19abr 2017
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Os 11 selecionados do… Atchim!

Atchim!
(saúde!)

Foi mal… É que essa aproximação do inverno curitibano traz bons companheiros (bons?) do inverno passado, aí já viu né…

Já que meus colegas estão publicando a lista de seus 11 CDs selecionados para a Copa, também assim o farei. Mas, como não sou muito de ficar elencando “as melhores gravações” ou “as melhores obras”, vou listar aqui pra vocês não os melhores, nem meus super-favoritos, mas alguns dos CDs que fazem parte da minha história pessoal e tem, por que não?, um lugar especial no meu coração.

(Obviamente alguns guardam as melhores gravações que conheço até hoje, e outros são sim meus favoritos, mas essas não foram as regras que eu usei para selecioná-los).

Então vamos à seleção!

1. Monteverdi: Il Combattimento di Tancredi e Clorinda
Concerto Italiano – Rinaldo Alessandrini (Opus 111, 1998)

Monteverdi: Ottavo Libro vol. 2 - Concerto Italiano
Io non rifiuto darlati, se la cerchi e fermo attendi.

Antes deste CD, Monteverdi pra mim era um cara chato do passado pré-histórico longínquo. Graças ao time do Alessandrini, hoje estou à procura de Josquin e Dufay (quem diria!).

A receita dele é simples: uma interpretação apaixonada, dinâmica e caliente. Isso me fez ouvir a música mais vezes, por mais tempo. Tempo suficiente para começar a entender que, aqui, a palavra domina a música, e que esta última é moldada à primeira. Esse era o segredo que me faltava para entender Monteverdi.

Por exemplo, olha essa frase simples:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/05/Monteverdi-cavallo.mp3|titles=Monteverdi: Il Combattimento di Tancredi e Clorinda (Alessandrini)]

Ne vuol Tancredi, ch’ebbe a piè veduto il suo nemico, usar cavallo, e scende.

A linha melódica começa lá em cima, pois Tancredi está em cima do seu cavalo. Ele olha seu inimigo que estava a pé, lá embaixo (a linha melódica lá embaixo), então ele desiste de usar cavallo (e a melodia descreve ele passando a perna por cima do cavalo, pra descer), e scende (e desce, junto com a melodia). Por sinal, aqui a melodia faz uma cadência, mostrando o ponto final da frase.

Se eu recomendo a gravação? Com absoluta certeza!

2. Bach: Variações Goldberg BWV.988
Glenn Gould (Sony Classical, 1981)

Glenn Gould - A State of Wonder
“Gouldberg” variations.

Um dia um amigo me mostrou um software onde se podia baixar MP3 de música clássica. Pensei, que legal, mas o que que eu faço com isso? Resolvi baixar esta gravação apenas “para testar se funcionava”, e hoje nem me lembro mais o porquê.

Então gravei um CD simples, de áudio, e levei comigo para São Leopoldo/RS onde haveria um festival de música do qual eu iria participar. Daqui até lá, 12 horas num ônibus que parava em qualquer cidade com mais de meio habitante. Quando perdi o sono, me lembrei que as Goldberg também foram escritas para divertir um insone, então coloquei o Gould pra tocar. Ótimo passatempo, pois tinha tempo e quietude suficiente para poder me concentrar e tentar localizar as variações, as danças, os canons, o quodlibet e tudo o mais. Foi nessa viagem, olhando os campos gaúchos cobertos pela geada, que entendi que os canons eram diferentes uns dos outros, e não apenas nos intervalos. Lembro particularmente da variação 12, o canon a quarta, e que eu tive de repetir várias vezes até perceber que a segunda voz copiava a primeira mas invertido, de cabeça pra baixo.

Ah, a interpretação? Sim sim, é maravilhosa! Outros intérpretes vêem as Goldberg como uma coleção de variações individuais e deixaram registros maravilhosos… mas para ouvir variação a variação. Ouvindo as 30 de uma vez só, é bem cansativo. Com Gould não, ele viu nas Goldberg uma obra só, e assim a interpreta. Por exemplo, os andamentos são escolhidos para que uma variação encaixe na outra e produza aquele efeito de climax, de modo que você chega na última e quer ouvir tudo de novo. Recomendadíssimo!

3. Beethoven: Quarteto de Cordas em Mi b Maior Op.127
Quarteto Melos (DG, 1986)

Beethoven: Quartetos Op.127 e Op.131 - Quarteto Melos
Custou 10-zão, mas o valor é inestimável.

Sei que o Leonardo citou este CD na relação dele, mas não tem como eu não citá-lo aqui também. Na época, comecei a fazer a coleção da banca mas de maneira bem despreocupada. Eu sabia que a maioria das gravações não era tudo aquilo, mas meu objetivo era conhecer obras que eu não conhecia por preços acessíveis. Eu ainda não havia passado pela experiência do Otello (vide abaixo, o nº7).

Quando comprei esse aí, não conhecia nenhum dos últimos quartetos do surdinho. Então, como fazia com cada CD novo, botava no carro pra tocar e ia analisando a obra: quais as formas, onde estavam os temas, o que Beethoven fazia com eles, etc.

Pois é… O movimento lento do Op.127 foi um desafio diferente de todos os outros que havia enfrentado até então. Era óbvio que era um tema com variações, pois eu reconhecia o tema de novo lá na frente em duas ou três variações, mas ele mudava tanto que ficava praticamente irreconhecível. Pra complicar, cada variação era meio emendada uma na outra, ficando ainda mais difícil dizer quando uma terminava e a outra começava. E, o pior de tudo… às vezes aquilo me pegava de um jeito que eu começava a chorar descontroladamente (de soluçar mesmo!), e já não sabia mais como, porquê, para quê, o que que eu estava fazendo.

Então as lágrimas viraram regra. Levei umas 6 semanas até conseguir ouvir novamente sem me descontrolar – e olha que eu tentava praticamente todos os dias. Mas aí, uma vez “vencida”, analisada, fatiada e bem entendida, esqueça: pode chorar à vontade pois estamos falando de obras que estão acima da beleza, obras para as quais não existem palavras que possam descrevê-las.

PS.: o Op.131, no mesmo CD, está interessante mas os movimentos rápidos estão meio molengas. Creio que, com um pouco de garimpo, você vai encontrar gravações bem mais legais. O movimento lento, coração do Op.131, está fantástico!

4. Verdi: Aida
Callas, Tucker, Barbieri, Gobbi, Serafim (Emi Classics, 1955)

Verdi: Aida. Tulio Serafim, Teatro alla Scala
Sacerdote: IO RESTO A TE!

Não existe nada parecido com o terceiro ato desta Aida. O restante, vá lá, é uma bela gravação, o Richard Tucker não é tudo aquilo mas tem uma bela voz, Tito Gobbi aquele vozerão mas tudo meio duro, no geral seria uma boa Aida. Mas é no terceiro ato que a estrela individual de cada artista brilha, armando um arrepiante clímax para os três últimos minutos do ato. Tucker completamente desolado (io son disonorato), Gobbi parece que vai voar no pescoço da Barbieri (Muori!), e por aí vai. É eletrizante!

E então eu estava voltando de um churrasco numa chácara, domingo, sozinho, de carro, 40 km de asfalto praticamente deserto, não deu outra! Taquei-lhe o terceiro ato em volume máximo, cantando a parte do Radamés a plenos pulmões pra ver se conseguia alcançar as notas do final sem precisar ter um ataque de hemorróidas. Sacerdoooote…

5. Brahms: Quartetos de Corda, Dvorák: Quarteto Americano
Quarteto Amadeus (DG, 1959/1960)

Brahms e Dvorak: Quartetos - Quarteto Amadeus
Este é o nome da lenda: Peter Schidlof!

Reza a lenda que, quando o famoso violinista e professor Max Rostal quis montar um quarteto de cordas com alguns de seus alunos, ele colocou Peter Schidlof no primeiro violino e Norbert Brainin na viola. E só depois de ouvi-los por algum tempo é que ele decidiu trocá-los de posição.

Ainda bem! Senão não teríamos passagens como estas duas aqui, do terceiro movimento, terceiro quarteto:

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/05/Brahms-Schidlof.mp3|titles=Brahms: Quarteto nº3 Op.67 – 3. Allegretto non troppo (Quarteto Amadeus)]

Todo mundo com surdina, menos a viola, que canta o movimento inteiro. Dá-lhe Schidlof!

Estava eu viajando com dois amigos e com esta belíssima gravação no carro, quando chegou no movimento lento do Quarteto Americano do Dvorák, que completa o segundo CD, um deles disse: “Aumenta. Aumenta. Pode botar bem alto.” Não precisou dizer duas vezes. Durante 6 ou 7 minutos, o mundo parou ao nosso redor.

PS.: a interpretação é lindíssima, porém o som é da DG do início da década de 60… ou seja, soa como lata. Se você gosta de gravações antigas e não liga para isso, vai gostar bastante!

6. Brahms: Sinfonia nº3 Op.90
Berliner Philharmoniker – Claudio Abbado (DG, 1989)

Brahms: Sinfonia n.3 - Abbado, BPO
Não recomendado para cardíacos

Tenho o hábito de ouvir música durante o trabalho. Simples, ponho o fone de ouvido e me concentro no que estou fazendo, o trabalho, e não na música. Mas o resultado é que, quando vou ouvir o CD no carro ou em casa, a música se torna familiar e mais fácil de ser analisada, compreendida. É como se ela tivesse entrado por osmose.

Quando comprei o ciclo de sinfonias de Brahms com Abbado, eu estava à procura não do Brahms que te cozinha em fogo lento, mas daquele que te consome em poucos instantes, causando arritmias, transpiração, respiração ofegante, tremedeira e ataques cardíacos. Nesse ponto, Abbado é o extremo oposto de um Celibidache, por exemplo.

Então lá estava eu na minha mesa, ouvindo o finale desta sinfonia e escrevendo um documento qualquer. Quando acabou o CD, eu apenas tirei o fone e olhei em volta. Os colegas haviam saído, talvez pra tomar um café, e na sala estava apenas um técnico de informática que estava ali para consertar um computador. Ele me olhou assustado e disse algo como, não quis te incomodar porque você parecia concentrado; mas parecia que a qualquer momento você iria ter um troço.

Não percebi, mas acho que eu devo ter regido o final da sinfonia na presença de um estranho.

7. Verdi: Otello
Domingo, Studer, Leiferkus, Myung-Whun Chung (DG, 1986)

Verdi: Otello. Myung-Whun Chung
Ecco il Leone!

Quando terminei de conhecer as quatro óperas mais famosas de Verdi (estou me referindo ao trio Traviata-Rigoletto-Trovatore e mais a Aida), resolvi investir um dinheiro apostando num Otello com Pavarotti, Te Kanawa e Solti.

Jesus, onde amarrei meu burro! Eu que sempre associei Verdi a óperas circenses (digo, aquelas melodias com um acompanhamento tipo um-pá-pá), pensei: o que que é isso? Uma ópera wagneriana de Verdi? Fiz um esforço de ouvir umas cinco vezes, e deixei de lado. De tempos em tempos, a cada dois anos sei lá, eu voltava nela pra ver se via alguma coisa e… nada. Até que uns amigos me falaram o óbvio: essa gravação é uma nhaca! Arrume outra porque Otello é de ouvir de joelhos! Então tá, meio a contragosto fui na lojinha e peguei essa aí, Placido Domingo, Cheryl Studer, Sergei Leiferkus e o coreano na regência. Ficou algumas semanas lacrado na estante até eu obter coragem.

Durante alguns meses, foi difícil ouvir outra coisa. Definitivamente, não é Wagner – muito menos o antigo Verdi que eu estava acostumado. Ele desenvolve a ópera usando uns motivos muito subjetivos (talvez muito técnicos), não dá nem pra chamar de leitmotiv. Em poucos meses comprei a partitura e um monte de gravações diferentes (algumas eu ganhei), a ponto de nem saber mais qual gravação é melhor – cada uma tem seu interesse. Menos a do Solti, claro.

8. Puccini: Tosca
Callas, di Stefano, Gobbi, de Sabata (Emi Classics, 1953)

Puccini: Tosca - Callas, di Stefano, Gobbi
Aprite le porte che n’oda i lamenti!

Essa Tosca é histórica! O segundo ato, então, é de arrepiar até o dedão do pé. Anos depois juntaram a Callas com o Gobbi para gravar o segundo ato em vídeo, a voz já não era mais a mesma mas dá pra se ter uma idéia da atuação. Se lá na Aida a voz dura do Gobbi às vezes atrapalhava, aqui ela se encaixa perfeitamente no demônio do Scarpia. Di Stefano é o tenor heróico e romântico com quem as mocinhas sonham um dia encontrar, e Callas encarna no papel de namorada ciumenta, sofredora mas guerreira quando a vida assim a exige.

Certa vez dei carona a uma amiga, e como eu estava ouvindo a ópera, eu contei a história pra ela e fui “traduzindo” em real time, à medida que íamos ouvindo toda a cena da tortura. Chegou uma hora que ela me interrompeu, parou o CD e me perguntou, horrorizada: Como você pode gostar de ouvir isso? Ela estava chocada, deve ter pensado que eu era alguma forma de sádico por gostar daquilo…

9. Mahler: Sinfonias nºs 4 e 5
Berliner Philharmoniker, Bernard Haitink, Sylvia McNair (Phillips, 1992/1988)

Mahler: Sinfonias 4 e 5 - Haitink, BPO
Atirei no que vi, acertei no que não vi.

Conheci a Quinta Sinfonia de Mahler através desta gravação, mas no release original da Phillips (a capa parece ter uma moldura de madeira). Meu tio comprou o CD por curiosidade, eu gostei do que ouvi e gravei numa fita K7 na época (estou falando de anos em que não existia MP3 e ninguém sabia o que era gravador de CD). Com o tempo o CD foi se danificando, acho que vocês já viram isso, a parte prateada vai se soltando, como se algo estivesse corroendo-a, e em poucos anos o CD ficou “intocável”.

Restou pra mim a fita K7… e a procura pelo CD, primeiro em sebos, depois em catálogos de importação, e finalmente pela internet. Até que a Phillips relançou a gravação pela série Duo, com dois CDs e a Quarta Sinfonia no primeiro.

Bem, a Quinta eu já conhecia. É uma das mais lentas da discografia (até hoje não ouvi Adagietto mais lento do que esse aí), e os berlinenses estavam no seu melhor dia. Mas a surpresa foi ouvir a Quarta! Diferente das outras sopranos das outras gravações que conhecia, como Lucia Popp e Margaret Price, a Sylvia McNair canta como um anjo infantil, quase como uma criança (mas não com a voz branca de Wittek do Bernstein). Passa mesmo a impressão de estarmos ouvindo relatos da vida celestial.

10. Schoenberg: Pierrot Lunaire Op.21, Ode a Napoleão Bonaparte Op.41
Schäfer, Pittman-Jennings, Pierre Boulez (DG, 1998)

Schoenberg: Pierrot Lunaire e Ode a Napoleão - Pierre Boulez
‘Tis done!

Um dia descobri que a Amazon, ou melhor, o paraíso existe. Era muito bom pra ser verdade: um site que vendia CDs impossíveis de se achar no Brasil, com um estoque muito variado. Então eu, que nunca havia importado nada na vida, pensei: o que que eu posso comprar que, se der errado, não vou ficar chateado? Olhei nos meus MP3 e pesquei algo que eu volta e meia ouvia e sentia um estranho fascínio: Der Mondfleck, uma canção minúscula do Pierrot Lunaire de Schoenberg. Eu tinha só essa canção, justamente com a Schäfer e Boulez, e nunca tinha me interessado por ouvir o restante porque Schoenberg era pra mim, naquela época, um compositor mais-que-inacessível. Der Mondfleck já era estranho, imagina o resto.

Pois foi justamente este CD que escolhi para testar o serviço da Amazon. Encomendei junto as Suítes para violoncelo de Bach com Pierre Fournier, só para garantir alguma alegria caso o Schoenberg não agradasse, e mandei ver. Fui aprender na prática que a Receita Federal cobrava 60% de impostos, mas depois que ouvi este CD, esqueci de tudo isso pois um mundo diferente tinha se aberto para mim. Era impossível parar de ouvir tanto o Pierrot quanto a Ode a Napoleão Bonaparte, que completa o CD.

Aliás, sobre a Ode a Napoleão há uma história curiosa. A obra foi composta usando a técnica dodecafônica, mas termina num acorde de Mi bemol Maior. Algumas pessoas pensaram que deveria haver alguma relação com a Sinfonia Heróica de Beethoven, que também tem uma relação com Napoleão e é escrita em Mi bemol. Então foram questionar o compositor, que parou, pensou e respondeu: Mi bemol Maior?  Não… Deve ser engano, eu devo ter errado alguma nota.

PS.: a interpretação é bem musical – muito diferente, por exemplo, da que Boulez gravou com a Helga Pilarczyk na década de 60. Quem quiser se aventurar pela obra do Schön, fica aqui a recomendação!

11. Berio: Sinfonia, para 8 vozes amplificadas e orquestra
New Swingle Singers, Pierre Boulez (Erato, 1984)

Berio: Sinfonia - Pierre Boulez
Keep going!

Esta obra aqui foi indicação do Bruno (aliás, muito obrigado!). Antes de comprar, ouvi os trechinhos disponíveis na Amazon e, devo confessar, ao ouvir aquelas dissonâncias senti o chão se abrindo sob meus pés. Me lembrava a Paixão segundo São Lucas de Penderecki. Mas fui em frente e comprei.

A obra inteira é fascinante e, para um mahleriano convicto como eu, o terceiro movimento era um convite adicional para continuar ouvindo-a mais e mais (keep going!). Nesse movimento Berio usa uma técnica de “colagem”, usando o 3º movimento da 2ª sinfonia de Mahler como pano de fundo para colar em cima trechos de La Mer de Debussy, o Concerto para Violino de Berg, a Sinfonia Pastoral de Beethoven, a Sagração da Primavera de Stravinsky, La Valse de Ravel e muitas outras obras, além de clusters aterrorizantes que parecem tarjas pretas sobre a pintura. Por cima disso tudo, as oito vozes fazem os mais diversos e oportunos comentários, é um barato! Depois de umas audições você nem percebe mais as dissonâncias, vai por mim.

Este post pertence à série:
1. Meus onze álbuns preferidos (Gripp United)
2. Seleção das onze (Leonardo F. C.)
3. Os 11 selecionados do… Atchim!
4. Fernando Randau
5. Frederico Toscano

Este post tem 22 comentários.

22 respostas para “Os 11 selecionados do… Atchim!”

  1. Esse Pierrot Lunaire por pouco não passou no meu corte para meus 11 álbuns. É a melhor interpretação que conheço da obra (e tenho umas 4 gravações e conheço outras, simplesmente amo o Pierrot), a Schäfer é uma cantora excepcional e aqui o Boulez tem a sua leitura madura e defintiva. Mas o que eu mais gostei nesse CD não foi nem do Pierrot, nem do “Sobrevivente de Varsóvia” (que é maravilhoso) mas da cançãozinha “Herzgewächse” que é uma pequena pérola, curtinha e dificílima, um dos exemplos mais acabados de como o estilo “médio” do Schoenberg é atrativo e bonito.

  2. Gostei muito desta seleção, porém, ai, Dvorak não me passa. Sofro de rejeição ao homem, causa-se erupções na pele, etc.

    Parabéns pela lembrança do Berio and keep going!

  3. Olá Bruno! Esse CD do Pierrot é fantástico mesmo, mas não sei se vc se enganou ou queria ser irônico, o CD não traz o Sobrevivente de Varsóvia Op.46 (eita obra fantástica!) e sim a Ode a Napoleão Bonaparte Op.41. Sobre “Herzgewächse”, lembro do Colarusso comentando sobre “alguém arrastar uma celesta, uma harpa e um harmônio para uma sala, para ouvir uma cançãozinha de 3 minutos, só podia ser coisa do modernismo”. (risos)

    PQP, antigamente eu também tinha alguma ojeriza por Dvorak mas hoje eu considero a maioria de suas obras apaixonante. (Ao contrário de Schumann, que pra mim até hoje não desce). Gostaria de abusar um pouco de sua paciência para a próxima série de posts que o Leonardo está preparando, que é sobre os poemas sinfônicos do Dvorak. Quem sabe…

    Sobre Berio, ainda vou escrever uma análise sobre a Sinfonia. Já tenho muita coisa na cabeça, a tradução eu posso providenciar… mas ainda me falta comprar a partitura. :-)

  4. Eu também nunca gostei do Dvorák, e o engraçado é que nunca precisei mudar essa opinião pra ir gostando cada vez de mais obras dele, hehe. Era algo como: “Dvorák é patético, mas nessa ele acertou a mão”. “Dvorák é patético, mas dessa aqui eu gosto”. E quando eu vi eu tinha aprendido a gostar de um monte de coisa dele. Um resquício dessa ambigüidade ainda sobrevive em relação a obras como a 8a. sinfonia, em que eu adoro os movimentos externos mas não gosto muito dos internos. De repente um dia chego lá.

    E eu posso dizer que a história do Amancio com o CD dos quartetos de Beethoven é IGUAL à minha, além da gente ter comprado na mesma época. Nem detalhei muito quando mencionei esse CD porque sabia que ele já ia contar essa história, hehe.

  5. A Schäfer, ao vivo (como Sophie, no Rosenkavalier), foi uma das maiores decepções que tive nessas andanças de operário. Um fiozinho de voz, timbre sem cor, desafinação … Triste de ouvir. Mas nessa gravação do Pierrot ela se sai muito bem! Também gosto da gravação de Lulu. Acho que a praia dela é mesmo esse repertório da segunda escola de Viena.
    PS: O blog está excelente!
    PS2: Onde está o Toscano que não postou nada até agora?

  6. Pianovski,
    A gente sempre tem nossas decepções: a Kasarova é a minha (horrível, horrível, é uma soprano escurecendo a voz, ao vivo fica bem claro).

    Mas de certa forma a Schäfer escolheu um repertório que convém a essa voz com pouca cor (e acho que um pouco disso dá para perceber em disco), um timbre aveludado e riquíssimo não sei se conviria para cantar em Sprechstimme.

    Música moderna tem isso, uma outra “musa” da música contemporânea é a Dawn Upshaw, que eu considero uma cantora medíocre, mas estreia todos os papeis possíveis.

  7. 1981. A de 1955 ele toca tudo em 30 minutos sem fazer nenhuma repetição, parece o Toscanini do piano. Ainda me preciso conhecer a gravação de 1959, que é uma ao vivo, mas já sei que só a de 81 tem as características que eu elogio tanto nele: a coesão da obra, e a escolha inteligente das repetições e andamentos.

  8. Em defesa do grande Georg Solti (que teria completado 100 anos em outubro passado), é preciso lembrar que, antes da gravacäo mal-sucedida do Otello em 1989 com Pavarotti e Kiri te Kanawa, ele gravou um excelente Otello em 1977, com um magnífico Carlo Cossutta (Otello), uma impecável Margaret Price (Desdemona) e um notável Gabriel Bacquier (Iago). Escute e depois conte o que achou. Abs.

  9. Baixei da Internet os quartetos de Beethoven mas não encontrei com “Quarteto Melos”, apenas com “Lindsay String Quartet”. Alguém sabe se tal grupo é bom também?

    Não ouvi ainda os quartetos completos, apenas o referido movimento lento (Adagio ma non troppo e molto cantabile) do opus 127 e sim, é muito bonito, mas queria saber se é sabido qual a inspiração ou se Beethoven dedicou a obra a alguém, que pudesse dar pistas de qual o “objeto de desejo” ao qual a beleza da obra foi dedicada, digamos assim.

    Grato.

  10. Olá Cleverson,

    Eu devo ter umas 10 ou 12 gravações dos últimos quartetos de Beethoven, mas mesmo conhecendo tantas eu ainda tenho um apreço muito grande pela gravação do Op.127 com o Melos. Talvez a gravação que mais chegue perto da deles é com o Quarteto Tokyo. Enfim: é o tipo de obra que vc vai querer ouvir com vários grupos diferentes, porque cada um vai interpretar a obra à sua maneira, com sua sonoridade típica, na velocidade com que cada um sente, etc. Falando do Lindsay: olha, é uma gravação honesta, mas vc vai encontrar bem melhores na internet. Sério mesmo. Mas já vale pra vc ter uma idéia do que é a música.

    E que música! Não sei se vc sabe, mas os cinco últimos quartetos de Beethoven são as últimas obras (grandes) que ele compôs antes de falecer em 1827. O Op.127 foi o primeiro desses quartetos, escrito em 1824. Nessa época, ele já estava imerso em completa surdez havia mais de 10 anos (sem falar na sua saúde que já andava bastante frágil), e aí é um tanto difícil falar em “inspiração”. A gente ouve e apenas chora, parece um discurso tão íntimo que nós apenas sentimos, sem necessidade de compreender; é nessas horas que as palavras são inúteis. Como sou uma pessoa religiosa, gosto de pensar numa abordagem assim, digamos, mais espiritual; mas cada um, cada ouvinte vai entender a música à sua maneira. E como se trata de uma música não-programática, o jeito é esse mesmo: ouvir, sentir e, no máximo, compreender através das formas.

    E seja bem vindo ao mundo dos últimos quartetos de Beethoven!

  11. Buenas, grato pelas respostas; já baixei as outras gravações linkadas acima.

    Bom saber que é uma pessoa religiosa, combinamos nesse ponto. Justamente por isso perguntei sobre a inspiração, pra ver se não seria algo muito sentimentalista, mas por coincidência ou não, ontem mesmo li outro post do blog onde é dito que Beethoven de fato entendia que a música não deve se prestar a fins demasiado “baixos” e sim a fins nobres, mesma opinião minha.

    Qual era a confissão religiosa de Beethoven por favor? Na Wikipédia pelo menos não tem.

  12. Cleverson,

    Achei a sua pergunta muito interessante. De fato, como disse o Amancio, o sentido da música reside justamente em que ela se funda como linguagem que transcende as palavras: o que as palavras dizem a música não diz, e o que a música diz as palavras não dizem. Por isso, sob o ponto de vista da linguagem, não há nada que possa expressar o que a música expressa, e isso em muito justifica a sua existência: ela é necessária se quisermos dar expressão a certas coisas. E por isso seria muito difícil iluminar o sentido do Quarteto Op. 127 apenas por referências extramusicais: é certo que a comparação dessa obra com outras obras do próprio compositor e mesmo de outros compositores nos dá parâmetros de possibilidades de expressão do belo e de possibilidades retóricas de diferentes estilos; a informação histórica nos dá parâmetros de conceber o fenômeno da música no tempo, no espaço e na cultura; o estudo da mentalidade do autor e da época nos dá parâmetros de pensar sobre o que a música podia mobilizar ideologicamente na época; e anedotas pessoais do compositor nos dão apoios pra que a música possa ter um apelo mais pessoal pra gente, etc., etc., etc. São coisas que de fato ajudam muito, mas, em última instância, música é música e tem todo o direito a ser entendida nos seus próprios termos.

    E como entender música nos seus próprios termos? Tornando-se um músico profissional pra poder destrinchar qualquer partitura? Não: aprender a acompanhar a forma musical já basta pra acompanharmos a música como um discurso. No caso do andamento lento do Quarteto Op. 127, trata-se de um tema e variações, que foi explicado pelo Amancio neste post: http://euterpe.blog.br/analise-de-obra/tema-com-variacoes. Acompanhar o que a música narra através da sua forma – o que, com uma noção plástica, já somos plenamente capacitados a fazer, sem nada muito técnico – é como acompanhar um filme reconhecendo as personagens e as suas falas – a estória faz sentido.

    E um relato pessoal: quando eu ouvi os últimos quartetos de Beethoven, e particularmente esse andamento lento do Op. 127, eu achei meio tedioso, não entendi nada. A excitação da descoberta surgiu quando eu menos esperava e essa música se assentou na minha fruição depois de certo tempo de maturidade. Aí é de ouvir de joelhos mesmo.

    E obrigado ao PQP Bach pela mão!

    Abraços!

  13. Buenas Leonardo:

    Grato pelo comentário, eu já conhecia esse do tema com variações, visto que fiz faculdade de bacharelado em música com instrumento piano clássico. Desculpem não ter dito logo, mas não costumo mesmo falar sobre mim até aparecer algum momento concreto para isso.

    Agora sobre a música ter sua própria linguagem que transcende as palavras, não sei se isso vale em termos gerais ou valeria apenas pra alguns tipos de música, historicamente por exemplo me parece que isso começou quando a música instrumental se separou da música vocal. Se voce pega digamos um requiem ou uma missa, então em princípio a música quer dizer simplesmente o que é dado no conteúdo textual de tais ritos religiosos, ou mais precisamente, a música potencializa ou “amplifica” aquele conteúdo, ao menos dentro duma visão católica (continuando aqui nesses exemplos), dado aquele dito de sto. Agostinho: “quem canta, reza duas vezes”.

    Mesmo em música instrumental, tem uns estilos que são até simples de compreender, como escrevi no outro post sobre o Hughe Ashton’s Ground ou Italian Ground, que no caso seriam tributos àquela localidade ou pátria e ao mesmo tempo nos transportam um pouco para a atmossfera bem mais “mente serena” que era na época, bem distinta da moderna/contemporânea.

    Um abraço.

  14. Cleverson,

    Poxa, então o comentário inteiro não é nenhuma novidade a você, peço até desculpas! :P

    Sobre esse novo aspecto que você explora do significado da música, note que, na verdade, não me parece que uma música cantada seja simplesmente o mesmo que a mera soma de texto + música, do mesmo modo que, mal comparando, a soma das cores amarela e azul não é simplesmente amarelo + azul, mas já outra coisa (verde).

    Digo isso porque nem mesmo o texto em si de um Requiem me parece a essência última do que está sendo expresso: antes, o texto é que ilumina, através do sentido das palavras, algo de essencial presente no rito do Requiem. Desse modo, parece-me que tanto música quanto texto antes colaboram para iluminar o sentido da essência do que comunicam do que simplesmente se subordinam um ao outro. Porque se pensarmos que o texto contém a música estaremos ignorando que a própria linguagem verbal opera pela subordinação a um sentido anterior, que é a dinâmica do signo a apontar para uma referência anterior e que pode ser articulada no texto. Além disso, se a música simplesmente se submetesse a um texto que já estivesse dado, ela seria simplesmente desnecessária. Mas ouvindo o Requiem de Mozart, por exemplo, é difícil negar que a música pode ter muito mais a dizer do que as palavras – ainda que, ao mesmo tempo, as palavras também digam o que a música não serve para dizer.

    E quanto aos famosos “Grounds” da música renascentista, o que me chama a atenção, além do jogo com os “grounds”, é o imenso colorido expressivo e harmônico que os torna profundamente contemplativos.

    Abraço!

  15. é, faz sentido… No caso temos: (a) um rito procura transmitir uma essência; (b) o texto é uma “hipóstase” dessa essência, a música é outra hipóstase e cada um dos outros elementos presentes do rito é também uma hipóstase da essência. É por aí que voce quis dizer?

  16. Cleverson,

    É por aí: o texto também faz algo pelo que comunica, assim como a música. É claro que no processo da composição uma pode acabar servindo mais de baliza à estrutura de que ambas participarão, mas em termos do que cada uma é capaz ainda me parecem ambas potências expressivas à sua própria maneira.

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