… não seriam quartetos de Bartók, mas sim quartetos de Mozart! (risos) Claro!
Por isso, para evitar qualquer confusão neste texto, e também para evitar que algum leitor desatento venha depois a procurar quartetos de Mozart que não existem, vamos dar à luz um compositor imaginário, Zoltán Amadeus Mozartók, uma mistura romântica de Mozart com Bartók.
Qual a fonte de inspiração de ambos os compositores?
Tanto Béla Bartók quanto nosso Mozartók, quando jovens, exploraram o interior da Hungria em busca de melodias populares, verdadeiramente nacionais, e se surpreenderam com o que efetivamente encontraram: escalas pentatônicas, bitonalidades, e melodias que soavam selvagens aos ouvidos ocidentais. Podemos ter uma idéia do que é que eles ouviram assistindo aos vídeos abaixo: todos são do excelente grupo Muzsikás, que tem feito todo um trabalho de pesquisa buscando executar a música original “de raiz” da Hungria:
http://www.youtube.com/watch?v=C1c4sKwWBK4
A obra de ambos os compositores sofreu grande influência desse material – porém cada um à sua maneira. Mozartók tentou adaptar as melodias ao seu pequeno mundo musical acadêmico, enquanto Bartók batalhou para ampliar seu mundo de modo a abraçar toda a originalidade da música húngara. Vamos ver alguns exemplos para compararmos essa diferença de visão.
Aqui está uma das melodias populares encontradas por Mozartók em suas viagens. Trata-se da canção Félreértés ne essék, ez nem egy bécsi keringöt:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/melodia3.mp3|titles=Melodia popular “Félreértés ne essék, ez nem egy bécsi keringöt”]Mozartók, provavelmente sob influência vienense e tchaikovskiana, usou esta melodia no terceiro movimento (Valse: Allegro moderato) de seu Quarteto de Cordas nº8 em Lá Maior KSz.85; ouça aqui um trecho e não deixe de reparar que ele usa tanto a forma original quanto a forma invertida (de cabeça para baixo) da melodia:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/Mozartok3.mp3|titles=Mozartók: Quarteto de Cordas n.8 KSz.85 – 3. Valse. Allegro moderato]Antes de continuarmos, talvez valha a pena perguntarmos: isso soa húngaro? Lembra de alguma forma a música do vídeo ali em cima? Esse é o ponto que devemos ter em mente quando chegamos em Bartók e ouvimos sua música. Aqui, no Quarteto de Cordas nº3, ele usa em grande parte da obra apenas a forma invertida da mesma melodia popular utilizada por Mozartók (ouça-a aqui em três trechos)…
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/Bartok3-invert.mp3|titles=Bartók: Quarteto de Cordas n.3 – três trechos com o tema invertido (Novak)]… e guarda para o gran finale a aparição do tema original, não invertido::
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/Bartok3-direto.mp3|titles=Bartók: Quarteto de Cordas n.3 – tema original e finale (Novak)]Entendo que isto pode soar um tanto agressivo e duro nas primeiras audições, mas uma harmonia mais suavizada não iria evocar o exotismo das canções húngaras. Seria como ouvir bossa nova com acordes simples, ou ritmos brasileiros como samba e capoeira sem os contratempos tão característicos.
E por falar em ritmo, observem o ritmo desta música aqui:
A grande maioria dirá que é uma música de cinco tempos, porém os mais detalhistas perceberão que o quinto tempo é ligeiramente mais longo que os demais.
Quando Mozartók visitou a Bulgária e ouviu uma dança típica da região, ele não soube muito bem como anotar os ritmos e contratempos como os do vídeo acima, e por isso a Dança Búlgara que fecha o seu Quarteto de Cordas nº11 em Dó # menor KSz.102 soa como um norte-americano dançando samba, observem:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/Mozartok53.mp3|titles=Mozartók: Quarteto de Cordas nº11 KSz.102 – 4. Dança Búlgara]Bartók também ouviu a mesma dança ao visitar a mesma região búlgara, mas para anotá-la com maior fidelidade, ele precisou criar um compasso (ritmo) novo, de 4+2+3 tempos, o que até hoje causa alguns arrepios – e às vezes até pesadelos – em alguns grupos de quartetos de cordas. Ouça aqui o início do terceiro movimento (Scherzo: Alla bulgarese) do seu Quarteto de Cordas nº5:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/Bartok53.mp3|titles=Bartók: Quarteto de Cordas nº5 – 3. Scherzo. Alla bulgarese (inicio) (Emerson)]No vídeo anterior, é difícil não notar o estranho instrumento que acompanha o violino. Seu nome é ütögardon, ou simplesmente gardon; é um instrumento afinado em Ré, e permanece em Ré mesmo quando o violino toca em outras tonalidades – o que talvez possa explicar algumas inovações harmônicas nas obras de Bartók. Mas o que eu gostaria de chamar a atenção é quanto ao modo de tocar o instrumento:
São duas as maneiras de tocar o gardon, e uma delas é batendo com uma baqueta de madeira nas cordas. Os instrumentos clássicos de cordas também possuem uma técnica similar chamada de col legno, quando o som é produzido batendo com a parte da madeira do arco nas cordas. Mozartók nunca escreveu nada usando col legno porque, nas palavras dele, tal técnica era “uma aberração”, porém o seu mestre Mozart (o verdadeiro, o original de Salzburgo) deixou escrito pelo menos duas obras com trechos indicando col legno: uma é a Marcha K.335 nº1 e a outra é o Concerto para Violino e Orquestra nº5 K.219, na passagem turca do último movimento:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/MozartViolin53.mp3|titles=Mozart: Concerto para Violino e Orquestra n.5 K.219 – 3. Rondeau (trecho com col legno) (Kremer; Harnoncourt)]Já o húngaro Bartók usa o col legno com maior frequência, muito provavelmente para evocar o som do gardon. Aqui, um trecho do movimento final do Quarteto de Cordas nº4:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/Bartok45.mp3|titles=Bartók: Quarteto de Cordas nº4 – 5. Allegro molto (trecho com col legno) (Emerson)]A outra maneira de tocar o gardon é puxando a corda para frente, diferente dos pizzicatos dos instrumentos clássicos onde a corda é puxada para o lado para facilitar a ressonância. Sabendo disso, Bartók criou um novo tipo de pizzicato orientando os músicos a puxarem a corda verticalmente, com força, para que ela batesse de propósito no braço do instrumento criando um efeito percussivo. Esse pizzicato acabou ganhando seu nome, “pizzicato Bartók”; ouça-o aqui em dois trechos do Quarteto de Cordas nº4, comparando-o com o pizzicato normal:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/Bartok44.mp3|titles=Bartók: Quarteto de Cordas nº4 – 4. Allegretto pizzicato (dois trechos) (Emerson)]Voltando a Mozartók, podemos traçar vários outros paralelos entre sua obra e a obra de Bartók, tão grande é o uso de temas em comum pelos dois compositores. Por exemplo, compare este trecho pinçado do Quarteto de Cordas nº9 KSz.91, onde Mozartók faz uso do tema popular Hogyan torzítja egy dallamot olyan szép…
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/Mozartok4.mp3|titles=Mozartók: Quarteto de Cordas n.9 KSz.91 – 1. Allegro moderato]… e estes dois outros trechos do Quarteto de Cordas nº4 de Bartók, com o mesmo tema:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/Bartok41.mp3|titles=Bartók: Quarteto de Cordas n.4 – 1. Allegro (dois trechos) (Emerson)]Para concluir, é importante notar que, apesar de Mozartók ter deixado obras tão inexpressivas, Bartók sempre teve uma grande admiração pelo seu antecessor. É por esse motivo que Bartók, ao final de seu Quarteto de Cordas nº5, faz uma citação de uma das obras mais famosas de Mozartók, a sua Sinfonia Inacabada:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2012/11/Bartok55.mp3|titles=Bartók: Quarteto de Cordas nº5 – 5. Finale (trecho) (Novak)]Não há como não se emocionar com esta homenagem, não é mesmo?
Me arrepiei lendo, ouvindo e vendo. Parabéns pelo post alegre e criativo.
Post histórico no blog, depois da première do Quarteto Jinglebelovsky do P.D.Q. Beethoven.
Muito engracado, parabéns. Mas seria tb interessante procurar mais indícios de Mozart na obra bartokiana. Pessoalmente, acho o primeiro movimento do Concerto Nr. 3 pra piano de Bártok muito mozartiano. Näo devido a temas ou harmonias, claro, mas devido a forma cristalina, neoclássica. Abs.
Esse post foi muito curioso e interessante, parabéns!
É por isso que gosto do euterpe ^^
Maravilhoso
Alô galera, obrigado pelas palavras!
F.S., também acho muito curioso como o Bartók da última fase soa tão redondo e acessível (neoclássico), mesmo usando os temas populares húngaros que lhe eram tão caros e que soavam tão dissonantes nas obras anteriores. Mas, não sei se vc irá estranhar ou duvidar do que vou te dizer: mesmo estes três quartetos dissonantes centrais (nºs 3, 4 e 5), até eles possuem formas clássicas como forma sonata, rondó e A-B-A; uma vez que vc absorva e passe a identificar os temas, a forma parece gritar “olha eu aqui”, como nas obras de Mozart.
Hum…. acho que seria uma boa idéia preparar análises destes quartetos. Aguardem, quem sabe ano que vem…
“Não há vida inteligente na internet”, ouço isso com certa frequência. Lendo um post como esse, penso o contrário “que outro lugar podemos aprender tanto?”.
F. S. Monteiro e Amancio,
“Perorando” a lição do post, eu diria que, ao invés de comparar Mozart e Bartók, ele revela o tratamento dado por Bartók a certos temas que, caso fossem tratados de maneira convencional (às vezes até demais, nessa criação amancística muitingraçada), mostrariam não ser nenhum bicho em si. E encorajando-se a identificar esses temas que não são nenhum bicho, de fato, a forma se mostra como idioma.
Amancio,
O primeiro vídeo postado não te lembra a Rhapsody No. 1 BB 94a de Bartok?
Bosco, não havia reparado não. Mas para aqueles que quiserem reparar (eu me incluo no grupo), olha aqui o mestre Ivry Gitlis com a Marta Argerich em 2004 tocando a rapsódia: http://www.youtube.com/watch?v=dGr8WzL9S5U#t=165s
Esse grupo Muzsikás é realmente um belo achado! Faz um mês que os descobri, e não canso de ouvi-los. Aqui estão eles com o Jenö Jandó, tocando o Allegro Barbaro: http://www.youtube.com/watch?v=goX-ekpbktQ
E aqui novamente eles com uma orquestra “de verdade” tocando as Danças Romenas: http://www.youtube.com/watch?v=4HAIHSqiwAA
Já este aqui lembra às vezes o Quarteto 3, às vezes o Quarteto 4: http://www.youtube.com/watch?v=dcD0ZEXXKeo
Ótimos vídeos, Amancio. Infelizmente essa valorização do folclore húngaro está sendo dirigida, não digo neste caso específico do grupo Muzsikas, por um governo fascista. Músicos como Andreas Schiff (este se nega tocar em seu país) entre outros estão preocupadíssimos com isso.
Que sagacidade Amancio, Parabéns!
Parabéns! Conteúdo de primeira!
Vou apresentar aulas assim a meus alunos!
Gostei muito de voces fazerem a comparação entre dois gênios de primeira grandeza. Achei um espetáculo a apresentação do conteudo, muito bom. Este post de vocês parece até um sonho, de tão incrível e trabalhoso. É muito amor e dedicação a musica erudita.
Falando em gênios de mesma grandeza, vocês concordam que entre os compositores, tem isso de compositor menor, mediano e de alta qualidade? Como vocês veem isso? Estou sendo preconceituoso?…darei um exemplo de 20 compositores de cada categoria, prá ver se voces concordam. Vamos lá: Os compositores medíocres são aqueles, ao meu ver, que são vistos como compositores de obra singular. Apenas em uma ou duas obras sua criação alcançou as alturas da genialidade, sem alcançar mais.
20 exemplos de compositores medíocres ou de obra singular:
Adolphe Adam, Albinoni, Bruch, Chabrier, Dukas, Leoncavallo, Joaquin Rodrigo, Sinding, Carl Orff, Phillip Glass, Glinka, Hekel Tavares, Arthur Benjamin, Paganini, Balakirev, Barber, Bloch, Boccherini, Salieri, Clara Schumann. Já passou dos 20, mas, gostaria de acrescentar dois típicos compositores medíocres: Khatchaturian e Gorecki.
20 exemplos de compositores de alta qualidade:
considerarei apenas os séculos XIX e XX, pois, os gigantes dos séculos passados todo mundo já conhece. Exemplos de mestres de qualidade dos séculos XIX e XX são:
Henze, Lutoslawski, Berg, Ravel, Boulez, Hindemith, Britten, Messiaen, Schoenberg, Tippett, Debussy, Stravinsky, Webern, Britten, Bartók, Vareze, Tchaikovsky, Brahms, Wagner, Chopin.
20 exemplos de compositores medianos (em qualquer tempo): Mahler, Honnegger, Vivaldi, Poulenc, Albeniz, Carter, Borodin, Finzi, Davies, Mendelssohn, Emanuel Bach, Chausson, Bernstein, Bizet, Erick Satie, Dvorak, Elgar, De Falla, Grieg, Prokofiev. Já chegou nos 20, mas, gostaria de acrescentar Rachmaninov como mediano e William Walton.
Eu não sei como classificaria figuras como Liszt, Fauré, Cezar-Franck, Schumann ou Berlioz. São extremamente talentosos, estão acima da média, mas, não habita o céu dos gênios, apesar de suas originalidades. Juro que não sei em que lugar os colocaria, como os vejo e sempre os vi. Eles tem excessos que estragam (e muito) o equilibrio de suas obras, às vezes, imperfeições por falta de capacidade mesmo, e, ao mesmo tempo, demonstram um talento notável. Parecem dublês de gênios, mas, não gênios.
Bruckner e Tchaikovsky quase estariam neste patamar dos quase gênios, mas, o tempo me provou que o caso deles dois é muito diferente. Como voces vêem este assunto, uma vez que vocês confrontaram Mozart com Bartók é porque acreditam nestas diferenças de talento? Porque, ao meu ver, Mozart e Bartók estão no mesmo patamar…
Olá Denison, creio que há uma pequena confusão aqui. No meu texto não fiz comparação alguma entre Mozart e Bartók (mesmo porque eu não gosto de fazer esse tipo de comparação, já já eu explico melhor). E até para evitar uma comparação direta entre esses dois compositores eu acabei criando um compositor fictício, Mozartók, que de Mozart nem o nome tem. Minha intenção ao escrever este post era mostrar que Bartók só fez o que fez porque queria divulgar a cultura húngara; se ele tivesse harmonizado as melodias húngaras da maneira acadêmica tradicional, o resultado não seria húngaro. E mesmo se Mozart (o original) tivesse escrito uma peça utilizando melodias húngaras, o resultado mesmo não soando húngaro teria sido com certeza muito melhor do que os arremedos de composição que preparei para este post. (Sejam sinceros: eu deveria ter estudado mais composição, harmonia e contraponto, não é? (risos)).
Sobre comparações entre compositores ou obras (qual sinfonia é melhor, etc), rankings de melhores músicas ou melhores compositores, não é algo que eu goste porque não vejo sentido em comparar coisas distintas. Por exemplo, que critério você usaria para comparar a Nona Sinfonia de Mahler e a Sinfonia 41 de Mozart: duração? Quantidade de compassos? Qual é mais triste ou mais alegre? Gosto pessoal? (aliás, gosto pessoal de quem? Meu, seu, do Boulez, da Dilma ou da vizinha fã do Justin Bieber?)
Qualquer critério que vc use poderá se tornar disparatado quando mudarmos os objetos de comparação. Tipo: Massenet é um compositor muito maior do que Beethoven, porque ele escreveu mais de 20 óperas e Beethoven apenas uma. Alguns poderiam dizer, “o grande juiz é o público”, mas durante o século XIX Vivaldi nem chegou a ser considerado medíocre, pois era um completo desconhecido. Você pode nunca ter ouvido falar em Bréval e Romberg, mas são nomes famosos para muitos estudantes de violoncelo (assim como Giuliani e Tárrega são para os violonistas). Repare que Paganini, violinista famoso, não tinha motivo algum para escrever um concerto para piano, assim como Chopin, pianista famoso, não tinha motivo algum para escrever um concerto para violino.
A pergunta então não é “como compará-los”, e sim “por que compará-los”. Por que você precisa classificar Liszt? Ouvir, gostar e estudar já não seria o suficiente? :-)
Obrigado pela atenção, Amancio. Você me livrou – com poucas linhas que usou – de uma carga que eu carregava há anos…sempre tive hábito de comparar…classificar…precisava ouvir você para chegar a conclusão de que é tudo uma besteira isso de comparar…mas, ainda fica aquela pequena pulga atrás da orelha me dizendo: Beethoven foi muito maior que Massenet, porque dominou vários gêneros diferentes, escreveu obras-primas em vários gêneros, tipo quarteto de cordas, sinfonia, a única ópera que escreveu é uma obra-prima, escreveu obras-primas no gênero concerto, trio, sonata para piano solo, sonata para violino e piano e missa. Beethoven não seria um gigante em dominar tantos gêneros em comparação com Massenet, que apenas se dedicou à ópera? Ou pelos menos, não poderiamos dizer que Beethoven é um compositor mais completo que Massenet? Que enfrentou mais desafios? Mais gêneros?
Denison, vc apenas acaba de estabelecer mais um critério de comparação, que pode furar a qualquer momento dependendo dos compositores comparados. Por exemplo o próprio Khatchaturian, que vc considera um compositor de segunda linha, ele escreveu sinfonias, concertos, balés, música de câmara, para piano, trilhas de filmes, veja a lista no Wikipedia. Conheço pouco dele, mas do pouco que conheço tenho-o em alta estima (vc conhece o Concerto para Violino dele?). Mas, digamos, seria Khatchaturian “mais completo” do que Richard Wagner, que escreveu apenas óperas? Ah sim, claro, Wagner escreveu uma única sinfonia que, digamos, não soa muito bem. Mas deveríamos julgá-lo pelo que ele fez de pior, ou pelo gênero que ele dominou?
Ok, uma vez estabelecido que Khatchaturian foi um compositor mais completo do que Wagner… no que isso muda meu modo de apreciar a música de ambos? A Meditação de Thaís vai soar menos bela, se eu admitir que Beethoven foi melhor que Massenet?
O “ranking” do Denison expõe algo muito inquietante, que é a questão do repertório padrão, do cânone e como afinal eles são formados. Nosso amigo Ivan Ricardo, reagindo à Sequenza III do Berio no último post do blog, aposta em um completo relativismo. Eu obviamente discordo desse relativismo, mas a multiplicidade de determinantes para a questão pode deixar qualquer um desconfiado ou confuso.
Mas a respeito dos “rankings” do Denison o que eu gostaria de observar segue a linha do Amancio. Que a escolha de critérios coerentes e mesmo francamente mensuráveis seja um problema ele já disse, eu apenas acrescento que comparações desse tipo podem ser um parâmetro vicioso para nos relacionarmos com a música. O ouvinte diante de uma nova obra musical muitas vezes se sente sem parâmetros do que pensar daquilo: os dados históricos e o nome do compositor ainda dizem pouco para ele. O que fazer? Nesse momento esses tipos de hierarquia costumam ser o primeiro esquema de valores que ele encontra. Mas se é verdade que é bom ouvir uma sinfonia de Beethoven motivado em saber que se trata de uma obra-prima, é definitivamente ruim se deparar com obras desconhecidas revestindo-as com essa aura de “mediocridade” (termo usado pelo Denison que eu achei muito radical). Parâmetros são necessários para situarmos as dimensões de uma obra-de-arte – sua história, suas convenções, seus contextos, suas referências, etc. -, mas parâmetros de valor antes de sequer ouvir uma composição são algo apriorístico que destreina os ouvidos para se ouvir música e depreender os seus sentidos sem preconceito. Bom ou ruim, o fato é que todos estamos expostos a esse tipo de influência, mas é prudente ao menos tomarmos essa consciência em algum momento, e aí a pergunta do Amancio se torna inevitável nesse tipo de conversa: “Por que comparar afinal?”.
Caro Denison:
Uma lista de Melhores (Mais Importantes/Imperdíveis/etc) vai sempre revelar mais sobre o listante do que sobre os pobres listados, incapazes de se defenderem por terem sido selecionados.
Com relacäo à sua frase:
“Bruckner e Tchaikovsky quase estariam neste patamar dos quase gênios, mas, o tempo me provou que o caso deles dois é muito diferente.”
Convém lembrar do que disse o maestro Günter Wand: “Compositores como Mozart, Schubert e Bruckner säo pra mim uma prova da existência de Deus.”
Näo seria muito mais interessante saber os motivos dessa afirmacäo, em vez de comparar os compositores? Abs.
O subjetivismo da música parece que permite discussões mais intermináveis que as intermináveis discussões filosóficas, por exemplo. É um infinito maior que o outro.
As comparações, ou antes, o processo de ranquear algo subjetivo é um problema. No caso da música, seria necessário, só para começar, conhecer (e conhecer muito bem) toda a produção de todos os compositores envolvidos. E isso ainda não é nada, pois não podemos esquecer do caráter interpretativo de cada obra. Ainda assim, superando tudo isso, um ranking final seria algo inteiramente discutível.
Mas, de qualquer modo, se alguém nos pergunta sobre quais são nossos compositores preferidos, ou o contrário, (essa pergunta não é errada) nossa resposta virá tão somente de um ranking particular, construído sobre inúmeros aspectos, que afeta inclusive nossa motivação para ir ao teatro, ou gastar dinheiro numa loja de CD.
O grande problema desse tipo de seleção é o próprio rótulo que envolve o compositor. Para um ouvinte que se inicia em música erudita isso é um perigo, e parâmetros devem ser analisados com muito bom senso. Como bem citou Amancio e Leonardo, não existe razão para se comparar, é ouvir mesmo, se dedicar, e se apaixonar, porque é muita música, muitos estilos, enfim, um mundo por si só.
Sinto em discordar com vocês, amigos, e é bom que eu defenda minha posição aqui, para que estejamos, talvez, ajudando aos outros leitores – que muitas vezes leem, mas, nao se manifestam – a pensarem sobre o assunto.
Vamos lá…Por que comparar? Simples…porque não temos todo o tempo do mundo para consumir tudo de todos, não temos dinheiro suficiente para comprar todos os discos de todos, portanto, tendo o auxílio de um especialista, de um crítico, de livros do assunto, de dicas de amigos que se interessam pelo assunto, podemos gastar consumindo o básico, o melhor dos melhores, as obras-primas, os maiores compositores talvez justifiquem um investimento maior em mais CDs…estou falando aqui de consumo real…como saber o que comprar prá ouvir, se não houver uma lista? Um crítico que selecione?
Senhores, por favor, Jules Massenet permanece, antes de mais nada, para o grande público, o autor de dois pilares apenas do repertório lírico. Pelo que eu saiba: Werther e Manon. E só. Eu faço parte deste grande público que consome música erudita (ou vocês aí são todos especialistas cientistas, pesquisadores especiais?) Primeiro, eu não sou músico e não sou especilaista. Sou um consumidor comum, que só escuto isso: música erudita: música antiga, barroca, clássica, romântica, moderna e, vez ou outra, até contemporânea. Respeito Massenet pelo fato de ter sido professor de Bruneau, Charpentier e Chausson (cujas obras vocais eu admiro demais).
Como posso comparar este homem medíocre com Beethoven? Vamos a um gênero. O instrumento dos dois era o piano. Enquanto Beethoven escreveu cinco concertos, dos quais, os três últimos são maravilhas do repertório, Massenet escreveu apenas um. Este filho único não teve sucesso nem em sua estréia e nem depois de anos. Não sei o que dizer de uma obra falastrona e que parece híbrida, um tanto desigual. Não se encontra senão por momentos, nessa obras disparatada, a mão do autor das Cenas Alsacianas, que ainda hoje conservam seu sabor.
Quanto a Khatchaturian, meu deus…suas composições alcançaram êxito internacional apenas nos anos 30 e 40 do século passado, e algumas delas (o adágio de Espártaco, por exemplo) ainda o conseguem até hoje. Sua obra é, em sua maioria, de baixo nível (ex: poema sobre stalin), mas, há a boa sinfonia n.1, concordo. Mesmo assim, sua obra cheio de exuberância armênia, misturado com as formas tradicionais, deve muito a Rimsky-Korsakov e Borodin, sem superá-los.
Além disso, ele escreveu sete suítes para orquestra, todas completamente esquecidas do Mundo. Quanto ao concerto para violino citado aqui, pelo amor de deus, ele é medíocre, obra menor, esquecida do Mundo. Ninguém comenta ou lembra que ele existe em livro algum. Os concertos para violino que eu indicaria para um apreciador que quer investir em CDs seriam os de Brahms, Mendelssohn, Beethoven, Mozart, Tchaikovsky, Prokofiev, Berg, além de outros…até mesmo o criticado concerto tríplice de Beethoven supera em beleza e nuances técnicas este concerto para violino de Kathchaturian…
Quanto ao concerto para piano do compositor Katchaturian, que é o único concerto dele que pode “dar as caras” numa sala de concerto no fim do mundo, é uma obra até vistosa e suculenta: a sensação que me transmite ao ouvir com partitura em mãos é de uma queda de braços entre o solista e a orquestra. Isso é um dos seus principais atrativos, mas, o fundo musical é pobre, parece musiquinha de cinema, também o inesperado encontro entre liszt e um trem de acrobatas circenses da Armênia é meio extravagante, não? Eu prefiro a seriedade de um Beethoven. A concisão, o respeito pelo intelecto…eu colocaria Beethoven como maior que esses compositores todos…todos fracos, limitados, perda de tempo investir neles…eu acho…crítico serve para selecionar mesmo, prá criar listas…ser seletivo é bom, nos defende contra a mediocridade…sinto discordar de vocês e me defender aqui…
Na verdade, depois daquela mediocridadezinha que chama Dança do Sabre, o concerto para violino de Katchturian, é a peça dele mais conhecida, mas, ninguém nem lembra que existe. Apesar do clima ensolarado e umas melodiazinhas bonitinhas, o concerto se mostra ao meu senso crítico, de exigência técnica máxima, bom gosto absoluto, se mostra um concerto acadêmico demais, na forma e na linguagem…me entristece ver um compositorzinho fazer “dever de casa” prá mostrar pro papai ver como “o menino sabe fazer tudo direitinho como o professor mandou.” risos
Só o futuro julgará quem está certo: eu ou vocês? Quanto vai restar de Massenet para se consumir e quanto vai restar de Beethoven…
Denison,
A grande questão é: por que isso precisa ser feito em termos comparativos? Mesmo que Beethoven seja um compositor muito mais importante e influente do que Massenet em termos de presença e abrangência na história da música (e isso é apenas um critério a se discutir), eu não consigo pensar que Massenet devia, digamos, ter sido como Beethoven em qualquer sentido, considerando o universo em que ele vivia.
Noto duas coisas nos seus exemplos: cada uma das suas descrições não precisava de comparações para chegar às conclusões a que você chegou, e também quase cada comparação que você fez apelou para o critério da presença das obras de cada compositor nas salas de concerto, o que é um critério com vantagens mas também desvantagens. Vejo, por exemplo, que as óperas de Janacek e Martinu são muito menos apresentadas do que as óperas de Verdi e Puccini, mas esse é um critério completamente inútil para aferir o valor dessas obras, porque a dimensão em que as óperas de Janacek renovaram o gênero é muito maior do que esse critério pode revelar.
Como eu havia dito, a questão do cânone impõe um mistério e um problema ao mesmo tempo. Os determinantes para a sua formação são múltiplos e por vezes contraditórios, mas esta não parece acontecer por acaso. E não ficamos em paz desempenhando o nosso papel de ouvinte prescindindo do cânone, mas ele não necessariamente coincide com o nosso gosto pessoal.
Resta aquele discernimento prático de que temos falado para auxiliar esse papel. Comparações, como eu sugiro lendo o seu comentário, não são estritamente necessárias para a seleção do nosso repertório, pois é mais fácil que elas acabem reduzindo um repertório vasto e diversificado a um mesmo parâmetro de comparação para o nosso gosto ao invés de nos ajudar a lidar com essa diversidade, e isso quase sempre acontece sem que sequer percebamos.
Um bom discernimento na nossa relação com o cânone, creio, é termos consciência (e humildade) de que certas coisas podem ser boas independentemente do nosso gosto pessoal. Assim sabemos que não somos obrigados a gostar do cânone, mas que ele pode nos servir de guia. Assim acabamos descobrindo o porquê de certos compositores e obras constituírem o cânone, e por acaso como de alguns outros ninguém fala nada. E assim vamos descobrir como alguns nós realmente achamos geniais, e outros nem tanto – seja porque não são grande coisa mesmo, seja porque você particularmente ainda não seja, e talvez nunca venha a ser, capaz de apreciá-los (o que acontece com todos nós, por conta de compatibilidade de gostos e de temperamento, onde cabe a tal humildade).
Vamos fazer assim, Amancio e Leonardo, cite uma obra importante de Katchaturian ou Massenet e eu cito uma de Beethoven…tipo assim…voce citou de Katchaturian o concerto para violino, ai eu coloco o de Beethoven, depois voce cita a dança do sabre, ai eu cito a abertura egmont, ai voce cita o concerto para piano unico, ai eu cito o concerto de piano numero 5 de Beethoven, depois voce cita, continue…vai chegar uma hora que voce não terá bala na agulha, enquanto, Beethoven tem muita ainda…no final, se medirmos o nivel das obras de Beethoven e os de kATCHATURIAN, veremos que o de Beethoven é superior. E mesmo em quantidade e diversidade, Beethoven é superior. Mas, muito mais na qualidade. Portanto, posso dizer que um Bartók, um Mozart e um Beethoven são superiores a um Massenet, Katchaturian, Borodin…etc etc etc
Mas isso é óbvio. Você está esquecendo qual era a discussão afinal: a questão não é defender a (im)possibilidade de se dizer, em qualquer sentido, que Beethoven seja superior a Khachaturian. E sim, simplesmente, responder a pergunta: por que você está fazendo essa comparação?
Você defendeu que a comparação serve para desempenharmos o nosso papel de ouvintes usando o cânone como guia. E eu sugeri que a comparação pura e simples *não* é necessária nesse processo e que nos seus próprios exemplos um critério duvidoso, por conta do impulso de comparar, acabava escapando, que era o da presença de uma obra em salas de concerto. A presença de certas obras nas salas de concerto do mundo inteiro (assunto complexo) tem suas razões de ser, mas ele sozinho, como critério, obviamente achata os valores de obras que não podem ser medidas por esse critério, então há bons motivos para dizermos que é algo desvantajoso de se fazer nesses termos.
Eu não acho que comparar seja proibido, sem propósito, nem impossível, mas tudo o que estou questionando é o *motivo* de você particularmente estar trazendo essas comparações usando critérios às vezes duvidosos.
Ok, ok, eu admito: Beethoven é muito melhor do que Massenet. E por causa disso, eu nunca mais vou ouvir a Meditação de Thaís (tudo bem, eu raramente a ouço). Também nunca mais irei recomendar Pagliacci para ninguém, e afinal pra que perder tempo com o Adagio do Barber se temos todo o Op.132 de Beethoven? Violonistas, párem de estudar o Aranjuez, vão lá estudar um arranjo da Flauta Mágica que vcs ganham muito mais. Chega de ouvirmos In Trutina, não aguento mais ver o Mickey dando uma de feiticeiro.
Acho que vocês poderiam escrever um post sobre esta questao do ranking, do modelo de cada um, das listas dos melhores, hits, etc…
Boa sugestão! Mas enquanto o post não fica pronto, vc poderia ir dando uma olhada nestes três aqui:
Meus onze álbuns preferidos (Gripp United)
Seleção das onze (Leonardo F.C.)
Os 11 selecionado do… Atchim!
Voce nao tem ideia, Amancio, do prazer inenarravel que senti, durante os 45 min que atentei e li concentrado a lista de Leonardo. Perfeito. As listas servem de guia, mas, tambem de prazer para quem lê. Uma diretriz de alguem mais experiente é sempre bem vindo. E a gente atraves da lista, lendo as resenhas, a gente se diverte, enquanto mergulha no universo do gosto pessoal do outro. Nada se compara com o prazer, em leitura, de vislumbrar estas resenhas sobre discos, sobre musica…
Alias, tenho aqui um livro de Arthur da Tavola escrevendo comentarios sobre as obras de Ravel..acho uma delicia.
Legal que gostou, Denison! Mas, não sei se vc percebeu, é exatamente como o F.S. Monteiro escreveu ali em cima: a lista fala mais sobre os listantes (neste caso, nós os autores) do que dos listados. Quando criamos estes posts, o blog não tinha ainda nem um mês de vida; e foi uma boa série, pois ela pôde mostrar um pouco de nós “na intimidade”, o que gostamos e como nos relacionamos com a música. Se quiser usar como recomendação, tudo bem, vá em frente, mas vc logo vai descobrir que cada pessoa tem um gosto diferente da outra, e você mesmo um dia vai acabar “personalizando” o seu (se é que já não o personalizou).
Meu caro Amancio, por mais que as pessoas sejam diferentes, sempre na lista terá que estar Beethoven, Bach, Brahms, Mozart, por que será? Será só uma questão de gosto? Claro que toda lista termina tendo algumas disparidades, mas, toda lista dos melhores concertos para violino, para as melhores sinfonias, melhores compositores, sempre se parecerá uma com a outra…por que será, meu caro? Será por acaso? Será só uma questão de gosto, mesmo? Se uma lista não contém, por ex, Beethoven ou Bach, este autor estará só demonstrando sua ignorância. Se voces querem realmente me convencer que listas sao coisas só divertidas, mas, que nao servem para nada, uma vez que voces insistem em perguntar:”para que comparar?” Claro que a hierarquia existe em toda parte. Voces estao em que mundo? Beethoven é, sim, muito maior que Massenet. Vou provar com poucas palavras: beethoven enfrentou vários gêneros diferentes e escreveu obras- primas em quase todos eles, na maioria deles…inclusive, no total de sua coleção de opus, escreveu dezenas de obras-primas. katchaturian e massenet escreveram varios generos, mas, nao dominaram muitos. Nao escreveram muitas obras-primas. Uma coisinha aqui, outra lá…podemos comparar, sim, e é corretissimo dizer: beethoven é maior que eles dois juntos. E pra que serve isso? Para as pessoas saberem onde estão pisando. Por exemplo, Berio, que voces divulgaram ai encima, é um compositor menor. E eu falo isso com propriedade e razão. Ninguém é obrigado a ter de aturar Berio, uma vez que ele nao significa muita coisa na historia da arte. E nao responda minha colocação aqui usando de ironia ou zombação, pois sou professor de artes visuais e sempre ensino assim aos meus alunos, que existem compositores maiores e outros menores…e tem mesmo…a arte é assim.
E na sua lista de pintores, quem é maior: Picasso ou Brueghel o Velho? Monet ou Goya? O que você diz aos seus alunos de artes visuais?
quando voce passar a falar sério, ao invés, de me zombar, eu respondo suas perguntas. Aliás, eu deveria fazer como a maioria, deixar este site às moscas.
Não te zombei nesta última pergunta, me desculpe se eu me expressei mal. Gostaria de saber se você também classifica pintores como faz com compositores, e como os recomenda para aqueles que te perguntam. Veja, eu não entendo nada de artes visuais, mas estou levando a discussão para um terreno que você domina, exatamente porque assim (creio eu) você entenderá meu ponto de vista.
Prezado Denison:
Acompanho com interesse essa discussão, e até já dei um pitaco acima. Não fique chateado se o blogueiro faz a mesma pergunta (na “sua” área) que vc faz na área da música. Ele apenas demonstrou, de maneira “plástica”, que certas comparações não levam a nada. Vou tentar resumir a coisa:
1. A sua lista de compositores preferidos é certamente uma lista consensual, que pouquíssimos refutariam. Mas gênios são incomparáveis, porque não dispomos de parâmetros objetivos para tanto (graças a Deus!).
2. Dentre os compositores que vc chama de medíocres ou medianos, existem muitos que fariam muita falta, não só a mim e ao blogueiro, se eles não existissem. Eu p.ex. adoro o “Aprendiz de Feiticeiro” de Paul Dukas (além de outras obras dele, que vc talvez desconheça, como “Ariane et Barbe-Bleue”, “La Péri”, a Sinfonia em Dó, ou mesmo a Vilanella pra trompa). Não acho justo chamá-los de “compositores de obra singular.”
3. Não é lícito dizer que um compositor X é melhor do que um compositor Y, porque X dominava mais formas diferentes. Bach e Domenico Scarlatti eram contemporâneos. Bach escreveu em diversas formas, Scarlatti optou pela sonata para cravo. Mas dentro dessa opção, Scarlatti foi genial.
4. Fator tempo: Hoje, não é mais preciso provar que Bach era um gênio, mas no final do século 18 ele era um compositor pouco conhecido entre o público de concerto, e provavelmente não entraria numa Lista de Melhores, na época.
5. Fator tempo II: Você se lembra da sua música favorita aos 10, 20, 30 anos, etc?
6. Uma coisa é a Beleza evidente, de cartão-postal, que qualquer um sente e aprova. Outra é a Beleza recôndita, só perceptível com a lupa ou o microscópio. Mas a beleza microscópica, que poucos percebem, é tão válida e importante quanto a beleza consagrada. Existem, na Música e nas Artes Plásticas, milhares de exemplos das duas Belezas. Ainda bem!
Então, estabelecer um cânone seria artificial, temporário e pessoal. Ouça o máximo de Música que puder, não deixe de fazer perguntas, e alegre-se pelas descobertas que fará, até o fim da vida. Abs.
Obrigado, Monteiro, pela atenção. Vamos lá, Amancio: Eu digo sem medo de estar errado, porque minhas observações partem de minha sensibilidade artística e de minha noção de estética. Seguindo minha sensibilidade, Michelangelo, por exemplo, é visto como um grande escultor. Mas, ele sabe esculpir bem o corpo masculino. Observei, visitando a Itália e a França, que suas esculturas femininas são mal feitas. Ele simplesmente não sabe esculpir o corpo feminino. Outra coisa, se a capela sistina tivesse sido pintado por um Rafael seria muito mais belo e equilibrado…aquelas pinturas são aterrorizantes de mal feitas…ele mesmo admitia que não era pintor, mas, o papa insistiu. Eu prefiro um trilhão de vezes mais a decoração de todas as salas da Grand Scuola de san rocco, feita por Tintoretto do que a capela sistina, principalmente do péssimo desenho do Juizo na parede. Outra coisa: nunca acharia que um pintor como Gentileschi tem o mesmo nível técnico de um Leonardo da Vinci, que é um grande pintor. Eu sou assim: critico e comparo mesmo…vocês tem uma postura passiva, retraída, tem medo de julgar, de dar nomes aos bois, parece até que nem tem capacidade de julgar ou vocês tem medo de errar, sei lá…espero que esta discussão gere algo de bom, algum post interessante tratando do assunto. Espero que vocês me indiquem algum post antigo que fale seriamente das sinfonias 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8 e ou 9 de Bruckner, que acho magnificas…gostaria de ler alguma critica a respeito…e quanto a este assunto aqui, devemos deixar de lado, pois, percebemos que, finalmente, vocês tem um ponto de vista sobre a arte e eu tenho outro…eu sou preconceituoso, sou seletivo, sou julgador, sou crítico, vocês, não. Então não adianta insistir…eu não vou nunca entrar nessa loucura de que um pintor autodidata e limitado como Menelaw Sete, aqui da Bahia, que é ovacionado na Europa como o Picasso Brasileiro, não acho que o nível dele é comparável com o de Picasso, como também não concordo que Massenet mereça ter minha atenção em detrimento da obra de Beethoven. Eu tenho de escolher, tenho de selecionar, tenho de ser preconceituoso, pois, o dinheiro não é infinito, eu não consigo adquirir musica de graça (vocês conseguem? Se conseguem, agradeço que me mandem um email com dicas de links)…não tenho tempo e nem dinheiro sobrando prá estar investindo nestes mestres menores que vocês citam aqui, tenho de investir nos melhores entre os melhores. Prá que comparar? Para saber onde investir. Para saber com o que gastar…por que vou comprar a Vilanella pra trompa de Dukas, se eu posso comprar pelo mesmo preço no iTunes as sinfonias de Honnegger, que é muito mais importante prá mim, porque é um compositor mediano, enquanto Dukas é medíocre? Eu não invisto em mestres medíocres. Espero que tenham entendido meu ponto de vista e que falem sobre as sinfonias de Bruckner.
Se voces me mandarem um link de Dukas que me impressionem eu envio um milhão de dolares para voces via correio.
Já escrevi o que tinha para escrever aqui, mas, como alguns mal-entendidos persistem, vou fazer uma última síntese do que eu considero que vale a pena guardar dessa questão toda, que são basicamente os seguintes pontos: ninguém disse que é impossível comparar, mas é razoável haver um motivo, e o Denison não conseguiu justificar a finalidade nem a necessidade das comparações pueris que ele fez (a desculpa de selecionar o que ouvir não precisaria de comparações finais, apenas de descrições). Isso não quer dizer que não haja ferramentas para a crítica na música e que tudo seja relativo, só quer dizer que nós não precisamos nos apoiar em rankings para arrogar a superioridade de um lado sobre o outro na arte. A postura dele no post sobre o Berio é reveladora nesse sentido: se comparar serve para ser como ele naquele post, desencorajando as pessoas a ouvirem música porque fulano é “menor”, então é melhor não comparar e eu estou muito satisfeito de não ser igual a ele.
Agora detendo-me no caso aos que se interessarem: http://euterpe.blog.br/sobre-o-campeonato-de-pontos-corridos-dos-compositores (isso NÃO é um post do blog, é só um espaço em que coloquei o texto)
Bem, Denison, se vc já entendeu nosso ponto de vista, beleza! Era exatamente aqui que eu queria chegar. Mas se vc já tem opinião formada sobre o assunto, não nos peça para convencê-lo do contrário, porque então a discussão não chegará a lugar nenhum e nós vamos ficar repetindo ad eternum sempre os mesmos argumentos.
Tenho só algumas dicas envolvendo a questão financeira, que vc evocou como finalidade máxima para um ranking de compositores. Hoje com o Youtube é possível ouvir praticamente qualquer música que se queira com custo praticamente zero (claro, é recomendável ter conexão banda larga). Por exemplo, assim que o F.S.Monteiro falou da Villanelle de Dukas, só digitei “Vilanella Dukas” lá e já pude matar minha curiosidade sem precisar comprar nada. Mas se vc quiser fazer downloads, pesquise os programas com tecnologia “Peer to Peer”, como Emule, Ares e a tecnologia torrent. Boa sorte!
Corretíssimo, Amancio.
Caro Leonardo, o título “Sobre o campeonato de pontos corridos dos compositores” é sensacional. Ainda não li seu artigo, mas, por enquanto, minha opinião é a seguinte: olhando superficialmente, e apenas superficialmente, Denison tem razão. A lógica dele é que não vale a pena perder minutos preciosos da vida, arriscando-se a se deparar com algo que provavelmente não presta, de alguém que julgamos que não presta. Nós sabemos o caminho que pisamos. Ninguém aqui, eu tenho certeza, teria motivação e disposição para ouvir qualquer CD que encontrar pela rua. Entretanto, ninguém espera que vai morrer amanhã.
O problema é que, como eu já havia dito antes, as pessoas dão valor pelo nome do autor. Não deveria ser assim. Eu penso, não sei se estou certo, que no caso da música, a criação supera o criador. Isso é estranho, mas, por exemplo, quando ouço o espetacular Quinteto op.44 de Schumann, penso tão somente que o quinteto é espetacular; e se me perguntam se eu gosto de Schumann, não sei bem o que dizer. Só o fato de ele ter escrito uma obra tão genial já me motivaria a conhecer toda a sua produção.
Claro que Mozart é muito maior que Max Bruch, mas em todas as suas seis, repito seis, tentativas concretizadas de fazer um concerto para violino, ele sequer conseguiu chegar perto do primeiro concerto de Bruch. É muito mais salutar investir em um bom livro sobre a história e desenvolvimento da música erudita do que simplesmente descartar o que vale ou não a pena pelo nome do autor.
E eu também não sei de onde Denison tirou essa ideia de que “vocês tem uma postura passiva, retraída, tem medo de julgar, de dar nomes aos bois, parece até que nem tem capacidade de julgar ou vocês tem medo de errar”. Ele com certeza ainda não entende o propósito do blog. Outra coisa, acho que se Denison pensar mais um pouquinho vai perceber que ele próprio destrói a própria razão: se não vale a pena investir na Vilanella porque Dukas é medíocre, é preferível investir em Honnegger por causa das sinfonias. Não entendi. É investir em Honnegger ou nas sinfonias de Honnegger? Se ele diz que não tem dinheiro sobrando, pra que comprar de novo essas sinfonias? Ou então, por que investir em alguém que é apenas mediano? Não seria mais inteligente apostar todo o dinheiro direto nos três B da Alemanha?
Olha, sei não. E dizer, ainda por cima, que este site deveria ser deixado às moscas é, no mínimo, um auto atestado de ignorância musical.
Ivan,
Ele de fato está certo nesse sentido, e isso é algo que todos nós fazemos. A realidade não é tão casual a ponto de não podermos esperar que o compositor de uma grande obra-prima possa ter outras obras de interesse para nós. O problema está em propor para si e para os outros que um compositor seja medíocre, desencorajando a audição da sua obra, apenas porque outro compositor é considerado maior dentro de certo critério. Arte não funciona assim, esse é um raciocínio que, como você mesmo mostrou, o levaria apenas ao pico do seu próprio ranking, como se não devêssemos ser gratos pela diversidade da música. Fora que eu vejo que o rótulo de “medíocre” é um mero reflexo de se encaixar uma lista no repertório limitado de adjetivos dele: os últimos colocados precisavam de um adjetivo que o fizesse se sentir seguro de ter algum controle do que ele conhece, por isso só restou chamá-los de “medíocres”. Bom, enquanto Massenet imortalizou o próprio nome, nós mesmos dificilmente seremos lembrados por mais do que duas ou três gerações – o que é que nós somos então? A não ser que se queira dizer que Massenet é indigno de ter sido imortalizado, o que seria outra discussão e só mostra pra onde somos levados quando ignoramos o lado inexato desses tipos de comparações tão discrepantes.
Na nossa geração de rótulos e siglas dá uma tremedeira danada quando não julgamos algo, dizer “não sei” soa patético. Difícil encontrar alguém que não tenha uma opinião. Como os ecos de minhas asneiras ainda me perseguem, eu particularmente abro a boca só se for para elogiar.
Obrigado a todos. Meu objetivo aqui era aprender com vocês e passar um pouco do meu jeito de pensar, afim de que se gerasse uma discussão saudável…acredito que alguma coisa tiraremos de bom, seja um link aqui, outro ali…esses desencontros são bons, porque faz surgir colocações e dicas interessantes, que só enriquecem nossa cultura pessoal. Confesso que saio daqui diferente, não sou mais o mesmo e, acredito, que o mesmo ocorre com vocês…é tão dificil encontrar uma roda num bar de amigos que adorem música erudita e é um prazer estar aqui discutindo com vocês, mesmo que pensemos diferentes, algo que eu falei deve MARCAR e algo que vocês falaram vai ME MARCAR também. Isso é o que importa (Estou ouvindo aqui agora a sinfonia n. 2 de Tchaik). Voilà…
E o post rendeu bastante respostas, afinal…bem, depois de Tchaik e Strava, partirei para o meu adoravel Le Gladiateur, opereta de Debussy. Não procurem no youtube e nem na internet, porque não vão encontrar…eu comprei o CD em Madrid, mas, encontrei no iTunes outro dia…opereta que Debussy escreveu para concorrer ao grande premio de Roma. Belissima obra…
Indico o texto escrito pelo sucinto Leonardo chamado “sobre o campeonato de pontos corridos dos compositores” cujo link encontra-se numa mensagem acima. Genial a síntese que ele fez sobre o assunto. Parabens, Leonardo.
Muito bom! Muitos parabéns pelo trabalho fantástico!!!
Da leitura deste post, apenas surgiu uma dúvida: qual é a sinfonia inacabada de Mozart que Bartok cita no quarteto de cordas n-º 5??
Continuem com o excelente trabalho!!!
Nenhuma! (risos)
Paulo, repare que, no texto, eu disse que Bartók cita uma sinfonia de Mozartók, e não de Mozart. Oras, se Mozartók é um compositor imaginário, então……… :-)
Mas aí fica a dúvida, o que Bartók queria realmente dizer com esse trecho? Pois é, isso é um mistério até hoje. A partitura que eu tenho aqui do Quarteto nº5 (edição Philhamonia Scores, Universal Edition) traz uma pequena análise escrita por György Ligeti. E neste trecho, Ligeti escreve o seguinte:
“Compassos 699-720. Transformação grotesca e inesperada do segundo tema, como se fosse num realejo: harmonização fora de estilo, de início tonal somente com tônica e dominante, mas ao fim politonal, sugerindo um instrumento desafinado. O significado deste trecho permanece um enigma.”
Amancio ou outro autor deste incrível blog, eu estou apaixonado pela música de Béla Bartók e queria que voces me passassem links sobre análises de obras de Bartók…pode ser resenhas daqui da Euterpe ou de blogs parceiros de vocês. Antecipadamente, agradecido pela atenção.
Olá Denison, infelizmente eu não conheço nenhum site dedicado a análises de Bartók. As únicas análises que eu conheço são as que acompanham a edição impressa dos quartetos de cordas, pela Philharmonia Scores. Aqui no blog, Leonardo falou rapidamente sobre o Mandarim Miraculoso e sobre o Allegro Barbaro na série sobre Música Clássica e Porrada.
Alguém mais conhece sites interessantes sobre o húngaro?
Lembro de uma breve análise do Quarteto para Cordas No. 4 em algum lugar, e tudo o que consigo encontrar é procurando por “Bartók Analysis” no Google, ou seja, em inglês.