19abr 2017
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Vivaldi: O Outono

Rosalba Carriera: Outono
Rosalba Carriera: Outono

Antes de Vivaldi não havia um modelo para o concerto solista, e cada compositor escrevia de acordo com seu próprio estilo. Os mais comuns recaíam no formato da sonata da chiesa (movimentos lentos e rápidos alternados, às vezes incluindo uma fuga) ou na sonata da camera (prelúdio e sequência de danças). Vivaldi seguiu o modelo de Albinoni com um movimento lento central e dois agitados nos extremos, e esse esquema rápido-lento-rápido acabou “pegando” e ficando como definitivo em concertos.

Outra grande contribuição de Vivaldi para o gênero foi a consolidação do formato de ritornello. O ritornello é simplesmente um refrão, um tema principal que é exposto pela orquestra no início e no final do movimento, mas que retorna várias outras vezes em parte ou por completo, às vezes na tonalidade principal, às vezes numa tonalidade secundária. Entre cada aparição do ritornello, há episódios onde o solista ganha destaque executando passagens virtuosísticas.

Vivaldi escreveu aproximadamente 450 concertos, sendo mais de 200 só para violino solo. Todos os concertos do Opus 8, incluindo As Quatro Estações, foram escritos para violino solo, cordas e baixo contínuo (apesar de que hoje em dia, pela popularidade da obra, é super fácil encontrar gravações com as orquestrações mais variadas, como por exemplo nesse divertidíssimo vídeo do grupo I Barocchisti).

Soneto

L’Autunno O Outono
Celebra il vilanel con balli e canti
Del felice raccolto il bel piacere
E del liquor di Bacco accesi tanti
Finiscono col sonno il lor godere.
Celebra o camponês com danças e cantos
Da feliz colheita o belo prazer
E pelo licor de Baco um tanto aceso (*)
Termina com sono a sua diversão.
Fà ch’ogn’uno tralasci e balli e canti
L’aria che temperata dà piacere,
E la staggion ch’invita tanti e tanti
D’ un dolcissimo sonno al bel godere.
Faz cada um renunciar danças e cantos
O clima moderado que é prazeroso,
E a estação que convida tantos e tantos
De um dulcíssimo sono a desfrutar.
I cacciator alla nov’alba a caccia
Con corni, schioppi, e canni escono fuore
Fugge la belva, e seguono la traccia;
O caçador na alvorada sai à caça
Com trompas, espingardas e cães
Foge a fera, e seguem-lhe o rastro;
Già sbigottita, e lassa al gran rumore
De’Schioppi e canni, ferita minaccia
Languida di fuggir, ma oppressa muore.
Já apavorada, e cansada do grande rumor
De espingardas e cães, ferida ameaça
Debilitada de fugir, mas oprimida morre.

(*) (Pra não perder o costume das notas sobre mitologia) Baco é o Deus do vinho, ok?

Concerto para violino, cordas e contínuo Op.8 nº3 RV.293 em Fá Maior – “Outono”

1º mov.: Allegro – Larghetto – Allegro assai

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/09/Vivaldi293-11.mp3|titles=1. Dança e canto dos camponeses – Vivaldi: Concerto Op.8 n.3 RV.293 “Outono” – 1. Allegro (Fabio Biondi – Europa Galante)]

Outono é tradicionalmente a época da colheita, e para celebrá-la, temos a Dança e canto dos camponeses.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/09/Vivaldi293-12.mp3|titles=2. O ébrio – Vivaldi: Concerto Op.8 n.3 RV.293 “Outono” – 1. Allegro (Fabio Biondi – Europa Galante)]

O violino imita os deslizes e os risos alegres do camponês exagerando no vinho, ou seja, O ébrio.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/09/Vivaldi293-13.mp3|titles=3. O ébrio que dorme – Vivaldi: Concerto Op.8 n.3 RV.293 “Outono” – 1. Allegro (Fabio Biondi – Europa Galante)]

E depois de muito vinho… eis O ébrio que dorme. Os mais atenciosos irão reparar que a melodia do violino se assemelha ao barulho de alguém roncando.

2º mov.: Adagio molto

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/09/Vivaldi293-20.mp3|titles=4. Os ébrios adormecidos – Vivaldi: Concerto Op.8 n.3 RV.293 “Outono” – 2. Adagio molto (Fabio Biondi – Europa Galante)]

Fim de festa, Os ébrios adormecidos se juntam para tirar uma soneca.

3º mov.: Allegro

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/09/Vivaldi293-31.mp3|titles=5. A caçada – Vivaldi: Concerto Op.8 n.3 RV.293 “Outono” – 3. Allegro (Fabio Biondi – Europa Galante)]

O concerto termina descrevendo com detalhes A caçada, com o violino solo imitando o som de trompas de caça.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/09/Vivaldi293-32.mp3|titles=6. A fera que foge – Vivaldi: Concerto Op.8 n.3 RV.293 “Outono” – 3. Allegro (Fabio Biondi – Europa Galante)]

E os caçadores encontram A fera que foge.

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/09/Vivaldi293-33.mp3|titles=7. Espingardas e cães – Vivaldi: Concerto Op.8 n.3 RV.293 “Outono” – 3. Allegro (Fabio Biondi – Europa Galante)]

Aqui a partitura indica Espingardas e cães, sem detalhar quem é a espingarda e quem é o cão. Tomando por base o cão do pastor da Primavera, acredito que as notas separadas sejam os latidos dos cães, e as notas repetidas em furor o barulho das espingardas. Mas também poderia ser o contrário…

[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2010/09/Vivaldi293-34.mp3|titles=8. A fera fugindo morre – Vivaldi: Concerto Op.8 n.3 RV.293 “Outono” – 3. Allegro (Fabio Biondi – Europa Galante)]

Ao final, A fera fugindo morre, para alegria do caçador.

Este post pertence à série “Vivaldi: As Quatro Estações”:
1. A Primavera
2. O Verão
3. O Outono
4. O Inverno

Este post tem 6 comentários.

6 respostas para “Vivaldi: O Outono”

  1. Como disse outrora [in Carmen’s 3D contest], este post me foi uma luz. Da série de concertos do Vivaldi – este, ‘As Quatro Estações’ – não havia nenhum outro que me causasse maior desconcerto. A alegre primavera aclamada pelo canto dos pássaros, arrepios no inverno abraçado em frio hiemante, e o impetuoso verão, ficavam todos muito bem ilustrados em meu imaginário, mas não aquele gaio outono.

    Arrazoava comigo mesmo: ‘onde Vivaldi teria descoberto tal outono; que tinha em vista ao escrever esta peça e associa-la a este título?’ Pareciam-me não correlatos. Sabia que teria algo que ver com a forma que esta estação é sentida na Europa, o que representaria [decerto algo bem diferente d’aqui, onde sequer há muita definição d’elas], e já cogitava algumas incurssões em busca da informação quando, por ordenação do ‘acaso’, encontrei-a aqui!

    E se a tradição manda que sejamos gratos pelos favores imerecidos, pr’além do sentimento terno que nos envolve de quando de uma descoberta, então… só tenho a dizer:

    – Muito obrigado,
    contextualização é essencial
    para ser careado
    com a também essência
    do gênio musical.

  2. A obra é linda, em especial Outono. O “esquema rápido-lento-rápido” acabou me pegando literalmente!!!
    Amei a análise. ;)

  3. Excelente post! Só uma dúvida: na tradução do soneto, neste trecho “E a estação que convida tantos e tantos” é isso mesmo, “tantos e tantos”? Se refere aos pastores, certo?
    Obrigado!

  4. Olá Victor! Sim, “tanti e tanti” ao pé da letra dá “tantos e tantos” – ou, talvez melhor traduzido, “tanto um quanto outros”. São tanto camponeses quanto pastores: todos são convidados a cair no sono.

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