19abr 2017
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Meus onze álbuns preferidos (Gripp United)

Hoje o Dunga divulgou sua seleção para a Copa do Mundo. Nós aqui do Euterpe, como o futebol tem pouca influência na música erudita (só sei de uma obra musical com influência futebolística: Santos Football Music de Gilberto Mendes [tinha que ser brasileiro!], e sim, o Shostakovich era um torcedor fanático do Spartak de Moscou), resolvemos escalar a nossa seleção de discos, com os 11 discos preferidos de cada um.

Antes disso um detalhe, eu faço a lista dos meus 11 álbuns preferidos e não especificamente das 11 melhores gravações. Falo isso porque não escolho necessariamente a melhor gravação de cada obra, por uma série de motivos. Primeiro que uma eleição das melhores gravações rapidamente decairia para uma seleção das melhores obras de todos os tempos, o que é algo bem estúpido, e segundo porque a eleição é feita tanto com base na qualidade da interpretação quanto na qualidade, ou originalidade, da seleção do CD – partindo do pressuposto de que o repertório do disco pode ser tão bem escolhido e coerente que faz dele uma experiência musical maior do que a soma das suas partes.

Apresento os meus, por ordem cronológica de gravação:

1. William Byrd, Orlando Gibbons, Jan Pieterszoon van Sweelinck
Consort of Musicke
Glenn Gould, piano
CBS (depois Sony)

Além de um excelente CD, a capa original é brilhante.

Poucos discos tiveram influência tão importante na minha vida como este CD que me incentivou a voltar a estudar piano, depois de 5 anos de afastamento do instrumento. Fora essa importância biográfica, é um CD estupendo do ponto de vista musical, foi um dos primeiros a apresentar a obra fascinante de Byrd e Gibbons. Imagino que para muitos além de mim tenha sido uma iluminação ouvir uma peça tão perfeita como o Hugh Ashton’s Ground, aquela música deliciosamente modal mas rumando para a tonalidade, as diversas variações em cima do mesmo baixo melódico (o Ground), a riqueza da escrita para piano (e pensar que são as primeiras obras para teclado que sobreviveram para nós!), é uma música excepcional. Além disso, é também uma demonstração rara de excelência pianística da parte de Gould, talvez mais do que em qualquer gravação sua, vemos a facilidade que ele tem em destacar as diversas vozes no campo polifônico (esta música é mais horizontal do que Bach e necessita mais desse destaque), esse som quase organístico que ele consegue tirar do piano, a pureza das escalas e dos trillos, sim, é um dos melhores discos de piano já gravados. E claro, com direito à voz obbligata em todas as faixas.

2. Boulez, Prokofiev, Stravinsky, Webern:
Sonata para piano no. 2, Sonata para piano no. 7, Três cenas de Petrushka, Variações op. 27
Maurizio Pollini, piano

Tinha algum modo menos estranho para mostrar que esse CD foi feito com dois LP’s?

Se eu tivesse de escolher uma gravação de música do século XX, certamente seria essa. Pollini faz um apanhado muito feliz de várias escolas musicais do século XX, com 4 obras primas especiais para piano. Além disso, ele consegue dar uma concisão e união musical a uma obra tão difícil quanto a segunda sonata de Boulez, em outras gravações a música simplesmente parece algo meio aleatório, mas Pollini dá uma coerência e nos fazer ver que sim, é uma das obras primas do século XX. Ademais, como ele consegue recriar a riqueza timbrística das cenas de Petrushka no piano é algo que ultrapassa meu entendimento.

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3. J.S. Bach
Toccata, Partita em Dó menor, Suíte inglesa no. 2
Martha Argerich, piano
DGG

Não que Argerich venda pelo seu rosto, mas esta capa tem uma certa elegância.
Não que Argerich venda pelo seu rosto, mas esta capa é bastante elegante.

Eu achava pouco provável que a rainha do piano virtuoso dos séculos XIX e XX, capaz de tocar Ravel e Chopin como poucos, seja também a pianista responsável pela mais extraordinária gravação de Bach para teclado que eu conheço. Ok, a designação pode ser um pouco bombástica, mas os elogios são poucos para descrever a excelência dessa gravação. Martha tem um toque tão preciso e uma clareza tão límpida que impressionam a todos os desavisados, a música, ao contrário do que seríamos antes propensos a imaginar, é tocada não com arroubos e rubatos exageradamente românticos, mas com um senso de tempo tão apropriadamente bachiano que fica difícil ouvir outra coisa depois disso. Além disso a riqueza com que ela destaca as vozes de Bach não consigo enxergar em nenhuma outra gravação das mesmas obras. Música excepcional, você fica implorando por mais Bachs de Martha, mas infelizmente, até hoje, não veio mais nada…

4. Leos Janácek
Jenufa
Söderstrom, Randová, Popp, Ochman, Dvorský
Filarmônica de Viena
Charles Mackerras
Decca

Capa bem esperada para uma ópera sobre o “mundo cão”

Não tenho absoluta certeza de se essa é a primeira gravação da partitura original de Janacek, sem os cortes a que ele foi obrigado para a estréia em Praga. Ainda assim é um CD excepcional pois marcou uma das primeiras gravações ocidentais da excepcional primeira ópera de Janacek, Söderstrom soa como uma autêntica jovem inocente, a leitura de Mackerras é ainda o que de melhor ouvi para essa partitura.

Vale também como uma indicação coletiva da série de óperas do Janácek que MaCkerras gravou para a Decca, série que foi a maior contribuição para o conhecimento da obra do grande compositor tcheco.

5. Gioacchino Rossini
Cenerentola,
von Stade, Araiza, Montarsolo, Desderi
Orquestra do Teatro alla Scala
Claudio Abbado
DGG

Capas de DVD’s não primam pela beleza, certo? Mas a montagem do Ponelle é tão bonita que a capa também fica.

Que Abbado é um dos maiores regentes de Rossini nós já sabemos, da qualidade de Araiza, Montarsolo et. al., nós já sabemos, do brilhantismo das montagens de Ponnelle, nós já sabemos, mas há nesse DVD um algo mais que o torna uma das maiores jóias operísticas que eu conheço. A escolha de Ponelle por uma montagem menos realística (do que, por exemplo, suas Bodas de Figaro) mostrou-se extremamente feliz, a comédia flui por cada fotograma e a relação entre imagem e música é simplesmente inigualada na história da montagem de ópera. Anexo aqui a cena da entrada de Dandini no primeiro ato que mostra como a relação música-texto-imagem é profunda nessa montagem. Poderíamos até fazer uma longa lista de Cenerentolas melhores do que Von Stade, mas ainda assim ela dá conta do recado e insere-se sem grandes deficiências nessa montagem excepcional.

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6. Joseph Haydn
11 Sonatas para piano, Fantasia, Andante, Adagio
Alfred Brendel, piano
Philips (bizarramente Decca na última reedição)

Todo o bom gosto utilizado para o conteúdo foi perdido na capa…

Alfred Brendel é provavelmente o maior especialista em piano do classicismo do final do século XX, e suas gravações de Mozart e Beethoven são referências para qualquer um interessado nelas. Com as sonatas de Haydn ele faz algo de valor semelhante. A escolha de onze sonatas e demais três peças avulsas do compositor, em sua maioria da sua fase madura, dá um apanhado bem amplo das possibilidades e da gama expressiva que Haydn deu ao piano. A interpretação de Brendel, mesmo para as sonatas muito gravadas é de um bom gosto e riqueza expressiva que impressionam. A sonata em mi bemol (que o pianista mesmo confessou em um de seus livros ser uma de suas peças mais queridas) em especial tem uma interpretação de um brilhantismo singular: Brendel como nenhum outro pianista consegue transitar entre o brilho orquestral e o intimismo camerístico que essas peças exigem em pontos diferentes. Em obras que não têm a mesma importância dentro do repertório, ele demonstra a incrível riqueza de detalhes que essa música têm.

7. Olivier Messiaen
Sinfonia Turangalîla
Yvonne e Jeanne Loriod
Orquestra da ópera da Bastilha
Myung Whun Chung
DGG

“Eu acho que sei o que o compositor queria mais do que você”

Seria legal se as gravações das sonatas de Haydn tivessem aprovação do compositor não é? Pois essa Turangalîla tem. Algumas críticas a esta gravação lembram a curiosa conveniência de ser uma das primeiras Turangalilas a ter minutagem suficiente para um único CD e ela ter sido gravada logo no começo da tecnologia. Para o meu ouvido, os tempi estão realmente mais puxados nos movimentos rápidos, mas bastante próximos do normal nos movimentos lentos, e não compromete em nada essa gravação, pelo contrário, apenas reforçam o pulso rítmico tão essencial em Messiaen. Um dos grandes valores dessa gravação é a excelência técnica de sua execução: nenhuma outra gravação da Turangalila tem uma clareza sonora tão grande, e só o fato de a gente conseguir ouvir o tan-tan no meio de tanta textura orquestral é um fato digno de nota. Além disso, se essa não é a única gravação avalizada pelo compositor, é sem dúvida sobre a qual ele teve a maior influência. É também a última gravação das irmãs Loriod, esposa e cunhada do compositor que, se a pianista não têm o virtuosismo de outros pianistas (Aimard, Muraro, etc) ela conhece a música como ninguém mais.

8. Ludwig van Beethoven
Concerto para violino, romanças.
Gidon Kremer,
Chamber Orquestra of Europe
Nikolaus Harnoncourt
Teldec

Harnoncourt está encarnando Beethoven. “Hein? Não entendi”.

Kremer e Harnoncourt já atacaram antes nos concertos de Mozart. Aqui em Beethoven Kremer faz aquela que é uma das maiores interpretações do concerto desde as aposentadorias dos grandes mestres do violino. Só o fato de Kremer conseguir montar uma interpretação original e convincente de um concerto tão tocado como esse, já seria excepcional, mas ele ainda vem com a cadência de Schnittke que consegue tornar o concerto ainda mais empolgante do que as cadências virtuosísticas que um Heifetz, por exemplo, usa. Tem quem não goste de ver os tímpanos (!) e um pianoforte (!?!?) aparecerem no meio da cadência, mas segue o que Beethoven escreveu na versão para piano do concerto e dão uma coerência temática à cadência que outras versões da cadência não dão.

Cadência do concerto para violino:

9. W.A. Mozart
Le Nozze di Figaro,
Martinpelto, Hagley, Gilfry, Terfel
English Baroque Soloists
John Eliot Gardiner
Archiv

A cena mais bonita da ópera.

Sim, Alison Hagley está longe de ser uma cantora excepcional, Hillevi Martinpelto não é a condessa dos sonhos de ninguém, já ouvimos condes melhores do que Rod Gilfry e pode-se argumentar muito bem que Cesare Siepi é um Figaro melhor do que Bryn Terfel. Ademais, a regência de Gardiner não agrada a todos. Mas o que uma análise ponto a ponto não consegue captar é que o conjunto essas Bodas de Fígaro é homogêneo e entrosado e muito, muito bom cenicamente. Considerando que Mozart fez uma ópera de conjuntos e não de árias, isso faz com que os longos conjuntos de Mozart soem com aquela vivacidade que falta em quase todas as gravações recheadas de grandes estrelas. Ademais, a montagem extremamente simples (há quem chame isso de semi-staged) é muito engraçada e tem soluções cênicas mais convincentes do que a maior parte das versões que vi.

10. Giovanni Gabrieli
Música para São Roque
Gabrieli Consort and Players
Paul McCreesh
Archiv

Barroco veneziano e nem faz questão de esconder.

De todas as obras aqui elencadas, essas certamente são as menos conhecidas. Mas primeiro a riqueza do estilo policoral de Giovanni Gabrieli nunca foi tão bem exposta como nesse CD. Basta comparar com gravações antigas, como as de Vittorio Negri para a Sony, para ver como as escolhas de McCreesh por grupos reduzidos foi feliz. Ele dá o destaque necessário à explosão polifônica e tímbrica dessas obras, o resultado é uma festa sonora com poucos pares.

O disco prima também por não ser mais uma coletânea insossa de peças do renascimento tardio/barroco primitivo veneziano, não é mais um daqueles discos de Canzone orquestrais que, por mais bonitas que sejam, vão se repetindo indefinidamente e cansando o ouvinte, efeito que sempre é causado pela repetição estilística incessante. McCreesh optou por recriar uma música do serviço das Vésperas (como Monteverdi comporia uma versão completa em 1610) e alternou canzone orquestrais, salmos policorais e inseriu ainda dois pequenos motetos para voz sola para adicionar ainda maior variedade ao repertório. Por fim, encerra-se com uma reconstrução do Magnificat a 33, do qual tínhamos apenas um dos coros.

Esse disco é uma experiência única de como seriam as Vésperas na igreja de São Marcos em 1608.

18 Magnificat a 33:

11. Hector Berlioz
Les Troyens,
Kunde, Antonacci, Graham,
Orchestre Révolutionnaire et Romantique
John Eliot Gardiner

Sou só EU que me lembro do Poderoso Chefão 1 ao ver essa capa?

Les Troyens é uma ópera de poucas, mas excelentes gravações. E o que faz dessa gravação superior às de Levine, Dutoit, Kubelik e, principalmente, Davis? Bom, certamente não é a montagem, feita naquele estilo genérico-europeu-vamos-dar-sobretudos-e-metralhadoras-para-os-homens-e-seremos-modernos, mas as escolhas de Gardiner que mudaram em muito nossa visão da ópera. A primeira e essencial mudança foram as trocas de vozes wagnerianas predominantes em todas as gravações anteriores (Heppner, Vickers, Lakes, nossa, que coleção de Siegfrieds) por vozes acostumados à ópera rossiniana e à Grand-Opéra francesa, que, afinal, calham de ser as vozes às quais Berlioz estava acostumado a ouvir. Então se a potência de Gregory Kunde não é excepcional, ele é capaz de nuançar bem mais a linha vocal do que o Tristan ocasional, além de ter uma pronúncia do francês bem superior à de seus colegas canadenses (qual será a estranha conexão Canadá-Enéias?), e a Cassandra de Antonacci é um verdadeiro achado dramático-musical. Por fim, a orquestra com os instrumentos imaginados soa bem melhor do que uma orquestra ordinária, a Chasse Royale com os timbres “quentes” dos instrumentos de Adolphe Sax muda completamente de caráter.

Este post pertence à série:
1. Meus onze álbuns preferidos (Gripp United)
2. Seleção das onze (Leonardo F. C.)
3. Os 11 selecionados do… Atchim!
4. Fernando Randau
5. Frederico Toscano

Este post tem 8 comentários.

8 respostas para “Meus onze álbuns preferidos (Gripp United)”

  1. Obviamente, minha lista seria diferente. Cada cabeça, uma lista. Porém o fato de 9 dos CDs acima estarem em minha discoteca — compradinhos, em suas capas, alguns em vinil — deve significar alguma coisa. Estamos num nível tão alto que nem vale a pena pensar em objeções. O CD de Pollini e o Messiaen moram em meu ventrículo esquerdo, que é onde o coração bate mais forte.

    Grande abraço!

  2. Caríssimo Bruno Gripp,
    Ainda estou me decidindo se te faço um elogio “rasgado” pelo belo post, ou se, te amaldiçoo em silêncio reverencioso. Depois de ler suas impressões, gosto e opinião sobre os 11 Albuns de sua preferencia, e ter ficado horas tentando encontrar e baixar cada um deles, sou vencido pelo sono e o cansaço. Pior, sem nenhum dos albuns mencionados, e (subjetivamente sugeridos), pois seu conhecimento, forma e entusiasmo com que descreve cada um deles, é por si só argumento suficiente para nos mover a busca dessas pérolas (únicas?). Infelizmente terei de me contentar com as palavras já que o som me foi impossível. Mas, acredite. Embora o “tom” de minhas palavras possam lhe parecer uma desagradável e inoportuna cobrança, é na verdade uma franca e honesta exposição de minha sede musical. Só tenho a agradecer pela lista dos 11, pois, avido como garimpeiro, irei a busca dessas preciosas pepitas sonoras.
    Grato,
    J.Farias-PE

  3. A tempo:
    Li o comentário acima do meu (PQP BACH). Visitei seu blog logo em seguida – Parabéns! Disponibiliza um grande material. (se é o mesmo pqp que vi). Sugiro que faça um post disponibilizando os 11 albuns sugeridos aqui e mais os 2 de sua lista, já que 9 dos quais (dessa lista) você assina em baixo. Pedi muito? Talvez. Mas não condene quem deseja o melhor.
    Sucesso! E pense na sugestão.
    J.Farias-PE

  4. Bruno,
    eu jamais poderia escolher 11 discos; se me obrigassem, seria uma espécie de “escolha de Sofia,sem a ajuda de M Streep”…Eu precisaria de uns quarenta!
    Mas aqui consegui, dentre os teus 11, concordar com quatro: O DVD Les Troyens, que recomendei a Frederico como um coroamento da arte mitológica de Gluck. O dueto entre Dido e Eneias está um dos momentos sublimes de todos os tempos , sem falar na Cassandra Antonacci.
    O disco das sonatas de Haydn com Brendel tb me apaixonou há muito tempo.
    Da mesma forma, Gibbons e Byrd sob o maluco G Gould…
    Last but not least, o video (tive em VHS) da Cenerentola com F von Stade e outros. Uma preciosidade.
    Abraço

  5. Legal, localizei o Consort of Music com Glen Goud, música super “tranqüila”, o Hughe Ashton’s Ground então, é puro “zen”… A interpretação também é bacana, graças a Deus ele não toca cravo ao piano. :)

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