Em 13 de julho de 2012, por Greg Sandow
E agora algumas especificidades – como a programação (repertório) da música clássica poderia mudar no novo mundo em que viveremos quando encontrarmos um novo público.
Ou, é claro, como vamos precisar mudar o que oferecemos, para fazermos parte da cultura na qual o nosso novo público vive.
Vou descrever um concerto que vi na University of Maryland, promovido por alunos da National Orchestral Institute (NOI). Ele mostra uma possível abordagem.
Mas antes disso, uma palavra sobre Boulez e Godard, em meu último post. Eu disse que Boulez, o principal músico de vanguarda nos anos 50 e 60 na França, não fazia parte da mudança cultural que estava acontecendo lá. Mas Godard, um dos principais diretores, fazia parte dela profundamente. E eu mostrei o porquê.
Meu ponto, no entanto, não era dizer que a música clássica precisa estar na vanguarda da mudança. Ao invés disso, ela vai cair por todo o espectro da mudança, assim como qualquer outra coisa. Havia vários filmes saindo em Paris ou Hollywood nos anos 60 que eram completamente convencionais. Assim como vários livros, pinturas, poemas, peças, o que fosse.
Meu ponto, ao invés disso, era ilustrar uma falha (conforme vejo) da música clássica em nossa era, em que quando a cultura muda, a música clássica não toma parte nessa mudança. Salas de concerto não refletem as mudanças da cultura (como as salas de cinema – mesmo aquelas mainstream nos EUA – rapidamente refletiram, uma vez que a revolução dos filmes dos anos 60 se instalou). E, mais importante, as pessoas envolvidas na nova cultura não encontram muito na música clássica que tenha a ver com elas. Então elas se voltam para outras artes, e para a cultura popular.
E sim, há exceções. O minimalismo, que emergiu em Nova Iorque ao final dos anos 60 e 70, estava bastante sintonizado – bastante engajado – com uma explosão maior de nova arte, que pelos anos 80 tinha se tornado completamente mainstream. Mas essa é a exceção que prova a regra. O minimalismo surgiu fora do mundo da música clássica, e quando as pessoas dentro do núcleo da música clássica começaram a notá-lo, a maioria o denunciou. (Uma longa história, na qual eu estava no meio. E uma história digna de ser contada, em algum outro momento.)
Então agora a NOI. Por alguns anos, tem havido uma atividade na NOI (e também na Orquestra Sinfônica da University of Maryland School of Music) chamada “New Lights” [“Novas Luzes”]. Ela trata de mudança – de encontrar novas maneiras de oferecer concertos orquestrais.
E a cada verão, os alunos recebem um concerto para produzirem sozinhos. Eu estava envolvido na primeira vez em que aconteceu, e escrevi muito feliz sobre isso no blog. Os alunos receberam algumas peças para tocarem, mas foram informados de que poderiam acrescentar qualquer coisa, e apresentar as peças da maneira como eles quisessem. As peças eram música nova, incluindo um quarteto de cordas de Leon Kirschner, partes de Eight Etudes and a Fantasy para quarteto de sopros de Elliot Carter, e a Sinfonia de Câmara de John Adams. (Eles tiveram que aprender tudo sozinhos, sem regentes ou professores, uma ideia de ensino fabulosa.)
Se você seguir o link, vai ver como eles produziram isso. Acrescentando improvisações e arranjos de rock, e falando sobre Carter com tal entusiasmo que o público gritava e vibrava.
Moravec e mais
Para o New Lights deste ano, os alunos receberam apenas uma peça para fazer – o Brandenburg Gate de Paul Moravec, uma peça que se inspira no Segundo Concerto de Brandemburgo de Bach, usando quase a mesma instrumentação. (O clarinete substitui o oboé, no entanto – parênteses aqui – usar o clarinete baixo, em contrapartida, muda a cor da música de maneira tão impressionante que ficamos distantes do mundo sonoro de Bach, ainda mais distantes do que a harmonia totalmente moderna de Moravec nos leva.)
Então para fazerem um concerto para a peça de Paul, os alunos vieram com isto:
– o primeiro movimento do Segundo Concerto de Brandemburgo, mas (como o programa diz) “a inteligente substituição do trompete pelo vibrafone”.
– o fantasmagórico segundo movimento do String Quartet in Four Parts de John Cage, tocado dos balcões do teatro
– a maviosa Spiegel im spiegel de Arvo Pärt, tocada tanto nos balcões como no palco
– uma improvisação, iniciada pelos músicos no palco cantando calmamente, com o público sendo convidado a tomar parte: “Escolha qualquer melodia e cante-a (a qualidade vocal não importa). Quando você perder o fôlego, tome-o de novo e pegue outra melodia que você julgue que irá acrescentar aos sons que já estiverem ocorrendo.”
– E finalmente Brandenburg Gate
(Vá aqui para ver o programa impresso.)
O quanto isso funcionou? Eu não poderia elogiá-los o suficiente (exceto pela substituição do trompete; vou guardar minhas ideias sobre isso para o final). O Bach foi tocado de maneira alegre, especialmente pelo oboísta solo, que radiava alegria, musicalmente e fisicamente. E é quase sempre bom ouvir Bach.
O acorde final de Bach foi uma surpresa. Ao invés de sustentá-lo, ou deixá-lo acabar, as cordas fizeram um suave glissando descendente. Completamente inesperado! Mas discreto – nada ruidoso. Era uma transição para a peça fantasmagórica do Cage. E quem é que sabia que a música viria dos balcões? Foi uma surpresa, partindo da surpresa do glissando, conduzindo-nos para o que viria.
O Pärt foi um momento de quietude, mantendo-nos nos balcões, mas também nos levando de volta para o palco. Então seguimos mais adiante.
A improvisação, é claro, também foi uma surpresa. O programa disse que ela viria, mas como poderíamos saber que os músicos iriam cantar, e cantar tão mansamente, com tal senso de silêncio em torno deles? Então, quando todos nos unimos, tivemos uma confraternização, palco e público (e balcões) juntos. (Quem conhece as peças de Pauline Oliveros para serem cantadas ou murmuradas em grupo sabe quão satisfatório – até mesmo inspirador – esse tipo de improvisação cantada pode ser.)
Durante o canto, a transição começou. Para citar o programa de novo:
No minuto final [da improvisação], motivos rítmicos curtos derivados da obra de Moravec vão começar a ser ouvidos tocados por instrumentos no palco e ao redor do auditório. Após um sinal o Moravec vai começar.
E então tivemos o propulsivo, profundo Moravec, com o público gritando e aplaudindo ao final. O concerto durou pouco mais de uma hora, mas pareceu plenamente acabado. Foi uma jornada – uma das melhores coisas sobre isso foi (como eu descrevi, pouco a pouco) a fluidez de uma peça para outra. Eu estava sempre surpreso, sempre encantado.
E esqueci de mencionar outra coisa, que talvez não tenha funcionado tão bem, mas que se encaixou muito bem com o resto. O plano era fazer uma transição do lobby fora da sala de concerto para dentro do concerto. Então, quando chegou a hora de começar, os alunos no lobby começaram a aplaudir, em ritmos (como se viu) sugeridos pelo Segundo Concerto de Brandemburgo. Enquanto aplaudiam, eles nos conduziram para dentro, e então outros músicos, no palco e em outros lugares, também começaram a aplaudir. Isso não pareceu tão bem feito quanto o resto do concerto – as palmas pareceram hesitantes – mas ainda assim foi uma boa ideia.
Algumas pessoas, tenho certeza, gostariam que o Bach inteiro tivesse sido tocado. Eu, também, estava ansioso para ouvir o segundo e o terceiro movimentos – até que o glissando foi ouvido, e o Cage começou. Então eu fui envolvido por algo novo.
Desse modo, a interrupção logo depois do primeiro movimento funcionou, e teve mais uma virtude: focalizou o Moravec como o clímax do concerto, com seus três movimentos servindo para trazer a fluidez do concerto para um final decisivo.
Mas claro que se alguém quiser o Bach completo, a solução é simples: ouça-o por conta própria (como eu fiz, um dia ou dois depois). Ou, melhor ainda, planeje o seu próprio concerto, trabalhando da maneira como você quer que um concerto funcione, em que o mesmo tipo de fluidez e de surpresas possam acontecer, mas em que o Bach esteja programado completo.
Eu não quero dizer que todos os concertos precisam ser tão curtos como este, ou tão impressionantemente remodelados como este. Ao invés disso, meu ponto é que se nos deixarmos fazer o que nos ocorre, o mero fato de sermos cidadãos do tempo presente vai significar que nossos concertos vão tomar um formato contemporâneo. Todos os tipos de coisas vão emergir, incluindo esse programa, que pareceu – ao menos para mim – talvez uma maneira tão perfeita de se tocar música clássica para um novo público como eu jamais encontrei.
Isso também mostra como devemos proceder se quisermos estar na vanguarda da mudança cultural. Se estamos produzindo concertos que respondem as nossas necessidades – mudando, quando precisamos, formatos clássicos tradicionais – então quando estivermos tendo uma mudança cultural, essa mudança vai ser naturalmente ecoada nos concertos que produzirmos. Sem ninguém ter que planejar por isso.
[Interlúdio pessoal: Quando eu cheguei neste ponto, nossa babá voltou do playground com o bebê. Eu estou em um quarto bem de frente para a porta, e quando ele me viu, deu um sorriso. Então eu parei para pegá-lo e abraçá-lo. Ele me abraçou de volta. Acabamos no chão brincando, nós três, com Rafa sorrindo o tempo todo. Ele faz nove meses no domingo!]
Agora sobre aquele trompete, ou a falta dele. Uma coisa em que Bach é muito bom é em escrever para os instrumentos com o maior bom gosto possível. Os instrumentos em suas peças sempre fazem o que chega de maneira natural para eles, e ele assegura que eles serão ouvidos. Pegue o último acorde do primeiro movimento do Primeiro Concerto de Brandemburgo. Como ele está usando trompas, que não aparecem nos outros Concertos de Brandemburgo, ele não os mistura, nesse acorde final, com os outros instrumentos. Ao invés disso ele os coloca no seu impressionante registro médio inferior, “gritando” uma penetrante terça maior. Então você sabe que eles estão lá! “Nós somos trompas, ouçam-nos soar”.
O mesmo é feito com o trompete no primeiro movimento do Segundo Concerto de Brandemburgo. Não é um instrumento que se mistura facilmente com os outros solistas, flauta e violino, ou com o corpo de cordas ao fundo. Por isso Bach não tenta fazê-lo se misturar. Tudo o que ele toca é feito para se destacar, mesmo se for um pequeno acompanhamento rítmico. E então ele se destaca mesmo como acompanhamento.
Aqui está um link do Spotify para uma apresentação fabulosa desse movimento – dinâmica, clara, com cada frase conduzida exatamente para onde ela deveria ir – pelo Concerto Italiano. Assim como cada frase é conduzida na direção certa, cada instrumento é perfeitamente posicionado. Então você sempre ouve o trompete, e pode perceber a verdade do que eu estou dizendo.
Um instrumento de martelo simplesmente não pode fazer o que o trompete faz. Ele é modesto, pelo menos comparado a todos os outros instrumentos. Então a substituição apenas levou o trompete embora, ao invés de trazê-lo para algum tipo de nova vida. Teria ajudado, talvez, se o instrumentista tivesse apontado os ritmos com mais vivacidade, e também parecesse mais vivaz, atraindo nossos olhares para ele, de modo que talvez nossos ouvidos também o seguissem. Mas, como foi feito nesse concerto, a substituição do trompete não foi um sucesso.
“Programming for a new audience: one example”, por Greg Sandow, traduzido por Leonardo T. Oliveira.