Angelica Kauffman: Alegoria da Poesia e da Música (1782)
Em Euterpe já vimos exemplos em que tanto a música nos ensina a ler poesia como a poesia nos ensina a ouvir música – lembremos do assustador doppelgänger que rouba o lugar de um amante gorado e da alegria indizível da descoberta de gravidez por um casal.
Hoje veremos como a música pode nos ensinar a ver na descrição de um poema de singeleza quase inócua simplesmente O SENTIDO DA VIDA.
A solidão e a natureza
Há duas coisas que Johannes Brahms (1833-1897) amava profundamente: a solidão (F-A-F: Frei aber froh (“livre mas feliz”)) e a natureza.
A imagem do homem solitário que encontra refúgio na natureza, a qual abriga como ninguém os seus devaneios e, em meio à cultura artificial dos homens, restitui-lhe algo das suas raízes primevas, reverberou muito fortemente no ideal do artista do século XIX, e de certa forma até hoje tem seu apelo.
Mas também houve sentimentalismos e exageros por parte da estética romântica – isto é, também houve artistas deslumbrando-se mais com a ideia de ser profundo ao se ver solitário em meio à natureza do que com a solidão e a natureza em si (todo “brega”, afinal, é um sentimento de segunda mão).
Poema
Peço rapidamente a paciência do leitor para lermos, por exemplo, o seguinte pequeno poema sem título de Hermann Allmers (1821-1902), publicado em 1860:
Ich ruhe still im hohen grünen Gras
Repouso tranquilo na alta grama verde
Und sende lange meinen Blick nach oben,
E dirijo largamente meu olhar para o alto,
Von Grillen rings umschwirrt ohn Unterlaß,
Pelos grilos rodeado a enxamearem sem cessar,
Von Himmelsbläue wundersam umwoben.
Pelo céu azul magnífico envolto.
Die schönen weißen Wolken ziehn dahin
As belas nuvens brancas vagam à deriva
Durchs tiefe Blau, wie schöne stille Träume;
Pelo profundo azul, tal como belos sonhos tranquilos.
Mir ist, als ob ich längst gestorben bin
Sinto-me como se estivesse há muito já morto
Und ziehe selig mit durch ew’ge Räume.
E vagasse feliz com elas pelos espaços eternos.
Em uma primeira leitura é bonito, mas também de uma passividade um pouco bocejante. Aprendemos a esperar algum tipo de dialética transformadora da arte, e placidez por placidez costuma ser associada a paisagens de calendário ou a músicas de elevador. Adjetivos banais repetidos com apelo barato também não ajudam, como o céu azul “maravilhoso” (“wundersam”), as “belas” (“schönen”) nuvens que vagam, os “belos” (“schöne”) sonhos tranquilos…
Mas a imagem da solidão e da natureza ainda está lá, e para Brahms, que verdadeiramente as vivenciava e amava, elas bastaram para que ele nos mostrasse, através da música, uma experiência de alguma forma muito mais concreta de ambas, ainda que usando as mesmas palavras.
Música
Em 1878, Brahms musicou o poema anterior de Allmers e em 1882 publicou a canção como o segundo dos seus seis lieder Op. 86, chamando-o de “Feldeinsamkeit” (“Solidão campestre”). A música, surpreendentemente, acaba tendo algo a nos revelar sobre a leitura do poema.
Então ajustem os fones, porque vai ser sutil.
Quadro geral
Para a ambiência dessa solidão campestre, Brahms monta o quadro dado pelo poema com quatro elementos:
1) Baixo: o piano inicia com uma anacruse estabelecendo um baixo grave e contínuo sobre a nota Fá, da tônica de Fá maior da canção. Ele tem o ritmo quebrado mas o andamento lento, dando uma ideia de algo suspenso mas de alguma forma renovável. Ouça aqui destacado:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2014/11/Brahms-Feldeinsamkeit-1.-Basses1.mp3|titles=Brahms – Feldeinsamkeit – 1. Bass]2) Acordes: acordes de Fá maior lentamente emergirão e passarão a acompanhar a voz:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2014/11/Brahms-Feldeinsamkeit-2.-Chords.mp3|titles=Brahms – Feldeinsamkeit – 2. Chords]3) Voz: a voz entra com duas notas imitando a anacruse que abriu a peça nos baixos, mas sobe, tal qual o olhar do eu poético, em outras duas notas, como em um acorde quebrado:
Ich ruhe still im hohen grünen Gras
Repouso tranquilo na alta grama verde
4) Melodia: e ainda o piano, entre os acordes da mão direita e em resposta à voz, toca uma frase delicada que sobe e desce em portamentos de duas notas:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2014/11/Brahms-Feldeinsamkeit-4.-Melody.mp3|titles=Brahms – Feldeinsamkeit – 4. Melody]Análise
Tudo isso junto fica assim:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2014/11/Brahms-Lied-Op.-86-No.-2-Feldeinsamkeit-Lines-1-2-Dietrich-Fischer-Dieskau-Jörg-Demus-1958.mp3|titles=Brahms – Lied Op. 86 No. 2 ‘Feldeinsamkeit’ – Lines 1-2 (Dietrich Fischer Dieskau & Jörg Demus – 1958)]Ich ruhe still im hohen grünen Gras
Repouso tranquilo na alta grama verde
Und sende lange meinen Blick nach oben,
E dirijo largamente meu olhar para o alto,
Brahms dá ao texto um elevado sentimento de contemplação com esse sujeito deitado sobre a grama a olhar para o céu. No segundo verso, à referência do “olhar” (“Blick”) dirigido para o alto, tanto a voz alcança a nota mais aguda da frase (Ré) como o baixo começa a ascender em semitons (Fá#, Sol, Sol#, Lá). As duas últimas palavras, “nach oben” (“para o alto”), são cantadas duas vezes, com a primeira sílaba de “oben” (“alto”) longa e alta, já expandindo o momento presente para o céu, antes de encontrar o chão na segunda sílaba, com a música agora em Dó maior.
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2014/11/Brahms-Lied-Op.-86-No.-2-Feldeinsamkeit-Lines-3-4-Dietrich-Fischer-Dieskau-Jörg-Demus-1958.mp3|titles=Brahms – Lied Op. 86 No. 2 ‘Feldeinsamkeit’ – Lines 3-4 (Dietrich Fischer Dieskau & Jörg Demus – 1958)]Von Grillen rings umschwirrt ohn Unterlaß,
Pelos grilos rodeado a enxamearem sem cessar,
Von Himmelsbläue wundersam umwoben.
Pelo céu azul magnífico envolto.
No terceiro verso do poema a voz situa a música em fá menor, entre o som próximo dos grilos; mas no quarto verso voltamos magicamente a fá maior, no céu magnífico, e o verso é cantado duas vezes, com notas cromáticas acumulando a grandeza do céu e tornando a cadência final ainda mais reconfortante, com um sensível grupetto para a palavra “umwoben” (“envolto”).
O começo da canção é reprisado pelo piano, servindo como interlúdio para deixarmos a primeira estrofe e seguirmos para a segunda.
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2014/11/Brahms-Lied-Op.-86-No.-2-Feldeinsamkeit-Lines-5-6-Dietrich-Fischer-Dieskau-Jörg-Demus-1958.mp3|titles=Brahms – Lied Op. 86 No. 2 ‘Feldeinsamkeit’ – Lines 5-6 (Dietrich Fischer Dieskau & Jörg Demus – 1958)]Die schönen weißen Wolken ziehn dahin
As belas nuvens brancas vagam à deriva
Durchs tiefe Blau, wie schöne stille Träume;
Pelo profundo azul, tal como belos sonhos tranquilos.
O primeiro verso é cantado como no começo da primeira estrofe, mas no segundo, quando o poema de fato começa a ficar mais metafísico, coisas de arrepiar acontecem: desde que entra no profundo “azul” (“Blau”) do céu, a música se eleva um semitom e entra na enviesada tonalidade de Ré bemol maior. Os “belos sonhos tranquilos” (“schöne stille Träume”), ou “quietos”, “silenciosos” (“stille”), soam como um mistério profundo nessa nova realidade sonora: esse elemento do “silêncio” do sonho não é retratado pela música como um sonho pacífico, mas, nessa tonalidade distante, como a irrealidade da expressão absoluta do infinito. Os acordes do piano respondem com um lirismo quase doloroso, e a comparação aos sonhos é repetida, com a música voltando ao padrão com que os dois primeiros versos da primeira estrofe também encerraram, em dó maior.
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2014/11/Brahms-Lied-Op.-86-No.-2-Feldeinsamkeit-Line-7-Dietrich-Fischer-Dieskau-Jörg-Demus-1958.mp3|titles=Brahms – Lied Op. 86 No. 2 ‘Feldeinsamkeit’ – Line 7 (Dietrich Fischer Dieskau & Jörg Demus – 1958)]Mir ist, als ob ich längst gestorben bin
Sinto-me como se estivesse há muito já morto
De repente a música abandona totalmente os elementos do padrão anterior: o acompanhamento do piano se cala, tornando-se apenas oitavas quebradas em uníssono à voz, que se torna taciturna, ainda que com o mesmo contorno melódico da estrofe anterior. O sujeito está olhando para o céu e é tão absorto por essa imagem sem fim que se sente contemplando a própria eternidade, algo tão imensurável que sobrepuja a sua própria vida: ele sente como se estivesse morto, tendo transcendido já há muito a própria vida. O verso acaba distorcido com um Si natural dissonante, sugerindo a tonalidade de Dó menor, ao invés do Fá menor na estrofe anterior.
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2014/11/Brahms-Lied-Op.-86-No.-2-Feldeinsamkeit-Line-8-Dietrich-Fischer-Dieskau-Jörg-Demus-1958.mp3|titles=Brahms – Lied Op. 86 No. 2 ‘Feldeinsamkeit’ – Line 8 (Dietrich Fischer Dieskau & Jörg Demus – 1958)]Und ziehe selig mit durch ew’ge Räume.
E vagasse feliz com elas pelos espaços eternos.
Mas o último verso, tal como o final da primeira estrofe, restitui magicamente a tonalidade de Fá maior, e acaba com o mesmo sentimento de enlevo quase místico do sujeito a se projetar nesses reinos eternos do céu. Afinal, o ser se sente tão plenificado que não se importa em deixar para trás a própria vida, o que os reticentes acordes de Fá maior representam muito bem ao terminarem fluindo para o silêncio.
Lição poética pela música
Em uma primeira leitura, o poema podia parecer um êxtase pela beleza tranquila do céu, e de fato, chamar o céu de “maravilhoso” é tão banal que não nos ajuda em nada a ter qualquer experiência estética para além do cotidiano, mesmo com a menção à morte, que pode soar meramente afetada.
Mas com uma música de beleza nada banal, Brahms nos fornece algo de concreto para essa experiência estética: sentimos que olhar o céu e se projetar para esse fundo cujo limite é de fato misterioso pode ser sublime e aterrorizante ao mesmo tempo (o que a música, no verso que faz menção à morte, expressa tão bem). Mas afinal, não seria a superação do tempo, no nosso insistente desejo por permanecer, a nossa realização mais procurada em tudo o que cultivamos na vida, da religião à arte e aos filhos? Assim o sujeito abraça essa experiência que sacrifica a si próprio, e graças aos contornos poéticos que Brahms confere a essa projeção, fazendo com que um fluir musical no presente soe como se fosse eterno, nós aprendemos a olhar o céu de modo transcendente.
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2014/08/Brahms-Lied-Op.-086-No.-2-Feldeinsamkeit-Dietrich-Fischer-Dieskau-Jörg-Demus-1958.mp3|titles=Brahms – Lied Op. 86 No. 2 ‘Feldeinsamkeit’ (Dietrich Fischer Dieskau & Jörg Demus – 1958)]
Feldeinsamkeit
Solidão nos campos
Ich ruhe still im hohen grünen Gras
Repouso tranquilo na alta grama verde
Und sende lange meinen Blick nach oben,
E dirijo largamente meu olhar para o alto,
Von Grillen rings umschwirrt ohn Unterlaß,
Pelos grilos rodeado a enxamearem sem cessar,
Von Himmelsbläue wundersam umwoben.
Pelo céu azul magnífico envolto.
Die schönen weißen Wolken ziehn dahin
As belas nuvens brancas vagam à deriva
Durchs tiefe Blau, wie schöne stille Träume;
Pelo profundo azul, tal como belos sonhos tranquilos.
Mir ist, als ob ich längst gestorben bin
Sinto-me como se estivesse há muito já morto
Und ziehe selig mit durch ew’ge Räume.
E vagasse feliz com elas pelos espaços eternos.
Um belo vídeo com a mesma gravação usada no post e tradução para o inglês pode ser visto aqui: https://www.youtube.com/watch?v=SLmrTsqC04E
E outra interpretação lindíssima é a da mezzo-soprano Mitsuko Shirai acompanhada de Hartmut Höll, que pode ser ouvida aqui mesmo:
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2014/11/Brahms-Lied-Op.-086-No.-2-Feldeinsamkeit-Mitsuko-Shirai-Hartmut-Höll-1987.mp3“|title=Shirai]
Beleza, Leo! O mundo do Lied alemão é este: muito podemos ver,dizer, sentir e concluir acerca de 4 minutos de música com uma riqueza expressiva que nos pode tirar o fôlego. Quanto a “adjetivos banais repetidos para apelo barato”, temos de fechar um olho e um ouvido. Dificilmente a qualidade literária dos poemas de “lieder”, textos de cantatas, ou libretos de ópera acompanha a qualidade musical. Há casos em que o texto foi melhor que a música,de sorte que esta morreu ,porque são os melômanos e não os leitores que julgam. Ademais, o gosto literário do séc XIX,mesmo para quem lê, deve ser relativizado pela estética romântica ou parnasiana. Sem dúvida, também alguns grandes compositores não tinham talvez o melhor tirocínio literário para escolher os mais adequados textos da época,os quais, sem dúvida ,existiam.
Temos alguns Lieder e Óperas baseados em Goethe, Púshkin, Hoelderlin, Shakespeare, V. Hugo, mas a maior parte das produções do gênero não usa material poético de primeira linha. Assim, importante é conhecer o texto sempre,a fim de avaliar a atmosfera da música e a adequação às palavras. Se fôssemos rigorosamente seletivos sobre as “letras” usadas nas “músicas”, imensas jazidas musicais seriam desprezadas. Não são de primeira grandeza os textos das Cantatas de Bach, nem os libretos da maior parte das óperas do século XIX. Na cena lírica ,então, houve época em que o paladar puxava para folhetins no estilo das novelas de hoje. Será por isso que,em inglês, novela é “soap-opera”? Exemplo disto é Il Trovatore , tão ruim nas estrofes como no enredo, porém talvez a ópera mais comunicativa-melódica em árias, coros,dramas, cabalettas e duetos.
Pois então, até mesmo o sisudo, crítico e perfeccionista Brahms forneceu a certos textos maior altitude do que mereciam, porque ele, Brahms, desejava expressar a “SUA” solidão campestre ,melhor do que qualquer poeta a houvesse manifestado.
Caro Flávio,
O que acontece é que um poema é um poema, mas um poema+música é outra coisa. Quase como o amarelo é o amarelo, mas o amarelo+azul é VERDE, outra coisa.
Assim, por mais que um poema seja fraco sozinho, ele pode ser justificado em uma música, e penso que esta canção seja um bom exemplo: que bom que Brahms o musicou! Valeu a pena da maneira como ele o fez.
É um pouco da velha questão da letra de música vs. poesia, e a lógica da partitura com a expressão musical das palavras e o seu conteúdo são sempre uma realidade diferente a ser levada em conta.
De todo modo, gosto de ver como essa interação entre música e poesia pode nos ensinar a respeito de ambas: nesta canção, o padrão musical para a primeira estrofe do poema é seguido para a segunda, o que nos faz ver melhor do que qualquer coisa a estrutura simétrica que há na forma do próprio poema; mas ao mesmo tempo a música para a segunda estrofe ainda soa muito diferente da primeira no seu clímax, o que nos faz ver melhor do que qualquer coisa o engenho na estrutura da própria música. E assim por diante.
Por isso, como você diz, há tanto a sentir e a refletir com essa porção breve de arte.
Um abraço!
Leonardo
Parabéns e obrigado pela análise da “Feldeinsamkeit”! E é bom saber que mais gente tb fica incomodada com a berrante discrepância entre a banalidade (pra não dizer coisa pior) de um texto e o produto sublime em que ele se torna, ao ser musicado magistralmente.
Em Brahms, esse incômodo é maior, se considerarmos que ele tinha uma autocrítica fortíssima (numa conversa com seu amigo Alwin Cranz, Brahms teria lhe contado que compôs mais de vinte quartetos de cordas antes de publicar os dois do op.51!), e que ele sabia, sim, o que é qualidade literária. Pois além dos Allmers da vida, Brahms musicou textos de Shakespeare, Goethe, Hölderlin, Rückert e outros desse calibre.
Um amigo tentou me explicar esse paradoxo dizendo que, para um compositor, é melhor às vezes trabalhar num texto mixuruca, porque ele fica mais à vontade, sem medo de não estar à altura do texto, etc. Explicação plausível à primeira vista, mas não muito convincente. Porque sendo assim, o pobre compositor raramente ou jamais comporia sobre literatura de verdade. O que não é o caso de Brahms, ainda bem!
Então, se partirmos do pressuposto de que Brahms tinha consciência da (baixa) qualidade de um texto de Allmers, a solução do problema estaria antes na sua própria técnica compositiva. Consciente de sua capacidade técnica, Brahms reagiria ao textinho como aquele cozinheiro chef, que se orgulha de saber como preparar um prato finíssimo a partir de ingredientes banais, pra espanto de seus comensais. Ou seja, pra Brahms, o texto é antes um pretexto. Abs.
(Já os casos de Bach e Verdi são outros, mas isso é outra história…)
Caro Monteiro,
Eu é que agradeço pelo seu comentário! Que interessante saber que essa questão da qualidade poética já foi mencionada pelo próprio Brahms!
Além das boas versões para explicar esse paradoxo que você menciona, como eu escrevi anteriormente, parece-me que a realidade diferente de um poema quando ele integra uma música deve ser levada em conta: alguém aqui se incomoda com a pobreza poética deste poema de Allmers ao ouvir o que Brahms faz com ele? É como se o pretexto do poema tivesse sido suficiente, ou como se Brahms tivesse enxergado nele algo que valeu a pena – no mais além disso, talvez ele o achasse simples, mas não tão ruim assim. Há extremos talvez menos recuperáveis, como já vi dizerem da decepção em descobrir o conteúdo dos textos do ciclo “Frauenliebe und leben”, de Schumann, mas aqui, além da pieguice dos poemas, talvez uma “vacina” ideológica atual contra o machismo tenha peso (ou seja, o culto de um homem feito por uma mulher fere estigmas, diferente do exato contrário). Também os textos do “Winterreise” de Schubert são acusados de medíocres, ainda que tenham gerado um enredo curioso para a música.
Parabéns, Leonardo. Como sempre, mais uma grande contribuição a todos nós. Maravilha!
Caro Ticiano,
Obrigado pela leitura e pelo comentário!
E ainda ao Monteiro, eu havia entendido errado o seu comentário, como se o critério literário por parte de Brahms tivesse sido afirmado pelo próprio, quando o foi na verdade pelo Monteiro a partir dos grandes poetas que Brahms já musicou.
Grande Leo,
concordo plenamente com vc ao dizer que Brahms certamente viu no texto de Allmers algo que lhe cutucou, além da evidente pobreza poética. E ótimo que vc mencione Schubert, que musicou quilômetros de textos fraquinhos, transformando-os em obras de arte. Pois o mesmo Schubert, quando perguntado certa vez por que compunha Lieder tão bonitos, teria respondido que os textos já eram quase prontos tb em música, só faltava escrevê-la. O que significa que um texto/ poema, independentemente de sua qualidade literária ou relevância estética, pode ser musicado com sucesso, se tiver outras qualidades favoráveis a tanto: a sonoridade e ritmo de seus fonemas, as associações que certas palavras despertam, etc. Qualquer texto pode ser um pretexto pra boa música. Mas quanto pior ele for, mais terá o compositor que rebolar…
Seu mal-entendido sobre Brahms nem foi tão errado assim. Acompanhando as cartas e críticas, muitas vezes ferozes, que ele escreveu, pode-se concluir sem erro que ele tinha uma percepção muito aguçada sobre qualidade em literatura. Mas é claro que ele nunca iria falar mal publicamente sobre um texto (como o de Allmers) que ele próprio colocara em música, né?
Saindo da literatura em alemão: Quem tiver paciência para ler, em voz alta e sóbrio, o poema de Ruth Vasconcellos Correa que Villa-Lobos musicou na Ária (Cantilena) da famosa Bachianas Brasileiras no. 5, perceberá logo que a autora não é nenhuma candidata ao Nobel de Literatura. Ele tb o percebeu, e usou um truque tão simples quanto genial: fez o canto declamar o poema na parte intermediária. E deixou as outras partes sem texto, num vocalise que valoriza sua melodia inspiradíssima, nosso verdadeiro Hino Nacional. Abs.
Caro Monteiro,
É verdade: como o Flávio havia dito, Brahms expressou a *sua* solidão campestre, e o poema serviu para isto. Se Brahms, antes da gente ver o que vê na sua canção, já previu isso durante a leitura do poema, e nada mais lhe atrapalhou para usá-lo e expressar o que lhe foi inspirado, então valeu mesmo a pena.
Agora, é mesmo libertador ver que mais gente presta atenção nisso! O texto da Ruth Valadares Corrêa para as Bachianas Brasileiras 5, que era a própria cantora da estreia da obra (o que nos faz pensar em alguma situação quase improvisada, não?), é emboladíssimo, mas tem muitas palavras sonoras que, na música, valorizam bastante a fala brasileira.
E sobre Bach e Verdi, o que você tinha a dizer?
Caros Monteiro e Leonardo,
Penso que a história da música está eivada de poemas e libretos que só foram imortalizados por compositores, música melhor que a “letra”. Poderíamos ficar séculos apontando exemplos. Concordo que isso talvez se deva à profusão de textos medíocres e um certo medo,sim, do compositor em musicar à altura um poema perfeito. Confirmam a regra várias exceções em certos Lieder e, por exemplo, no Otello de Verdi. Ademais, o ouvinte se acostumou a ser complacente com o texto quando ele, como diz Monteiro, ao menos fornece ideias ou emoções pontuais bem aproveitadas pelo músico. Algo como um argumento prosaico que rende uma ótima tela nas mãos de um pintor competente.
Quanto à nossa Bachiana Nacional, tudo bem ,Leo, que seu textículo dá brasilidade à obra. Mas imagine o esforço de uma Renée Fleming para cantar uma ornitologia tão regional como “Canta cambaxirra, canta juriti,´Bentevi? É sabiá”. Há menos música em português do que em norueguês ou dinamarquês. Um Villa da vida ainda perde a melhor oportunidade de difundir umas linhas de um português mais universal. Da mesma forma, o luso Braga Santos (1924-1988) colocou vozes em sua última (Sexta) sinfonia, com texto em espanhol. Falta-nos autoestima?
Caro Flávio,
A Dança (Martelo) tem texto de Manuel Bandeira e é um belo virtuosismo sonoro, a que a música erudita se dá muito ao direito. Já o poema de Ruth Valadares Corrêa é amador, mas, honestamente, ficou com a sonoridade muitíssimo bem valorizada para representar a nossa língua. Sabe-se que a letra do Manuel Bandeira foi escrita quando a música já estava pronta, e parece que o caso da Cantilena é igual, pelo que contam da intenção de Villa-Lobos em originalmente escrevê-la em forma apenas instrumental, e pela própria soprano da estreia ser autora do texto.
Caro Leo,
Eu percebi que Monteiro se referia ao texto da Ária (Ruth), enquanto eu me referi ao texto do Martelo (Bandeira), aproveitando o gancho. Entendo que a música erudita se dá o direito a tudo. Particularmente, não gosto, porém ,do texto do Martelo tampouco. Idiossincrasias…
Abraço
Uups, perdão: misturei a Ruth Valadares Correa com a Dora Vasconcellos, outra que cometera textos para Villa-Lobos. Obrigado pela correção.
Quanto aos textos musicados por Bach e Verdi, acho que seus casos são completamente diferentes ao de Brahms, não só pela distância no espaço, tempo e estilo. Antes de mais nada, cumpre lembrar que eles, ao contrário de Brahms, trabalharam grande parte de suas vidas em estresse permanente. Com pouco ou quase sem dinheiro, produzindo muito apesar de doenças e mortes nas famílias e correndo contra o relógio para terminar as composições no prazo fixado. É natural que, com isso tudo, a ambição literária nos textos a serem musicados poderia ir prum segundo plano. Já Brahms, comparado e eles, viveu como um nababo, trabalhando por conta própria quase todo o tempo, e ganhando bem com sua música.
No entanto, Bach, ao morrer, deixou uma biblioteca teológica de 81 volumes, muitos com anotações manuscritas próprias. O universo dos textos em alemão por ele musicados abrange um caudal estético de vários séculos, da Guerra dos Trinta Anos até os místicos medievais, passando, é claro, pela retórica do barroco e por Lutero. Não creio que alguém entre nós esteja apto a avaliar e julgar corretamente a qualidade e complexidade dessa literatura. Que o diga o pobre Amancio, que, no ano passando, enfrentou o texto da Paixão Segundo Mateus (BWV 244)…
E de Verdi se sabe que ele vivia às turras com libretistas medíocres, teatros mal gerenciados e ainda sob a censura do Império Austríaco, durante grande parte de sua carreira. Só nos seus últimos anos produtivos pôde ele se dar ao luxo de trabalhar em condições satisfatórias, p. ex. escrevendo com Boito obras-primas como “Otello” e “Falstaff”. Se acompanharmos, na sua correspondência, o que Verdi escreveu sobre Shakespeare, Victor Hugo e Schiller, só pra citar alguns, podemos concluir que tb ele, como Bach e Brahms, sabia o que é boa literatura. Abs.
Simplesmente lindo!
Um feliz Ano Novo pra todos vocês!
https://www.youtube.com/watch?v=XPzZHneAAWw
Olá Leonardo! Tudo Bem?
Como sempre, um post impecável! Parabéns!
E não pude deixar de lembrar desse maravilhoso lied de Beethoven, o WoO 150:
https://www.youtube.com/watch?v=C3GqI4x8Ah4
O que você acha dele? Eu simplesmente não conheço nada comparável.
Abendilied untern gestirnten Himmel
Wenn die Sonne niedersinket,
Und der Tag zur Ruh sich neigt,
Luna freundlich leise winket,
Und die Nacht herniedersteigt;
Wenn die Sterne prächtig schimmern,
Tausend Sonnenstrahlen flimmern:
Fühlt die Seele sich so groß,
Windet sich vom Staube los.
Schaut so gern nach jenen Sternen,
Wie zurück ins Vaterland,
Hin nach jenen lichten Fernen,
Und vergißt der Erde Tand;
Will nur ringen, will nur streben,
Ihre Hülle zu entschweben:
Erde ist ihr eng und klein,
Auf den Sternen möcht sie sein.
Ob der Erde Stürme toben,
Falsches Glück den Bösen lohnt:
Hoffend blicket sie nach oben,
Wo der Sternenrichter thront.
Keine Furcht kann sie mehr quälen,
Keine Macht kann ihr befehlen;
Mit verklärtem Angesicht,
Schwingt sie sich zum Himmelslicht.
Eine leise Ahnung schauert
Mich aus jenen Welten an;
Lange nicht mehr dauert
Meine Erdenpilgerbahn,
Bald hab ich das Ziel errungen,
Bald zu euch mich aufgeschwungen,
Ernte bald an Gottes Thron
Meiner Leiden schönen Lohn.
Ivan,
Tudo certo, meu caro, e com você? Há quanto tempo!
Fiquei impressionado com a beleza dessa canção e com o poema do Goethe, acho que se trata de um texto que faz jus a esse topos do tornar-se um com o infinito a partir da natureza.
Curiosamente, acho que topei com esse poema quando pesquisava a respeito desta canção do Brahms e até pensei em citá-lo, mas acabei enxugando o post com uma leitura mais direta.
De todo modo ainda fiquei surpreso ouvindo a canção e relendo o poema, pelo que lhe agradeço.
Traduções estão disponíveis aqui: http://www.recmusic.org/lieder/get_text.html?TextId=6251
Um abraço!
Tudo bem também! E… Quanto tempo mesmo!
Fiquei contente por você ter gostado da canção. Beethoven era um gigante em tudo o que se proponha a fazer. Esse lied de beleza emocionante e incomparável foi o penúltimo que compôs, e se não me engano é de 1822, ou seja, daquela fase final de sua obra cujas palavras que a explicam nunca são suficientes. E o que dizer sobre a interpretação de Peter Schreier? Absolutamente nada.
E eu aproveito aqui, já que não é muito rotineiro conseguir conversar com você (rsrsrs), para lhe mostrar um outro link do youtube, com uma obra que você mesmo me incentivou a conhecer: O Oratório Cristo no Monte das Oliveiras, numa gravação ao vivo e apaixonante, uma das coisas mais espetaculares que já encontrei no youtube!!!
https://www.youtube.com/watch?v=bhqJ3EBn2Io
Espero que eu não esteja errado…
Grande abraço!
Caro Ivan,
De volta a CWB já voltei a dias mais acessíveis na minha vida, podemos conversar facilmente como antes!
É curioso pensar que a canção que você postou sequer foi publicada por Beethoven, e a maioria é assim: deviam ser um reflexo espontâneo das suas leituras poéticas.
Sobre o vídeo, você o tinha me enviado e ele fez meu dia quando o vi pela primeira vez! Até o indiquei ao Tiago Arruda depois. É uma bela pérola que você encontrou e que bom que também lembrou de divulgá-la aqui.
Apenas ainda prefiro realmente o Jesus da gravação do Chrisoph Spering, o Steve Davislim, mas esse Pavol Breslik definitivamente também não está nada mal.
Prezados amigos: o lied WoO 150 de Beethoven foi (segundo o manuscrito original) completado em 4/3/1820, quando o compositor já se ocupava da Missa Solemnis op. 123. O autor do poema näo é Goethe, mas um tal H. Goeble, que vem a ser o pseudônimo de Otto Heinrich von Loeben (1786-1825). Detalhes aqui:
http://en.wikipedia.org/wiki/Otto_Heinrich_von_Loeben
O lied é dedicado ao Dr. Anton Braunhofer, um médico que tratou Beethoven de 1820 a 1826. Abs.
Caro Monteiro,
Nossa, e a confusão foi toda minha. Me lembro de ter lido um poema do Goethe que tinha ideia parecida com a do poema deste post e também a desse poema do H. Goeble. Obrigado pela correção!
E muito curioso conhecer um pouco mais das origens da canção de Beethoven. De fato, Beethoven tinha muitas queixas de saúde e o médico que teve a honra de cuidar dele nos últimos anos deve ter se tornado um bom amigo – fascinante conhecer o fruto desses detalhes pessoais nessa canção.
Abraços!
Pois é, Leo, o Beethoven ainda escreveu dois pequenos cânones pro Dr. Braunhofer em 1825: o WoO 189 (Doktor, sperrt das Tor dem Tod, ou seja, “Doutor, feche a porta pra morte”), para 4 vozes, e o WoO 190 (Ich war hier, Doktor, ich war hier, ou seja, “Eu estive aqui doutor, eu estive aqui”), provavelmente pra 2 vozes.
Esses cânones têm historinhas tb. No primeiro, Beethoven seguiu um conselho do seu médico, o de escrever música pra amenizar as dores de uma “infeccäo visceral”. No segundo, o compositor quis visitar seu médico, mas näo o encontrou em casa, e teria deixado o cânone (de apenas 8 compassos) para lhe entregar. Lembra o samba do Arnesto… Abs
Que divertido! Consegui ouvir aqui: WoO 189 e WoO 190
Lembro que uma das teorias para a origem do “Muß es sein?” / “Es muß sein!” (http://euterpe.blog.br/historia-da-musica/240-anos-de-beethoven-10-momentos-bizarros-parte-i#finale) é um desses tipos de cânones: WoO 196. Uma explicação pode ser lida aqui, a partir do parágrafo que começa em “In a famous anecdote told by Beethoven’s friend Karl Holz (…)” (embora o link para o cânone esteja errado): http://thebeethovenproject.com/must-it-be-must-what-be/.
Bem, o caso do enigma proposto no quarteto op. 135 (“A decisäo difícil de ser tomada: tem de ser? Sim, tem de ser!”) já é outra história. Existe, claro, um lado anedótico bastante conhecido, em diversas versöes, até falsificadas. Mas Beethoven näo seria Beethoven se apenas misturasse gratuitamente uma anedota trivial com uma obra täo profunda (adoro o movimento lento do quarteto, um hino que me leva ao trio do Scherzo do quinteto de cordas de Schubert e ao último movimento da nona de Mahler, pelo caráter e pela tonalidade).
Pessoalmente, acredito antes numa correlacäo entre o anedótico, o biográfico (agravamento da saúde, tentativa de suicídio do sobrinho Karl) e uma espécie de “profissäo de fé” do compositor, no conturbado ano de 1826. Essa correlacäo de fatores estaria “escondida” ao longo de todo o quarteto, vindo à tona ao final. Quem melhor explica isso, pra mim, é o musicólogo Frank Schneider, p.ex. aqui (em alemäo):
http://www.deutschlandradiokultur.de/muss-es-sein-es-muss-sein-es-muss-sein.1275.de.html?dram:article_id=255377
Sensacional F. S. Monteiro!
Você e Leonardo sabem muitas coisas sobre Beethoven! Obrigado a vocês por compartilharem essas informações. Os detalhes que envolvem esses cânones, por exemplo, não encontro nos livros em língua portuguesa.
Monteiro,
Concordo plenamente, até porque o contexto do cânone não responde em nada à “difícil decisão” do quarteto. No link que eu colei sobre isso, com o segundo “momento bizarro” de um post aqui do blog, eu tentei mostrar essa disputa do “ser ou não ser” em termos puramente musicais, e sei mesmo que ela percorre a obra toda. Agradeço muito pela indicação de uma análise sobre isso! O link que colei no final também parece mencionar várias ideias, mas o seu parece mais musical.
E Ivan,
Você também conhece muita coisa e muitas gravações! Eu me sinto felicíssimo de poder conversar com você e com o Monteiro sobre Beethoven e sobre música, é um grande privilégio.
Abraços!
Alô Ivan! Fique sabendo que, se até o final do ano aparecer um post meu aqui sobre esse oratório (Cristo no Monte das Oliveiras, de Beethoven), a culpa vai ser toda sua, viu? Que belíssima interpretação, obrigado por compartilhar!
Oi Ivan, obrigado pelas suas palavras comigo, mas näo sinto que saiba muito sobre Beethoven. Pelo contrário: quanto mais a gente procura se informar, mais o nosso objeto parece se distanciar. É o paradoxo com que nos confrontamos ao vasculhar vida e obra de personalidades artísticas täo complexas… A vc agradeco pelo link da gravacäo do oratório, uma belíssima interpretacäo que nos prova que ainda há muito que (re)descobrir em Beethoven, e que uma nova geracäo de intérpretes tem coisas importantes pra dizer e mostrar.
Grande Leo: o prazer de conversar sobre Brahms e Beethoven, entre outros, é todo meu. Gracas ao blog de vcs revivo, a milhares de quilômetros de distância, velhos papos sobre música em noites estreladas de veräo na praia, de décadas passadas. Obrigado e vida longa a Euterpe!
Pensando ainda no op. 135, me dei conta que a sua tonalidade, fá maior, é a mesma da oitava sinfonia op.93, de 1812, outro ano de crise graúda (Amada Imortal!) de Beethoven. E além da tonalidade em comum, ambas obras têm uma teimosia e um otimismo que beiram a histeria, além de suas proporcöes reduzidas, se as compararmos a obras equivalentes do compositor. A oitava sinfonia sempre me fascinou, pela sua concentracäo (o último movimento, que näo era longo, foi ainda encurtado!), pela ausência de um movimento lento e pela escassez de temas em modo menor.
E fá maior é tb o tom do Andante Favori (WoO 57), que Beethoven teria muito provavelmente escrito para Josephine v. Brunsvick, minha candidata ao título de Amada Imortal. Caraca! Säo mistérios insolúveis… Abs
Voltando a Brahms, hoje no seu aniversário. Todos nós o admiramos, sério e profundo. Mas nem todos conhecem o Brahms leve e brincalhäo:
https://www.youtube.com/watch?v=Q7Mb4IwSM24
E pra quem näo conhece o dialeto da regiäo de Colônia, aqui vai a traducäo do texto para o inglês, pra se ter uma ideia de como Brahms deve ter se divertido:
http://www.recmusic.org/lieder/get_text.html?TextId=58863
Olá amigos!
É sempre uma honra conversar com todos, e é absurdo o que tenho aprendido nos últimos anos graças aos conhecimentos de vocês. Não é fácil, pelo menos para mim, encontrar alguém para conversar sobre música clássica, e igual a vocês não conheço ninguém.
Tenho problemas com a internet, e só a acesso quando retorno à Gravatá nos fins de semana. Por isso que hoje fiquei feliz ao ver o Brahms brincalhão de F. S. Monteiro, as palavras de Leonardo e também por saber que Amancio também gostou do Oratório, e que talvez escreva um post sobre ele. Será fantástico!
P.S. Amancio, Leonardo também tem um pouco de culpa, pois se eu dependesse das ideias de Carpeaux (“O Oratório não vale nada”) eu nunca procuraria a gravação de Spering, que é difícil de encontrar, porém muito melhor que as quatro que eu já tinha. E empolgado por essa gravação, pesquisei e encontrei essa outra sensacional, que salvei para mim pelo Keepvid.com!
Grande Monteiro!
De gargalhar essa canção de Brahms, muito obrigado por compartilhá-la! Brahms devia ser divertido, vide as piadas que ele guardou na Abertura do Festival Acadêmico: http://en.wikipedia.org/wiki/Academic_Festival_Overture
Ivan,
Pois saiba que a culpa de tudo isso é mesmo do Amancio: foi ele quem comprou o CD do Spering e me fez uma cópia, junto com uma cópia do encarte e tudo. Eu sinto que tenho muito a dizer sobre o oratório e ele também, acho que podemos fazer algo muito legal com base nisso, vamos torcer para as nossas disponibilidades.
Abraços!
Hahahaha…
Na verdade, na verdade, se o post realmente sair a culpa não vai ser nem minha, nem de Leonardo, nem de Amancio. A culpa vai ser mesmo de Beethoven…
Migs,
Ainda sobre a qualidade poética dos textos que grandes compositores musicaram, faz tempo que queria compartilhar uma frase do próprio Beethoven quando se deparou com o texto para a encomenda do oratório “Cristo no Monte das Oliveiras”:
“Deixemos fora de consideração o valor de poemas desse tipo. Todos sabemos que concessões devem ser feitas… no que depender de mim, eu musicaria Homero, Klopstock, Schiller. Se eles oferecem dificuldades, esses poetas imortais ao menos são dignos delas”.
Ou seja, às vezes trabalhava-se com o que tinha mesmo. Mas, de novo, o poema desta canção de Brahms mostra como a alusão conteudística do poema podia ser suficiente para o trabalho da música em retratá-la com uma beleza reveladora.
A afirmação anterior de Beethoven era aos editores da obra, da Breitkopf & Härtel, que concordaram com a crítica ao texto de Franz Xaver Huber para o oratório e contrataram Christian Schreiber para revisá-lo mais profundamente. No fim, mesmo com as revisões, Beethoven ainda não estava satisfeito: “Sei que o texto é extremamente ruim, mas mesmo um texto ruim é concebido como uma entidade completa, e é muito difícil evitar de rompê-la com correções individuais”. Informações diretamente da Wikipedia e em geral reproduzidas em textos sobre a obra.
Brilhante exposição. “Beauty is in the eye of the beholder”. Será que a banalidade e genialidade da Poesia não refletem a imaginação do contemplador? Para uma criança rica em fantasia, um simples círculo pode ser um luar misterioso ou um lindo pôr do sol (Aquarela de Toquinho). Mas o adulto perde essa capacidade celestial.
O cinismo clássico prefere ler o Fausto de Goethe ou o Inferno de Dante carregados de alusões gregas e romanas em cada parágrafo; metáfora atrás de metáfora.
O eterno retorno à natureza, à simplicidade rural, ao pastoral e à inocência é uma temática recorrente na história da humanidade. Os poetas populares (não-populistas) e românticos em particular, tentavam resgatar essa sensibilidade Paradisíaca “perdida” que sempre foi desprezada pelo cinísmo institucionalizado. Seria um palmo d’agua fresca natural, bebida no Ribeirinho (Bächlein) de Wilhelm Müller/Franz Schubert, “banal” comparado a um Château Margeaux? Poderia a sombra de uma vegetação natural ser tão espetacular como Händel descreveria na aria Ombra mai fu?
Graças aos compositores como Schubert, Brahms (e muitos outros) a infinita riqueza destes poemas aparentemente simplórios recebe o tratamento genial que talvez até o próprio poeta vislumbrou. Quem saberia dizer..?