Por que o público vence a apologia, sempre

Em 15 de junho de 2012, por Greg Sandow

Meu último post teve uma resposta maior e mais positiva – aqui e no Twitter e Facebook – do que qualquer coisa que eu tenha escrito em muitos meses. Então aqui vai mais.

Um rápido sumário do que vou dizer: O mundo da música clássica ama fazer apologia (o que também vemos ser feito para as artes em geral). O que significa sair em meio à comunidade e tentar mostrar que temos valor. Mas se enchêssemos auditórios com um novo e animado público, não teríamos que provar nada. E o nosso futuro estaria salvo! Então por que esta não é a nossa prioridade mais alta e absoluta?

Em meu último post, delineei um pouco de história. Houve um tempo em que ninguém duvidava que a música clássica tinha valor e importância transcendentes em nosso mundo. Mas ao mesmo tempo a música clássica tinha um tipo de popularidade cotidiana que nem remotamente tem hoje.

E qual tem sido a nossa reação a isso? Bem, olhando para o quadro mais geral, a música clássica está evoluindo, mudando, criando novas maneiras de funcionar, novas maneiras de se fazer adaptar à cultura que mudou tanto à sua volta.

Mas, ao mesmo tempo, de muitas maneiras nos tornamos rígidos. (Entendam que estou pintando um quadro abrangente aqui, e que tudo o que eu digo tem nuances que neste momento vou deixar de lado.) O que Joseph Horowitz chama de “sacralização” da música clássica começou há gerações, mas ganhou força depois da Segunda Guerra Mundial, e especialmente nas últimas décadas. Posso dizer o que aconteceu de maneira muito simples: quanto mais a música clássica perdeu apoio público, mais algumas pessoas da área insistiram que o que fazemos é especial, superior ao entendimento cotidiano, e de fato superior ao entendimento das pessoas que estamos tentando atingir (se quisermos encontrar um novo público).

Alguns aspectos da execução da música clássica se tornaram fetiches. Ouvir em silêncio, por exemplo. Como vou mostrar em um post futuro, há desgosto, mesmo ofensa, se alguém sugere que o público poderia ser mais descontraído, poderia responder espontaneamente, poderia mesmo tuitar suas reações à música. Apenas para citar algumas coisas que poderiam acontecer.

E o horror da cultura popular – também conhecido como o horror às maneiras como a nossa cultura em geral mudou, as coisas que agora tornam a música clássica muito distante da vida da maioria das pessoas – esse horror também cresceu. De tal modo que denúncias à cultura popular têm se tornado parte comum da apologia da música clássica (e da apologia das artes em geral). Não parece importar que essas denúncias sejam extremamente imprecisas. Ignorantes, de fato. Elas são trombeteadas como se fossem verdades inescapáveis.

Agora, estou certo de que apenas uma minoria das pessoas em nosso meio faz esse jogo duro. Mas elas são uma minoria que tem voz, e em um sentido as suas visões têm se espalhado muito amplamente. Muitas pessoas, a mim parece, querem corrigir os problemas da música clássica sem que a música clássica mude.

E então elas propõem remédios que não envolvem muita mudança. Educação musical, por exemplo. Se apenas pudéssemos educar as crianças para entenderem e amarem a música clássica, teríamos um público futuro. Não parece importar que isso seja extremamente improvável, por muitas, muitas razões. Mas comecemos com esta aqui. Se o problema é que nossa cultura não valoriza a música clássica o suficiente, como vamos conseguir que a música clássica seja ensinada em nossas escolas? Por que pensamos que pessoas que não a valorizam vão criar um currículo de música clássica em todo o país, especialmente quando o dinheiro é curto, e as escolas não estão acrescentando coisas, mas cortando?

Há muito mais a ser dito sobre isso, mas e quanto a outras coisas que estão sendo feitas? A ideia de se conectar a comunidades. Ao, por exemplo, gerar apoio para bancos de alimento, o que orquestras faziam até pouco tempo. Ou  fazer trabalho comunitário para escolas, para comunidades de menores. Ou construir laços com organizações comunitárias. Ou argumentar, em qualquer fórum público disponível, que crianças expostas à música clássica (ou às artes em geral) têm notas mais altas em testes? Ou que instituições de música clássica – orquestras, companhias de ópera – geram atividade econômica, renda para empresas capitais?

A League of American Orchestras tem uma boa expressão para isso – eles querem construir o “valor público” das orquestras, o sentimento de que ter uma orquestra é uma coisa boa para a comunidade.

E, claramente – nos termos mais gerais – ter uma orquestra é realmente uma coisa boa.

Mas como defendemos isso? Ao meu ver, se fizermos coisas boas na comunidade – apoiar bancos de alimentos, trabalhar com organizações comunitárias e negócios locais – nós podemos muito bem estar fazendo algo bom, mas estamos fugindo da questão central, que é a de que as pessoas não se importam com as nossas apresentações. Talvez, depois de muitos anos, vamos conseguir pelo menos que algumas pessoas venham nos assistir, à medida que elas nos conheçam melhor.

Mas não estamos tratando da questão central. Pode parecer duro, mas vou dizer do mesmo jeito. Por que simplesmente não oferecemos cortar a grama das pessoas? Cuidar dos seus filhos? Lavar seus carros? Estamos quase pedindo desculpas por nós mesmos. “Sim, sabemos que vocês não querem nos ouvir tocar, mas somos boas pessoas! Vocês vão gostar de nós!”.

Entre mais e mais apologia forçada – nós melhoramos as notas escolares das crianças! geramos lucro! – esses argumentos têm um erro fatal. Outras pessoas virão e dirão que o que elas fazem melhora as notas escolares ainda mais, ou gera ainda mais lucro. O argumento da geração de lucro já teria problemas de qualquer forma. Os economistas não estão impressionados. Um, citado a mim por um amigo cientista social, disse que isso faria sentido da mesma forma como aumentar a prostituição, isto é, também geraria lucro para a comunidade.

E o público também não está impressionado. Quando a Sinfônica de Siracusa começou a encerrar as suas atividades, o jornal de Siracusa publicou uma matéria sobre os problemas da orquestra. Na matéria, pessoas eram citadas dizendo quanto lucro a orquestra gerava para a comunidade, colocando nisso um valor em dólares bastante alto. Corte agora para os comentários online sobre a matéria, que foram inflamados. As pessoas esmagadoramente não pensavam que a orquestra deveria ser apoiada, e quando reagiam às reivindicações econômicas, ficavam ainda mais inflamadas. Se a orquestra era realmente tão potente, como uma força econômica (elas perguntavam), por que estava tão sem dinheiro?

Você pode concordar ou não com o raciocínio aqui, mas não pode negar a fúria que os comentadores sentiam.

Portanto, todas essas ideias de como restaurar a música clássica são – a mim parece – gigantemente exageradas. E, de novo, elas desviam do problema maior, que é o de estarmos perdendo o nosso público. (Ou, mais precisamente, a música clássica mainstream está.) Por isso soluções que não tratem disso parecem como soluções erradas. Especialmente considerando que todas as metas de divulgação e de defesa da música clássica seriam 100% cumpridas se enchêssemos nossos auditórios com um público novo, animado.

Quantas vezes preciso dizer isso? Entendo que seja uma coisa radical de dizer, mas também não chega a ser acéfala? Encha o auditório, consiga novas pessoas animadas, consiga que elas venham aos concertos, e ninguém vai duvidar do valor público do que você faz. Ninguém vai duvidar de que você é bom para a comunidade. Ninguém vai duvidar – se, é claro, for o caso da sua renda com a venda de ingressos não for suficiente para mantê-lo – de que você merece apoio público e privado.

Então por que construir esse público não é a prioridade mais alta que as instituições de música clássica deveriam ter? Por que subsídios são anunciados, iniciativas de apoio à comunidade, mas nenhuma palavra é dita sobre construir um público? Uma razão, penso eu, é que as pessoas não acreditam que um público diferente do atual possa ser construído. Mas assim não estariam dizendo que a música clássica vai morrer?

Embora eu também pense que as pessoas entendam – profundamente, ainda que tacitamente – que as apresentações vão ter que mudar antes que um novo público surja. E essas mudanças assustam as pessoas. Não iríamos nos rebaixar, perder tudo o que torna a música clássica grande?

Corte de volta agora para o que eu disse sobre rigidez. E o medo, que pervade tanto o debate sobre o futuro da música clássica, de que corremos perigo de perder algo.

O que é agora minha deixa para dizer que – é claro! – eu vou ser acusado de dizer que o público é tudo o que importa, que deveríamos trair a nossa arte e fazer o que quer que atraia a multidão.

Como qualquer pessoa que me conhece vai dizer a você, isso não é nem de longe o que eu quis dizer. De fato, eu quis dizer exatamente o contrário. Penso que muito do que fazemos – por causa de nossos rituais, nossa rigidez, nosso senso de prerrogativa, nosso senso de superioridade – parece desanimador, e de fato tolo.

Por isso temos que ser mais inteligentes. Mais desafiadores, mais aventureiros. Melhores, em incontáveis maneiras, do que somos agora. Vou dar alguns detalhes em posts futuros.

Acrescentado mais tarde: eu sei que também existem razões práticas do porquê das instituições de música clássica não tornarem um novo público a sua maior prioridade. No momento, eles dependem do público antigo, tanto para a venda de ingressos como para financiamento. Eles não podem negligenciar isso. Eles sabem, também, que o novo público – se for mais jovem – não doa nada próximo à quantia que o público atual doa. Eu poderia dizer, então, que essas instituições deveriam tomar dois caminhos de uma vez, cultivando seu público existente enquanto constrói um novo. Mas isso é difícil. Elas se encontram – mesmo as maiores instituições – quase em sua capacidade máxima de gastos, e de tempo e energia.

Mas isso ainda precisa ser feito. Elas vão ter que encontrar uma maneira.

Nota: eu disse aqui e em outros lugares que a música nas escolas – ao invés de, ou além de, encorajar os alunos a fazerem trabalho comunitário – deveria encorajar os alunos a alcançarem um público de pessoas como eles, pessoas de suas próprias idades. Escolas deveriam de fato ter programas que ensinassem aos alunos como isso pode ser feito.

Quando eu disse isso no Twitter ontem, recebi uma resposta maravilhosa de Jade Simmons, que fez o meu dia ao dizer:

“REZE Rev. Sandow! É legal vir ao palco e se ver refletido no público!Artistas, encontrem sua tribo e a leve p/ os seus concertos!”.

Há uma profunda verdade nisso.

“Why audience beats advocacy, every time”, por Greg Sandow, traduzido por Leonardo T. Oliveira.

Este post pertence à série A crise da música clássica, por Greg Sandow:
1. Um tempo selvagem, em 12 de junho de 2012
2. A grande mudança, em 14 de junho de 2012
3. Por que o público vence a apologia, sempre, em 15 de junho de 2012
4. Construindo um público jovem (primeiro post), em 19 de junho de 2012
5. Colocando isso em prática, em 20 de junho de 2012
6. Construindo um público jovem (segunda parte), em 24 de junho de 2012
7. Construindo um público jovem (mais sobre música nova), em 27 de junho de 2012
8. Construindo um público jovem (mais sobre a mudança da cultura), em 28 de junho de 2012
9. Construindo um público jovem (prova da mudança da cultura), em 2 de julho de 2012
10. Programando a música clássica para a nova cultura (primeiro post), em 8 de julho de 2012
11. Boulez e Godard, em 11 de julho de 2012
12. Programando para um novo público: um exemplo, em 13 de julho de 2012
13. Programando para um novo público — Shuffle.Play.Listen, em 17 de julho de 2012
14. Programando para um novo público — mais exemplos, em 20 de julho de 2012
15. Programando para um novo público — coisas que funcionaram, em 24 de julho de 2012
16. Nova programação — expandindo a caixa, em 25 de julho de 2012
17. Repertório — post final, 31 de julho de 2012
18. Tocando mais vividamente, para o novo público, em 2 de agosto de 2012
19. Tocando mais vividamente — segundo post, em 6 de agosto de 2012
20. O que temos que fazer, em 11 de setembro de 2012
21. Quatro pontos para o futuro, em 13 de setembro de 2012