André Rieu (Divulgação)
Neste mês os críticos de música ganharam uma catártica oportunidade de fazerem justiça com as próprias mãos: o violinista e maestro pop star André Rieu anunciou uma série de shows no Brasil. E mais: os três shows inicialmente agendados para o Ginásio do Ibirapuera em São Paulo aumentaram para dezoito desde a procura massiva por ingressos (que vão de R$140,00 para cima). Nesse meio tempo sobrou paulada para exorcizar os demônios desse fruto espúrio do show biz, que empresta trechos do repertório clássico em arranjos glamourosos para um espetáculo de gala de grande produção visual e coreográfica, etc., como muitos conhecem. Leonardo Martinelli para a Revista Concerto, por exemplo, cura um câncer na comunidade musical ao expor o poder descaracterizador do abuso de estereótipos musicais e teatrais de André Rieu, a mediocridade de reduzir músicas clássicas e populares a um mesmo arranjo “paquidérmico” que esmaga uma riqueza estilística, e a agridoce ilusão de quem justifica abordagens levianas da música clássica como uma verossímil porta de entrada para um amadurecimento a longo prazo do ouvinte.
Um passo adiante
Mas terça-feira meu quase xará Leandro Oliveira deu um surpreendente passo adiante nesta discussão escrevendo para o blog da Dicta&Contradicta. Ele identifica muito corretamente uma oposição que ganha tons salvíficos tanto na crítica do Martinelli como na de outros: a de fazer o claro serviço de separar a grande arte da cultura de massa. Ou seja, André Rieu é um entertainer, e o ouvinte – ouvindo-o ou não, gostando dele ou não – que jamais se deixe confundir entre a derivativa cultura de massa e a verdadeira grande arte.
Essa distinção da crítica mostra tocar em um sério nervo ideológico. Pois além de se criticar um entertainer como André Rieu por seus clichês e apelos baratos, não se costuma eximi-lo de uma condenação final: André Rieu é, além de tudo, uma aviltação ao patrimônio da música dos grandes compositores – é uma ofensa à grande arte.
E é aqui que o Leandro pergunta: será que essa separação entre grande arte e cultura de massa é suficiente para essa condenação do entertainer? O pianista sensacionalista Lang Lang, por exemplo, é plenamente aceito dentro das próprias cercas da grande arte – com contratos com grandes gravadoras especializadas, títulos acadêmicos honoris causa, masterclasses, convites de honra de sociedades culturais, etc. –, mas ele próprio, segundo o Leandro, também não passa de um entertainer, com as devidas proporções, como o André Rieu! Ou seja: o critério de separação entre grande arte e cultura de massa não é capaz de explicar os sucessos vulgares presentes tanto na grande arte como na cultura de massa, então como será capaz de condená-los com base apenas nessa separação? Por isso, ao invés dessa separação, outro critério pareceria mais óbvio: o da cultura da performance. Tanto André Rieu como Lang Lang sabem fazer o que o público quer ver, e contra isso não há refúgio, pois se trata de um processo aleatório que o próprio meio da grande arte – ainda que se arrogue possuir defensores com critérios objetivos – não impede.
Essas são questões inquietantes tanto para o papel da crítica como para a nossa ideia da construção de prestígio de um artista. Mas eu gostaria de acrescentar algumas ressalvas.
Meus dois centavos
Primeiro é preciso dizer que, se a crítica tem o papel de ensinar o leitor a aplicar critérios que revelem os sentidos de uma obra-de-arte, um critério que afira valores de grande arte à parte de suas falsificações é muito útil. Nesse sentido, é um bem humanitário contar com textos como o do Martinelli, que ensinam o leitor que há critérios coerentes de se aferir o que sejam clichês, e que ao ultrapassá-los o leitor ganha uma nova dimensão de referências no mundo e uma nova capacidade discriminatória da riqueza de sentidos durante a sua audição. Por isso sim, André Rieu, além de ser um entertainer, age frequentemente como um falsificador da grande arte (especialmente quando ele próprio se anuncia como um “músico clássico”) e essa é uma lição possível e positiva – independentemente da decisão do leitor em continuar a ouvi-lo ou a gostar dele (pois há uma liberdade saudável entre o plano dos critérios e valores e o plano pessoal).
Mas e quanto a julgá-lo uma ofensa à grande arte? Seria esse arremate da crítica, como que tendo se autorizado a tomar as dores pelo encruzamento da cultura de entretenimento na grande arte, uma intolerância viciosa e academicista, tal como acusa o Leandro? Note-se que, se entertainers transitam fazendo sucesso entre todos os níveis de arte simplesmente manipulando a tal cultura da performance, então é claro que para muitas pessoas é interessante que a grande arte não seja uma grande responsabilidade, mas um entretenimento mesmo. Diante da “hipocrisia” da grande arte em abrigar um Lang Lang e diante do processo natural do seu cânone alcançar a esfera do entretenimento, qual ainda seria o sentido em se pensar em uma grande arte pura a ser defendida como uma instituição sagrada e unificada?
André Rieu e Lang Lang
Bom, existe algo que me incomoda muito no primeiro passo desse argumento: a comparação entre André Rieu e Lang Lang, com a qual muitos leitores do texto concordaram. É verdade que Lang Lang já apareceu em concertos a céu aberto em que fez muito barulho em execuções sujas e insolentes; mas essas atividades filantrópicas de gosto duvidoso foram paralelas à sua carreira de concertista. Por mais que ele possa ser questionável como intérprete, não se enganem os desavisados: ele é um músico honesto. Já o mesmo não se pode dizer com segurança sobre André Rieu, e não falo sobre formatos tradicionais ou despojados de apresentação musical, falo de música, que é o que pode nos auxiliar agora.
Mas afinal, como é possível fazer esse importante julgamento de dizer se um músico, mais do que bom ou ruim, é honesto ou não? Para responder a esta pergunta, experimentemos rapidamente aplicar a Lang Lang e a André Rieu o conceito de proposta musical e sua realização, e vejamos como ambos se saem no final.
Proposta e realização
Lang Lang senta-se ao piano tendo anunciado um programa que diz quais peças de quais compositores ele se propõe a interpretar. Ou seja: ele se propõe a interpretar as partituras que anuncia. Na relação entre a proposta e a realização da sua execução, ele pode ficar aquém da proposta caso omita a sua realização, ou além caso a exagere. Mas não há engano algum nisso, porque a sua proposta, anunciada no programa da sua execução, garante ser clara e acessível desde o início, o que serve como princípio comum para o trabalho de qualquer crítico.
André Rieu tem a apresentação de um espetáculo mais abrangente, da qual a música faz apenas parte. Mas a sua proposta musical, antes mesmo da sua realização, já passa por algumas escolhas peculiares. Ao selecionar trechos de música clássica e popular e anunciá-las como “Beethoven”, “Michael Jackson”, etc. para a execução nos arranjos da sua orquestra, ele forma um repertório que, no que diz respeito à música clássica, se projeta a “modernizar” ou “despojar” o gênero, ao mesmo tempo em que propõe reabilitar o seu suposto encanto gala-chique original para o público trazendo-o para a ambiência de gala criada no palco. Como proposta isso já é problemático, pois o fundamento tanto daquilo que é sacrificado como daquilo que é pretensamente reabilitado na música clássica é muito duvidoso: será que Beethoven (entre outros exemplos muito diversos mas de tratamento idêntico) precisa ser picotado e embalado na orquestra do Ray Conniff para se tornar moderno e despojado? E o seu encanto gala-chique será mesmo uma interpretação fundamentada?
Então vem a realização dessa proposta. O “Strauss” ou o “Ravel” anunciados passam por montagens e seleções que os descaracterizam e deixam suas obras mais curtas, a instrumentação e os ritmos são radicalmente mudados para o tom do espetáculo – ou seja, algo necessariamente mais próximo de estereótipos galantes –, e a interpretação em si, se alguém se importa em avaliar, é interessadamente afetada e insistentemente valsesca.
Desonestidade
Bom, toda essa realização musical poderia ser uma escolha consciente e por isso coerente, a qual poderíamos criticar mas não condenar. Mas é aí que entra o dado da proposta: a realização dessa proposta coloca em prática uma intervenção radical demais sobre o repertório anunciado. Por que radical DEMAIS? Porque a imagem dada pela proposta de “modernizar” ou “despojar” a música clássica reabilitando o seu encanto gala-chique passa, na realização, por uma adulteração do material selecionado, e aí vêm as consequências: anunciar esses arranjos como “Beethoven” e se dizer um democratizador da “música clássica” sujeita o ouvinte exposto a essa proposta a acreditar que está ouvindo Beethoven e música clássica mesmo (e não é por menos). Depois a imagem da proposta vai além da apresentação, pois o sucesso sustentado pela indústria cultural garante a publicidade do artista, e a ópera e a música de concerto representadas à mão pela realização dessas figuras em evidência passam a ser difundidas por clichês descaracterizadores, ou seja, por coisas que elas simplesmente não são (basta ver de longe a presença massiva do artista em estantes de CD de música clássica em qualquer loja).
“Ilude quem pode e se engana quem quer” não é algo muito ético, mas então o que fazer, vamos prender o André Rieu por ser desonesto, por ter uma proposta musical ruim e uma realização enganosa?! Calma, a questão é: André Rieu e Lang Lang são muito diferentes, porque André Rieu é um artista com sérios problemas naquilo que representa como proposta e como realização musical – não à toa é sua desonestidade musical que inspira a frequente acusação da sua desonestidade comercial –, enquanto o Lang Lang, por mais criticável, não adultera o paradigma daquilo pelo que ele se passa.
Crítica nele
E é por essa diferença entre os dois que, na minha opinião, sim: a crítica faz bem em ensinar a separar grande arte de cultura de massa, com o que o Leandro concorda, mas ela também está autorizada a revelar e a julgar a desonestidade dessas falsificações musicais, porque a descaracterização do repertório original por elas emprestado é uma realidade, e isso nem sempre tem ficado claro por aí, no que a crítica colabora quando oferece ao leitor ferramentas para essa aferição. Não se trata, afinal, de algo julgado simplesmente como “ruim” e que a crítica, em uma exacerbação ranzinza e academicista, se dá ao direito de proscrever da esfera da grande arte, mas sim de algo julgado como “desonesto” mesmo, e que está sendo devidamente situado em um campo muitas vezes pouco esclarecido para as pessoas.
No mais que diz respeito à cultura de entretenimento, fica claro que não é que o entretenimento esteja sendo proibido pela crítica de emprestar suas referências da grande arte – as pessoas podem “se divertir” com a grande arte o quanto quiserem, o alcance da crítica ainda se restringe apenas a ensinar critérios a quem se interesse por eles, independentemente da conduta pessoal dos leitores. A celeuma se dá nos casos que abrigam um ponto verdadeiramente crítico no encontro entre grande arte e entretenimento, como o caso do André Rieu, e que para a crítica pode ser uma demanda para o seu tipo de esclarecimento (e sim, muitas vezes para o seu tipo de “expiação” também quando se trata, como neste caso, de desonestidade). Enquanto isso, propostas mistas ou francamente de entretenimento são plenamente possíveis de serem feitas de maneira honesta com a grande arte: a incorporação de coreografia e mesmo de ambientações e acústicas alegóricas no DVD do Yo-Yo Ma das suítes para cello solo de Bach é uma proposta clara e honesta, o empréstimo dos Punch Brothers de repertório clássico para ocasiões e instrumentos populares também, etc. Para se ver como o problema não está simplesmente no encontro entre grande arte e entretenimento em si.
* * *
Portanto, a crítica acusar e julgar os prejuízos da desonestidade de uma falsificação da grande arte, usando-se da separação de grande arte e de cultura de entretenimento, não significa um totalitarismo com a presença da grande arte em meios de entretenimento nem uma doutrinação, porque a crítica não funciona assim. Significa apenas a contextualização que agradecemos ser possível demonstrar (e que no caso do André Rieu, com uma proposta e uma realização musicais pouco claras, pode mesmo ser esclarecedora para muitas pessoas).
A entidade da grande arte
Mas já que estamos aqui, teve outra coisa que também me incomodou. Digamos que Lang Lang fosse mesmo, como diz o Leandro, um exclusivo entertainer da música clássica recebendo diplomas e contratos com gravadoras sérias: isso significaria que a grande arte ou os críticos que atuam em defesa de uma aferição madura dos seus valores são ingênuos, hipócritas ou idealistas? Não! Significaria que o tal entertainer estaria sendo acolhido por lugares cujos critérios para essa aferição de valores da grande arte, a qual eles representassem, estariam mal adequados – daí até mesmo a necessidade ainda maior do crítico disponibilizar os critérios que ajudem os interessados em explorar as qualidades da grande arte com maior profundidade. Até porque esse entertainer jamais deixaria de ser passível de crítica apenas por ser um pianista clássico e não um André Rieu! Não teria sido a crítica distraída com André Rieu que teria levado Lang Lang aos espaços insuspeitos da própria grande arte, e sim apenas a falta da crítica a ele. É por isso que a ironia não fecha: Lang Lang só seria, como o Leandro chega a sugerir, a verdadeira “ameaça” dentro da grande arte se fosse um mero entertainer desonesto. Não sendo, ele é apenas no máximo um pianista menos sofisticado, o que é passível de crítica pura e simples.
Obrigado, Leonardo, pela clareza do texto, e pelo correto enquadramento do André Rien. Bem como em rejeitar o “totalitarismo com a presença da grande arte em meios de entretenimento” e a ‘doutrinação”.
Abraços,
Pádua
Na mosca, o seu texto, Leonardo! Acredito que você conseguiu conciliar muito bem a poderosa crítica do Martinelli ao Rieu com as justas reservas aventadas pelo Leandro através dessa oportuníssima distinção entre cultura de massa e cultura de performance.
Abraços!
Leonardo,
Se for para chutar o pau da barraca, vale a citação de Stravinsky -” Se comparado a Berg e Webern, todas as carreiras de regentes, pianistas e violinistas são excrescências vãs.” Infelizmente “a ameaça à grande arte” já alcançou nossa própria crítica, o interesse do Leonardo Martinelli por Andre Rieu é um sinal preocupante. Eu leio a Revista Concerto e acho engraçado o podcast da revista, mas raramente discute-se música por lá. Tudo basicamente são fofocas, interpretações, briga de AxB,… Não é culpa da revista, acho que vivemos uma época muito pouco surpreendente nas artes. Por isso falar sobre o novo virtuosi do momento passou a ser algo mais importante do que discutir a música que se faz hoje em dia. Stravinsky já nos alertava.
Andre Rieu é adorado em todo mundo, mesmo na Holanda ou Viena, os espetáculos são disputados. Alguma coisa ele tem. Eu já vi parte de um concerto dele na Holanda e fiquei encantado com a interação dele com o público. Ele basicamente toca valsinhas e coisas populares (funiculi funiculá,…. Não vi nada de uma transcrição da sinfonia de Beethoven ou a uma sinfonia de Brahms para rabeca. Não tem melhor presente que levar sua vovó para um concerto dele.
Lang Lang é um músico sério, apesar de não parecer. Eu gostei da interpretação dele da appassionata de Beethoven e a sonata n.7 de Prokofiev no DVD “Lang Lang in Vienna”. Não está entre meus favoritos, mas está acima da média. Ele sabe que tem muito que aprender, há um ótimo vídeo dele tomando aula com Barenboim(http://www.youtube.com/watch?v=Yslruo1WgEY).
Bosco,
Vendo as reações ao texto do Martinelli eu acho que, por incrível que pareça, ele tocou em uma função crítica urgente, porque muitas pessoas ficaram indignadas, defendendo o Rieu e resistindo a essa distinção entre fazer música respeitando os seus princípios e fazer dela arranjos para toque de celular com ritmo de mambo cubano. Existe uma confusão real e que é mesmo favorecida pelo Rieu, que fala em massificar a música clássica e anuncia as adaptações pelo nome das composições descaradamente. Isso é muito criticável nesse nível da proposta, porque é enganoso e tem efeito tanto entre os ouvintes dele como entre todas as pessoas atingidas por essa imagem – inclusive as que nem chegam perto por achá-lo brega, mas que acabam tomando-o logo por música clássica mesmo! E essa história de massificação da “música clássica” é golpe baixo: como foi dito no último podcast da Revista Concerto, os ingressos são caríssimos e ele não tem qualquer iniciativa social que justifique essa tal “massificação”, cujo efeito é visível no que o Martinelli chama de criação de um circuito fechado de público.
Sobre os podcasts e a Revista Concerto serem muito divertidos mas falarem pouco de música, eu concordo, e esse é um problema geral que, não por acaso, nós aqui colocamos como objetivo fundamental do blog.
O André Rieu tem um arranjo da Ode à Alegria do Beethoven e tudo ganha um ritmozinho de bateria, muitas cordas e trompetes. Em CD é pior: tudo ganha um arranjo de sintetizadores, um ritmozinho embalante. E concordo sobre o Lang Lang, ele é um músico sério que manchou um pouco a carreira com participações em shows do Andrea Boccelli e idiossincrasias virtuosísticas em algumas primeiras aparições e gravações, mas há tempos ele tomou jeito e também achei legal ele ter participado dessa masterclass com o Barenboim.
Ah, sobre a interação do André Rieu com o público, é claro que o sucesso dele é verdadeiro, etc., mas achei curioso reparar em um vídeo como é evidente que tem gente implantada no público, pra dançar conforme os ritmos e se animar e não deixar as outras pessoas constrangidas, hahah. Foi neste aqui: http://www.youtube.com/watch?v=octrJ5dpZwg. “Brasil Symphony” com “La Bamba” mexicana, pois é…
penso que na relação de ‘adúlteros’
– no sentindo musical logicamente –
poderiam ser citadas também :
as meninas do grupo ‘bond’
e a vanessa-mae …
o que nos coloca no caminho de outro dilema que ultrapassa os limites da licença para transcrições , alteração de ritmos e afins , tocando a questão da exploração indiscriminada da sensualidade e da mística figura feminina . :/
meu vivaldizin :
http://www.youtube.com/watch?v=Tgb0jK143MI&feature=fvwrel
um musiquinha aê :
http://www.youtube.com/watch?v=j3nBuwOPu8A&feature=relmfu
:c
hahah!, mas nesses casos pelo menos o contexto é bem mais claro, o que não os torna propaganda enganosa.
E a “musiquinha aê” é uma versão muito esquisita do primeiro movimento da Sinfonia 40 do Mozart, haha.
Leo,
Se eu for para Viena e gritar em praça pública – “Andre Rieu é uma porcaria” – não tenha dúvida que serei linchado. Mexer com músico popular sempre é perigo, em qualquer lugar.
Sobre a manipulação de temas clássicos, eu tenho opinião parecida com Mozart do filme Amadeus. Ele se divertia com o grupo de mambembes escrachando sua ópera Don Giovanni. Só Constaze Mozart ficou indignada. No século XIX, o Andre Rieu da época era o homem que operava o realejo. Eu vi um realejo enorme em Eindhoven, tocando coisas populares, infelizmente poucos clássicos.
Não querendo ser do contra ou fazer tipo, mas gostaria de ver mais “clássicos” num concerto popular como Andre Rieu. Um ode à alegria ou tchan, tchan, tchan, TCHAN não valem. Na verdade gosto de ver humoristas fazendo coisas engraçadas com música clássica, em especial Dudley Moore tirando sarro de Beethoven (http://www.youtube.com/watch?v=GazlqD4mLvw). Victor Borge também foi muito bom comediante (http://www.youtube.com/watch?v=1-ykT8a31AE&feature=related). Acho que esses músicos estão longe de ameaçar a grande arte, pelo contrário.
E esse “Brasil Symphony”?!! Engraçado demais :)
Bosco,
Mas e quando a reação popular é, em peso, a de que André Rieu só é criticado por fazer música clássica além do aceitável por críticos ultrapassados? No podcast da Revista Concerto mencionaram que não é improvável supor que, por essa ambivalência explorada por ele, alguém já tenha se perguntado por que a OSESP não o chama pra algum concerto ou coisa parecida. É um tipo de reação meio alarmista, mas não deixou de evidenciar o absurdo.
Eu também gosto muito de humor em música clássica (tanto em cultura de entretenimento quanto na própria música clássica, claro). E quanto a empréstimos da música clássica feitos pela música popular, embora eu possa reagir à sua qualidade, também não os considero possibilidades desonestas. Já com o André Rieu – pelas apresentações, pelos créditos das gravações, pelas estantes de CD que ele ocupa e, principalmente, por suas declarações – eu acho que há claramente uma pseudice exploradora. O imaginário de gala é a fonte do seu pretenso encanto e ele o manipula radicalmente mesmo, com real efeito sobre a imagem que representa quando anuncia uma grande arte pelo nome. Se essa ambivalência fosse limpa e tivesse um contexto mais claro, ele seria apenas um músico brega e nós não precisaríamos dizer que, além de ruim, ele é desonesto. Mas aqui o assunto ganha uma complexidade na prática.
Como eu mencionei nos exemplos de cultura de entretenimento e grande arte, é claro que dá pra fazer coisas boas (o Dudley Moore é genial!), podemos superar esse reacionarismo artificial. Mas como crítica talvez seja possível mapear a aplicação de critérios nesses casos levando em conta que, nessa intersecção, pode haver coisas honestas e boas, coisas honestas e ruins, e coisas desonestas e, fatalmente, bem ruins.
Caro xará Leonardo,
Muito interessante e importante seu artigo. Já o estou recomendando para aqueles que se interessam sobre essas questões em meu perfil no Facebook.
Abs!
Duas coisas rápidas:
. Revista Concerto e a imprensa musical no Brasil, em geral: voltada pra dentro, não pra fora. O que significa que são feitas pra músicos e não pra ouvintes.
. André Rieu: nada contra ele existir ou gostarem dele. Tudo contra as pessoas acharem, por confusão, que o que ele faz é “música clássica”. Se o público o considerasse “astro internacional do heavy metal”, os fãs do gênero ficariam tão brabos quanto eu fico pelo Rieu ser visto como “clássico”.
Há muitos e muitos anos, fui apresentado a uma pessoa e, não me lembro por qual motivo, no curto papo meu interlocutor disse a ela que eu gostava de música clássica. Ela disse: “ah, legal, eu também gosto muito de Charlotte Church!”. Eu respondi que não, peraí, meu negócio é “música clássica hardcore”. Ela não entendeu e riu. Achou que fosse piada.
Taí, Leonardos, uma boa definição: música clássica hardcore, à prova de André Rieu.
Adriano,
É isto. E seria possível se perguntar se há como querer se preocupar com o que as pessoas pensam ou tomam como música clássica por aí. Em um nível pessoal isso seria apenas frustrante, mas em um segundo nível de quem elabora uma crítica o caso do Rieu é especial: me parece que ele próprio explora essa imagem da música clássica, escondendo-se por trás de uma suposta massificação do gênero que apenas os ultrapassados condenariam. Acho que essa sobra dele próprio contribuir pra uma imagem falsificada da música clássica é um dado oportuno pra reação de uma crítica que pense sobre o gênero, identificação de clichês, alta cultura, etc. De resto, a sua própria breguice não seria impassível de crítica a quem se importasse em apontá-la, mas é a desonestidade que extrapola a questão pra essas considerações de gênero musical.
Música clássica hardcore: esse é o espírito! (o que me lembra que tenho que terminar logo aquela série de música clássica e porrada. :)).
Complementando… :)
Ouvi rapidinho o podcast da Concerto sobre o Rieu. Muito divertido, gostei, valeu. (Fazia algum tempo que não ouvia o podcast, até porque o atraso nos salários da orquestra X ou a montagem da ópera Y no tempo passado e na cidade longe não são assuntos que me atraem.)
Mãns…
… reparei que os termos “meio musical” e “profissionais da área” foram ditos algumas vezes. Não escutei nenhuma vez o termo “ouvinte”.
Vou mandar fabricar uma camisa (de força, quem sabe) com os seguintes dizeres:
“OUVINTE, PORRA!”
Esse post é muito interessante…..
Eu fico surpreso ao ver que a verdadeira música clássica que conhecemos está sendo banalizada, por pessoas que, só por que sabem tocar um pouquinho, pensam que podem fazer o que fazem.
Nem tudo que reluz é ouro…
:)
Parabéns pelo post
Ainda penso que estamos usando dinamite para quebrar uma casca de noz. Nossa artilharia deveria ser apontada em outra direção, que todos nós já sabemos. Neste alvo não vemos danos ou polêmicas aparentes, mas há sim. O trabalho que vocês fazem neste site e a própria revista concerto causam sim abalos na ignorância. E no Brasil, essa missão é só pra machos.
Caros, o Sr. André Rieu e sua turma claramente não pertencem ao nosso mundo musical… Logo, não desperdicemos nossos preciosos tempo e energia com isso. Se sabemos que aquilo não é o que diz ser, vamos nos concentrar no que temos certeza que é, e que fica num território muitíssimo bem delimitado, conhecido e consagrado. Quem inicialmente achar que pensou ter ouvido Beethoven com André Rieu, logo e facilmente encontrará inúmeros vídeos e áudios com o verdadeiro Beethoven no YouTube que corrigirão sua primeira impressão. Podemos dizer que, de forma geral, hoje se engana quem quer, porque informação é o que não falta… Quem pode pagar R$ 140 num ingresso para André Rieu, com certeza, tem condições de acesso à Internet para ler, ver e ouvir material de qualidade sobre Beethoven. Da mesma forma, há críticas e críticas disponíveis gratuitamente para leitura e informação. Tem muito lixo, mas tem gente séria também. Abraços!
Excelente!!!! Tenho pena das passoas jovens
que desconhecem a verdadeira musica interpretada por musicos verdadeiros . Ai que mora o perigo : a falta de educacao em geral!!!
A Música é um oceano, imenso e generoso, com profundezas abissais pra quem quiser mergulhar de verdade, mas também com águas rasas e quentinhas pra quem só quiser chapinhar ao sol. E, é claro, com todas as profundidades intermediárias tb. Abs.
Heheh. Fred e Bosco,
O mais foi a discussão ter de fato se instalado na mídia, primeiro, pela vinda do sujeito e a projeção de alguém que se diz fazer um trabalho de despojamento legítimo com o que chama de música clássica pelo nome e tudo, e depois essas questões mais pertinentes que surgiram a partir do texto do Leandro Oliveira sobre a perspectiva da grande arte tomada pela crítica diante de produtos da cultura de entretenimento, e o quanto ela seria coerente ou o quanto não trairia exemplos de figuras atuando dentro da própria grande arte. Como foi algo que teve imensa repercussão e dizia respeito ao papel da crítica e à construção do prestígio do artista tanto clássico com popular depois do texto do Leandro, achei que era digno tentar contribuir ao tema (e talvez mesmo aos que repudiem André Rieu e/ou Lang Lang seja importante ao menos saber o porquê e quais os critérios envolvidos nisso). Mas agora está aí a foto do André Rieu estampando a página inicial de Euterpe, o que deve neurotizar os autores a escreverem novos posts que o joguem pras páginas de trás. :)
Abraços!
Leonardo este seu último comentário é esperançoso, confio que logo esta “matéria” será enviada para o limbo do Blog.
Hehe.
Pois bem, deixando um pouco a minha insolência de lado devo dizer o seguinte, antes de tudo os termos “Massa(s)” e “Indústria Cultural” são difundidos respectivamente por Jose Ortega y Gasset e Theodor Adorno. No que se refere a Adorno é preciso antes fazer um esclarecimento: Ele cita várias distinções entre Música popular e a Indústria Cultural, uma delas é que a Indústria Cultural se apropria, ou melhor, travesti-se de Música popular – como, por exemplo, usa uma estrutura musical similar com a da música popular- para gerar uma sensação de conforto, familiaridade com o público etc. Porquanto devemos logo de cara concluir os cidadãos citados são em sua grande parte não pertencem nem a Música popular, e muito menos ao gênero de música que leva o nome do honroso Blog.
Da metade do Séc.XX em diante creio que o que comumente chamávamos de música popular perdeu seu sentido – não que esta perda de sentido não fosse já evidente, mas nesta época em diante ficou bem mais acentuado – e passou a designar qualquer coisa que agrade ao “povo”, e isso é fácil de perceber, pois pegando qualquer dicionário de língua portuguesa atual, podemos verificar que “popular” tem com uma de suas acepções algo que seja simpático ao povo, agradável ao povo etc.
Finalizando, esta postagem veio em alguns pontos reavivar certas discussões como, por exemplo:
É realmente preciso deturpar, mutilar a música clássica para manter um discurso no mínimo fascista de “democratização”, “massificação” (Este último é o mais doentio de todos) da música?
E o público, será que estas condutas por parte dos ouvintes não mostra que eles realmente não querem e não estão nem um pouco interessado na música clássica, por terem nascido e serem criados na base da preguiça musical, ignorância musical etc.?
Penso eu que estamos retrocedendo a aquele antigo pensamento de muitos compositores de Ópera, qual seja, adular e ser complacente com os gostos do público, fazendo com que a arte se curve perante o relativismo, a liberdade, a igualdade e a fraternidade moderna/pós-moderna.
Diego,
Tem razão: a base dessa própria leitura de cultura de massa e indústria cultural situa uma cultura e uma música popular em outro patamar, que era basicamente aquilo que o povo tinha antes do advento da cultura de massa. E uma das consequências desse advento é entendida como a transposição dessa cultura por uma que é derivativa, honestamente uma cópia mal feita da primeira, e que em termos de influência, inspiração, ou qualquer coisa é simplesmente inútil, de um nível fraco e baixo pra ter o maior apelo possível.
Lembro de ter visto nos comentários ao texto do Leandro certo entusiasmo que dizia: “Puxa, pensando bem, aquilo que o texto do Martinelli diz se aplicaria não só ao Lang Lang como entertainer, mas também a músicos populares!”, ou seja, aí vira uma confusão mesmo.
Caro Leonardo,
confesso que fui ficando tenso conforme lia seu texto, vendo que o paralelo entre Rieu e Lang Lang estava sendo usado no desenvolvimento das idéias. Foi com grande alívio que li, mais à frente, suas palavras esclarecendo que esse paralelo não é pode ser feito. De fato, não pode. Por mais que Lang Lang não seja meu ideal de pianista, e por mais que ele tenha tido sua fase caricata, não se pode negar que seja um grande intérprete, realmente honesto e plenamente capaz de fazer bem o que faz. Rieu já é outra história.
Ele soube se apoderar de um filão consumista, repleto de pessoas ávidas por sentirem-se “refinadas” artisticamente. Quando vêem seus shows, sentem-se ouvindo e “entendendo” uma música que combina com o glamour das belas violinistas e cantoras com vestidos de princesa. Mas como os vestidos, e como o glamour, é uma música construída, artificial, propositadamente empobrecida para que seja facilmente assimilável pelos ouvidos despretensiosos. Em certa medida, é exatamente o que fazem os musicais Broadway/Disney, que apresentam pessoas belas, efeitos visuais, e uma música absolutamente duvidosa, para não dizermos péssima mesmo.
Lembro de minha mãe um dia querendo me fazer assistir a um DVD do Rieu que apareceu em casa. Com o máximo de jeitinho que pude expliquei que não dava, que aquela música era péssima, que o show era brega e pedante. No fim, a única coisa que lhe restou me dizer foi: “Ah, mas pelo menos a gente fica vendo as imagens dos castelos…”. Pois é, as imagens de castelos e palácios, que usam em sobreposições com as imagens do show, funcionam como mais um argumento para convencer os incautos de que eles estão a apreciar um espetáculo finíssimo e glamouroso. Doce ilusão…
Conheço uma das cantoras que trabalha com ele, uma verdadeira bela voz e bela mulher, filha de uma grande professora de canto do Pará. Essa moça canta muito bem, já vi de perto, mas está construindo fama e fortuna trabalhando com o Rieu. Não sei se podemos recriminá-la, se não faríamos o mesmo. Mas… também não podemos negar que toda essa indústria só faz um grande desfavor à música, essa música que é tão sagrada pra todos por aqui.
Leonardo, parabéns por mais um ótimo, elucidativo e muito bem escrito texto, d’aprés um texto também muito bom do meu outro amigo Leonardo, o Martinelli (o qual chamamos intimamente por um apelido curioso, o qual não revelarei aqui…rsrs).
Abraços!
Ticiano,
Agradeço seu comentário! Vale constar que esses exemplos de mães e avós são muito comuns pra amolecer o coração de quem quer que tenha se dado ao trabalho de criticar o que o Rieu faz, pois afinal: que mal tem a sua música, se faz tantas pessoas felizes?! E acho que pra isso vale o que eu mencionei no texto: a crítica oferece critérios de valor pra quem se interessar em explorá-los na arte, o lado pessoal não lhe diz respeito. Embora ainda reste dizer, por esse saldo mais descaradamente negativo da cretinice do Rieu, que qualquer coisa bonita porém pelo menos mais honesta também faria essas mães e avós felizes, hehe.
Sobre o xará Martinelli, no podcast bem que eu ouvi os colegas dele o chamando de algum apelido que eu não tenho certeza se entendi! hehehe.
André Rieu é um picareta.
Gente, essa abaixo de hoje no portal G1 foi repugnante! Parabéns ao jornalista Cauê Muraro pelo desserviço à música clássica!
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CHAMADA NA PÁGINA INICIAL DO G1:
música clássica
André Rieu diz se sentir ‘pop star’ erudito
Violinista e maestro fará 22 shows em SP.
MATÉRIA:
28/05/2012 19h05 – Atualizado em 28/05/2012 19h21
Músico erudito, André Rieu diz se sentir ‘exatamente’ como pop star
Violinista holandês começa, nesta terça, turnê de 22 shows em São Paulo.
Com sua orquestra, ele tocou ‘Ai se eu te pego’ no ‘Domingão do Faustão’.
Cauê Muraro Do G1, em São Paulo
“Exatamente.” Essa foi a resposta do violinista e maestro André Rieu à última pergunta – “Você se sente um pop star da música clássica?” – de sua entrevista coletiva concedida num hotel de São Paulo na tarde desta segunda-feira (28). É véspera da abertura de uma turnê que prevê nada menos que 22 apresentações, todas no Ginásio do Ibirapuera e a última em 13 de julho. São 8 mil ingressos por noite.
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Se tiverem mais estômago, vejam o restante aqui:
http://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2012/05/musico-erudito-andre-rieu-diz-se-sentir-exatamente-como-pop-estar.html
Existem muitas características que podem estar no intermédio estético entre Grande Arte e música popular, o que torna difícil a sua discussão. Mas a verdade é que uma pessoa que viva para agradar não se lhe deve ser reconhecido mérito. Ainda por cima André Rieu que não se importa com as intenções do compositor apenas para dar prazer ao público. É um grande desrespeito fazê-lo. Existem muitos argumentos para destruir o André Rieu. Mas o que poderemos fazer?
Creio que muitas das pessoas que visitam e comentam este blogue sentem o mesmo que eu. Uma profunda injustiça face à opinião pública sobre a Música Erudita. E cada vez mais, acredito que uma massificação da Música Erudita é algo utópico e destrutivo. E penso nisto com alguma arrogância e superioridade ao achar a maior parte das pessoas estúpidas e idiotas.
Já não há a desculpa do elitismo da Música Erudita. Até porque, por exemplo, aqui em Portugal ir à Casa da Música, uma das casas de concertos mais conceituadas da Europa e viradas também para a Música Contemporânea, pode custar 8€ por pessoa e enche poucos lugares. Enquanto ir ao Rock in Rio Lisboa custa cerca de 80€ e enche com cerca de cem mil pessoas. Ainda dizem que está crise…
Mas também não posso estar a dizer muito mais porque toda a gente sabe, poucos se preocupam e ninguém faz nada. Vivemos numa sociedade vil, tal como as outras foram e tal como as do futuro serão.
O meu desejo é que cessem de reproduzir os sons estúpidos da música popular pelas ruas que me irritam e enojam. Eu vivo no Mundo, tenho direito a ter esse respeito! Lutemos então por isso!!!
Fred,
Vê só? O sujeito pede esse assunto todo, heheh.
Luís,
Essa não é uma empreitada contra a música popular ou contra quem não gosta ou é incapaz de ouvir música clássica, já mencionei em outro post o quanto este sentimento nos torna totalitários e doutrinadores de maneira frustrante. Neste caso a empreitada foi no uso do critério que separa grande arte à parte da cultura de massa para a crítica condenar um falsificador como o André Rieu. Fosse ele honesto e eu não teria nenhuma ressalva sequer quanto às avozinhas o ouvirem, senão a ressalva de um critério de valor – o fato dele fazer algo brega, digamos – caso algum dia fosse pertinente. Mas assim como ninguém no mundo gosta automaticamente sequer de tudo aquilo que considera bom (eu posso considerar a engenharia mecânica um assunto digno de interesse, belo, rico e inteligente e não ter eu mesmo qualquer interesse por ele), ninguém precisa gostar de música clássica. E no mesmo nível pessoal isso também vale pra várias coisas inferiores. A resignação, portanto, diante desse algo natural que na vida e na prática não pede por essa hierarquia artificial e acachapante é a solução pra essa nossa possível arrogância.
O Leandro Oliveira escreveu um novo post na Dicta&Contradicta sobre este assunto: http://www.dicta.com.br/em-busca-de-moliere/. Já aparece um comentário meu abaixo. :P
E como voces veriam musicos como Liszt, Paganini, Philips Glass (exibicionistas?), compositores como Goreki, Carl Orff, Saint Saens (compositores fracos, ingenuos, espertos?)…nossa, que ódio que eu tenho desse tal de Rieu.
Excelente texto, Leonardo. Tenho um blog de menor impacto, direcionado aos meus alunos (ensino médio) e tentarei discutir de modo mais simples e resumido as distinções que você propôs.
As you all are very refined people, I will write in English just to be as refined as you.
I am an Art teacher, and I come from a family of musicians. My mother plays piano, my Grandfather played violin, my aunt played in Osesp. I grew up listening to classic music and other genres as well as going to concerts very often. So I think I have some background to write here and to tell you sirs that you all are a bunch of pompous, arrogant, nazi-like, small minded people.
Como são arrogantes suas colocações sobre “grande arte” e a cultura popular! O sr. Luis em seu comentário de 29/05 só faltou dizer que também gostaria de ver as pessoas comuns (pois ele pelo jeito é elite) eliminadas, ou segregadas. O sr é um nazista disfarçado de intelectual.
Sim, a música de André Rieu é popular, pop, fácil de assimilar, é um show e não apresentação clássica! Proposta que André Rieu nunca afirmou serem seus shows.. mas vocês pelo jeito só se alimentam de caviar e champagne, não comem feijoada com cerveja. Música Erudita é bom, mas não é a única forma de se apreciar música. O artista tem liberdade de criar, de inovar e também de popularizar. Se todos pensassem como vocês, Van Gogh e os Impressionistas nunca teriam sido conhecidos! A Pintura ainda estaria no classissimo, Picasso teria sido um fracasso. Instrumentos como piano e violino nunca teriam sido usados em outros gêneros musicais e a Broadway não existiria, assim como Fred Astaire, Frank Sinatra e por aí vai. Por que é “popular” não é bom? Também reparei que somente homens escreveram nesse blog. Por aí percebe-se que vocês não conhecem absolutamente nada da alma feminina, romântica por natureza.
Cavalheiros, por favor, get a life for real, venham para o mundo real. Quem sabe assim você param de vomitar essa baboseira pseudo intelectual esnobe contra o popular.
Quem vos fala é uma pessoa também intelectual, mas com os pés bem plantados nesse mundo e com a mente bem aberta para as diferenças existentes entre todos nós.
Ps. Parabéns ao comentário do sr. F. S. Monteiro, o único nesse fórum que percebe que o mundo é feito de várias “profundezas” e que todas são aceitáveis. Afinal o seria do branco se não fosse o vermelho?
Valeria,
O seu comentário foi tão falacioso, tão ofensivo e tão ignorante em relação ao que foi dito que é um desafio saber por onde começar a respondê-lo, se é que da forma como ele foi escrito ele merecia uma resposta. Mas como a sua reação representa uma confusão muito comum diante da ideia do exercício de uma crítica, eu gostaria de apontar algumas coisas.
Em relação à sua maneira de conduzir a sua argumentação: Não vejo qual a relação entre escrever em inglês para se provar refinada (?!), acho que em latim, a propósito, o nome disso seria “non sequitur”. Ao mesmo tempo, imaginar que o seu comentário se torna mais ou menos válido em função da sua própria refinação é apostar em uma suposta “autoridade” que não prova nada do que você propriamente diz. Arrogar-se a prerrogativa para vir nos chamar de um bando de gente pomposa, arrogante, nazista e de mente pequena, como se esse ataque descaradamente voltado para o plano pessoal pudesse influenciar em alguma medida o plano das ideias que você pretende criticar, me parece um ataque histérico às pessoas, e não às ideias. Dizer que a consequência de uma crítica será logo o desejo de eliminar as pessoas que pensem o contrário dela, chamando isso mais de uma vez de “nazismo”, me parece uma bola de neve maliciosa, além de confirmar a Lei de Godwin. Pressupor que alguém aqui defendeu a exclusividade da música clássica contra a música ou a cultura popular é combater um espantalho, porque NINGUÉM sequer insinuou isso. Imaginar que alguém só pode criticar o André Rieu porque é elitista – ou, nas suas palavras, porque não come feijão com cerveja -, ao invés de imaginar que ele pode ser criticado pelo que oferece por si próprio, é uma falácia genética que não diz nada sobre o André Rieu em si ou os termos da crítica feita a ele. Comparar propostas retrógradas de crossover com Van Gogh e inovações artísticas é uma comparação inconsistente. E se queixar da ausência de mulheres comentando neste post específico para nos acusar de não conhecer a alma feminina é uma conclusão não apenas falsa como irrelevante e patética.
Em relação aos fatos que você pressupõe: Como eu enfatizei no texto, que eu não sei se você chegou a ler, criticar um objeto artístico não significa julgar as pessoas que gostam dele, significa apenas cotejar esse objeto com determinados valores que podem (ou não) lhe revelar algum sentido. Se André Rieu for julgado à luz do critério de uma proposta e uma realização coerentes e for considerado incoerente, como foi feito, isso não significa que é impossível gostar dele ou que é errado ouvi-lo, só significa exatamente aquilo que foi dito: que há uma incoerência entre o que é proposto e o que é realizado. Mas na sua reação emocional a essa crítica você apela para duas coisas falsas. A primeira é pegar essa incoerência entre proposta e realização do André Rieu e tentar torná-la coerente ao dar um nome pra isso, ao chamar de “liberdade”, de “inovação”, de “popularização”. O problema é que, como foi dito no final do texto, não é a “popularização” pretendida pelo Rieu o que condena a falta de coerência do que ele faz, até porque foram citados exemplos de encruzamentos da cultura popular com a grande arte que não se condenam ao mesmo tipo de incoerência. Foi com base nisso, aliás, que você se sentiu na obrigação de defender a cultura popular, como se o texto representasse uma defesa da música clássica contra a cultura popular, o que é uma interpretação escandalosamente falsa e ignorante. Depois você diz que o Rieu não se vincula à música clássica em seu show, o que não é verdade, como se pode ver na matéria citada pelo Frederico Toscano em um dos comentários, no seu site oficial e nas suas entrevistas: ele se diz uma estrela popularizadora da música clássica, ocupa as estantes de música clássica nas lojas de CDs, nas estatísticas das rádios e gravadoras, quando é claramente um crossover que empresta partes do repertório clássico para os arranjos e ritmos pop do seu grupo instrumental. A qualidade dessas adaptações em si já foi exposta pelo Martinelli, no sentido de elegerem elementos primários da fonte original e lhe darem uma proporção exagerada até o efeito da banalidade, do apelo barato a algum tipo afetado de beleza (ver definição de “kitsch”). Mas a incoerência entre afirmar ser o que não é, e afirmar fazer o que não se mostra artisticamente justificável, como foi visto neste texto, é algo apenas pra nos resignarmos.
Frise-se, mais uma vez, que não é uma resistência à inovação o que nos obriga a gostar de clichês: banalizar não é inovar nem despojar, é apenas empobrecer, diminuir os elementos em potencial de qualquer originalidade presumida, o que mostra como “inovar” na arte não é algo tão fácil, e não serve de justificativa pra que vulgaridades se tornem isentas de crítica.
Além disso, o tratamento da música clássica como uma afetação que não dá conta da totalidade da vida é mais um exemplo que tem sido discutido aqui da distância da música clássica da nossa cultura atual: opõe-se música clássica à cultura popular e francamente atacam-se os ouvintes da primeira por uma suposta arrogância, um elitismo segregador da realidade. Mas será que esse conflito precisa existir nesses termos? E será que música clássica é algo tão assepticamente apolíneo e desligado da realidade assim? Ortega y Gasset explica justamente esse ódio e essa incompreensão à erudição quando fala do “Homem Massa”, se um dia você quiser dar uma olhada.
Boa noite à todos.
Gostaria de fazer um adendo sobre a postagem:
Tomando por base uma análise adorniana da música e sua veiculação como arte, André Rieu se encaixaria, perfeitamente, não na cultura de massas, como erroneamente ele é colocado, mas sim dentro do conceito de “Indústria Cultural”.
Quando André Rieu toca repertórios diversos, retirando trechos aleatórios de grandes obras, tanto populares como eruditas, ele descaracteriza tanto a grande arte, como esvazia de significado o caráter subversivo da arte popular, juntando tudo em um saco e vendendo. Ele não é imanente ao povo, mas sim imposto para o mesmo, o que é diametralmente oposto.
A grandiloquência do show feito por André Rieu me lembra muito os programas de auditório, ou seja, o culto da distração, e nada mais. André Rieu “interage” com o público, não através da música, mas sim de fatores extra-musicais. Essa necessidade de aproximar o público através da fanfarronice, é um traço característico da alienação do público perante as obras tocadas. Quem considera os maestros sisudos, e a música erudita “séria demais”, não entende que a mesma não serve apenas como distração, ou em última instância ao prazer estético, ela transcende trazendo elementos reflexivos, o que a caracteriza como arte.
Os problemas quanto a um André Rieu é apenas a ponta do iceberg de questões que transcendem e muito o mesmo.
A perda do senso estético é uma característica dos tempos modernos, ou seja, a regressão da audição, tema trabalhado por Adorno, é presente, só não vê quem não ouve, sendo um pouco sinestésico.
Considerando a clareza irrefutável do texto do Leonardo, bem como outras considerações e mesmo esclarecimentos ao longo dos comentários – feitos por ele e por outros -, é de se pasmar que alguém supostamente “culto” venha e faça esse estardalhaço histérico.
Pessoas que começam o próprio discurso dando “carteirada”, autoelevando-se em termos de uma suposta capacidade (porque o avô tocava violino?) pra falar de algo com propriedade, e ainda considerando que escrever em inglês é sinal de qualquer superioridade, são pessoas que não merecem de fato qualquer atenção. O comentário de nossa amiga foi patético e dispensável, só mostrou que realmente ela não entendeu nada do que se disse aqui, e que ao contrário do que pensa, não imagina do que está falando.
Alguém poderia avisá-la que colocar uma plaquinha de “sábio” no pescoço do homem barbado não o transforma em sábio, por favor?
A resposta do Leonardo a ela foi mais do que um tapa na cara, foi alguém colocando diante dela um espelho, obrigando-a a ver a própria ignorância.
Parabéns uma vez mais ao Leonardo, pela clareza de pensamento, e pela paciência de lidar com essa patifaria sem usar sequer um palavrão.
Caio,
Conversei sobre isso com o Diego Michel em comentário mais acima e você está certo: na base dessa leitura de cultura de massa e indústria cultural, uma cultura e uma música popular ficariam situadas em outro patamar. Mas que cultura e música popular? Não bem a atual, e sim aquela que era basicamente o que o povo tinha antes do advento da cultura de massa, pois uma das consequências desse advento é entendida como a transposição dessa cultura popular anterior por uma que é derivativa, de baixa qualidade e feita para ter o maior apelo possível. E a sua descrição muito precisa do fenômeno do
Rieu como indústria cultural identifica bem a descrição dele como “kitsch” também: de um apelo não à emoção estética causada pela própria música (clássica), mas antes à emoção social de como é chique se emocionar com a música (clássica) (daí o reforço desproporcional de elementos já associados a certas emoções e ideias, para que o público tenha a ilusão de as estar experimentando (algo que o texto do Martinelli ajuda a identificar)).
Ticiano,
Obrigado pelo comentário. Me surpreendeu que o tema deste post nem era discutir tanto a qualidade musical do Rieu em si, algo que o Martinelli já tinha feito, mas pensar se a sua associação à música clássica (que ele mesmo reforça) tem mais a ver com os sintomas da indústria cultural ou com a tal cultura da performance de que Leandro Oliveira falava. Mas essa reação de “arrogância” diante de uma crítica e de segregar a erudição como mero “apêndice” da vida é bastante comum e podemos tentar explorá-la mais pra frente também.
Abraços!
Primeiramente, gostaria de agradecer por terem postado o meu comentário. Realmente pensei que vocês não iriam publicá-lo.
Em segundo lugar, meu post ou minha “carteirada” não foi dirigida ao texto do Leonardo, que é ótimo, mesmo que eu não concorde com tudo que lá está. Estou escrevendo um email mais detalhado (e mais racional), que irei enviar diretamente ao Leonardo e esperar suas apreciações, se ele resolver ler e tentar entender meu ponto de vista.
Foi dirigida aos srs. Luis, Ticiano, Bosco (embora ele tenha feito colocações interessantes em outros comentários), Frederico, até mesmo a alguns comentários feitos pelo próprio Leonardo. Não tudo que vocês comentaram, mas sim certas partes de seus comentários, que foram sim, arrogantes, elitistas e ofensivos.
Se ofendi, é porque me senti ofendida pelos comentários. Se não quiserem ouvir o que não gostam, não façam um blog público. Se querem democracia, tem que aceitar opiniões de todos os setores da sociedade.
Terceiro, graças a Deus, como sou mulher, nunca terei barba e nunca pendurei nem pendurarei uma plaquinha de Sábia no meu pescoço, pois além de não gostar de badulaques no meu pescoço, nunca me rotulei de sábia, pois tenho consciência de que estou diariamente aprendendo, com todos e com tudo ao meu redor. Talvez o sr. Ticiano tenha que aprender isso também.
Por ultimo, li os currículos dos resenhistas desse blog e creio que, ter tido um avô que tocava violino, uma mãe que toca piano até hoje (76 anos), um pai amante de música clássica, uma tia que tocou violoncelo 30 anos na Osesp, além de eu ser arte educadora e pedagoga, e ser apreciadora de música clássica, literatura, filosofia e artes, se não me coloca no mesmo patamar dos srs. deuses do Olimpo, mas dá um pouquinho de base para saber exatamente do que se trata o texto.
Quanto a lei de Godwin, não creio ser esse o meu caso. Minha família foi perseguida durante a guerra, exatamente devido a intolerência de certos segmentos da sociedade.
Obrigada pela atenção e abraços.
Ps. continuarei a seguir os posts nesse blog, os outros textos que eu li são também muito interessantes.
Valeria
Valeria,
Entendo a sua motivação em defender a tolerância e em reagir ao que lhe pareceu qualquer injustiça contra a cultura popular, e por isso a sua queixa fica registrada. Mas quero lembrar, agora de maneira definitiva, primeiro que ninguém aqui denegriu a cultura popular, e se o tema da indústria cultural não lhe interessa não é justo que, por conta disso, você o acuse de pedante. E segundo que todo o seu comentário tem apenas insistido em lembrar a suposta “arrogância” do que tem sido escrito, mas vamos lembrar aqui a prioridade do espaço dos comentários: discutir ideias, não pessoas. Reclamar de arrogância começa a se tornar insignificante quando não se acrescenta nada além disso, porque só se presta a dizer que o que uma pessoa falou denotou um sentimento de superioridade (?!?!?!?!). Mas será mesmo que devemos julgar uma opinião criticando o suposto sentimento de quem a emitiu, ou criticando os argumentos que ela utilizou? Como esperamos que aqui apenas os argumentos sejam discutidos, quero pedir a colaboração dos colegas e dizer que novos comentários *só serão aceitos* se lidarem com os termos da discussão inaugurada pelo post, e não com o caráter ou o sentimento das pessoas envolvidas – notem que agir dessa maneira é a melhor resposta até mesmo contra supostas pessoas arrogantes, pois você mostra exatamente onde está o defeito de uma opinião supostamente emitida com arrogância.
De resto, obviamente que os “currículos” dos autores do site não querem provar nada senão uma curiosidade a quem se interessar, e a propriedade ou não do que cada um fala estará sempre à prova pelos textos em si, e não por esses currículos.
Também parece que o exemplo do barbudo citado pelo Ticiano não se referiu à Valeria, mas foi mais uma ilustração independente.
E acho que a Lei de Godwin não foi bem compreendida quando eu a citei.
Agora voltemos ao expediente das ideias e, em favor delas, por favor deixemos de lado essa última disputa moral, que já está mais do que suficientemente registrada.
Abraços.
Caio e Leonardo,
Sim, os objetos (o ser circense e sua “arte”) desta discussão se encaixam perfeitamente aos elementos constituintes da Indústria Cultural, mas a meu ver Industrial Cultural e Cultura de Massas são indissociáveis, pois uma leva a outra. Veja que a Industrial Cultural se apropria do material sonoro o transforma em coisa e o expõe em prateleiras ao ar livre, fomentando desta forma uma cultura de massas, visando não só a confecção de “manifestações artísticas”, mas primordialmente a formar Homens Massas, que seriam os portadores da Cultura de Massas e empregados da Indústria Cultural.
Fazendo com que aquelas denominações, música clássica e música popular que já eram em séculos anteriores imprecisas, tornarem-se mais dúbias ainda, pois, a uma mesclagem discricionária e arbitrária das manifestações culturais por parte da Indústria Cultural, fazendo, como colocou bem o Leonardo, a música e a Cultura popular irem para outro patamar, ou melhor, dizendo, ficam apartadas. Quando me deparo com esta situação sou compelido a repetir o que fora anteriormente dito, o termo popular que este era análisado “lato sensu”, agora é renegado ao mero sentido de ser algo agradável ao “povo”, mas ainda há o entretanto: Para a lógica do empregado( “artista”) da Indústria Cultural não é um povo que ele tem que agradar, mas sim as massas, Homens Massa.
O mais jocoso desta discussão é justamente a falsa percepção que acomete os defensores da “cultura popular” da metade do Séc.XX em diante, não é difícil perceber que estes mantêm certo senso a – histórico nas suas divagações.
Primeiro, empobrecer a música no intuito de popularizar é uma idiotice tremenda. A música empobrecida que hoje tanto está na moda para popularizar certos gêneros não populariza nada e, como bem mostrou o artigo do Leonardo, transforma a grande arte em arte de massa, de entretenimento. Mas ai também vale fazer uma diferenciação que eu pelo menos, na leitura superficial que fiz dos comentários não encontrei, do que seja cultura popular. Acho que estamos usando o termo popular para coisas que não são exatamente populares. A cultura popular é aquela que é produzida “espontaneamente”: é o samba de roda da Bahia, as danças dramáticas do candomblé, as músicas da Grécia antiga, os mitos folclóricos de cada região do planeta. Essa cultura em alguns momentos é utilizada por aquilo que chamamos de “alta cultura”, “grande arte”: o romantismo com Wagner, Chopin, José de Alencar e vários outros, o modernismo brasileiro: Mário de Andrade com seu Macunaíma, com seus poemas em que há versos da macumba e vários outros exemplos. Quando artistas com certo nível de erudição apropiam-se da cultura popular produzida pelo povo no intuito de “refinar” essa arte acontece uma coisa incrível: enriquecimento, em ambas as partes. Aqui eu acho que o exemplo mais recente disso seria a Bossa Nova: um grupo de artistas eruditos (Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Carlos Lira e outros) pegam o samba carioca como ele estava (já misturado com expressões eruditas de música, essa primeira miscigenação foi o fruo do nosso processo mesmo de formação cultural e histórico) e o refinam, o transformam num dos tipos de música mais respeitado e refinado da história.
Bem diferente desses dois exemplos é o que eu chamaria de cultura pop, cultura de massa. A arte pop – falo aqui de forma muito mais ampla e não somente da pop art – seria uma espécie de tentativa de globalização (e consequentemente empobrecimento) de manifestações populares de arte. Vou explicar o parêntesis: pegar uma manifestação popular brasileira de arte e fazer com que ela seja entendida por um irlandês, por exemplo, é uma tarefa impossível. Ela só não é impossível quando você transforma essa manifestação numa coisa mais plana, superficial, entendível por qualquer um. Vejam, se um de nós aqui escutarmos um samba do Cartola (por exemplo, Ensaboa, pra ir logo prum extremo), irá imediatamente conseguir entender a música e o contexto dela, mas um japonês não. A missão da arte pop seria exatamente isso: transformar tudo em uma manifestação palatável para qualquer um, aplicar cartilha – o que é mortal para arte. Mas também em outro sentido isso acontece, porque enquanto arte globalizada, há necessariamente empobrecimento: todos escutam a mesma música, todos leem os mesmos livros: receita mortal para a morte de culturas locais. Eu acho – e agora fico só no achismo mesmo – que até mesmo o rock está sofrendo com isso – ele que primeiro fazia isso. O rock se transformou em música adolescente, facilitada (=empobrecida).
Pra mim, o que o André Rieu faz é exatamente essa terceira forma que eu expus: pegar uma manifestação dos outros dois tipos (mais do segundo, já que música erudita necessariamente não é uma manifestação espontânea) e transformar em arte para consumirmos depois de uma longa jornada de trabalho braçal (empobrece). Pra fazer isso, ele transforma o espetáculo não num concerto de música clássica, mas sim num facilmente palatável show.
Aliás, essa tendência da arte pop de facilitar tudo eu acho extremamente duvidosa. A origem disso está até mesmo na origem desse movimento: o fim da segunda guerra e uma necessidade de relaxamento geral. Tenho pra mim que quando acabou a segunda guerra, essa arte que se produziu (a pop) foi uma tentativa de esquecer – através da simples não citação – dos muitos problemas que a vida tem pra nos oferecer. O próprio show do André Rieu é um exemplo disso. Um compositor que expresse sofrimento não será tocado nunca naquele show e quando o for, terá sua obra deturpada no intuito de facilitar. Melancolia, luto, tristeza – são palavras simplesmente inexistentes nesses repertórios (não apenas musicais) que procuram transformar o mundo num verdadeiro mar de rosas. Filosoficamente eu prefiro o sofrimento nietzscheano que ri dançante diante da desgraça extrema da tragédia grega – afinal, não há tristeza que não traga no fundo de si um pouco de prazer.
Filipe de Freitas
Filipe,
Eu me eximi ao máximo para justamente não tecer muitos comentários sobre o que tomamos como conceito de cultura popular ou música popular. Vejo como um campo de difícil consenso, difícil porque os termos são quase impenetráveis, olha só: Você pontuou “as músicas da Grécia antiga” como cultura popular, dizendo que a característica dessa cultura seria sua “espontaneidade”, porém, os gregos praticamente não dissociavam música de poesia, as duas se entrelaçavam formando um todo indiviso por conta, justamente, de características similares como por exemplo, o ritmo. Você trouxe a baila alguém que ao meu ver é de difícil compreensão neste campo, erudito ou popular, que é Tom Jobim, porque veja, Jobim trazia para suas composições formas musicais que via de regra são consideradas como populares, como exemplo, temos o estilo modinha que foi muito difundido no Brasil do Séc.XVIII e que, Jobim e Vinicius, trouxeram de volta com algumas modificações quanto ao modo de execução. Mas olhe só, as músicas da Grécia Antiga, modinhas e muitas composições de Jobim não possuem a característica de “espontaneidade”, isso faz com que seu conceito de cultura popular fique incompleto por não poder conseguir se encaixar em Jobim ou mesmo na música produzida na Grécia Antiga por conta da “espontaneidade”.
Eu até tento elaborar um conceito de cultura popular, mas especificamente música popular, com elementos objetivos e que consiga abarcar em si o conceito de povo mas é tarefa complicada e que vem se mostrando infrutífera. Discutir nestes termos, popular e erudito e, ademais, cheios de afetação por causa da luta de classes é que não dá! E infelizmente, fora de lugares mais compromissados, como este Blog, essa é a posição que prevalece.
Diego,
Eu concordo plenamente com você diz que o conceito de cultura popular é muito mais complexo do que aquilo que eu disse no meu último comentário, e concordo principalmente com o final do seu texto em que você aponta o problema da interferências da luta de classes nessa discussão. Interessante seria pensar também como essa influência é negativa para o campo das artes. Mas veja, o meu comentário (ou pelo menos o que eu queria que ele fosse) era muito mais para pensar a arte pop do que a popular. O que eu tentei fazer foi diferenciar o que seja pop e o que seja popular, posto que na atualidade esses dois conceitos são facilmente confundidos. O que eu tentei dizer é que a música grega e o samba de roda da Bahia são bem diferentes daquilo que seria a música pop – a da segunda metade do século XX. O primeiro tipo tem uma função local, cultural (veja-se o exemplo da música que eu citei do Cartola) e surge espontaneamente (concordo com você que espontaneidade é um conceito completo e merece ser mais bem discutido), já o segundo não: tem exatamente a obrigação de servir para todos, de ser globalizada (e consequentemente empobrecida). Esse era o objetivo central do comentário, mas eu também me expressei de forma um pouco confusa, enfim: “o molambo da língua paralítica”, como diria Augusto dos Anjos.
A questão do Tom Jobim é outra. Eu não quis dizer que o Jobim é uma manifestação da música popular, espontânea. É que muitas vezes essa cultura pop usaria da cultura popular para fazer seu trabalho (por motivos óbvios até: é exatamente na música popular que estão as formas mais populares e acessíveis), mas haveria também uma outra forma de apropriação desse mundo popular que seria exatamente a que a arte “erudita”, mais acadêmica, produzida por indivíduos da elite cultural (=aqueles que tiveram acesso à tradição cultural do país e da nossa civilização, como Tom Jobim) faz. Agora, como no caso do Tom Jobim, o objetivo não é mais empobrecer para tornar comercializável, mas sim misturar, enriquecer, miscigenar. Eu, pessoalmente, acho que a Bossa Nova no Brasil foi o ápice de um movimento que começou ainda na era colonial quando a cultura negra se integrou com a cultura da música portuguesa – ou seja: a música portuguesa trouxe para os batuques africanos a refinação dos instrumentos de corda – não só o violão e seus antepassados, mas até mesmo instrumentos como o piano. O mesmo teria acontecido em New Orleans, em que a música africana teria se juntado a elementos da música européia (dai o fato de no jazz termos instrumentos como o piano, o saxofone ou vários outros instrumentos oriundos de tradições musicais que não a africana). A Bossa Nova seria na verdade o último nível em que isso teria acontecido aqui no Brasil: o momento em que a arte da senzala teria se juntado à da casa-grade (melhorando-se mutuamente), criando assim uma tradição muito mais rica e vital. São só duas formas de apropriação da cultura popular diferente, e era sobre isso que eu queria falar.
Eu ainda acho que seria necessário pensar mais sobre a questão da “espontaneidade”, porque foi o que eu usei na verdade para definir arte popular. Eu não quis usar o termos aqui no sentido poético ou biológico, mas sim como referência cultural e social. A arte espontânea seria aquela que surge dentro de uma comunidade e produz sentido ali. O Jazz por exemplo, talvez ela faça algum sentido enquanto evento cultural para nós, porque ele advém de uma tradição muito parecida com a nossa. Mas se um indiano fosse escutar o jazz talvez não produziria tantos sentido para ele (em termos culturais e sociais, porque musicalmente muito provavelmente fará sentido sim – a dança fará sentido). Mas também só a música fará sentido e somente em seu nível mais rítmico.
O que eu quis dizer era somente sobre isso, sobre a comercialização de arte popular empobrecida (a arte pop) e a apropriação que artistas eruditos tem feito no Brasil de tradições populares.
p.s. Eu só fiz essa ponderação porque ao ler alguns comentário e o próprio texto senti que muitas vezes usou-se o termo popular como sinônimo de pop, e, qualquer que seja a definição que dermos para popular, ela tem de ser diferente (e quão diferente!) da que daremos à arte pop. No caso, o André Rieu pegaria elementos da música clássica e os tornaria pop, como é feito no Brasil com muitas manifestações da cultura popular.
Caro Filipe,
Quanto à distinção entre música popular e música pop, o que foi discutido nos comentários foi uma outra distinção que me parece mais abrangente: aquela entre cultura popular e indústria cultural. Como eu respondi ao Caio em um dos últimos comentários, de fato, na base da leitura tradicional de cultura de massa e indústria cultural, uma cultura e uma música popular ficam situadas em outro patamar. Mas que cultura e música popular? Não bem a atual, e sim aquela, referida genericamente como o folclore, que era basicamente o que o povo tinha antes do advento da cultura de massa, pois uma das consequências desse advento (que envolve tanto o pop como a cultura popular atual) é entendida como a substituição desse folclore anterior por uma cultura que é derivativa, de baixa qualidade e feita para ter o maior apelo possível. Então é claro que Tom Zé tem outro valor em relação a André Rieu, o que torna a distinção entre a música popular e o pop importante. Mas ambos são compreendidos pela cultura de massa, o que torna a distinção entre popular e pop mais interna, dentro da cultura popular a que se refere mais abrangentemente (e no texto a perspectiva era do encruzamento da música popular com a música clássica ora no que André Rieu pretensamente faz em seu crossover – como misturar ritmos populares como mambo em arranjos de composições clássicas -, ora em exemplos de gosto menos duvidoso que pretendi citar ao final).
Agora quanto à discussão do conceito de cultura popular, no que me dirijo diretamente também ao Diego,
Em primeiro lugar, como disse o Diego, de fato a música na Grécia antiga assumiu formas muito diversas pra ser chamada simplesmente de um exemplo de música popular. Na verdade, há esferas destacadas de manifestações populares – um diálogo à parte com o folclore é identificável mesmo em Homero, que em si, seja lá quais tenham sido as suas particularidades, não representa uma poesia simplesmente “espontânea”, mas a de uma composição excepcional em um sentido inclusive sagrado (o que vai além de uma inspiração sagrada apenas à sua ocasião). Desde então, pensar na existência de uma tradição paradigmática de poesia grega (e também de crítica musical a partir do séc. V a.C.) – que merece não apenas ser transmitida oralmente, mas ensinada e preservada por escrito depois da idade clássica – é reconhecer a base da nossa noção de preservar um repertório clássico, o que já não pode mais ser resumido como música popular (ver também a discussão pedagógica nas Nuvens do Aristófanes).
Quanto à ideia de que o pop tem o projeto de planificar o entendimento das particularidades culturais expressas na música de cada local, eu não tenho certeza se essa reflexão sofisticada tem mais a ver com o pop ou com a própria globalização e as suas consequências para a música como um todo, a noção da sua universalidade, etc.
Por fim, quanto ao conceito de uma música popular, um dos primeiros posts do blog procurou explorar a definição de “música clássica” e propôs uma distinção convencional com uma “música popular”. O post é particularmente este: http://euterpe.blog.br/filosofia-da-musica/musica-classica-o-conteudo-da-tecnica, que é o segundo do que se tornou uma série de quatro posts. Relendo-o hoje em dia ele me parece um pouco normativo quanto ao modo de se ouvir música, mas o modelo de contraste para o conceito de “música clássica” – ainda que na prática seja uma referência diante da qual a realidade tem um desempenho possivelmente mais escamoteado – ainda me parece útil.
Filipe,
Pop art é realmente algo que comumente se confunde, mas por não se ter conhecimento dos movimentos e dos próprios conceitos. Como disse o Leonardo, Indústria Cultural é mais abrangente, porque veja, a pop art ficou evidenciada, como você mesmo disse, na segunda metade do Séc.XX, ou seja, teve como força motriz algo que já estava ai, os meios de comunicação de massa. Assim desta forma, nos parece que a pop art é só mais um mecanismo que a Indústria Cultural usa para massificar a cultura.
Gostaria de fazer algumas considerações sobre o comentário do Leonardo que, de forma exemplar sintetizou algo que estava sendo discutido mais acima: a Globalização, característica da cultura de massa ficou mais evidente no Séc.XIX, veja que muitos compositores hoje são identificados contendo certas características deste fenômeno, como por exemplo, Wagner. Mas, com o surgimento de fenômenos sociais tão estranhos surge também à necessidade de se fazer analises mais detalhadas e centralizadas destes fenômenos, resumindo, surge então a Antropologia, que com suas pesquisas, motivadas também pela necessidade, chegou à conclusão que as manifestações musicais deveriam ser divididas em Música popular e Música erudita (daí a minha indisposição em discutir nesses termos).
Por isso digo que a posição do Leonardo em trazer para a discussão a música que outrora era a manifestação do povo, o folclore, e depois com o surgimento das ideias de globalização e culminando nas sociedades/culturas de massa podem ser identificadas no conceito de Industria Cultural, que consegue abarcar todas essas problemáticas em si é de grande ajuda.
Quanto a Bossa nova e Tom Jobim, compartilho alguns pontos com você, sobretudo Jobim, que extrapolou e muito os limites da Bossa nova, na verdade ele quase não faz parte deste movimento, se entendermos Bossa nova como a produzida por João Gilberto, Calos Lyra. Na verdade penso que Jobim utilizou uma forma nova para experimentar e criar novas formas, como ele dizia, o samba moderno.
Se levarmos em conta as premissas expostas por mim acima, vamos, penso eu, cair novamente em um dilema, qual seria, os dos termos, popular ( o folclore teria que estar inserido aqui? ai teríamos duas correntes, manifestações folclóricas e as não folclóricas, ou seja, o popular e o folclórico ) e erudito.
Leonardo,
Se não for muito abuso de minha parte, há alguma possibilidade posteriormente de você tecer mais comentários da relação entre música e poesia na Grécia Arcaica, Clássica e Helenística em um post, ou não podendo, indicar algum artigo?
Diego,
A ideia para um post sobre a música na Grécia antiga está anotada há muito tempo sim, até porque me envolvi diretamente em uma pesquisa sobre o tema, e é algo que me interessa e que eu considero fascinante (a grande questão: se na literatura temos nos gregos os nossos clássicos – como Homero, Píndaro, Ésquilo, Sófocles, Eurípides, etc. -, cadê os nossos grandes compositores gregos?).
Ainda sobre a dicotomia erudito/popular, minha sugestão é que o erudito – além de historicamente estar ligado a uma transmissão escrita mais cultivada e canônica – trabalha desde a idade moderna com um papel especial para o uso da técnica nas suas artes: no erudito, pelo próprio interesse no paradigma de engenho e de arte que informa as formas de arte, a forma também contém conteúdo (e a explicação mais detalhada dessa afirmação depende da leitura daquele tal post que eu indiquei acima). Na prática, é preciso lembrar que isso se verificaria levando-se em conta inevitavelmente a recepção da obra-de-arte: se uma banda de rock faz um arranjo do 1o. mov. da 5a. Sinfonia de Beethoven para o seu show mudando apenas o uso dos instrumentos indicados (de uma orquestra para uma banda), a mudança de contexto da mesma música parece estar mais para um empréstimo do conteúdo expressivo de uma obra erudita para torná-la um “hit” de um show popular, ao invés desse novo contexto se tornar automaticamente “erudito” apenas por causa desse empréstimo. E aí a discussão vai longe.
Por fim, apenas pensando ainda naquela definição de “espontaneidade” para o gênero popular, lembro que, na verdade, se lermos algumas cartas em que Mozart descreve o seu processo criativo, ainda que ele mostre obviamente levar em conta os rudimentos puramente técnicos da arte da música, será difícil não pensar em uma criação “espontânea” também.
Caro Leonardo, você viu a entrevista do João Carlos Martins no Roda Viva?
Caro Bosco,
Vi sim! Ha poucos dias. Ate divulgamos via twitter/Facebook: http://www.facebook.com/euterpe.blog.br/posts/481057151937455
Mais do que a questao sobre Andre Rieu ou sobre as apresentacoes, como diria o Adriano, de “freak show” dele, o que me chamou a atencao foram as perguntas da Yara.
Claro, “as perguntas da Yara”. Como a questão da educação musical parece que vai mesmo acontecer, tenho a leve impressão (como já li em outros lugares) que ouviremos muito o discurso sobre a “opressão da música clássica”, assim como ouço constantemente a “opressão da língua culta”. Enfim, teremos um futuro promissor com nossos pagodeiros semi-letrados.
Infelizmente é bem isso, Bosco. Esse lado dessa noção tão profundamente ignorante sobre o que seja música clássica também deve integrar nossa reflexão sobre ela hoje em dia.
A sociedade contemporânea está ávida por uma erudição instantânea. Todos querem ser cultos, mas não querem ” se dar ao trabalho ” de ouvir dezenas de cds de música clássica, de verdade. E a Globo, pra variar, contribui com a alienação do povo… enchendo a bola de caricaturas como essa.
Parabéns pelo texto. Muito rico.
Rieu já foi um bom moço http://goo.gl/hY3VJj
A musica clássica foi gestada em um tempo que não havia tempo para o experimentalismo. Na verdade havia, mas ao custo de uma fogueira. Hoje td é pop, até o rock. Rebeldia é ouvir música clássica.
Não há o que comentar quanto à construção do texto. Simplesmente, “cada um escolhe o quanto ignorante quer ser”.
Parabéns, me tornei seguidor do blog.
Música Clássica…não sei quem foi o miserável que inventou de chamar música erudita de música clássica…é música erudita, culta, acadêmica…e, o seu prepóstero, música de rua, música prá povão, música menor, música popular…mesmo a música escrita na partitura pode ser popular…como o chorinho ou o jazz…mas, música clássica não existe…é um termo chulo…mas, será possível? Já pensou chamar Bach, Byrd ou Palestrina de Musica classica? Pelo amor de deus…
Olá Denison,
Reza a lenda que, na verdade, aconteceu o contrário do que vc fala: antes havia o termo universal “música clássica” e o Mário de Andrade foi quem cunhou o termo “Música erudita” para diferenciá-la da música do período clássico. Mas se vc for consultar outras línguas, todas elas usam algo equivalente a “música clássica” mesmo: classical music em inglês, Klassische Musik em alemão, musique classique em francês, klasszikus zene em húngaro, klassieke muziek em holandês. Veja os verbetes no Wikipedia, e veja como cada língua define a música clássica e a distinção para a música do período clássico.
É interessante mencionar que tanto o espanhol (música clásica) quanto o italiano (musica classica) possuem um termo mais abrangente: música culta / musica colta, que faz oposição a dois outros tipos de música, a música popular e a música folclórica. A música culta deles inclui não só a música clássica tradicional, mas também as músicas clássicas árabe, indiana, chinesa e japonesa, certas formas de jazz, new age, músicas eletrônica, concreta e eletroacústica, e a música minimalista. Alguns discutem a inclusão de certos tipos de rock, também.
Já os adjetivos da música popular ficam por sua conta mesmo. Como já demonstramos em vários outros posts, esses adjetivos falam mais sobre seu gosto pessoal do que sobre a música em si.
Maravilha de texto. Expressa bem o que eu sinto com relação a esses artistas massificadores e não apenas os que fazem isso com a música erudita, mas também os famosos cantores de ópera pop. Infelizmente tive o desprazer de ouvir de um conhecido meu que se considera amante da ópera, que Sarah Brightman é melhor que Maria Callas…
Mas voltando ao Rieu, para mim, como já citado no texto, ele é desonesto, fazendo muitos acreditarem estar ouvindo o Beethoven de verdade, o Carl Orff de verdade, o Verdi de verdade (assim como esse meu colega acredita escutar ópera de verdade) quando estão ouvindo baladas disfarçadas de música clássica. Além disso, em suas apresentações, Rieu chama atenção para o lado sentimental dos ouvintes de forma extremamente superficial, repetindo diversas vezes: “essa música mudará a vida de vocês”, “essa música aqui os deixará bastante emocionados”, “essa que eu vou tocar agora será inesquecível”… É bastante apelativo!
por outro lado tem cultura de massa tambem dentro do universo erudito respeitado…Estava ouvindo Tchaikovski por esses dias e cheguei a uma conclusão: Tchaik é, sim, um ótimo compositor, mas, peca em certos pontos…suas obras são equilibradas até que…chega um certo trecho ou movimentos inteiros que ele soa espetaculoso, barulhento, enxameiro demais…dai vem o desequilibrio que não me agrada em nada.
Nisso, Tchaik é parecido com Liszt ou Paganini…são bons compositores, mas, que possuem trechos que se desequilibram por si mesmos…
Eu, particularmente, valorizo mais a estrutura como um todo do que uma simples e bela melodia…o problema de Tchaik não é o fato de possuir belas melodias fáceis em sua obra, mas, de possuir tais trechos exagerados que o torna alvo de críticas.
Chopin, assim como Tchaik e quase toda a totalidade dos mestres italianos (Verdi, por exemplo) supervalorizam a melodia bonita, a facilidade da estrutura…Chopin escreveu maravilhosos estudos, 4 obras primas em forma Scherzo e 4 espetaculares baladas…mas, no geral, sua obra é espetaculosa, faz concessões, é transigente, facilmente bela e agradável. As vezes uma obra é de dificil execução, mas, quando o foco da obra é exatamente sua dificuldade, termina se tornando uma obra espetaculosa…a maioria dos russo são pretensiosos e espetaculosos…com exceção de Mussorgsky e Stravinsky.
Como uma obra como O Messias, de Haendel, consegue ser espetacular, ter um som cheio e bombástico, sem ser pretensioso, vazio, fácil, agradável, transigente, espetaculoso? Isso me impressiona. Mahler é apenas um sinfonista pretensioso, espetaculoso…ele nunca foi nem será um Beethoven. Compositores como Ravel, Bartók, Debussy, Brahms, Stravinsky, Bach tem algo em comum…criam uma obra espetacular, equilibrada, coesa, estrutural, dificil…sem essa coisa do espetáculo pelo espetáculo…considero Berlioz um espetaculoso escandaloso…já Wagner conseguiu gerir uma obra geniosa, densa, pesada, de fato, espetacular…sem ser espetaculoso, transigente ou agradável…a obra de Wagner não faz concessão. É dificil definir o que é pretensioso e o que consegue apenas ser…um bom ouvinte treinado sabe distinguir essas nuances…
Ouvir música erudita e entender dela nào é para qualquer um, exige dedicação e amor profundo…
Denison,
Com base nesse seu longo comentário e em outros, eu gostaria de usar um conselho do Amancio pra você: estude composição. Se você ama mesmo profundamente a música, é o que você tem pra fazer. E assim talvez você se arrependa de já ter escrito tantas superficialidades e clichês sem nenhum valor.
Me parece que há no espaço dos comentários do blog uma distinção de planos muito saudável: o plano mais pessoal e o plano das ideias. Quando discutimos ideias, nós aprendemos, não nos ofendemos, conhecemos coisas novas. Mas quando discutimos pessoas e subjetividades, batemos cabeça lidando com vaidades, idiossincrasias e disputas de opiniões que não levam a nada.
No mais, já falamos bastante sobre algumas das suas opiniões musicais, então creio que não vamos ter nada de novo pra discutir neste novo turno.
O que vocês acham da Suzy, a pianista nua?
http://www.suzypianista.com.br/
http://www.youtube.com/watch?v=UkYWYCjhEMw
Ela não é uma Martha Argerich, porém sabe tocar piano.
O diferencial da sua proposta como musicista e entertainer está nas roupas que veste (ou deixa de vestir).
Seguindo os critérios deste texto do blog, ela seria uma musicista honesta que se utiliza de ferramentas publicitárias de gosto duvidoso para atrair ouvintes?
Gostaria de ouvir a opinião dos autores do blog sobre a moça…
Davi,
A Suzy não é uma concertista, mas uma pianista que publica vídeos no YouTube (e nesse sentido há milhares como ela) e que por fora oferece a sua performance publicitariamente em eventos. De fato, embora ela tenha pouquíssimos vídeos publicados, ela entrega musicalmente o que promete: não é uma concertista, mas tocou o Estudo de Chopin e a Ciranda de Villa-Lobos que anunciou. Nesse sentido, ela é honesta musicalmente – Martha Argerich tocando sem roupa também não se tornaria menos honesta musicalmente por isso. O resto, de gosto realmente duvidoso e apelativo, é obra da publicidade que a representa visualmente e tenta divulgá-la dentro de certa atitude extramusical independente.
Artistas crossovers são diferentes porque tocam outras coisas, sempre de quinta categoria para ter o maior apelo possível, mas muitas vezes tanto se anunciam como são anunciados como músicos clássicos inovadores (quando são musicalmente simplórios e antiquados) e inundam as estantes de CDs nas seções dedicadas aos clássicos, o que costuma irritar os ouvintes que percebem isso mais claramente e dão uma imagem kitsch e desonesta do gênero.
Grato pela atenção!
Sou um grande admirador do blog e das críticas musicais presentes nele, além das super-aulas!
Obrigado!
Leonardo, por favor! Você é muito lúcido em música para gastar seu Latim em mais de três linhas acerca de Andre Rieu. Em minha modesta opinião, há muitos assuntos outros em que você expressa muita coisa útil ao espírito e menos demagógica.
É muito triste esse caminho a que a democracia nos levou: precisamos discorrer longamente para o público medíocre a lhes explicar o que é a poesia ,a pintura e a mediocridade,como se pudéssemos explicar as cores a um cego.
Outro dia, há uns 15 anos (rsss), alguém me falou q ,se eu gostava de “clássicos”, deveria gostar de “Enya”,a celta. Comprei dois discos dela há 3 anos no Amazon para minha mulher irlandófila. Sabem o preço ? Um centavo de dólar.
Nao tenhamos medo do adjetivo erudito ou clássico. Se classicismo é uma escola temporária das artes do séc 18, também significa intemporalidade ou semi-eternização. Claro que há na música popular algumas coisas mais eternas do que muitas bobagens do reino “clássico”. Exceções fazem regra….
Gostei dos comentários e percebi que todos gostam de musica, mas, confesso que fiquei embaralhado, já não sei que musica devo de ouvir. Se aquela erudita do tal maestro sisudo, que faz refletir e me transcende ou, aquela do show em que o maestro me faz rir, a musica sonhar e me comove.
Ah! eu não entendo nada de musica apenas, gosto de senti-la erudita ou não. Também gosto de parecer uma pessoa culta conhecedora da arte.
Carlos,
O texto diz mais de uma vez que quaisquer lições que um crítico possa se arrogar a oferecer às pessoas são independentes “da decisão do leitor em continuar a ouvi-lo [André Rieu] ou a gostar dele (pois há uma liberdade saudável entre o plano dos critérios e valores e o plano pessoal)” e que “as pessoas podem ‘se divertir’ com a grande arte o quanto quiserem, o alcance da crítica ainda se restringe apenas a ensinar critérios a quem se interesse por eles, independentemente da conduta pessoal dos leitores”.
Isto é, se você gosta de ouvir André Rieu e os quartetos de Schoenberg, seja feliz. O que o texto propôs foi refletir sobre como um fenômeno como André Rieu tem sido abordado com as ferramentas da crítica (no caso, no texto do Leonardo Martinelli e no do Leandro Oliveira), para em seguida oferecer uma distinção própria entre ele e outro músico muito criticado, o Lang Lang, o que, a quem se interessa pela lição dos critérios de valor, pode ser pertinente para situar este assunto de maneira mais geral. Se você não se interessa por esse assunto, não precisa ironizar quem se interessa por ele como se só pudesse se tratar de exibicionismo.
Eu também não entendo por que um concerto de música clássica precisa ser ou brega e afetado para ser divertido ou sisudo e chato para ser respeitável: não dá pra ser simplesmente divertido e respeitável ao mesmo tempo?
http://www.overgrownpath.com/2007/11/art-of-animateur.html
https://www.youtube.com/watch?v=QUqhPoA5bIY
Vivemos numa ditadura que glorifica o circo e associa todo requinte à empáfia e à frescura. Quem não adere à doutrina dominante é subversivo, ímpio e pedante. Fiéis discriminam infiéis, esquerdos combatem direitos, populistas caçam elitistas.
Há espaços enormes e rendosos para a cultura pop ou semiclássica. Um blog específico de música clássica deixa claro a que veio, não para parecer culto, mas porque o conhecimento pode enriquecer o entretenimento. Como no vinho…
Quem disse que estudo e curtição não se misturam?
Nosso governo asfixia a Rádio MEC e persegue claramente o pensamento,a gramática e a erudição. Quase confinados a um campo de extermínio, não podemos cuidar das áreas limítrofes (Rieu) e triunfantes, ou pisar em ovos ao fazer menção delas. Cada macaco em seu galho. Fica clara a fragilidade de nosso ramo quando recebemos tantos rótulos antipáticos. Ninguém tem obrigação de se aprofundar em nada desde que não atrapalhe e não julgue o que desconhece.
Eu acho estranho esses comentários porque da a impressão que só a música clássica é grande arte e a popular e entretenimento sendo que existem músicas não acadêmicas mais sérias do que certas peças clássicas eu acho que esse é o problema e é pior do que o que o André rieu faz
Caro Antonio,
Os exemplos de “grande arte” e de “entretenimento” no texto são Beethoven de um lado e André Rieu fazendo arranjos medíocres dele de outro, acho que as nuances entre as duas expressões não chegam a ser ameaçadas. Mas essa é uma reflexão interessante: você pode citar exemplos do que mereceria ser chamado de “música popular” e que não seja “entretenimento” mas “grande arte”? São todas expressões bem distantes de serem pacíficas, provavelmente não são mesmo suficientes pra um “sistema” de classificação artística, e sim meros adjetivos dos valores que uma crítica queira contrapor, mas, por isso mesmo, uma reflexão neste ponto pode ser produtiva. De todo modo, não se pretendeu propor essa associação que você corrige, inclusive iniciativas populares são elogiadas como sofisticadas.
Por fim, sobre “músicas não acadêmicas” poderem ser mais sérias do que “peças clássicas”, eu também, como você, não consigo imaginar que “músicas acadêmicas” devessem ser “mais sérias”, e nem que “não acadêmicas” não pudessem ser “sérias”, especialmente tendo em conta a informação quase inócua que a palavra “acadêmica” pode acrescentar a uma “música”.
Enfim, várias regras que realmente não precisamos inferir.
Olá! “Música clássica contra roubos e vandalismo: uma prática que se espalha pelo mundo e faz canções perderem a identidade”, de Ted Gioia, aqui: https://epoca.globo.com/mundo/noticia/2018/07/musica-classica-contra-roubos-e-vandalismo-uma-pratica-que-se-espalha-pelo-mundo-e-faz-cancoes-perderem-identidade.html, ao descrever o uso de música clássica por estabelecimentos comerciais para afastar encrenqueiros, por comerciais de TV e por filmes, acaba descrevendo muito do que o próprio André Rieu faz com ela. Recomendo a leitura!