol menor BWV 542 do Bach. O mesmo nervosismo e excentricidades harmônicas alternados com um andamento lento.

    E como disse o Tiago, depois de ter sido escrito para o tal órgão mecânico (justamente com coisas impossíveis pra mãos humanas, aproveitando que era pra máquina mesmo), apenas novas edições a tornam acessível aos dedos, e parece que uma edição pode diferir de outra entre escolher manter essas ou aquelas notas. Das gravações, a minha favorita de longe é esta daqui: http://www.youtube.com/watch?v=3Ioha99tsoc

  17. Saindo de novo do tópico. Hahahaha… e insistindo na importância de Haydn no mundo operístico, gostaria de trazer duas árias de “Il Mondo della Luna” de Haydn cantadas por Thomas Quasthoff. Na primeira ária acompanhamos o deslumbre de Buonafede quando pensa ter acordado na lua. Na segunda parte temos um dueto entre Buonafede e Lisetta, a empregada doméstica de Buonafede, que foi também abduzida. Depois ela é coroada rainha do reino da Lua. Dois pequeninos exemplos dessa obra-prima.

    Essa ópera foi escrita em 1777!! e já podemos perceber aquele tipo de humor que Mozart utilizaria no futuro. Boa audição.

    http://rapidshare.com/files/450919573/Haydn_-_2_arias_de_Il_Mondo_della_Luna.rar

  18. Oi, Carlos!
    Bom você recomendar essas novas gravações de Orlando Paladino e Il Mondo della Luna… Não as conheço ainda. Na verdade, tenho certa restrição a produções modernas. Vou pesquisar sobre as que você indicou. Obrigado! Tenho a integral das óperas de Haydn pela Philips com Antal Dorati e grande elenco. As gravações dessa integral para as óperas que você comentou são bem tradicionais. De forma geral, aprecio bastante a regência de Dorati. Conheço o CD do Quasthoff. É um excelente cantor num repertório escolhido a dedo.
    Quanto à reabilitação de Haydn como um grande compositor de óperas, não seria uma tarefa nada fácil, Carlos, e também não seria unanimidade… Essas iniciativas que você mencionou têm a missão de despertar o conhecimento de um novo Haydn que o grande público nunca ouviu, nem mesmo na Viena contemporânea dele! Suas óperas ficavam restritas, geralmente, ao teatro privado de Eszterháza – propriedade dos seus patrões. É oportuno pontuar alguns fatores que contribuíram para o esquecimento do Haydn operístico. Primeiro, a valorização das suas óperas foi, de certa forma, eclipsada pela celebração estrondosa e imediata das suas Sinfonias Londrinas e dos seus oratórios Die Schöpfung e Die Jahreszeiten, além de outras obras-primas suas. Em segundo lugar, o estudo teórico das óperas de Haydn sempre foi feito à sombra de sua obra instrumental, ficando intocada a análise específica de sua capacidade dramática. O terceiro ponto complicado é a inevitável e inapropriada comparação com as óperas de Mozart e Gluck. Se, como diz Andrew Porter, você “interrogar” as óperas de Haydn com o mesmo critério mozartiano e gluckiano tão rigoroso, elas não vão suportar a concorrência! Essa comparação – devemos reconhecer – é praticamente irresistível! Mesmo os autores renomados que reconhecem como é violenta para Haydn (Vignal, Robbins-Landon etc.) sempre a fazem! O que isso gera? A noção generalizada de que Haydn era um dramaturgo pobre! Branscombe, por exemplo, disse que Haydn era o primeiro dramaturgo entre os sinfonistas e compositores de quartetos clássicos que revelava limitada sensibilidade para a ação dramática… Esse tipo de opinião se disseminou bastante! Um quarto problema que contribuiu para a baixa popularidade das óperas de Haydn foram os libretos. Com poucas exceções, como os de Goldoni (entre eles, Il Mondo della Luna, que você adorou), geralmente os especialistas entendem que Haydn e seus colaboradores não escolhiam bons textos nem os adaptavam bem. O quinto e o mais complexo problema era as circunstâncias peculiares das apresentações das óperas de Haydn em Eszterháza, muito diferentes dos seus contemporâneos. Haydn chamava isso de “isolamento” para o deleite do seu príncipe… Você conhece a carta que Haydn mandou para um amigo em Praga se desculpando por não poder atender à encomenda de uma ópera, porque era acostumado a escrever para o gosto do seu público e ambiente local (eu a publiquei no post da Conexão Haydn-Mozart). Isso, de certa forma, dificultava o desenvolvimento da carreira operística de Haydn, no “mundo real”. Mas, imagina um projeto das óperas de Haydn filmado no palácio dos Eszterházy! Seria curioso… Eu gostaria muito de assistir! Pena que o Ano Haydn (2009) já passou e, pelo jeito, não fizeram isso… Encontrei apenas aquele DVD de Die Schöpfung gravado lá durante as comemorações (com o Quasthoff, inclusive).
    Abraços!

  19. Fred,

    Sua prosa é encantadora. Quando pensamos receber uma resposta, você nos vem com uma verdadeira aula histórica. Por isso sou insistente nas perguntas, pois sei que vou aprender muito com você. Bem, é possível perceber que você não está tão otimista quanto eu. Seus argumentos são absolutamente convincentes, e as comparações inevitáveis com Gluck e Mozart colocam Haydn (não apenas ele, mas qualquer outro) numa situação complicada.
    Mas vamos lá. Eu sempre sou muito duvidoso de unanimidade ou consenso musical, pois inúmeras vezes o tempo mostra como nós erramos feio. Lendo uma linda biografia de Handel escrita por Paul Lang, encontro um capítulo estupendo sobre o porquê das raríssimas produções das óperas de Handel (o livro foi escrito nos anos 1960). Lang chama a atenção do que o público desejava numa ópera na época de Handel e como esse desejo foi sendo modificado com o tempo. Hoje, passados quarenta anos, as óperas de Handel são quase todas produzidas com enorme sucesso de público e crítica. O que será que mudou na época que o livro foi escrito para hoje? Será que podemos esperar um renascimento das óperas de Haydn com a mesma magnitude que ocorreu com as óperas de Handel? O tempo vai dizer.
    Mas com defesas convincentes de músicos do calibre de Harnoncourt e Rene Jacobs, e dando uma checada no site na operabase.com para ver quantas óperas de Haydn foram produzidas de março de 2009 até hoje, eu acredito nessa possibilidade.

    http://operabase.com/oplist.cgi?id=none&lang=en&is=&by=haydn&loc=&stype=abs&sd=4&sm=3&sy=2009&etype=abs&ed=1&em=3&ey=2011

    p.s.: em geral, eu acredito que um gênio nunca erra. Mas realmente faltou um Da Ponte na vida de Haydn, pois capacidade dramática em sua música ele tem de sobra.

  20. Leo, o BWV 542 é lindo demais… De fato, há uma inspiração inegável no início da introdução, em especial. A obra de Bach, no entanto, tem uma parte inicial mais expansiva e rica, ao passo que sua fuga se diferencia bem da composta por Mozart no KV 608. No link que você recomendou dessa obra, o senhor organista está definitivamente possuído, heim?! Gostei bastante! Sai fogo dos tubos nos momentos vulcânicos! A sonoridade do instrumento também é muito bonita. Digamos que é a plena antítese da interpretação que encontramos neste CD:
    http://ecx.images-amazon.com/images/I/51n4VitCJhL._SL500_AA300_.jpg

  21. Carlos,
    Gentileza sua, caríssimo! Obrigado pelo estímulo em me desenferrujar a cabeça com questões pertinentes e provocações inteligentes para um debate produtivo. Sem dúvida, o modo tradicional como as comparações são feitas entre Haydn e Mozart/Gluck no gênero operístico é completamente equivocado. Aliás, as comparações de forma geral são perigosas… Haydn vivia numa realidade completamente atípica dos demais dos compositores. Existe uma ópera dele muito pouco conhecida e que nunca foi representada – uma única e pensadíssima exceção que ele abriu após sua Armida. Foi composta quando Haydn estava em Londres (1791). Chama-se: L’Anima del Filosofo ossia Orfeo ed Euridice, gravada por Hogwood e Cecilia Bartoli – comprei o álbum há alguns anos. Talvez, se esta obra-prima tivesse sido divulgada desde cedo, sua reputação como compositor de óperas teria sido outra. Mas essa ópera tardia ficou apagada e completamente desconhecida até que a descobriram em Londres. Bartoli canta uma ária dela neste link:
    http://www.youtube.com/watch?v=hgD2rGyC7Fg
    Eu também sou muito duvidoso de unanimidade, por isso lancei vários pontos para reflexão. Jamais criaria expectativa em cima de poucas evidências. Não seria, por exemplo, um lançamento do álbum de uma ópera de Alessandro Scarlatti por Jacobs: La Griselda, como aconteceu, que me convenceria que iria haver todo um processo de resgate do mestre barroco e suas 115 óperas passariam a ser gradativamente ressuscitadas! Até porque, com todo respeito, Scarlatti não era um Händel… Aliás, Jacobs teve uma fase que considero até corajosa de tentar despertar Cavalli, Graun, Keiser…
    Carlos, você me fala do resgate das óperas de Händel nos dias de hoje… Eu te falo com toda sinceridade: quando eu vejo atualmente Theodora com astronautas; Orlando numa sala de aula; Partenope num cassino; Semele de camisola; Rinaldo gangster etc., fico me perguntando quantas vezes Händel revirou-se no seu túmulo lá em Westminster, sendo ele tão chato em suas produções… Raramente vejo uma Acis and Galatea como essa recente com Hogwood pela RHO: moderna, mas séria; ou mesmo a Rodelinda com Scholl, Antonacci e Christie – uma aquisição indispensável: cores planejadas, cenários simples, iluminação estudada, mesmo em trajes modernos. Tenho ainda os DVDs de Giulio Cesare com Christie e Serse com Rousset: bons, mas com restrições em alguns pontos.
    Quero dizer, meu caro, que me preocupo bastante com o destino das obras-primas dos mestres do passado. Para onde vão esses tesouros? O que serão capazes de fazer com eles? Eu já fico escandalizado com o que fazem: Il Sogno di Scipione de Mozart, uma obra absolutamente figurativa, com elementos tão nobres e arquetípicos do universo clássico, dentro do belíssimo libretto de Metastasio, que eu venero – musicado no mais puro estilo de opera seria para a coroação do arcebispo de Salzburg… Pois bem. Em 2006, foram capazes de montar essa ópera com cenas de sexo em Salzburg numa verdadeira orgia no palco! Eu fiquei bastante deprimido… Isso para não se falar das drogas e assassinatos em outras óperas de Mozart etc. que montaram lá.
    Eu me preocupo com a integridade da riqueza que os compositores depositaram em seus trabalhos ao concebê-los. Eles os confiaram, presentearam à humanidade por toda a eternidade. Defendo que eles sejam preservados dentro de uma trajetória bem fundamentada no passado, mas assistida pelos avanços tecnológicos nos campos da acústica, iluminação etc. no que puder ser aperfeiçoado – aspectos de infra-estrutura da música. Esse seria um sistema ideal de convivência com os tesouros musicais ao longo dos tempos, a meu ver. Mas, como falei, não tenho tanto problema com uma Rodelinda de Christie ou um Tamerlano de Domingo. Bom, é a minha visão. Há, naturalmente, quem diga que uma obra-prima é por si só eterna e sempre será adaptável aos novos conceitos e novas tendências; que o importante é que os públicos de cada época com suas respectivas visões de mundo valorizem esses tesouros. Daí eu me pergunto… O que terá sobrado deles?… Por sinal, Harnoncourt disse no seu livro O Diálogo Musical que as gerações seguintes não mais podiam compreender em sua totalidade a arte de Mozart, porque ao intenso e ao complexo vocabulário dramático de linguagem sonora de Mozart se sucederam tendências estilísticas inteiramente novas, que apelavam diretamente à emoção, e o público que Mozart tinha em mente ao compor não tinha a mesma formação musical. Tenho minhas dúvidas sobre ser otimista, Carlos…

  22. Fred,

    Eu entendo sua preocupação. Não é prazeroso ver nossa música nas mãos de diretores obcecados com a oportunidade de tirar uma lasquinha de uma obra-prima, pintando bigodes em monalisas. Mas ainda sim, prefiro isso, fazendo vistas grossas, do que vê-las guardadas em gavetas. Ontem terminei de ver o DVD da ópera “King Roger” de Szymanovski. Essa ópera é raríssima de ser gravada, totalmente desconhecida do público, mas era um antigo sonho meu vê-la no palco. Mesmo com certas bizarrices e imperfeições sonoras, foi uma felicidade para mim. Ainda aguardo a possibilidade de ver “Mathis der Maler” de Hindemith e “Le Grand Macabre” de Ligeti em DVD. Pelo menos é um começo. E sobre Haydn, você deve concordar que Orlando Paladino deve ter um destaque bem maior do que tem recebido.

    Eu tenho boa parte das óperas de Handel que você falou e a força dessa música é tão grande que quase esqueço o que estou vendo. E não podemos negar que essa nova geração de cantores é bem competente. Mas compartilho com você a decepção com as óperas de Mozart gravadas em seu aniversário de 2006, um horror tanto visual como de interpretação. Falhas enormes. A única exceção de todas as 22 óperas foi realmente Idomeneo. Só que temos uma infinidade de opções para as óperas mais conhecidas. Até que haja algum resquício de civilização, as óperas de Mozart serão produzidas. Mas e as outras óperas de Mozart? Devem permanecer guardadas por causa das bizarrices citadas por você? Por isso entendo sua preocupação quando falamos de óperas que estão merecendo ser redescobertas.

    Mas ainda continuo otimista tanto com Handel (esse com seu espaço conquistado) como com Haydn (a passos lentos) …e não podemos esquecer Rameau, outro grande mestre que teve quase tudo produzido nos últimos anos, com gravações excepcionais (visualmente também).

    Pelo menos com Haydn, com aquelas gravações de Dorati, que você citou, e aquele elenco, podemos morrer em paz :)

  23. tenho 4 perguntas pra vocês e gostaria de obter essas informações.
    1.Qual o papel dos filhos de Bach na transição para o classicismo?
    2.De que maneira o papel do compositor na sociedade mudou entre o período barroco e clássico?
    3. Como definio Iluminismo e a influência do pensamento iluminista sobre a Revolução Francesa.
    4. Resumidamente qual o enredo da Ópera “A Flauta Mágica” de W. A. Mozart.

  24. Antes de tudo, quero expressar, aqui, meu mais profundo respeito e cumprimentos aos internautas deste espaço, pelo ótimo gosto musical. Eu, que já não sou tão jovem assim, calculo que a maior parte dos que aqui escrevem são jovens. E isso é um alento, quando se vê os “funkeiros” dando 145 milhões de “visualizações” prá cantor de “hit” “bum bum bum ban ban ban”. Quanto ao assunto de que se trata neste espaço – música erudita/clássica –
    cada um tem seu Mestre preferido. E percebo que os que aqui se manifestam são mozartianos, em sua maioria. A mim, me encanta a música de Johann Sebastian Bach, que acho genial. O engraçado é que tive contato tardio com a música de Bach, há 11 anos atrás, quando comprei uma coletânea dele( “Best Bach 100”), na Livraria Catarinense, no Centro de Florianópolis. Até então, por incrível que pareça, não conhecia Bach. Sou do Espírito Santo e tinha um pequeno apartamento em Canasvieiras, no Norte da Ilha de Santa Catarina – que acabei vendendo, tempos depoisi. Fui escutando, no som de meu carro, aquela coletânea, no percurso dos 30 kms até Canasvieiras. Fiquei encantado com o que ouvia! Era uma música clássica diferente de todas as que ouvira até então. E deu-se em mim o milagre de eu começar a estudar música prá tentar tocar aquelas maravilhas. Estudei por 2 anos teoria musical e teclado e parei. Mas a música de Bach ficou inapelavelmente em mim até hoje! Acho que a música toca na pessoa, de acordo com suas sensibilidade, experiências de vida (e na vida), aspirações e visão de mundo. Portanto, a meu ver, não é a pessoa que escolha a música de determinado Grande Mestre; é a musica do Grande Mestre que a escolhe, a atinge, com as especificidades, antes citadas, dessa pessoa. Assim, cada um tem seu gosto musical, né. E gosto se discute, sim, mas dificilmente se chega a um consenso, exatamente porque foram determinados por essas diferenças de vida cada um.

  25. Prezados (as),
    Entendo que desde Wagner (antissemita) e Hitler assistimos tentativas insistentes de elevar os alemães a maiores que os outros! Admiro o Bach, mas tentam elevá-lo além de suas possibilidades e das verdades históricas dos fatos. O maior compositor e instrumentista para teclados de todos os tempos foi e é Domenico Scarlatti! O Bach e sua “síntese”, muitas vezes rescrita de outros compositores não tem nada a ensinar a esse Gênio! Os maiores compositores e instrumentistas para violino são o italianos com boa aproximação de Mozart e Beethoven e Bach! As composições dos outros eram criativas e não escravas de polifonias e contrapontos importantes para exercício, mas obsoletos para gênios que já dominavam completamente essas técnicas! Por isso não fizeram disso sua marca! Por essas e outras que certa vez vi nos comentários de um concerto perfeito a decepção de um mal informado ao descobrir que era uma obra de outro compositor para outro instrumento! isso mesmo; a medida que os músicos e historiadores sérios entram em ação as “obras” do alemão diminuem.
    Att,
    J Sabino

  26. J J Sabino, o engraçado é que, no Século XVIII, os “apreciadores e entendidos em música” teciam essa mesma crítica a Johann Sebastian Bach, o Pai da Música, o Pai da Harmonia (palavras de Beethoven). A obtusidade musical deles não lhes permitia ouvir, sentir e apreciar a extrema beleza de sua Polifonia Musical, ornamentada pelo Contraponto e outros recursos como a rica e criativa costura melódica, alternância de ritmo, e que tais. Música absolutamente à frente de seu tempo, Música ATEMPORAL. Aqueles beócios do Século XVIII sempre irão existir, se perpetuando através do tempo. Todavia, não conseguiram, naquelas priscas eras, barrar a deslumbrante Música de Bach, e muito menos conseguirão hoje! As evidências estão aí prá mostrar como a penetração de sua Magnífica Obra cresce e cresce, pouco importando seu aspecto quantitativo ……, que é enorme, sob qualquer ângulo que se olhe.

  27. Meu Deus! Afirmar que a Polifonia e o Contraponto são obsoletos é de uma falta de sensibilidade musical notáveis! Desculpe a expressão. Cada um escreve o que quer, né. Meus amigos bachianos, parece que Bach já começa a incomodar!

  28. Todavia, tenho de concordar com Jesus José Sabino num ponto: a autoria de algumas das obras musicais de J S Bach as vezes causa dúvidas e confusão mental . Por exemplo: as Paixões. São destinadas a Bach, pelo menos, 4 Paixões. Se formos analisar essas Paixões, 2 delas, a Paixão Segundo São Lucas e a Paixão Segundo São Marcos são bem aquém, tecnicamente e em termos de beleza e complexidade melódica, da Paixão Segundo São João e da Paixão Segundo São Mateus. Tenho minha dúvidas se Bach de fato fez aquelas duas Paixões. Prá mim, seus filhos – bem menos talentosas do que o Pai – a compuseram e colocaram na conta delei. Nã há nivel de comparação, em termos de técnica de composiçao e beleza melódica entre as 2 primeiras e as 2 últimas. Assim como questiono as classificações BWV (Bach Werke Verzeichnis, Catálogo das Obras de Bach), quando dão 2 BWV diferentes para uma mesma composição, pelo fato de ser para Piano e para Violino e Orquestra. Isso acontece nos Concertos Prá Violino e Orquestra, que recebe um novo BWV quando for par piano (Piano Concerto). Mas, ainda assim, penso que a sua Obras Musical total estará acima de 1.000 peças, se modificarmos esse porém, visto que essas peças “duplicadas” em BWV são uma minoria. Isso se torna ainda mais irrelevante, se analisarmos a qualidade tecnicamente excepcional de sua Obra como um todo.
    Quanto ao Contraponto dito “obsoleto e usado apenas com fins didáticos no Século XVIII” não há como não discordar, visto que ainda no Século XX/XXI se usa essa técnica complexa e maravilhosa, a exemplo da belíssima SEM FANTASIA, de Chico Buarque, e a igualmente bela ANDANÇA, de Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, ganhadora de vários festivais só prá citar 2 exemplos.

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