Vamos analisar todos os poemas sinfônicos de Dvorák, um por um, com exemplo musical e tudo. Sim, vai ser divertido!
Pra que a cada poema sinfônico analisado possamos ir direto ao assunto, deixem-me neste momento situá-los a respeito do significado nacionalista dos temas dessas obras, do momento em que elas foram escritas e especialmente das possibilidades formais que o gênero do “poema sinfônico” ofereceu a Dvorák e que tornaram essas obras algumas das mais originais que ele já escreveu.
Nacionalismo em Dvorák
Quando se associa Dvorák aos movimentos musicais nacionalistas do séc. XIX, há sempre um elemento de equilíbrio que o coloca entre dois pólos. De um lado, a busca deliberada por inspiração na identidade tcheca lhe confere a tal “cor local” valorizada pelos nacionalistas. De outro lado, sua formação musical o inscrevia no rigor das formas e da filosofia herdada do Classicismo vienense. Daí conhecermos suas obras mais ambiciosas inscritas em gêneros clássicos como a sinfonia, a música de câmara de trios a quintetos, o concerto e a ópera. Já Smetana, compositor tcheco muito mais claramente engajado no movimento nacionalista, havia projetado suas ambições em criar uma música de alma verdadeiramente tcheca em gêneros mais livres e mais descritivos que as formas clássicas: sua obra mais famosa, Má vlast (“Minha pátria”), é justamente um ciclo de poemas sinfônicos.
A incursão ambiciosa de Dvorák no mundo da música programática acontece no final da sua carreira, em 1896, aos 56 anos. Ele já havia escrito todas as suas sinfonias, todos os seus quartetos para cordas e todos os seus concertos (incluindo o famoso Concerto para violoncelo). Mas é nos poemas sinfônicos, e nas óperas que ele escreveria nos anos seguintes, que encontramos Dvorák criando no universo das formas livres e alusivas – formas que o movimento nacionalista mais propriamente celebrava em busca de uma linguagem autóctone para a cultura da própria pátria (ou que sentido muito nacionalista haveria em se escrever sobre formas tradicionais de outros países?).
Mas espera aí, o que é que há no poema sinfônico que o torna uma forma mais livre e mais alusiva (e por isso mais interessante a movimentos nacionalistas em busca de uma linguagem própria e menos dócil a uma tradição imposta) do que as formas clássicas e tradicionais? Vejamos então o que é poema sinfônico!
Poema sinfônico
Em poucas palavras, o poema sinfônico é uma música escrita pra orquestra que conta uma “estorinha”. Ele é a formalização romântica do poder alusivo da música, pois o compositor escrevia uma obra musical cujo roteiro ilustrava declarada e fielmente uma estória, fosse essa estória a narrativa de um poema ou romance conhecido, um quadro, uma saga heróica inventada pelo compositor, até tratados políticos e filosóficos. A estória escolhida era então compartilhada com o público, o que gerava um verdadeiro passo-a-passo da narrativa musical para ajudar o público a acompanhar e entender a peça com maior facilidade. E foi assim que o Romantismo instituiu um gênero à parte para a chamada “música não-absoluta”, uma música cujo sentido é construído para além dos seus próprios termos, emprestando referências explícitas da literatura e da filosofia.
Os Poemas Sinfônicos de Dvorák
Os primeiros quatro dos cinco poemas sinfônicos de Dvorák, publicados em 1896, foram escritos em seqüência, e são inspirados na clássica coletânea de baladas do poeta tcheco Karel Jaromír Erben, a Kytice z povestí národních (“Uma Antologia de Lendas Nacionais”), escrita em 1853 a partir da compilação de lendas populares da cultura tcheca. Apesar de certa violência e certo terror moralizante em algumas lendas, algo um pouco típico do folclore anterior às adaptações infantis do séc. XX, até hoje crianças do ensino fundamental na República Tcheca lêem e recitam essas baladas. O quinto e último poema sinfônico, escrito por Dvorák no ano seguinte (1897), é a descrição da saga de um herói, sendo facilmente considerado uma narrativa auto-biográfica (ao modo de Ein Heldenleben (“Uma Vida Heróica”) de Richard Strauss, de 1898).
Para a premiére dos quatro primeiros poemas sinfônicos que aconteceria em Viena sob a regência de Hans Richter, Robert Hirschfeld foi convidado a escrever as notas do programa. Dvorák lhe enviou então uma carta com as coordenadas para a narrativa da música, o que hoje nos auxilia a identificar as etapas das estórias ilustradas. Nas nossas análises, seguiremos a ordem de publicação das obras, portanto o primeiro poema sinfônico será o Vodník (“Espírito das Águas”) Op. 107, e veremos o tipo de vingança de certa criatura ao acreditar ter sido traída pelos humanos…
Ansioso. Essas obras são absolutamente sensacionais.
Eu nunca dei muita bola para essas obras, mas por causa desses posts do Leo, eu estou dando atenção e são muito bonitas, muito bonitas mesmo.
Ah, um a parte linguístico: A gente encontra Polednice traduzido como “A bruxa do meio-dia”, mas em tcheco significa somente “meio-dia”. Da mesma forma Huloubek que também é traduzido por “pombo dos bosques” significa “pombinha”. Sabe-se lá por que, as traduções das obras eslavas sofrem com as traduções originais às quais estamos acostumados no cinema, da mesma forma, “Její pastorkyna” “sua enteada” foi traduzida como Jenufa, e por aí vai…
Ouvi a Bruxa do Meio Dia e fiquei encantada. Gostaría de saber aonde posso baixar essas músicas, aonde posso encontrá-las, para te-las.
Livia,
A análise da Bruxa do Meio-Dia já está pronta. E o site do P. Q. P. Bach postou o box do Dvorák que eu comentei aqui. É só ir lá dar uma procurada.
Alô Livia! Segui a recomendação do Leonardo e encontrei o box do Dvorák lá no site do PQP: clica aqui, ó!