É inevitável: quem quiser começar a ler sobre a história da música, no Brasil, irá encontrar, em algum momento, o livro de Otto Maria Carpeaux, Uma Nova História da Música, publicado pela primeira vez em 1958. Mais recentemente, a obra foi relançada sob o nada modesto título de O Livro de Ouro da História da Música. De todo modo, o conteúdo é o mesmo.
Não será possível exagerar a influência desse livro até hoje na formação de muitos músicos e melômanos do país. Dada a raridade por muitos anos de outras publicações do gênero entre nós, Carpeaux foi quem primeiro apresentou um extenso número de informações sobre a história da música, gêneros e composições – da Idade Média até o momento em que o autor escrevia. Isso sem falar nas menções à música brasileira, plenamente inserida no contexto ocidental, que vão do período colonial até Guarnieri. É uma popularidade que, portanto, não surpreende.
Contudo, é igualmente inevitável perceber que o livro divide opiniões intensamente. Já tive oportunidade de conhecer tanto amantes fiéis como detratores ardorosos, esses últimos detendo o mérito das críticas mais precisas. Para eles, a obra é datada e, sendo atualmente fácil encontrar títulos equivalentes muito superiores em informação e detalhes, Uma Nova História da Música pode ir para os sebos e ficar por lá. Se ganha muito mais com a leitura de Roland de Candé ou Palisca e, sobretudo, não se é influenciado por opiniões disparatadas que se apresentam como definitivas – porque se há algo que Carpeaux consegue ter é opinião, por vezes peculiares, sobre absolutamente toda a música composta. Aos seus admiradores resta resignar e admitir que o apreciam pelo mesmo motivo que gostam de uma gravação de alguma obra sem demasiadas considerações – por ter sido a primeira que ouviram.
De fato, as idiossincrasias de Carpeaux são várias. Desconsidera o valor musical de obras e compositores por motivos extra-musicais, evidenciando seu amadorismo. E esse é o maior trunfo das acusações contra o austríaco: ele não é um músico – aliás, é bastante duvidoso que tenha escutado absolutamente tudo o que cita com propriedade. É, certamente, um erudito, conseguindo expor o imenso painel da música ocidental com aparente facilidade; porém, na hora de comentar aspectos individuais de obras específicas pode incomodar profundamente alguns melômanos mais experientes: Vivaldi é “limitado” e Mendelssohn é “acadêmico” – no pior sentido do termo –, logo, superficial. Tchaikovsky também é frívolo, sendo que algumas de suas obras podem mesmo ser prejudiciais à educação do gosto musical – e dizer que o compositor era “sexualmente anormal” não ajuda. Mahler é ambíguo, pois por um lado compôs o ótimo Das Lied von der Erde, mas, por outro, suas sinfonias, “síntese imperfeita entre tradição e modernidade”, são cheias de recursos exagerados e se tornaram completamente obsoletas. Shostakovich e Prokofiev, por sua vez, merecem a crítica de epígonos do romantismo, incapazes de darem um salto maior na composição, independente da censura soviética. Richard Strauss e Puccini? Talentosos, mas, infelizmente, oportunistas. Sibelius? Triste que suas sinfonias dividam os palcos com as de Brahms.
Então, Carpeaux é mesmo ilegível e irrelevante para conhecer a história da música? Creio que não. Reconheço que sou dos que tem apreço sentimental ao livro, uma vez que foi uma acessível porta de entrada para compreender o contexto de tudo aquilo que eu começava a ouvir, espécie de primeiro amigo num assunto tão absolutamente novo. De fato: não é livro para um estudo mais acadêmico, para músicos ou musicólogos, pelo motivo mais óbvio: Uma Nova História da Música não se pretende ir além do ensaio. Aquele que procure uma obra autenticamente historiográfica sobre a música ocidental terá mais sucesso na leitura de Charles Rosen ou dos Massin. Quando a obra de Carpeaux surgiu ela preencheu um vácuo que demorou a receber companhias por outras obras. Não foi sua intenção ser referência em história da música na educação musical no país. Se ele se tornou isso, deve-se menos a seus propósitos pessoais do que às nossas deficiências editoriais. Deficiências essas, aliás, que persistem até hoje ao não corrigirem erros estranhos de traduções do alemão para o português – sobre isso, vejam-se alguns títulos das cantatas de Bach mencionados. Custa-me crer que os erros são autoria de um austríaco que morava já há vinte anos no Brasil.
Daí que na sua virtude – ser ensaio acessível – reside também aquilo que faz despertar as maiores críticas. Ora, um ensaio de Carpeaux pode ser muitas coisas, mas certamente não é imparcial – no melhor sentido que esse termo possa ter – o bastante ao apresentar sua perspectiva conforme um manual. Veja-se sua preferência nítida pela música alemã, algo inescapável para um homem que nasceu na Viena do começo do século tendo testemunhado a crise que desencadeou nas vanguardas modernas.
Evidentemente, pode-se pensar que ao se conhecer o tema num ensaio tão parcial (ou errado, se preferir), permeado de lugares-comuns, não se irá terminar comprometendo esse mesmo conhecimento para sempre. Aqui, sou otimista o suficiente para crer que isso acontecerá apenas ao jovem melômano que não seguir em frente – e acaso não siga, Carpeaux não merece a culpa. Gosto de pensar no caso do oratório Christus am Ölberge, que para nosso autor era uma das piores partituras de Beethoven o que, porém, não abalou minha vontade de conhecer a obra, absolutamente (“como será um Beethoven ruim?”, eu pensava).
É verdade que já podemos contar com outras publicações mais embasadas, mas a presença de seu livro numa biblioteca não desmerece a ninguém. De fato, sua admirável síntese não escapa às suas circunstâncias em diversos momentos, mas, ainda assim ele disserta sobre o “espírito do tempo” que permeia a história da música como grande conhecedor da tradição ocidental em suas outras manifestações – filosofia, literatura, história, etc. Essa abertura de horizontes não é, e nem poderia ser, enganosa.
[audio:http://euterpe.blog.br/wp-content/uploads/2011/10/Beethoven-Christus-Am-Olberge-Op.-85-18.-Schlusschor-der-Engel.-Preist-ihn-Christoph-Spering-Chorus-Musicus-das-Neue-Orchester-1999.mp3|titles=Beethoven – Christus Am Olberge Op. 85 – 18. Schlusschor der Engel. Preist ihn (Christoph Spering – Chorus Musicus das Neue Orchester – 1999)]
Hummm, muito bom, vou ler essa matéria hoje, obrigado por compartilhar! Abraço
O que me impressiona mais são os acertos do livro de Carpeaux, compositores e obras que naquela época eram bem desconhecidas do público mundial (brasileiro? Esse nem conta mesmo ). Além disso, quase todos os livros de história da música da época tiveram que ser revistos, o gosto musical e o valor das obras mudam muito de época para época. O mais importante crítico do século XIX foi Eduard Hanslick. Hoje ninguém ler uma linha do que ele escreveu, diferente do nosso Carpeaux.
p.s: Mahler não tinha uma fama muito boa na época.
ótimo post, Randau. Ja não era sem tempo!
Carpeaux tem lá suas idiossincrasias mas tem o mérito de ter iniciaado muito gente, inclusive eu, no mundo da música clássica. Eu o conhecia dos seus ensaios sobre literatura e sua prosa sempre me agradou.
p.s.2: quem não for germanófilo que atire a primeira pedra.
Ótimo texto. Apesar de suas caneladas, Carpeaux nos atrai justamente por sua ergumentação por vezes contundente, como disse o Emerson: a prosa dele é agradavel. Antes de conhecê-lo(com um livro desta mesma edição apresentada) eu havia entrado em contato com o Maravilhas da Musica Universal do David Ewen, no qual o autor parece sugerir que TODAS as músicas do repertório erudito são as mais belas que existem.
Cuidado, Carlos, o Bruno vai te apedrejar.
Carpeaux geralmente está certo, inclusive quando erra — e, reconhecidamente, ele erra muito. Mas com que cultura, com que bom gosto ele erra! Eu queria errar como ele. Eu queria também que seus detratores errassem como ele. Mas é da natureza das coisas que haja muitos críticos de música e poucos Carpeaux.
Deste post e dos comentários acho que algo não deve deixar de ser mencionado, pra não haver o risco de um mal-entendimento: Carpeaux foi um erudito da alta cultura, de formação e nível que nós simplesmente não tínhamos nessa época no Brasil. Então a obra não é de forma alguma um tapa-buracos na musicologia brasileira, é o empreendimento de um homem de cultura superior, que tinha a maturidade de citar uma bibliografia monstruosa assinalando a discussão de cada ideia que propunha. De resto, prevalece o tom ensaístico da obra, daí algumas vezes melômano, mas também interdisciplinar, mas que articula com muita intimidade grandes sínteses e por isso mesmo se torna uma obra de iniciação tão eficiente e uma leitura tão brilhante.
A maior crítica fica mesmo por conta dos erros da obra que, depois de tantas vezes reeditada, simplesmente não foram corrigidos. E também esse deslocamento de gênero: na falta de histórias mais informativas e enciclopédicas de música, ficamos por muitas gerações com esta que é, na verdade, mais ensaística e que perde se julgada sob esse ponto de vista, ao qual, como o post disse, um Palisca ou os Massin servem bem melhor.
Fernando,
Um detalhe importante me chamou atenção no seu post. Você comenta que Carpeaux provavelmente não teria ouvido tudo o que ouviu. Ocorre que o contato do crítico austríaco com a tradição musical se dava sobretudo através da leitura das partituras, e não da audição das peças. Con efeito, Carpeaux preferia a leitura a audição, por considerar a primeira um acesso mais direto ao pensamento do compositor ( e, de fato, a análise de partituras é uma capacidade indispensável para o estudo sério de música).
Olá Ricardo! Talvez nessa sua observação esteja a raiz dos problemas de Carpeaux: a partitura não é o fim mas o meio para o compositor atingir seu objetivo: o som, a matéria sonora. Na literatura musical, há vários exemplos mostrando que o que deve soar NÃO é o que está escrito (o final da Sinfonia Patética de Tchaikovsky é um exemplo clássico disso). Então, ao julgar uma música pela sua escrita, Carpeaux pode entrar facilmente em conflito com aqueles que julgam a música pelos sons.
Duas observações importantes: a leitura de uma partitura demanda mais tempo do que ouví-la, e encontrar algumas partituras é, com frequência, um enorme desafio. Assim, li com certo ceticismo seu comentário sobre Carpeaux. Onde vc conseguiu essa informação?
Amancio,
Acho que o Ricardo se refere ao que o próprio Carpeaux costumava afirmar: que tal ou tal obra era tão sofisticada, sutil e rica em detalhes que talvez fosse melhor apreciá-la pela partitura do que simplesmente ouvi-la (ele falou isso de Webern e não sei se não chegou a falar isso das Variações Goldberg do Bach e das Variações Diabelli do Beethoven). Isso é uma coisa engraçada que ele dizia e a lembrança do Ricardo foi bem pertinente. Mas, sobre justificar com isso essa desconfiança de que a opinião que ele emitia sobre tudo devia ser fruto, muitas vezes, de mera especulação sobre obras que ele não conhecia, eu acho que você tem um ponto importante: partituras também não são fáceis de ser encontradas! E o fato é que, se eu me lembro bem, nessas horas ele comete erros que o entregam: acho que ele fala da ópera “L’Arianna” do Monteverdi, sendo que só o “Lamento” dela sobreviveu ao nosso tempo.
Ricardo,
É basicamente aquilo que Mahler colocou: a partitura contém tudo, menos o essencial. Isso de que você fala me lembrou um trecho do ótimo Listening to Reason, de Michael Steinberg, em que ele faz referência ao Amadeus, de Milos Forman. Há uma famosa cena ali em que Salieri consegue “ouvir” a música de Mozart simplesmente passando as páginas – e para seu horror, já se dá conta da genialidade natural dele. Acontece, diz Steinberg, que essa capacidade se torna duvidosa quando desconsidera o componente contingente da execução musical, que junta a materialidade – desculpe, não encontro palavra melhor – da partitura com a da interpretação de alguém. Um bom exemplo foi quando Brahms, que apreciava ler a partitura de Don Giovanni mais do que ouvi-la, enfim escutou a ópera sob a regência de Mahler (mas isso é um tema para outro post).
Recordo também que Carpeaux menciona várias edições de partituras em seu livro. Imagino que ele estava bem ciente das publicações de seu tempo e lembro especialmente do trecho em que sugere que A Arte da Fuga era música para ser lida. Mas, ainda assim, compartilho do ceticismo de Amâncio e, permita-me dizer, há algo de pedante num amador que prefere ler a partitura sem nem escutar a música – e o livro de Carpeaux pode ter diversos defeitos, mas jamais o de ser pedante.
Há muito o que se falar sobre esse livro de Carpeaux. Pelo menos é isso que penso após ter folheado algumas páginas. Várias de suas opiniões são tão diretas e pontiagudas que chega a assustar. Na página 200 (da edição que eu tenho) ele diz: “Christus am Ölberge, encomendado pelo Príncipe Esterházy, não vale nada”.
Mais assustador ainda é na página seguinte, “É uma pena que obras como o Concerto para Piano Nº1, op.15 (1798) e Nº2, op.19 (1798) continuem no repertório e fiquem gravados em discos, só porque são de Beethoven”. Pena uma ova, porque o Concerto Nº 2 é simplesmente o Concerto para Piano que eu mais escuto, o mais simples e o mais perfeito de todos, posso ouvi-lo dez vezes seguidas sem parar porque Pollini e Jochum arrebentam.
Mas não pensem que ele detestava Beethoven. Pelo contrário, foi provavelmente o seu preferido. Aponta as Variações Diabelli como superior às Variações Goldberg.
Mas não vi nada mais curioso do que seu comentário sobre Die Ehre Gottes, uma das Seis Canções Sacras op.48: “é uma das obras mais divulgadas de Beethoven, cantada por coro de amadores do mundo inteiro em todas as ocasiões possíveis e impossíveis”. Depois que li isso joguei tudo pro alto e fui correndo achar meu CD. Cheguei à conclusão que eu sou um completo ignorante de música, porque eu nunca tinha ouvido essa peça antes.
Pra finalizar, uma afirmação muito interessante, digna para comentarmos bastante. É bem verdade que ele não foi o único a dizer isso, há vários que compartilham dessa opinião, mas que não deixa de ser ousado e surpreendente: ele considera a Sinfonia Nº1 de Brahms “talvez a maior sinfonia do século”. Valeu, gente!
Carpeaux mostra que adorava Brahms mesmo. E esse comentário sobre o oratório do Beethoven chega a ser revoltante. Faz muito tempo que penso em um critério pra escrever um post sobre essa obra (e até já tenho um em mente), que tem problemas estilísticos: é claramente inspirada em um formato dramático e operístico, relegando alguns elementos caros ao gênero do oratório, como o contraponto, o que lhe confere certa inadequação por isso, mas que é uma obra lindíssima, uma das descobertas musicais mais empolgantes que eu já tive na vida.
Sobre as Seis Canções “Gellert” Op. 48 (que é o nome do poeta do libretto e que também dá título ao ciclo), acho que a quarta ou quinta tem mesmo o formato de um hino e já foi adaptada pra vários idiomas.
“Tchaikovsky ignorava completamente a polifonia…” – e o dueto lensky/Onegin?
“”Na Missa em Si menor de Bach, o coro canta as palavras “et unam sanctam catolicam….” o cantochao medieval do Credo… Credo! o coro nao canta estas palavras, quem as canta eh o baixo na sua segunda aria!
“Christ lag im Todesbanden – Cristo jaz em ansia de morte” eh de morte mesmo! errou no tempo do verbo EM ALEMAO (jazia) e confundiu “bangen” com “Banden” (“laços”).
“O grande Ricercar, a maior fuga da historia da msica, se encontra na Arte da Fuga”….deve ter fugido mesmo, pois estou procurando ateh agora e nao achei…
“A Sinfona ‘Jupiter’ de Mozart termina em uma fuga soberana…” tambem se evadiu, pois nao tem fuga nenhhuma neste mov., nem na sua coda…
“O personagem de cassandra na Elektra de Strauss…” cade!!??
Estes erros forma publicados durante as 4 edcoes do livro em qe o Autor estava vivo, e ele NUNCA, sequer mencionou a hipotese de fazer as devidas correcoes….
“Contra fatos nao ha argumentos…”
hahah, essa da tradução errada do alemão sempre foi a que eu achei ainda mais bizarra! E de fato: nada disso ter sido corrigido em NENHUMA das edições é quase que um atestado de má fé, é muito estranho.
Agora, sobre dois dos comentários:
– No caso de Tchaikovsky, acho que ele não quis dizer que o compositor nunca havia ultrapassado a monofonia, e o exemplo de um dueto não é o tipo de contra-argumento das escolhas técnicas de escrita que ele quis generalizar.
– Na coda do último movimento da Sinfonia No. 41 de Mozart há tecnicamente um “fugato”, de onde o Carpeaux, ao chamar de fuga, pelo menos não passou tão longe na minha opinião.
Nos outros casos são escorregões extremamente banais, facilmente corrigíveis por qualquer revisadela. E tem ainda mais se for procurar.
Devo muito a Carpeaux e seu rico livro que me ajudaram e ainda ajudam a entender obras que para mim foram muito difíceis de entender. Os textos sobre Bach, Handel e Beethoven são maravilhosos, tocantes me emocionam sempre que os releio. Uma grande homenagem. Li pela primeira vez o livro aos 14 anos, nessa época tinha grandes dificuldades em “compreender” Brahms, me perguntava mesmo como não conseguia “gostar” de um compositor tão importante e adorado por tantos. No meu caso, Carpeaux acertou em cheio quando disse que Brahms só poderia ser, talvez, inteiramente entendido por pessoas mais maduras , talvez depois dos 40 anos de idade, quando já tivessem passado por várias experiências e mesmo os sofrimentos da vida . Hoje, aos 44 anos de idade e muitos “sofrimentos” passados entendo o que ele quis dizer. De alguém que se perguntava na adolescência do porquê não conseguir gostar de algo tão querido por todos a um admirador profundo de um compositor que realmente me abriu uma janela para um mundo superior. Há!!! Aquele solo de trompa em sua sinfonia número 1 me catapulta através da escuridão para o reino da luz absoluta. Eu vejo os portais colossais do céu! Carpeaux estava certo. P.s.: as vezes penso comigo, hoje, com tanta oferta de obras musicais no mercado e tanta coisa que foi “exumada” ou descoberta depois de sua morte: gostaria que ele pudesse estar vivo só para poder conversar com ele e ver o que ele diria sobre essas obras, principalmente sobre o movimento de música historicamente informada que pessoalmente amo tanto. Seria muito, muito bom!
Pois é, o rigor estilístico do senhor Carpeaux não é para qualquer um… Sinceramente não é possível concordar com este texto. Os compositores citados por ele como ruins, são ruins mesmo, Tchaikovsky, Strauss, Puccini e Sibelius são de quinta categoria. Eu diria o contrário, que Carpeaux tinha de ter sido mais rigoroso ainda e não aceitado o tanto de bobagem modernista que aceitou. Falar que ele não era músico e por isso suas opiniões são falhas é piada simplória. Candé é uma perda de tempo, um lixo de várias páginas em que fala de tudo principalmente das maravilhas da música folclórica e não analisa nem mesmo uma peça e Randau o cita como um exemplo a seguir? Só uma dica, crítica é a separação rigorosa entre o bom e o ruim e não aceitar tudo que existe.
Ricardo,
O princípio de que em arte não se deve aceitar tudo o que existe e que a crítica é capaz de separar o bom do ruim é perfeitamente razoável, mas quando já assumimos essa tarefa dentro do próprio cânone – ou seja, dentro de algo que já foi filtrado de uma totalidade – e fazemos questão de lançar os segundos colocados a uma “quinta categoria” estamos forçando radicalmente esse princípio. Essa tendência nos leva a uma visão de ranking da história da música e, ao tentarmos distribuir univocamente os títulos de “bons” e “ruins” entre os compositores que levamos em conta, somos tentados a usar extremos para expressar a relevância de compositores como Bach em comparação à sutil presença de compositores como Massenet, ou seja: um tem que ser reconhecido como “mestre” e, na devida distância, o outro só pode acabar sendo reconhecido como “medíocre”. O problema é que a lógica para essa valoração é descaradamente relativa, e a consequência mais do que clara disso é que deixamos de ouvir uma obra pelo seu mérito próprio para tentarmos encontrar lugar para ela na nossa reduzida escala de valores, em que, se Bach já ocupa o espaço para os nossos melhores adjetivos, só restará aos compositores seguintes os nossos adjetivos mais depreciadores. E então estaremos literalmente cobrando o preço de Massenet por ele não ter sido Bach ou Mozart ou Beethoven. Só que a arte definitivamente não funciona assim, ela tem uma diversidade que reflete muito mais do que um único vetor que possa ser achatado por esse tipo de crítica que faz rankings como se o objetivo da arte pudesse ser reduzido ao objetivo de um jockey de correr mais rápido que os outros em uma corrida de cavalo. A crítica de arte ideal, que verdadeiramente aplica o discernimento do que pode ser bom e é capaz de revelar a beleza daquilo que analisa, não pode se deixar comprometer com um ranking que absolutiza os seus primeiros colocados em detrimento dos segundos, mas deve ser capaz de analisar o que aparecer na sua frente nos seus méritos próprios. O contrário disso é antimusical e nos torna fanáticos e ridículos.
Houve um leitor do blog com uma postura semelhante e sobre a postura dele eu escrevi este texto (não se trata de um post, apenas de um texto que postei em uma página do blog) que talvez seja útil para você: http://euterpe.blog.br/sobre-o-campeonato-de-pontos-corridos-dos-compositores.
Leonardo, a questão não é essa. Não é nenhuma competição dos compositores, mas temos de ver o óbvio e perceber que muita coisa é boa e muita coisa diferente tem valor na história da música erudita e do jazz, mas não tudo. Só que os críticos de verdade usam a lógica e a estilística e seus textos não são simples opiniões. Um exemplo: Como pode uma obra que tem estrutura, que é profunda, que é inventiva e reflete uma transfiguração profunda de sentimentos ser comparada com uma que é só um ajuntamento rapsódico de temas banais? Ou uma coisa vale ou a outra. Não há como as duas valerem. Esse rigor é o que as pessoas menos conseguem fazer e é fantástico, pois diminui o elemento subjetivo na apreciação ao máximo, levando-nos mais perto da verdade.
Temos de ter consciência de que há diversos níveis de artistas e que alguns não valem nada mesmo, é assim em todas as formas de expressão, não só na música. Vários músicos valem por vários motivos, o Massenet citado tem valor sim, pois tem substância, entretanto é óbvio que é menor do que Bach, Mozart ou Beethoven, não há por que alguém ficar chateado com isso. Este caso de Massenet nos faz lembrar o escritor Wilkie Collins, pois se ele fosse um simples escritor de livros de mistério não valeria, mas o rico painel social que mostra, a profundidade da observação, a psicologia e o fino humor o colocam dentro da literatura enquanto vários estão fora.
Perfeito. Apenas o livro do Carpeaux não é isento de crítica nesse sentido do diletantismo (o seu estilo não é tão objetivo como você diz, nem tenta ser), mesmo com todo o mérito que tem (e acho que o texto precisava mencionar isso, como de fato fez), assim como o seu comentário soou absurdamente radical reduzindo Tchaikovsky, Strauss, Puccini e Sibelius a nada. Uma história da música não pode reduzir a significância desses autores a nada, porque se alguém não vê valor algum nesses compositores só pode ou ser um péssimo ouvinte ou não gostar de música. E lembremos de que estamos falando de história da música, que tem um compromisso descritivo, e não de um papel de pura crítica.
Não é radicalismo, é análise das obras em si. Sinceramente quem defende estes compositores tem péssimo gosto. Tchaikovsky é simplesmente ridículo, como chamar aquelas bobagens de sinfonias? São o cúmulo da superficialidade. Sibelius é forte candidato a pior e mais disforme de todos tempos junto a Liszt, (pois dos modernosos eu nada comento). Como alguém consegue defender Puccini? Realmente um mistério… Strauss é barulhento por fora e vazio por dentro, só se salvam os lieder e uma ou outra ópera como Arabella, pois a maioria delas é um lixo e a música instrumental um horror. Simples opiniões? Como foi dito, eu os comparei diretamente a outros e vi que os elementos contidos não têm valor e não fiz como os deslumbrados que aceitam tudo só pelo fato de tocarem em concerto, pois se o que todo mundo toca e ouve tiver valor então um idiota com uma guitarra na mão tem o mesmo valor de um quarteto de Haydn, ou mais valor pois é mais ouvido… Carpeaux na verdade mais acerta do que erra justamente pelo fato de saber objetivamente o que é um conto, um romance, uma sinfonia, etc. e ater-se rigorosamente a isso, pois achar que o que Mahler ou Sibelius fazem é sinfonia, só indica que a pessoa adquiriu um mau costume de ouvir sons só por ouvir e além de estragar o seu gosto não teve o rigor de saber que sinfonia é outra coisa.
E o que é sinfonia então?
Qual definição Beethoven seguiu, e Tchaikovsky e Mahler deixaram de lado?
“(…) eu os comparei diretamente a outros (…)”.
Rest my case.
Nossa, não é possível nem comparar esses dois a Beethoven, chega ser constrangedor… Quando se ouve o mestre de Bonn, Haydn, Mozart, Brahms, por exemplo, percebe-se que os temas são bem definidos, refletindo uma transfiguração de sentimentos, e que eles são organizados estruturalmente. Tchaikovsky é esteticamente falho na estrutura e sem profundidade, os temas são simples sentimentos jogados, não têm o peso da verdadeira arte, são criações amaneiradas, é uma música baixa, incrível alguém ouvir toda a grande música e ouvir isto também. Mahler é infinitamente mais profundo, mas esteticamente falho também, não sabe manejar os temas e a estrutura é geralmente falha. Ele vem, entre outras coisas, de Bruckner que até transfigurava os sentimentos em temas, mas não tinha igualmente capacidade de organizá-las, repetindo, repetindo, repetindo, o que é um reflexo de falha estética; já os modernistas têm uma atitude mental e uma apologia do feio frente à música que faz com que as peças não tenham valor.
Certo, vamos por partes.
Pode me explicar melhor o que seria “temas bem definidos”? Por exemplo, comparando formas-sonatas: na Sinfonia 5 de Tchaikovsky, 1º mov., o primeiro tema (esse aqui: http://www.youtube.com/watch?v=z_aZvN8sdJ0#t=209s) é bem distinto do segundo (esse: http://www.youtube.com/watch?v=z_aZvN8sdJ0#t=427s), é impossível confundi-los e são facilmente identificáveis. Mas a Sinfonia 2 de Beethoven, 2º mov, apresenta inúmeros temas na exposição. Vc saberia identificar qual seria o primeiro e qual o segundo tema da relação abaixo?
A: http://www.youtube.com/watch?v=qukZqUnZH74#t=17s
B: http://www.youtube.com/watch?v=qukZqUnZH74#t=60s
C: http://www.youtube.com/watch?v=qukZqUnZH74#t=105s
D: http://www.youtube.com/watch?v=qukZqUnZH74#t=144s
E: http://www.youtube.com/watch?v=qukZqUnZH74#t=162s
F: http://www.youtube.com/watch?v=qukZqUnZH74#t=210s
G: http://www.youtube.com/watch?v=qukZqUnZH74#t=237s
“Transfiguração de sentimentos” é algo meio subjetivo para discutirmos, se me permite gostaria de entender algo mais objetivo. Vc falou da organização estrutural, e eu lembrei que a longa introdução da Sétima Sinfonia de Beethoven (http://www.youtube.com/watch?v=s1qAWcd4rr0#t=2s) não tem nada a ver com o que vem em seguida (http://www.youtube.com/watch?v=s1qAWcd4rr0#t=231s). Seria uma falha do grande mestre? Já a introdução do Concerto para violino de Tchaikovsky http://www.youtube.com/watch?v=fNCeYKfAOZI#t=50s é baseada num motivo que ouviremos no primeiro tema, aqui: http://www.youtube.com/watch?v=fNCeYKfAOZI#t=96s
Ainda sobre esse assunto (temas e estruturas), vc não acha estranho Haydn começar um quarteto em Si menor com o primeiro tema em Ré? (Aqui: http://www.youtube.com/watch?v=MJ8qQYahCKc) E o segundo tema igual ao primeiro, também em Ré? (Aqui: http://www.youtube.com/watch?v=MJ8qQYahCKc#t=44s) Uma falha do professor? E o que dizer de Mozart, que no Concerto para violino nº4 “esqueceu” o primeiro tema e passou do desenvolvimento direto para o segundo tema: não seria uma falha estrutural também? (Aqui: http://www.youtube.com/watch?v=r0JfH_lgDqc#t=233s)
Se vc puder me apontar algumas falhas estruturais em Tchaikovsky e Mahler, eu agradeceria imensamente.
PS.: Por falar em repetir repetir repetir como reflexo de falha estética, eu lembrei da famosa passagem minimalista da Oitava de Beethoven, essa: http://www.youtube.com/watch?v=Zegl7_zMj_Q#t=410s
Sobre a apologia ao feio, Beethoven escreveu algumas coisas bem esquisitas na Grande Fuga Op.133: http://www.youtube.com/watch?v=XEZXjW_s0Qs#t=149s
E o primeiro tema da Primeira Sinfonia de Brahms também é bem estranho, com esses saltos de sétima, veja: http://www.youtube.com/watch?v=o3a4v1TWUNo#t=222s
Já o Schoenberg, quando queria, escrevia coisas do tipo… http://www.youtube.com/watch?&v=vqODySSxYpc#t=894s
O que você fez é só um exercício retórico só para ganhar discussão, não importo eu, não importa você, importa a verdade. Análise é algo feito tendo em vista uma visão do todo. Eu consigo pegar o pior escritor do mundo e achar o que Borges chama de “frases felizes” e também o contrário achar um grande escritor com cenas ruins se eu quiser forçar uma situação e bancar o esperto. Se você não quiser ver a verdade e ficar fazendo apologia de obras e compositores de segunda o problema é seu. Já entendi a ideologia de vocês, todos os compositores são bons e pronto. Desculpem-me mesmo estragar-lhes a festa. Depois Carpeaux é que é amador… Defender Tchaikovsky é tão constrangedor, este concerto para violino dele parece uma festa na roça, é um simples festival de temas folclóricos colocados de forma rapsódica e vocês veem valor nisso? Não há nada de feio nos trechos dos grandes compositores citados, mas sim temas expressivos, vocês é que não estão conseguindo ver a banalidade dos outros. E é interessante lembrar que não existe uma fôrma com a qual eles faziam suas peças, os grandes compositores têm grande liberdade de criar, pois isto é o que arte é. Só que nas inúmeras possibilidades, as deles sempre faziam sentido e não só um ajuntamento de temas.
Ricardo,
Você se refugia em um elogio à noção de verdade e à objetividade, mas o seu discurso não reflete EM NADA qualquer conformidade a esse elogio, porque é repleto de uma subjetividade grosseira que o Amancio tem exposto na prática (ele sim) com os exemplos que ilustram as consequências das afirmações que você tem feito (e que são insustentáveis). Elogiar a verdade e a objetividade não transforma qualquer coisa que você disser depois disso em verdade e objetividade, se você quer conversar sobre estética, estilo, estrutura, linguagem, pelo menos nos dê a graça de vê-lo TENTAR deixar esse vocabulário amador que fala em “ridículo”, “barulhento”, “lixo”, “horror”, “sentimentos jogados”, “transfiguração de sentimentos em temas” e “banalidade” para começar a falar em música de verdade. O que ficar aquém disso é simplismo e diletantismo, e creio que arrogar-se não ser alguém que “aceita tudo como bom” não vai valer como argumento para nada, porque é, além de um exemplo clássico e perfeito da falácia de petição de princípio, também uma outra chamada “Dicto simpliciter”.
Já pedi desculpas e não vou atrapalhar, podem continuar a brincar de falar de música erudita aí, gente. Crítica é feita com adjetivos mesmo e isso desde Aristóteles, talvez vocês não saibam, pois pelo jeito não leem e não gostam… Então vamos lá, citem compositores que não têm valor então e por qual motivo não teriam? Ou será que para vocês, surpresa, todos são bons?
“Contra principia negantem non est disputandum.”
Ricardo,
1. De onde você tirou que alguém disse que não se pode usar adjetivos em críticas?
2. De onde você tirou que alguém disse que todos os compositores são bons?
Monteiro,
Bem lembrado.
Olá Ricardo,
Acho que vc não entendeu minha pergunta, e eu já entendi o porquê. Vc afirmou que “não existe uma fôrma para os compositores criarem suas peças”, mas na verdade existe sim. Existem quatro ou cinco formas básicas, roteiros de como o material temático deve ser disposto e tratado, e aqui no blog já falamos sobre algumas dessas formas: a forma-sonata (com sua variante, a forma-sonata de concerto), o tema com variações, as formas seccionadas, a fuga e a forma livre. A combinação dessas formas gera estruturas maiores, como sinfonias e concertos. E é assim que sabemos que o Concerto para Violino de Tchaikovsky não tem a forma rapsódica que vc citou, mas na verdade ele segue o mesmo formato dos concertos para violino de Beethoven, Mozart, Mendelssohn e Brahms: um primeiro movimento em forma-sonata, um segundo em ABA e o terceiro em rondó (ou rondó-sonata). Cada compositor desenvolve os temas à sua maneira, mas a estrutura e as formas empregadas são as mesmas, os temas não estão jogados aleatoriamente na partitura, eles seguem uma mesma ordem pré-estabelecida.
Mahler e Tchaikovsky não são deuses, eles não são perfeitos e, como todos os outros, eles têm sim lá suas falhas e seus vícios. Mas, com certeza, não estruturais! Estes dois compositores são bem fiéis às formas clássicas, e por vezes fiéis até demais. Tchaikovsky, por exemplo, fez o enredo de Romeu e Julieta caber numa forma-sonata, ao escrever sua famosa fantasia sobre a peça de Shakespeare. E Mahler só vai inovar na forma sonata inicial das sinfonias lá na Nona Sinfonia, todas as demais são bem quadradinhas, às vezes até com repetição da exposição.
Por fim, releia tudo o que eu escrevi (nesta e nas outras mensagens) e perceba que eu não fiz juízo de valor nem dos compositores nem das obras. Eu não disse que eram ruins nem bons, eu apenas apontei possíveis falhas e acertos da estrutura e do material temático, tentando ser o mais objetivo possível. Às vezes a “falha” nem deve ser chamada assim, porque muitas vezes o compositor tem ciência disso e o escreve de propósito; por exemplo Brahms fez o primeiro tema da sua Sinfonia 1 ser feio/horroroso para que o tema principal do último movimento pudesse brilhar intensamente (Beethoven também fez algo parecido na sua Nona Sinfonia, confira na minha análise). E veja que eu não defendi o Concerto para Violino de Tchaikovsky, e na verdade eu nem disse se eu gosto desse concerto, porque no final essa seria uma informação irrelevante para a discussão; eu apenas o descrevi tecnicamente. É claro que eu e meus quatro colegas de blog temos nossas preferências musicais, e é óbvio que não gostamos de tudo indiscriminadamente. Mas, por que iríamos destilar veneno sobre obras que já entraram em definitivo para o repertório, se pelo contrário podemos explicar as obras que gostamos e ajudar outras pessoas a entendê-las melhor?
Acho que houve outra confusão por aqui, que foi a mistura da noção de objetividade/verdade com o papel da crítica.
Entendendo a objetividade como um ideal de tratamento direto do objeto, é possível elaborar uma linguagem que descreva uma obra-de-arte na sua própria constituição, discernindo a sua técnica, etc. Os formalistas russos tentaram isso com a literatura e descobriram seríssimas limitações, pois efeitos retóricos e expressivos ou não são exatamente mensuráveis ou se tornam simplesmente insignificantes quando são medidos com uma descrição formalista – por isso o movimento fracassou (também porque eles tentaram esse método como *crítica*, o que não funcionou, mas já chego lá). Mas digamos que como um ideal ainda é possível pensar na descrição de uma obra-de-arte como uma tarefa que tem, ainda que um pouco a grosso modo, a isenção como objetivo.
Na crítica (aquela que não apenas descreve mas julga se uma obra-de-arte é boa ou ruim), o processo de aplicar um critério a uma obra-de-arte pode e até deve ser visto como algo tão objetivo quanto possível (não se trata de uma operação cartesiana, mas digamos que certos critérios possam ser razoavelmente verificados por consenso): se há um critério como, por exemplo, o de que a economia de meios em uma obra-de-arte confere um valor “bom”, esse valor na obra-de-arte deve ser destacado da maneira mais direta possível. E assim alguns valores a partir de alguns critérios podem tentar ser encontrados e discutidos, e aquele que conseguir fazer isso de maneira mais objetiva (o que, dependendo do critério, pode ser complexo) será obviamente mais convincente em mostrar o valor de certa obra-de-arte (que é o tipo de status que a tradição nos lega com o cânone).
Mas, antes de tudo, como escolher o tal critério que será aplicado a uma obra-de-arte? Essa proposição de um critério para se começar uma crítica não tem como ser “objetiva”, porque ainda não há qualquer objeto em questão. Ou seja, essa é uma questão apriorística por natureza, e é por isso que a crítica como um todo não é exata, pois nos seus valores internos ela já dialoga com os interesses de diferentes perspectivas da arte, o que é no melhor dos casos consensual em alguma medida, mas ainda assim relativo.
Quando estudamos a filosofia das próprias ciências exatas, também descobrimos que até mesmo nelas essa distinção entre a) a aplicação de critérios para a resolução de problemas e b) a criação à priori de hipóteses para se começar a pensar um problema é fundamental e revela que, enquanto “a)” até pode tentar ser exata, “b)” precisa lidar com uma interpretação sempre motivada da realidade.
O Ricardo, portanto, mistura a noção da objetividade própria da descrição de uma obra-de-arte com o papel muito mais engajado que seria o da crítica dessa obra-de-arte, enunciando de maneira simplista alguns valores bem questionáveis da sua crítica e não se dando sequer ao trabalho de nos mostrar como ele aplicou esses critérios nas obras que critica. Nisso ele se torna apenas um positivista confuso e grosseiro, o que me parece um desperdício em um espaço como este, no qual nós, de boa vontade, temos sempre aprendido bastante.
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Sobre um esclarecimento do uso da noção de objetividade e de subjetividade na música, o blog tratou de maneira bem mais clara do que este meu comentário sobre a curiosa crítica musical do Karl Popper nesta pequena série aqui: http://euterpe.blog.br/filosofia-da-musica/a-objetividade-e-a-subjetividade-na-musica-parte-i
Gente, eu não ia mais comentar, mas “Brahms fez o primeiro tema da sua Sinfonia 1 ser feio/horroroso para que o tema principal do último movimento pudesse brilhar intensamente” foi, sinceramente e sem exagero (e sem querer ofender), talvez a maior besteira que já li sobre música (e também o raciocínio mais simplório), mas também quem defende a música amaneirada de Tchaikovsky nunca vai apreciar totalmente um artista do quilate do Brahms. Carpeaux realmente falou que as pessoas tinham dificuldade de ouvir Brahms, mas juro que não acreditei. Neste nível que vocês estão quando veremos os textos falando das maravilhas que são Malcolm Arnold e Franz Lehár (ou se dermos muita sorte John Williams)?
Não ia comentar também, mas termos que os assustaram fazem parte de qualquer análise estilística, a discussão se arte é imitação ou transfiguração de sentimentos ou da natureza vem da antiguidade clássica…
O problema de Mahler é que o “material” que ele usa, ou melhor, falando a estética na qual ele está inserido é de segunda, se aqui e ali ele acerta mais ou menos em suas obras irregulares não interessa, com tanta coisa boa para se ouvir, vocês não deveriam ficar recomendando isso para ninguém, acho que vocês são mais interessados em orquestração do que substância musical daí a defesa do falso brilhantismo de Strauss e sua música vazia. Gostar de som de violino até quem vai a show da Broadway gosta… Não brinquem, existem mesmo coisas que se chamam sonata-forma e rondó? Nossa, obrigado por me ensinarem! Bem, quando eu disse “fôrma”, não quis dizer “forma”, eu dizia algo mais sutil e contrabalançado a acusação modernista de que a arte “antiga” era padronizada. Por favor, não falem besteira, ninguém odeia mais o positivismo do que eu, eu sou de linhagem antirrelativista e metafísica. Eu diria ao contrário que vocês é que são positivistas, pois ser objetivo para vocês e ser como os sociólogos, vocês estão agarrados à realidade (neste caso o conjunto de obras eruditas) e não conseguem separar o joio do trigo. Ser objetivo para vocês significa: um carro tem quatro portas e um volante, mas nunca se pode falar que o carro é bom. Puro clichê academicista…
Isso é verdade, vocês precisam aprender muito mesmo, mas se ficarem achando que tudo é bom, acho que não vão aprender nunca.
É, não adianta discutir com quem não faz o esforço mais miserável para entender o que lhe é dito…
Ricardo,
Nós já entendemos que você julga que não é possível que TUDO seja bom, isso não é novidade. Mas perguntamos: de onde você tirou que alguém disse isso? Ainda não vi esta resposta pra você simplesmente achar que deve insistir neste ponto. Também apontei para o fato de que impor o princípio de que é impossível que tudo seja bom não é argumento para dizer que Mahler não é bom, simplesmente por não dizer nada a respeito de Mahler em particular e ser, por isso, uma típica falácia, mas você continua insistindo em dizer apenas isso (e de maneira inacreditavelmente cada vez mais grosseira, comparando Mahler a funk, o que faz parecer que você é um solipsista, que julga que tudo o que você conhece, ainda que do conforto da sua casa após séculos de filtragem pela tradição para o cânone, já são todos os compositores que até hoje existiram, e por isso OU Mahler é ruim OU *todos* os compositores da história da humanidade estarão sendo considerados bons com ele, o que aí não pode…).
Também já entendemos que você julga que usar adjetivos é comum em crítica, isso não é novidade. Mas perguntamos: de onde você tirou que alguém disse o contrário disso? Ninguém está escandalizado com as suas palavras aqui, apenas apontamos o óbvio: falar em “temas transubstanciados em sentimentos” ou chamar uma forma-sonata de “rapsódia” ou simplesmente chamar a obra de um compositor de “lixo” não é falar em música, é falar ou equivocadamente ou impor uma adjetivação insuficiente (sem fundamentação) e, por isso, justamente apenas subjetiva no seu valor. Também apontei para o fato de que a objetividade que você procura recuperar para a sua crítica é uma confusão insustentável epistemologicamente, mas você apenas insistiu em dizer que está fazendo crítica como Aristóteles. Sobre Aristóteles, aliás, se formos usar argumentos de autoridade ao invés de expor ideias (como você também tem feito), eu tenho formação para falar levando em conta edições críticas da sua língua e suas fontes originais, então não se acanhe em ser mais específico, porque por enquanto eu não vi como Aristóteles faz crítica sendo subjetivo, grosseiro, simplificador e utilizando um vocabulário amador.
Por fim, além de não ter entendido algo tão simples como a descrição do Amancio do tema principal do primeiro movimento da Primeira Sinfonia de Brahms em oposição ao tema principal do seu quarto movimento, você se entrega fragorosamente no seu último comentário sobre Mahler: a “estética” em que ele está inserido é que seria de segunda. Ou seja, diferente de uma crítica objetiva, que avalia o objeto, o máximo que você nos dá é uma crítica ideológica, descaradamente motivada a priori, bem grosseira aliás (seria Mahler um modernista ideologicamente falado?), e ainda exige que todo mundo pressuponha o seu juízo ideológico sem ousar discutir ou tentar entender mais nada.
Entenda mais uma vez: ninguém aqui negou a atividade da crítica, eu escrevi uma mensagem inteira sobre ela – é incrível como você lê apenas o que quer. Nós demos apenas a oportunidade de você nos mostrar como alguém pode sustentar impressões tão levianas, mas você prefere nos chamar de ingênuos e discutir princípios ora contraditórios e ora impertinentes ao invés de música, desrespeitando a nossa boa vontade, contentando-se em soltar a bobagem sem justificá-la a quem pergunta, ou – utopia – sem reconhecer que estava equivocado. Resta se consolar que cada um faz o que bem entende com a oportunidade de aprender com o próximo…
Leonardo, pare como a retórica, isso não o leva a lugar nenhum. Quando eu falei de Funk? Aliás, espero o blog de vocês sobre o assunto. Vocês aqui não lidam com a análise estilística das obras e não entendem nem quando eu falo em estética de determinado compositor, aí fica difícil…
Posso falar o mesmo, levantei várias questões das quais vocês fugiram, o que vocês querem é que as pessoas entrem aqui e falem: Nossa, que lindo vocês estão falando de “música clássica”!!!! Vocês me fazem lembrar um boboca do Dicta&Contradicta defendendo o André Rieu, pois o “povo se diverte ao ouvi-lo”. Ou seja, é o primado da realidade social contra a análise da essência da obra em si. Se eu contar que alguém falou que há um tema do primeiro movimento da primeira sinfonia de Brahms que é feio (e ainda que Brahms fez isso porque queria para contrapor ao último. Isso sim é análise sem sentido e subjetiva!) ninguém vai acreditar… Só aqui mesmo.
Olá Ricardo,
Composição, harmonia e contraponto são disciplinas de qualquer curso de composição e regência, os compositores estudam essas técnicas assim como alunos de português estudam análise sintática, concordância e regência verbal. A técnica dá ao compositor domínio completo do material sonoro: se ele quiser escrever algo bonito, ele sabe como fazer; se ele quiser escrever algo feio, ele também sabe como fazer.
E é assim que Brahms conscientemente escreve no primeiro tema da Sinfonia 1 (cante comigo): lá bemol, si; fá, lá bemol. E na sequência: ré bemol, mi; si bemol, ré bemol. São notas de acordes de sétima diminuta, um dos mais dissonantes da harmonia clássica, e cantados em intervalos nada prazerosos: 7ª diminuta, 5ª diminuta, 6ª maior. Isso soa feio até mesmo pra quem gosta de música moderna, e deveria soar ainda mais feio pra vc que não gosta de música moderna.
E mais uma vez aqui, como nas minhas outras mensagens, não estou fazendo nenhum juízo de valor. “Feio” não é sinônimo de ruim (e eu não disse que a Sinfonia 1 de Brahms é ruim). “Feio” é o não prazeroso, o dissonante, e faz parte do discurso musical de qualquer compositor. O Quarteto K.465 de Mozart inicia com dissonâncias feias, e é uma das suas obras-primas. A Sinfonia Heróica de Beethoven tem em seu maior clímax uma sequência de acordes horrorosos e ritmicamente confusos, mas é esse o conflito que o herói tem de superar no discurso musical, e a sinfonia não seria “heróica” sem as dissonâncias. Na Paixão segundo São Mateus de Bach os piores acordes são reservados às coisas mais terríveis da história (as trinta moedas de prata, a coroa de espinhos, etc), e me parece lógico que uma cena onde os soldados cospem em Jesus seja narrada com melodias feias. O que vc acha, Jesus deveria ser humilhado com melodias bonitas?
Por último, peço desculpas se eu fui didático demais na minha última mensagem e subjulguei seus conhecimentos, mas é que seu discurso continua meio vago e ausente de exemplos mais concretos para provar o que vc diz. Não ficarei chateado se vc usar desse mesmo “didatismo” contra mim. Por exemplo, ainda aguardo a sua definição de sinfonia (que vale para Beethoven e não para Mahler), quais são os trechos onde há falhas estruturais em Mahler e Tchaikovsky, o que seria “manejar um tema corretamente” (quais técnicas de desenvolvimento vc considera corretas e quais são as erradas?), e qual o trecho do concerto para violino de Tchaikovsky usa a forma rapsódica. Use o Youtube para indicar os trechos, como eu faço nas minhas mensagens. Se vc também puder explicar o que seria a tal “fôrma sutil” da mesma forma que expliquei o “feio” na Sinfonia 1 de Brahms, ajudará bastante!
Não quero ganhar discussão nenhuma, só quis denunciar o caráter infantil (e revelador do gosto superficial do escritor…) deste texto: “Buá, Carpeaux falou mal dos compositores de que eu gosto! Imagine, Tchaikovsky é tão bonito…” Os comentários, por sua vez, são de teor academicista (e na academia nunca se pode falar de valor), vocês só veem as coisas do ponto de vista dos blocos AB, ABA, etc. ou qualquer outra forma estrutural e não percebem os estilos fracos e amaneirados e os pequenos elementos temáticos que se interligam e é neste ponto sutil é que Haydn, Schumann, Schubert, por exemplo, construíam suas obras e é neste sentido que não existe um molde. Existe uma organização geral, mas não uma fôrma. Na sonata para violino de Debussy, os elementos são todos interessantes, mas a ligação entre eles e seu desenvolvimento são falhos, pois ele não fazia parte de uma estética coerente como a dos clássicos ou semiclássicos; independentemente disso é uma peça de muito valor, pois os temas são belos, têm contorno. Já em uma sinfonia de Sibelius tudo é dissolvido, a única explicação é a de que as pessoas gostam do som da orquestra pelo som e não procuram música com substância, não têm o rigor para separar o bom do ruim. Essa história da Sinfonia de Brahms é conto de fadas, só talvez se a peça fosse cíclica seria verdade. Imaginem uma epopéia em que acontecesse um fato no início dos milhares de versos e em um dos últimos acontecesse algo contrário. Isso seria contraste?
Ricardo,
Ironia não nos ajuda em nada se não quisermos apenas bater boca ao invés de entender o outro lado e aprender alguma coisa… Usar de falácias também não, e acho importante identificá-las para organizar o que temos afirmado de maneira honesta.
Continuo surpreso com a sua incapacidade de ler e com os seus simplismos, talvez frutos de uma arrogância que faria bem você rever a esta altura. O que chega às raias da dislexia é sem dúvida a insistência no princípio de que é impossível que todo compositor seja bom e que portanto Mahler só pode ser ruim, ou o motivado julgamento histórico grosseiro de incluí-lo na estética modernista (?), ou as afirmações sem qualquer justificativa que você sequer TENTA fundamentar, e mesmo assim insiste que é objetivo (sem consideração mais detida à constituição do objeto não há objetividade alguma, apenas a impressão que ficou em você, o que é justamente subjetividade).
Mas vou tentar ser mais claro apenas quanto a duas coisas, não se preocupe, somos pacientes.
Primeiro, quanto a ser impossível que todo compositor seja ruim, que eu já disse que não é argumento algum para casos específicos, mas que você insiste em usar quando quer justificar sua crítica a algum compositor particular. Imagine que entre todas as maçãs do mundo fossem selecionadas 20 maçãs muito boas, sendo 5 delas de fato excelentes. Se você tivesse essas 20 maçãs na sua frente, como você as julgaria? Aplicaria à força o princípio de que é impossível que todas as maçãs do mundo sejam boas e descontaria dali entre 5 e 10 pra julgá-las não mais muito boas no todo, mas ruins pra ficar em paz com a sua consciência? Bom, isso não faria sentido, porque você obviamente não tem todas as maçãs do mundo na sua frente, mas uma seleção MUITO ínfima dentre todas as maçãs da história da natureza. E se todas por acaso forem muito boas em si, nenhum princípio externo deveria influenciar a avaliação direta de cada uma, nem servir de explicação para esse erro. Além disso, quão objetivo você consideraria julgar uma maçã pelo fato dela vir de uma região cujo clima não é propício a boas maçãs, e por isso mesmo, embora essa maçã possa ser muito boa em si, você seja obrigado a julgá-la como ruim e a usar essa explicação ao invés de se referir a ela? Obviamente que isso seria usar de um critério externo ao objeto, tendencioso e nada objetivo para avaliá-la e não teria mérito algum em revelar o valor da maçã. Você percebe que é esse o efeito dos seus comentários quando você se recusa a falar de música para usar essas desculpas que simplesmente não procedem? É por isso que eu tenho perguntado mas você se recusa a responder: de onde você tirou que alguém disse que todos os compositores são bons? Não estamos nem perto disso por aqui, não precisa ser um ouvinte grosseiro para ser fiel a esse princípio, fique tranquilo. Mas se quiser mostrar defeitos de algo, não tenha medo de se referir diretamente a esse algo, essa é a única maneira de outras pessoas poderem entender.
Agora um segundo ponto novo e importante: a imparcialidade do academicismo. Você leva em conta um princípio metodológico, que é o da descrição de um objeto na ciência (e que informa a pesquisa acadêmica de diferentes áreas), para chamar a carência de juízos de valor de “academicismo”. Mas de onde você tirou isso daqui, meu Deus?! Primeiro que esse não é um princípio acadêmico, é o princípio da descrição de um objeto que já foi eleito para ser descrito. Mas se a crítica for do interesse do pesquisador é óbvio que ela é uma ferramenta disponível, seja em licenças dentro da sua exposição, seja em compilações inteiras apenas para críticas e RESENHAS, já ouviu falar? A crítica é feita como eu disse aí atrás: cotejando critérios ao objeto descrito, algo que por acaso você tem se recusado a fazer. Mas essa sua acusação, mais uma vez, é obscura, porque ninguém aqui empurrou a bondade absoluta ou sequer negou os defeitos de algum compositor; estamos apenas tentando entender as críticas que você particularmente fez questão de anunciar por aqui, só que você nem tenta mostrá-las, prefere ser irônico e acusar a nossa falta de compreensão, apesar de tamanha boa vontade. Onde foi parar a conversa sobre objetividade?
Talvez, como se vê, fazer juízos de valor nem sempre seja tão óbvio assim, mas também não pode ser tão difícil, dada a contundência das conclusões que você tem compartilhado. É só nos deixar saber do que você está falando pra podermos verificar a mesma coisa.
Ricardo,
Comentando ponto a ponto:
“vocês só veem as coisas do ponto de vista dos blocos AB, ABA, etc. ou qualquer outra forma estrutural…”
Não tem problema, se vc quiser eu posso abrir os blocos e podemos falar sobre desenvolvimento temático, modulações, subdominantes e tudo o mais. Como vc havia começado falando de “falhas estruturais”, minha linha de raciocínio foi por esse lado, a estrutura, mas se vc não se sente à vontade com esse assunto, nós podemos falar de algo mais técnico.
“… e não percebem os estilos fracos e amaneirados…”
Você pode definir o que são “estilos fracos e amaneirados”? Você pode dar um exemplo mais concreto?
“… e os pequenos elementos temáticos que se interligam”
Você pode dar um exemplo? De qual pequeno elemento temático vc está falando, é uma ponte, modulação, transição, o que é? Escolha uma obra, qualquer obra de Haydn, Schumann e Schubert, a literatura é vasta, e me informe em qual trecho ou número de compasso. No Youtube tem as gravações, e no IMSLP tem as partituras, todas em domínio público.
“Debussy (…) não fazia parte de uma estética coerente como a dos clássicos ou semiclássicos”
Então, se eu entendi direito, o seu problema com Debussy e Sibelius é que eles não tentaram imitar Beethoven, e nem tentaram escrever música seguindo um estilo ultrapassado havia 100 anos, mas ao invés disso seguiram um caminho próprio e coerente com as idéias da época em que viveram. É isso?
“Essa história da Sinfonia de Brahms é conto de fadas, só talvez se a peça fosse cíclica seria verdade.”
Mas ela não precisa ser cíclica para ter uma unidade coerente. Toda a sinfonia apresenta uma unidade motívica e temática que é muito comum de encontrar na obra de Brahms. Por exemplo, este motivo descendente do primeiro movimento (http://www.youtube.com/watch?v=o3a4v1TWUNo#t=297) vai gerar este outro aqui no quarto movimento (http://www.youtube.com/watch?v=o3a4v1TWUNo#t=2567). Já este padrão rítmico pontuado do primeiro movimento http://www.youtube.com/watch?v=o3a4v1TWUNo#t=250 aparece com frequência no quarto movimento, assim: http://www.youtube.com/watch?v=o3a4v1TWUNo#t=2934 . Fora que o ritmo de tercinas do 6/8 do primeiro movimento (ex.: http://www.youtube.com/watch?&v=o3a4v1TWUNo#t=394) também é citado no 4/4 do quarto movimento: http://www.youtube.com/watch?v=o3a4v1TWUNo#t=2680 . Ou seja, a sinfonia não é uma epopéia gigantesca, mas uma música coerente com começo meio e fim. Igual como uma Quinta ou uma Nona Sinfonia de Beethoven.
E esqueça esse lance de “ganhar discussão”, isso não é uma competição e eu não ganho nada com isso. Só conhecimento. E eu gostaria de entender quais os fundamentos técnicos que baseiam suas opiniões.
Uma música amaneirada? Tchaikovsky, com a sua musiquinha de balé sentimentaloide travestida de música instrumental é o melhor exemplo.
Pois é, mais uma vez ligados ao historicismo ou a tola realidade social; fazer arte que reflete o tempo não é indício nenhum de qualidade, se fosse assim as obras de hoje seriam sempre melhores do que as de ontem, ou todas igualmente boas, pois todas refletem seu tempo. A questão é que eu estou tratando de estilística e vocês não entendem. As obras podem ser completamente diferentes, nada como a mudança, só que a noção de decadência e evolução é fundamental para se entender o fenômeno artístico, daí o comentário sobre Debussy, que era um gênio, e que fez suas melhores obras lidando com elementos sólidos, daí o quarteto e as sonatas serem obras de muito valor. A questão não é quantidade, esqueça estas maçãs, a questão é que há estilos que são bons e outros que não prestam, por exemplo, essa corrente toda que vem de Wagner e que foi usada em músicas instrumentais, sacras, etc. é no geral um desastre.
Há coisas que já expliquei mil vezes e vocês não querem ver. Vou perder meu tempo, mas vamos lá: Max Reger, por exemplo, compunha quartetos, muita música de câmara, variações orquestrais, etc. só que a sua concepção de música era a de juntar sons; eram bem estruturados? Sim, mas eles não eram um reflexo de algo verdadeiro que ele tinha dentro dele, não era transfigurações de sentimentos, por isso não valem. A atitude que ele tinha perante a música era acadêmica. Assim como são os trabalhos acadêmicos hoje em dia em que o aluno não vivenciou profundamente nada, só leu meia dúzia de páginas de xérox, fez o que o professor mandou e ganhou um título. Agora peguemos um contemporâneo dele, Fauré. Ele compunha muita música de câmara, lieder, etc. nenhuma, mas nenhuma mesmo era acadêmica, todas refletem uma vivência interior muito profunda, o estilo é perfeito e ao mesmo tempo livre, Fauré não é cópia de ninguém, mas está em uma estética saudável. Sobre a questão da estética que ninguém entendeu quero fazer só mais um comentário, estética são os elementos que o artista usa, por exemplo, o grande Buxtehude usava elementos barrocos, Brahms clássicos fundamentalmente, mas também românticos. Só que isso não tem que ver com a qualidade do artista, Debussy era naturalmente mais talentoso do que Beethoven (o exemplo é radical para demonstrar um conceito), só que Beethoven formou-se em uma estética melhor, o que resultou em obras melhores. Bach era mais capaz como criador do que Haydn, só que estilisticamente Haydn é maior. Aliás, nosso caro Joseph é um dos maiores artistas da história, capaz de uma amplidão de sentimentos demonstrados em suas obras que é inacreditável. O classicismo não é amaneirado, ele tem classe é diferente. O Rococó sim é amaneirado.
A discussão que aqui se desenrola lembra muito uma outra, que houve há poucos meses em outro post do blog. Peço desde agora perdão a todos os psicólogos e sociólogos pelos pitacos amatórios que passo a cometer.
Acredito que, por trás de todo esse bate-boca, existe entre muitos leitores uma necessidade –perfeitamente compreensível, aliás- de um personagem orientador. Um expert capaz de estabelecer um cânone, separando o shoyu da soja, ou mesmo de fixar uma hierarquia entre compositores e obras do repertório clássico. Uma espécie de Robert Parker da música. Essa função foi no passado desempenhada por muita gente boa já aqui resenhada, e cuja autoridade, na época, era irrefutável.
Hoje, com todo o progresso da pesquisa musicológica e com a rapidez do acesso à informação, é preciso revisar muitas avaliações antigas, e mesmo mudá-las, de corrigíveis até insustentáveis. Como resultado, não existem mais os Heróis Imaculados do século 19 europeu. Quem quiser se ocupar com o lado obscuro de tantos ícones da história da música, pode hoje se deliciar com o pão-durismo e o alcoolismo de Beethoven, com a misoginia e o chauvinismo de Brahms, com o racismo e a megalomania de Wagner, e por aí afora.
Mas esse não é o ponto. Esses compositores eram e são monumentais devido ao conjunto de suas produções, cuja qualidade musical intrínseca ofusca tanto a mediocridade de suas obras menores quanto os defeitos pessoais de cada um.
Euterpe comemora três anos, prestando um serviço inestimável ao apresentar compositores, obras e reflexões sobre música numa linguagem acessível, mas nunca banal. Não é nem pode ser seu objetivo restabelecer cânones ou hierarquias anacrônicas. A orientação tão almejada por tantos leitores provirá, portanto, dessas informações e reflexões, após repercutir na razão e no coração de cada um. É um caminho mais longo, mas vale a pena. Abs.
Olá Ricardo,
Vejo que, pelo menos, estamos tendo algum tipo de progresso. Repare que, nesta sua última mensagem, para mostrar que uma música é ruim, você deixou de lado todos os termos objetivos técnicos e mensuráveis que vc usava nas primeiras mensagens, tais como: estrutura, forma, a “análise da obra em si”, falhas de composição, as definições de sinfonia e rapsódia, temas, etc. Substituiu esse discurso por uma crítica subjetiva ao estilo e à estética, com expressões que só fazem sentido para você: “música amaneirada”, o “reflexo da verdade interior”, uma “estética saudável”, a “transfiguração de sentimentos”. Sentimentos de quem: do ouvinte, do compositor, ou do músico que interpreta a partitura à sua maneira? E se dois músicos interpretarem a mesma música de formas diferentes, qual sentimento vale? É o que está escrito na partitura? Então abre a Sinfonia Heróica aí, primeiro movimento, compasso 123: que sentimento está escrito na nota ré?
É assim que eu retorno ao início da discussão, a subjetividade da opinião de Carpeaux escondida sob um título objetivo de “história da música”. Que é muito parecida com a subjetividade das suas próprias opiniões, Ricardo, escondidas sob uma falsa argumentação técnica (que eu já desmontei) e que agora vêm à tona através da sua opinião sobre estilos. Se vc não entende um estilo, não significa que ele é necessariamente ruim, significa que vc está procurando nele algo que ele não tem. Por exemplo, se vc aprecia austeridade e simplicidade, não procure isso nos compositores pós-românticos, pois essa não era a intenção deles. Outro exemplo, não é possível comparar música de balé com música sinfônica, pois a música de balé não tem a mesma pretensão da música sinfônica, e a música sinfônica não tem a pretensão de ser dançada.
E, preciso dizer, nossas opiniões são assim divergentes porque definitivamente partimos de premissas diferentes. Pra mim, a arte é manifestação do seu tempo, e por isso eu não consigo dissociar o barroco complexo da nobreza que nascia sabendo música; o classicismo de formas roteirizadas dos burgueses comerciantes que não tinham tempo para estudar música; o pós-romantismo e experimentações modernas com os anos loucos antes da primeira guerra; o dodecafonismo e neoclassicismo com a necessidade de colocar o mundo em ordem depois da primeira guerra, e assim por diante. E sim, essa premissa me leva a opiniões frontalmente contrárias às suas: que não há como comparar estilos de forma qualitativa, e que não existe noção de decadência e evolução na história das artes.
F.S., como sempre, seu comentário tem a precisão de um cirurgião. Obrigado! É um orgulho e uma responsabilidade muito grande para nós tê-lo entre nossos leitores assíduos.
Acho que isso encaminha essa discussão pra um desfecho nesse turno que se abriu por aqui.
Ricardo veio simplesmente dizer que Carpeaux é objetivo em não gostar de Tchaikovsky, etc., e que o post é que era subjetivo ao registrar essa característica. Assim é fácil: nossa opinião é sempre objetiva, os que discordam é que estão sendo subjetivos. Mas não foi nada disso: o texto do Carpeaux simplesmente deixa refletir juízos de valor pessoais em alguns momentos, e são pessoais não por serem corretos ou errados, mas por se apresentarem explicitamente como tais em partes da sua exposição. Uma resenha do livro precisa reconhecer esse tipo de registro em um livro de história da música.
A isso se seguiu uma pérola de auto-engano, em que vimos o Ricardo tentar, com o elogio à uma noção de verdade e objetividade, legitimar um discurso descaradamente subjetivo, grosseiro, simplista e sem qualquer tentativa de fundamento. À exigência de fundamento, seguiu-se da parte dele o preconceito contra a própria exigência de fundamento, como se exigi-la de certas opiniões fosse uma covardia, uma passividade, um academicismo e toda sorte de associações incompreensíveis e falaciosas. Por fim, diante de tantos contra-exemplos, ele se contentou em reconhecer que falava sobretudo de estilo, e com isso pareceu julgar suficiente falar de estilo de maneira subjetiva. De novo, só fez sentido para ele e não à toa os contra-exemplos puderam ser dados; afinal, falar de estilo não nos exime de alguma objetividade se quisermos ser significativos.
Por fim, foi valiosa a contextualização do Amancio sobre a ligação da arte com o seu tempo: embora o Ricardo – tendencioso no seu terrorismo psicológico em tentar constranger antes ideologias do que tentar argumentar – possa acusar o entendimento da arte como manifestação do seu próprio tempo de um relativismo, na verdade relativista é, como ele faz, achatar todos os estilos como se pudessem valer a mesma coisa em relação um ao outro, de modo a se exigir deles os valores de um único paradigma. Depois ele nega ser positivista, mas, na verdade, é apenas uma visão histórica que superou o positivismo que consegue entender que a história não é cumulativa, pra que possamos julgar estilos diferentes a partir de uma única consciência. Na verdade a história é, como diz o Thomas Kuhn, uma sucessão de quebras de crenças e saberes. Isso significa que é IMPOSSÍVEL hoje alguém compor como Bach, que viveu uma sensibilidade do elemento da dança no barroco para sempre perdida, ou como Mozart, que viveu outro paradigma de individualidade também para sempre perdido. Além disso, um estilo não se forma por qualquer um e por qualquer coisa: apenas uma linguagem à altura de ser reconhecida como um estilo à parte tem o mérito de instaurá-lo. Isso torna o esclarecimento do Amancio um exemplo da relação por excelência com a arte e sua história, ao contrário de outros preconceitos anti-artísticos.
Também me sinto grato ao Monteiro pela conclusão sob medida à motivação desse fenômeno que não é muito incomum, do ouvinte esclerosado pelo “problema do cânone”.
Sobre esse mesmo assunto, achei um texto bem didático que parece ter sido escrito sob medida para todos nós (clica aí Ricardo!!): http://opensadorselvagem.org/arte-e-cultura/musica-desconcertante/para-que-serve-a-musica-parte-1
Nesse livro ele faz uma lista de 100 importantes obras que pontuam o desenvolvimento da música universal.
Alguém teria essa lista ou poderia disponibiliza-la?
Esses dias li um artigo sobre a diminuição da popularidade de Schumann e, ao ler esse texto, percebi mais uma vantagem na leitura desse história da música: ter um panorama da música erudita na época de Carpeaux, que, naturalmente, tinha suas modas, seus compositores mais e menos executados. É possível descobrir muita coisa nova e, sob uma lupa contemporânea, ver como a percepção (pessoal, no caso do Carpeaux, mas que pode ser estendida para uma análise mais geral) se transforma ao longo do tempo.
Puxa vida, aqui a cobra fumou! Eu estava achando muito cavalheiresca a linguagem geral ,sem polêmica e eivada de respeito e cortesia. Mas aqui quase houve sangue. Se fosse cá no Rio Grande, eu diria que a gauchada deu de rebenque no rabo do outro e esfregou esporas nas mesmas feridas. Credo,tche!
Só vou meter uma colherzinha no Carpeaux, cuja leitura sempre é apaixonante. Eu tenho A História da Literatura Ocidental. São 2.800 páginas. E os “Ensaios Reunidos”, 1.800 páginas. Fiquei pasmo , estupefato, estonteado com a cultura do Otto, o que ele conheceu, o que tudo ele cita, como arquivava tais dados (fichário?) e, principalmente ,nos muitos milhares de nomes de artistas, poetas, escritores, e também políticos que ele menciona.
Mais uma vez, Leo,O Iluminado, acertou na mosca dizendo que Otto é sempre interdisciplinar e ensaístico. Alguém duvidou que ele tivesse ouvido toda a música que ele critica. Mais incrível,muito mais, seria ele ter lido tudo o que menciona na Literatura. Mas pelo menos conhecimento parcial ele teve. Sim, suas opiniões são muito fortes. Porém, também não gostamos de compêndios que pasteurizam tudo com total imparcialidade, no sentido daquelas Histórias da Ópera que praticamente só explicam o enredo dos libretos, em geral ruins, aliás.
Outra coisa alguém aqui escreveu muito bem: Mahler nao estava na moda à época. Sim, mesmo um polímata como Otto está sujeito ao Zeitgeist. Comentei outrora com Leo que as primeiras gravações dos ciclos de Mahler e Bruckner surgiram no BR nos anos 70, sob B. Haitink. Não esqueço porque em 1975, nasceu meu primogênito, Gustavo, naturalmente. Alguns dicionários de música de 1930 nem mencionavam Mahler e Bruckner. Já em meados do séc. XX, Puccini, Tchaikovsky e Sibelius estavam tão batidos que o irritadiço Carpeaux desceu o pau. Também achei meio demais, mas temos nossos desafetos, repulsas e subjetivismos, para que possamos ter as paixões e os cultos. Há quem se abrace por ter o mesmo desafeto. Lembro um encontro de Stravinsky e Shostakovitch na Rússia, anos 60, em que estavam num camarote, um representando o retrógrado realismo socialista, o outro , a vanguarda emigrada. Foi apresentado algo de Puccini. Para falar alguma coisa , Stravinsky perguntou se Shosta gostava de Puccini. Eu o odeio, respondeu o “soviético”… Os dois ficaram amigos.
Que a paz reine entre nós na concórdia e na discórdia.
Não deixa de ser animador que haja discussões como essa, porém as posições que defendiam uma posição do Otto no Zeitgeist ( germanistas, uní-vos!) me parecem mais sensatas. Esperar que uma história da música seja pasteurizadas ( como o disse alguém acima) mas com que nossa experiência de leitura de alguém tão vivo e ele-mesmo como Carpeaux, nos pareça errôneo, parcial etc Antes, em uma história da música, estamos procurando a opinião de um ouvinte apaixonado de música, e a exigência de imparcialidade é desmedida ( como já disse alguém acima, já é seletivo criar um cânone, e não há nada de errado em criar cânones), como se esperássemos que um piano escrevesse em livro: Carpeaux é um escritor que não foge de si, está sempre lá, sempre é sentido, jamis se esconde sob um suposto véu de imparcialidade que quer crer que o livor escreveu-se sozinho. É um erudito, não um acadêmico, isso deve ferir nosso gosto já acostumado a coisas sem tempero.
Hehe, fico feliz que o Otto ainda gere polêmicas “divertidas”,ou, por vezes, “diversionistas”.
Thiago tem razão sobre estarmos demasiado acostumados com coisas sem tempero. Tem razão Leonardo ao dizer que o Otto não podia reduzir Tchaikovsky e Puccini a nada e que não poderia deixar passar más traduções. Correto.
Penso,porém, que ele talvez já estivesse sendo visitado por “Aquele Velho Alemão”. Ou confiou as traduções a um secretário….
Em tempo: Nos seus Ensaios e História da Literatura, que somam quase 5 mil páginas, ele cita parágrafos em Latim, Italiano, Espanhol, Inglês, Francês….sem qq tradução, como que a crer que, no “Zeitgeist” de 1960, quem lesse um livrão daqueles seria forçosamente semipoliglota. Hoje, se a gente escrever uma palavra espanhola, precisa traduzir no rodapé. Ele poderia ,na reedição, mandar alguém traduzir frases em alemão e esquecer de conferir, enquanto escrevia mil coisas mais. Até mesmo ele era humano.Rss.
Depois, acho que , embora eu ame Tchaikovsky, ele ,Otto, teria direito de detestá-lo. Mas creio que, mesmo invocando a excessiva emoção de Tolstoi pelo quarteto no. 1, Otto não conhecia os quartetos 2 e 3 do Tchai. Ninguém pode conhecer tudo, ou amar tudo.
Malgrado adorasse Haydn, Stravisnky não gostava de seu discípulo Beethoven, além de abominar Wagner. Há de tudo em paladares e incongruências. Viva a diversidade.
Na História da Literatura , Otto menciona muitos milhares de autores, quando não havia computador ,nem correção automática de textos. Por certo ali comete barbeiragens, mas como vamos cobrar 9 deslizes em quem produziu 9 mil acertos? Quem somos nós.?
Se um europeu fizesse da Literatura Brasileira, uma pequena mas respeitável História,como Oto fez da música, desprezando subjetivamente J. de Alencar, teríamos de agradecer pelo resto…. como aqui muito bem falaram sobre o “ensaísta erudito”, que tem direito a subjetivismos.
Como explicou Leo, temos a mania de nos julgarmos objetivos e apenas os outros, fanáticos subjetivos.
Finalmente, eu diria que o Brasil deve cair de joelhos por milênios pelo fato de ter recebido tal intelecto, que poderia ter ido ao Canadá, USA, ou,ao menos, Argentina, mas, nos anos 30, veio a Pindorama por instâncias de Tristão Amoroso d Athayde junto ao Vaticano.
Perdoe, grande Otto, a ingratidão do Brasil.
Voltando à vaca fria, lembrei agora outro aspecto. Deu para notar que gosto do Otto,nao? Saberíamos nós como o mundo escreverá daqui a 50 anos? E se ,em 2064, não rirão de nossas colocações aqui, se elas ainda existirem?
Percebe-se , na música e na literatura, que Otto julgava muito as obras por estarem ou não no repertório, ainda que lamentasse certos equívocos do repertório. Não havia então internet, Mercado Livre, as gravações nem eram tantas, as óperas de Handel, p ex., estavam totalmente fora dos teatros….e dos estúdios. Talvez por isso Otto se incomodasse com o excessivo prestígio de Puccini.
Os hábitos de consumo musical e literário eram bem diversos. Assim, as ênfases em certos autores,as quais, por vezes irritavam o polímata…
Outra da linguagem da época: Ele fala num poeta que era homossexual… mas “essa não era sua única anomalia(sic)”. Hoje ninguém usaria esse termo, porém se usava então.
Aquela confusão, em Elektra , entre Cliptemnestra e Cassandra é de cabo de esquadra. Elas só tem em comum terem sido de Agamenon em diferentes momentos e gravitarem nos escombros de Troia. Mas são tão marcantes e diversas que Carpeaux não faria tal bobeira. Por certo ,algum copista carioca , não conseguindo datilografar Cliptemnestra, lascou Cassandra mesmo….
Eu li e ainda tenho o exemplar ate hoje!
E uma especie de ” Civilizaçao” , famoso livro do critico de arte Kenneth Clark , que virou DOC da BBC.
Quanto ao que diz Carpeaux segundo o seu comentário:
1) ‘Vivaldi é limitado’.
Bom, quantas obras de Vivaldi NÃO são para cordas? Queira comparar com Bach. Se for covardia, compare com Handel.
2) ‘Mendelsohn é acadêmico’.
Que tal considerar o aspecto POSITIVO do academicismo em sua época? Apenas lembre-se das orquestras e instituições criadas por Mendelsohn, ativíssimas até hoje.
3) As sinfonias ds Mahler são ‘obsoletas’ PARA VOCÊ. Para mim são fundamentais e pertencem a dois mundos exatamente como Carpeaux disse.
4) Shostakovich é um grande compositor e venceu Stálin.
5) Tchaikovski é frívolo sim. Música ligeira. Mas é um melodista ocidentalizado excepcional. Sexualmente foi condenado EM SUA ÉPOCA.
6) Richard Strauss e Puccini são compositores excepcionais e OPORTUNISTAS TOTAIS. E nisso, pode-se compará-los com o maior dos oportunistas, o gênio Richard Wagner.
7) Sibelius é um compositor EXCEPCIONAL. Carpeaux erra sim. Ninguém é infalível.
Carpeaux é para quem conhece História da Música. Nada tem de didático ou acadêmico. É um pensador profundo. Graças a Deus teve suas preferências.
Olá Helder!
Se você me permitir responder pelo Fernando Randau…
1) Bom, quantas obras de Vivaldi NÃO são para cordas? Queira comparar com Bach. Se for covardia, compare com Handel.
Vc quer dizer, obras que não foram escritas *exclusivamente* para cordas? Bem, só de concertos para fagote, cordas e contínuo, já são 39, fora os concertos para outros instrumentos. Mas se for para excluir todas as obras com cordas como acompanhamento, ainda tem 42 sonatas para violino, 25 sonatas para 2 violinos e as 10 sonatas para violoncelo. Mas se for para excluir também as obras com cordas solistas, tem ainda as sonatas para flauta, para flautim, para oboé e outras obras para grupos de instrumentos de sopro (como a sonata para 2 oboés RV.81, ou o trio-sonata para flauta doce, fagote e contínuo RV.86, ou o concerto RV.103 para flauta doce, oboé, fagote e contínuo). Dá uma olhada nesses links aqui, aqui e aqui (veja também o “external links” lá embaixo deste último).
Vivaldi pertenceu a uma geração de violinistas compositores italianos que floresceu entre os séculos XVII e XVIII junto com o desenvolvimento do próprio instrumento, o violino (pense nos Amati, Stradivari, Guarneri, etc). Então, se for para comparar, Vivaldi deveria ser comparado aos seus compatriotas contemporâneos, como Corelli, Tartini, Locatelli, Geminiani, Torelli, e tantos outros. Esses compositores escreviam músicas para eles mesmos tocarem ou para ensinarem seus alunos, então não me parece lógico que um professor de violino vá escrever um concerto para cravo assim, do nada, só para satisfazer o ego. Vivaldi só foi se aventurar pela ópera porque ele era diretor (impresario) de teatro, e escreveu para outros instrumentos porque também dirigia um orfanato (o Ospedale della Pietà) onde as crianças aprendiam os mais diversos instrumentos.
2) ‘Mendelssohn é acadêmico’: que tal considerar o aspecto POSITIVO do academicismo em sua época?
Ok, porém o que Carpeaux quis dizer com “academicismo” nada tem a ver com o fato de Mendelssohn ter fundado orquestras e instituições, mas sim com a falta de profundidade das suas obras. “Academicismo” seria então seguir à risca as orientações dos professores da academia e criar obras excessivamente técnicas, vazias e impessoais. Mas nada disso passa pela minha cabeça quando eu ouço o Concerto para Violino Op.64, ou a Gruta de Fingal, ou a Sonata para violoncelo nº1 Op.45. Mesmo o Octeto Op.20, que até poderia ser considerada “acadêmica” pela forma e pelo conteúdo, está muito longe de ser superficial.
3) As sinfonias de Mahler são ‘obsoletas’ PARA VOCÊ.
Aqui Randau estava citando Carpeaux, e não emitindo opinião própria sobre o compositor. Carpeaux também diz, textualmente: “As nove (ou antes dez) sinfonias de Mahler são desiguais; e, dentro de cada uma, são desiguais os movimentos. Nem sempre corresponde ao emprego de colossais recursos orquestrais e corais o resultado.” (2ª edição, pág. 260); e: “talvez essa obra seja maior como sinal da crise espiritual da época do que como valor puramente musical” (2ª ed, p.261).
Helder, você também concorda com isso?
4) Shostakovich é um grande compositor e venceu Stálin.
Sim, depois; mas enquanto Stálin viveu, a obra de Shostakovich esteve sempre sob severa censura. Ele só se mostrava por inteiro na música de câmara: o Trio nº2 e o Quarteto nº8 são os melhores exemplos, e nesta lista eu também adicionaria a sonata para violoncelo.
5) Tchaikovski é frívolo sim. Música ligeira. Mas é um melodista ocidentalizado excepcional. Sexualmente foi condenado EM SUA ÉPOCA.
Música ligeira, pra mim, é Saint-Preux; Tchaikovsky está bem longe disso. Hélder, talvez você e mais um ou outro comentarista mais acima associem Tchaikovsky aos seus balés, mas pra mim Tchaikovsky é autor de três maravilhosas sinfonias, do Trio Op.50, do Quarteto nº 1, do sexteto Souvenir de Florence, do Concerto para Violino. É um grande compositor que não fica a dever pra ninguém. Se ele foi sexualmente condenado (mesmo que somente em sua época), isso é irrelevante para a música, e não pode ser usado como argumento para justificar que sua música é prejudicial à educação musical.
6) Richard Strauss e Puccini são compositores excepcionais e OPORTUNISTAS TOTAIS.
Sim, mas o questionamento que eu faço é o mesmo sobre a sexualidade do Tchaikovsky: o que isso tem a ver com a qualidade de suas obras?
7) Sibelius é um compositor EXCEPCIONAL. Carpeaux erra sim. Ninguém é infalível.
*) Carpeaux é para quem conhece História da Música.
Pois é justamente aí que reside a maior crítica ao livro. Seu conteúdo deve ser encarado como um conjunto de opiniões (eu gosto de lasanha mas não de feijoada) e não como verdade absoluta (lasanha é um prato superior e feijoada nem deveria existir). Muitos se enganam pelo título e saem repetindo cegamente o que lá está escrito sem fazer uma mínima avaliação crítica. Agora imagine você, Hélder, se você iniciasse seus estudos de História da Música pelo livro de Carpeaux: como e com qual predisposição você iria encarar pela primeira vez o Concerto para Violino de Sibelius, ou o Cisne de Tuonela? As Sinfonias de Sibelius não são obras fáceis: você insistiria nelas se soubesse de antemão que “às vezes, o ouvinte crítico se pergunta por que necessidade íntima foram escritas e por que motivo continuam no repertório”? (2ª ed, p.203)
Caro Amâncio : Parabéns por todas as colocações. Sempre voltamos a modismos e neles vivemos, porém não admitimos que Otto M.C., garimpando conforme as coisas aparecessem,antes do youtube e da internet, se sujeitasse à moda. Sobre repertórios, associações culturais acerca de estéticas e estilos, interações com a vida do artista, até mesmo política e sexualidade, “virtudes e vícios” de uma época ou ambiente,…tudo hoje nos serve para criticar de trás para a frente, usando a objetividade de hoje sobre a subjetividade de ontem. A coisa não funciona assim. Todos estamos atrelados ao nosso cenário. Um exemplo disto são as discussões em torno de interpretações, HIP ou não, querelas infindáveis sobre um pianoforte, oscilações sobre como tocar Bach hoje. E todos tem razão, ou não? Então ,não tentemos desqualificar O M C por não gostar de Sibelius. Em arte, quem gosta de tudo?
Olá Flávio! Compreendo seu ponto de vista, mas de 1960 para cá pouca coisa mudou na “avaliação” dos compositores que Carpeaux comenta. HIP ou não HIP, Bach continua um gênio, Mozart continua um gênio, a apreciação de Mendelssohn é a mesma, Wagner idem. Creio que a única grande mudança é a de Mahler, que só passou a integrar o “Hall da Fama” depois da década de 60, e (claro) o surgimento de uma nova geração de compositores como Penderecki, Pärt, Glass, Berio e outros. Porém mantenho a crítica do meu comentário anterior: Carpeaux não deve ser desqualificado por não gostar de Sibelius, o que deve ser desqualificado é admitir isso como verdade absoluta, como se essa avaliação já fizesse parte da História da Música.
Caros Fernando, Amâncio e demais confrades. Encontrei “Insultos musicais” que talvez estejam em parte por Euterpe e seus campos nem tão elísios. Pode que eu esteja chovendo no molhado, mas a intenção é reforçar o enorme peso do subjetivismo em todos os juízos artísticos, doutrinários e, quiçá, até mesmo científicos.
“Um tenor não é um homem, mas uma doença” (H. von Buelow)
“A Sétima de Beethoven parece um monte de iaques pulando em círculos” ( Sir Thomas Beecham)
Por que você sempre insiste em tocar enquanto eu tento reger?” (E. Ormandy)
“Madame, você tem entre as pernas um instrumento capaz de dar prazer a milhares. Tudo o que você faz é arranhá-lo”(Beecham)
“Eu os odeio a todos porque vocês destroem meu sonho. Deus me diz como soa a música, mas vocês estão no meio” (Toscanini)
“Tenores ingleses parecem girafas a bocejar” (Beecham)
“Artistas menores pedem emprestado. Os grandes roubam” (Stravinsky)
” A Fantástica de Berlioz não é música” (Rossini)
“Ouvir a Quinta de V. Williams é como contemplar uma vaca por 45 minutos” (Copland)
“Rossini teria sido um grande compositor se seu professor tivesse espancado o bastante seu traseiro” (Beethoven)
“Tudo o que você precisa para escrever como Messiaen é uma grande garrafa de tinta” (Stravinsky)
“Elgar é o equivalente musical da Estação St Pacras” (Beecham)
“Theodora de Handel é bela e chata. Muitas peças terminam bem depois do fim” (Stravinsky)
“Wagner tem belos momentos mas horrendos quartos de hora” (Rossini)
“Handel é uma banheiro de porco com cerveja” (Berlioz)
“Handel é de quarta classe , nem sequer interessante” (Tchaikovsky)
“Chopin é um compositor para uma mão direita” (Wagner)
“Mussorgski gosta do que é grosseiro, áspero e feio” (Tchaikovski)
“Liszt dá a impressão de ser uma criança estragada” (Clara Schumann)
“Todos últimos movimentos de Bach são como o giro de uma máquina de costura” (Bax)
“Se Ravel tivesse , na Guerra, brincado com conchas na praia, seria melhor para a música (S-Saens)
“Eu gostei de Rake´s Progress exceto da música” (B.Britten)
“Schoenberg melhor faria cavocando neve do que rabiscando manuscritos” (R. Strauss)
“Obras de arte fazem regras; Regras nao fazem arte” (Debussy)
“Stravinsky é Bach nas notas erradas” (Prokófiev)….
Enfim, amigos, se a arte tivesse exatidão , perderia o seu sentido. Os mais cascavelinos parecem Beecham, Tchaikovski e Stravinsky. Porém, em alguns exageros, há um pouco de verdade! Epa, olha aqui o meu subjetivismo! Viva o concerto desconcertante!!!
Caro Fernando,
Parabéns pelo belo artigo sobre o livro de Carpeaux. Tenho-o em minha estante de livros sobre música. Lembro que fiquei furioso quando li na página 203 que, comentando os balés de Tchaikovsky, Carpeaux escreveu o seguinte: “… A popularidade excessiva dessas obras é fato lamentável, prejudicial à educação do gosto musical.” Depois, na página 205, repete a dose ao comentar o belíssimo Concerto para piano e orquestra n° 2 em dó menor, de Sergei Rachmaninoff: “… a difusão de obras dessas não é favorável à educação do bom gosto musical.” Como eu amava (e ainda amo) esse concerto, tive vontade de jogar o livro no lixo. Felizmente o conservo até hoje!