Em 2 de agosto de 2012, por Greg Sandow
Finalmente cheguei à última parte da minha longa investigação – que foi mais longa do que eu pretendia, e talvez mais longa do que deveria ter sido. Leitores fiéis vão lembrar que eu disse que a mais alta prioridade para o mundo da música clássica deveria ser construir um novo público, e que isso exigiria três coisas: tornar as apresentações mais animadas, tocar repertório que reflita a vida contemporânea e – finalmente – tocar toda música, mas especialmente as antigas obras-primas, mais vividamente.
Esse último ponto incomodou algumas pessoas, incluindo um comentador que simplesmente espumava pela boca. Então me deixem esclarecer o que eu quis dizer. Provavelmente eu me expus mal quando afirmei isso pela primeira vez, porque eu disse que nós deveríamos tocar melhor. Isso soa como se eu estivesse dizendo que tocamos mal agora, o que não foi o que eu quis dizer. Nós tocamos bem agora. Tão bem, de fato, que nosso reconhecimento musical pode ser um problema, porque pode muito bem nos impedir de ver que nossa execução não é vívida o bastante.
Vou elaborar este ponto em dois posts. No primeiro, vou dar algumas razões gerais para o que estou dizendo. E no segundo post, vou dar exemplos específicos do que tocar mais vividamente pode significar. Depois vou oferecer uma sugestão que Brahms fez, sobre como tocar música que o seu público não conhece, uma sugestão que seria terrivelmente herética agora, mas que era rotina quando Brahms era vivo.
Mas primeiro, pontos gerais. Um problema que temos frequentemente quando tocamos música clássica é que sabemos que ela é clássica. Então nós fornecemos um subtexto de música clássica. Além do que quer que a música expresse, o que quer que o compositor coloque nela, e o quão expressiva seja a resposta que temos ao que o compositor fez, estamos dizendo – embora, é claro, não por palavras – “estamos tocando música clássica.”
O que pode tornar nossas apresentações contidas e respeitosas. Reverentes. Pias, por vezes. O que pode conflitar com o que o compositor intencionava. Pense em Mozart, que planejava que sua música fizesse seu público aplaudir. Ele iria querer uma apresentação contida, pia? Ou pense em incontáveis momentos em Beethoven. O final da Nona Sinfonia. A passagem feroz no primeiro movimento da Sétima, em que os cellos e baixos tocam em espirais em torno das mesmas notas cromáticas, como uma serpente se enrolando no nível mais grave da música. Ou a escrita feroz na tempestade da Pastoral, em que os cellos tocam cinco notas por pulso enquanto os contrabaixos tocam quatro, criando algo próximo a puro barulho. Quão “reverente” é qualquer dessas coisas?
Ou Rossini! Aquele conjunto insano ao final do primeiro ato de L’Italiana in Algeri, em que a soprano canta que ela tem um sino tocando em sua cabeça, e o baixo tem um tambor ressonando dentro dele. Se você torna essa peça reverente, você perde o ponto inteiro.
E então há o estilo musical. É claro que é importante saber como Haydn difere de Brahms, e Brahms de Debussy (ou preencha com qualquer nome que quiser). Mas muito frequentemente – especialmente em escolas de música – esses pontos estilísticos, que deveriam inflamar a música por dentro, ao invés disso se tornam comandos e proibições. Você deve tocar a música desse jeito! Você não deve tocá-la daquele! Tudo isto pode conter os músicos, a partir de uma mistura (diferente, é claro, para cada instrumentista) de preocupação, respeito, obediência, ou simplesmente medo de expor seus traseiros. Eu tive muitos alunos que me contaram quão cuidados eles são em tocar da maneira como outras pessoas querem, para não desagradarem seus professores, falharem em suas avaliações, ou não conseguirem empregos nas audições a que se submetem.
Tive também alunos que me contaram, por anos, que são pedidos para não se moverem quando tocam. O que também pode tornar a execução contida, porque (não em todo caso, é claro) isso os impede de colocar seus corpos inteiros na execução. Então eles podem ver a Filarmônica de Berlim, e ficarem maravilhados (como eu vi) com quão livremente aqueles músicos se movem, a ponto dos contrabaixos quase dançarem com seus instrumentos, cada contrabaixista fazendo isso de maneira diferente. Antes de um concerto da Filarmônica de Berlim no Carnegie Hall, um músico que eu conhecia na Filarmônica de Nova Iorque se apressou até mim e disse, “Você viu como eles se movem? Eu seria repreendido se tocasse desse jeito!”
Eu poderia me prolongar muito mais, mas vou terminar com apenas mais um ponto. Parte da ortodoxia da música clássica, no nosso tempo, é a crença de que a execução é sobre a música, não o intérprete, e que o objetivo da execução é realizar as intenções do compositor. Essas coisas, também, podem fazer com que os músicos se contenham.
O que pode levar a profundas contradições. Como, por exemplo, você pode tocar Liszt ao piano, se a sua execução não é sobre você? Muito da música para piano de Liszt, afinal de contas, era sobre ele – sobre ele tocando-a, sobre ele nocauteando os seus sapatos, meias e unhas para fora do seu pé. Então se você se subordina quando a toca, como pode estar fazendo o que ele queria?
No começo da partitura da Missa Solemnis, Beethoven escreve, “Saída do coração, que chegue ao coração.” Então claramente essa era a intenção dele – que a música deveria tocar seus ouvintes, profundamente em seus corações. Como você pode fazer isso acontecer, se a sua execução é, de alguma maneira profunda, impessoal?
E quanto à Segunda Sinfonia de Mahler? Ao final do primeiro movimento, Mahler escreve na partitura, “Segue-se aqui uma pausa de ao menos cinco minutos.” Não um intervalo. Uma pausa. Silêncio. Um silêncio opressivo, suponho. Por que não seguir direto ao que segue? Porque você não pode. Porque você está petrificado. Levado para longe de você mesmo. Sobrepujado. Você não pode continuar.
E como você pode sentir dessa maneira, se a execução é cheia de respeito? Respeito, nesse caso, pelo que Mahler queria deve significar seguir tudo até o final.
Eu sei que há músicos famosos por nos darem apenas o compositor, somente o compositor. Músicos que se deixavam ser canais de algo superior. Leon Fleischer, Richard Goode. Schnabel. Mas o fato é que mesmo músicos famosos por isso tocam as peças de maneira diferente. De maneira diferente, quero dizer, uns dos outros. Então ao fim e ao cabo, o sentimento que alguém pode criar de uma execução com apenas o que Beethoven quer é ele mesmo algo interpretativo, algo que a pessoa projeta, algo impessoalmente pessoal (por assim dizer). É parte de um mito. Um mito poderoso, um bom mito, mas ainda um mito. Não há música – ou ao menos música comunicada para um público – sem um intérprete. E então intérpretes incorporam a música por nós, cada um fazendo isso de maneira diferente, de maneira pessoal.
E a ideia de realizar as intenções dos compositores é complicada. Quem pode dizer quais elas são? As mais óbvias, de fato, são expressivas. Webern (como sabemos através de um pianista a quem ele ensinou) queria que sua música cantasse e dançasse. Isso nós podemos saber. Mas como ele queria que frases particulares acontecessem, quão longas as pausas deveriam ser – isso é algo que nós provavelmente não podemos saber. Fora isso, como ele contou àquele mesmo pianista, ele queria que sua música fosse muito flexível, com grandes contrastes de dinâmica e tempo. Mas ainda, como nós realizamos esses detalhes é especulativo. E ainda mais para compositores mais distantes no passado, que trabalharam em um contexto cultural e musical inimaginavelmente distante do nosso. Como, por exemplo, isso afetou apresentações das óperas de Lully, quando
- pessoas no público conversavam enquanto a música era tocada, gritavam coisas umas para as outras e para os intérpretes, e prostitutas circulavam no teatro
- a higiene pessoal era, para nossos padrões, relativamente não existente, de modo que no palácio real de Versailles as pessoas iam para trás das escadas para se aliviar
- Lully regia batendo com um bastão no chão
Podemos encontrar todos os tipos de discrição nobre na música de Lully, mas como isso se expressava, sob as condições do seu tempo, é algo difícil (para dizer levemente) de sabermos. Então sejamos cuidados ao pensarmos que podemos, em nossas apresentações, realizar as intenções dos compositores. Nossa noção delas é, para dizer levemente novamente, relativamente subjetiva. Então o que estamos dando para as pessoas, quando tocamos música clássica, é a nós mesmos.
Nota de rodapé otimista: interpretações de época são frequentemente exceções maiores ao que eu tenho dito. Elas podem ser pessoais, livres, vívidas, mesmo (René Jacobs!) ferozes. O que sugere uma feliz evolução. Você começa com a ideia de fazer exatamente (ou tão exatamente quanto pode) o que era feito nos séculos passados, usando os instrumentos do passado, aprendendo o que quer que possa ser aprendido sobre articulação, frase e ornamentos. E então, talvez, o rigor da sua pesquisa lhe mostra o quão pouco você realmente sabe, quão impossível é simplesmente fazer o que (digamos) os músicos de Bach teriam feito. Se é que eles faziam mesmo o que Bach queria! (E é claro que músicos nos séculos passados discordavam sobre como tocar. Quando Leopold Mozart disse que recitativos secos deveriam ser acompanhados com muita simplicidade, certamente ele quis dizer que muitas pessoas não faziam isso. Ninguém sai dizendo “toque mais simples” se todo mundo já fizer isso, e o ponto não precisa ser feito.)
O que então o deixa livre para chutar o barraco por conta própria.
“Playing more vividly, for the new audien”, por Greg Sandow, traduzido por Leonardo T. Oliveira.