Em 31 de julho de 2012, por Greg Sandow
Há alguns anos, eu organizei e coprogramei uma série de concertos para o famoso “novo público”, com a Pittsburgh Symphony. Fizemos muitas coisas – tocamos o primeiro movimento da Sinfonia Paris de Mozart, com o público informado a aplaudir sempre que ouvisse uma passagem de que gostasse. (Porque essa era a prática no tempo de Mozart, como ele explica com grande deleite em uma carta a seu pai. Ele estava encantado porque havia jogado com o público, escrevendo música que garantia que ele aplaudiria.)
(E – digressão, mas uma importante – o resultado foi revelador. A qualidade do aplauso variava grandemente de momento a momento, mostrando que o público estava ouvindo atentamente, e reagindo a vários momentos de maneira diferente. Mais, eles paravam de aplaudir sempre que a música seguia para algo novo, porque eles não queriam perder nada do que Mozart jogava para eles. Então qualquer receio de que deixar o público aplaudir resultaria em que eles não ouviriam atentamente se provou errado. O resultado foi o contrário – eles ouviram mais atentamente do que se não estivessem aplaudindo.)
Nós também raspamos a cabeça de um voluntário do público enquanto a orquestra tocava a “Bacchanale” de Samson et Dalila.
Silêncio radiante
E em um concerto eu programei a mais curta das curtíssimas Cinco Peças para Orquestra de Webern, tocada duas vezes, com a peça silenciosa de John Cage, 4’33”, no meio.
Como eu expliquei para o público, o problema com as peças de Webern, para um ouvinte, não é o fato de serem atonais. E sim que são muito curtas. Cada uma acaba antes que a maioria das pessoas tenha se concentrado plenamente na audição. Então por que não tocar uma delas duas vezes, com silêncio no meio?
Eu expliquei o ponto da peça de Cage, que é que não há silêncio de verdade, que os sons estão sempre acontecendo, e que a peça se torna um espaço para a escuta desses sons. O que pode nos apaziguar, e também nos tornar mais pacificamente alertas. Então quando o Webern fosse repetido, talvez estaríamos mais preparados para nos concentrarmos nele.
A julgar pelas conversas que tive, as pessoas reagiram de várias maneiras, o que é apenas natural. Mas algumas – e não foi em pequeno número – realmente amaram. Uma mulher que veio até mim no aeroporto quando eu estava viajando para casa ficou maluca pelo Cage. Com um entusiasmo vívido, ela me contou que durante o silêncio ela imaginou uma página de música coberta com pausas.
(O que me fez sorrir. Eu escrevi um quarteto de cordas chamado Mahler Variations, um conjunto de variações de 28 minutos sobre o tema do último movimento da Terceira Sinfonia de Mahler. Estilisticamente, as variações “dão a volta no celeiro”. Há variações para o dodecafonismo de Schoenberg, Webern e Berg, escritas no estilo – e na técnica dodecafônica – de cada compositor. Há uma variação Elvis, com uma batida do rock & roll dos anos 1950, e escrita de modo que qualquer um ou dois compassos possam ter vindo de uma canção do Elvis.
(E a penúltima variação é uma variação Cage, totalmente silenciosa. Chamá-la de “Cage Variation” é uma brincadeira afetuosa, porque o que eu realmente queria era um longo – longuíssimo – silêncio antes da variação final, que é a minha própria fantasia permeada de emoção mahleresca sobre a harmonia do tema de Mahler. O que é mais importante na partitura da Cage Variation é a instrução verbal, de que a duração do silêncio fica a cargo dos músicos, mas que eles deveriam resistir a toda a tentação de fazê-lo curto demais. Então eu produzi algumas páginas com pausas, que é o porquê da mulher no aeroporto ter me feito lembrar disso.
(Essa é a única grande peça minha que nunca foi apresentada. Algum quarteto interessado?)
O ponto dessa história é que a peça silenciosa de Cage é um clássico de um novo tipo, e pode realmente encantar o público. É um erro perguntar o que o público clássico padrão pensa dela. Estamos falando aqui sobre o novo público. E em um mundo onde (como eu sempre digo) instalações e arte conceitual estão por toda a parte – e, por falar nisso, um mundo em que muitas pessoas praticam meditação – uma composição silenciosa não é extraordinária, pode encantar pessoas, pode no mínimo limpar o palato aural. No futuro da música clássica, quando o novo público estiver firmemente estabelecido, vou me deixar imaginar um concerto de abertura de uma temporada de gala, dado por uma grande orquestra, que começa com 4’33” de Cage. Apenas para afiar o coração e os ouvidos para a música que há de vir.
(Carlos Fischer, que frequentemente comenta aqui, sugeriu um programa que comece com Cage, e vá para uma peça solo, dois duos, uma peça para quarteto de cordas, e então uma peça para orquestra completa. Assim, o concerto começa em silêncio, e então se constrói, acrescentando mais e mais sons. Que grande ideia!)
Ressonância radiante
Outra história. Quando eu estava na faculdade (Yeale School of Music, 1972-74, M.M. em composição), Alvin Lucier visitou nosso seminário de compositores. Espero lembrar disso corretamente, e que ele realmente tenha vindo! Mas ou ele ou alguém tocou para nós uma gravação da sua peça maviosamente instigante, I Am Sitting in a Room [Estou Sentado em uma Sala].
Ou talvez ele tenha criado a peça para nós, no espaço do nosso seminário de compositores. Isso teria feito sentido, porque mesmo que haja ao menos uma gravação, a peça realmente exige ser refeita em qualquer espaço onde você queira apresentá-la.
Eis como funciona. Você lê um texto em voz alta, e o grava. O texto pode ser qualquer coisa, embora não deva ser nem muito longo nem curto. O texto de Lucier começa com “I am sitting in a room,” e continua falando sobre como a peça é feita, terminando com uma adorável reflexão de que aquilo em que a peça se transforma pode “suavizar quaisquer irregularidades que a minha fala possa ter.” Uma reflexão adorável, gentil, porque ele a balbucia.
Você então toca de novo a sua gravação, e grava o playback. Digo, você grava a própria gravação com um microfone, ao invés de simplesmente transferi-la eletronicamente em um aparelho gravador. O ponto é capturar o som da sua voz no espaço em que você está, e regravá-la.
Por quê? Porque conforme você continua repetindo essa etapa – tocando de volta a sua gravação mais recente, sempre na mesma sala, e de novo gravando-a – o som da sua voz é lentamente, gentilmente, magicamente transformado. O que você começa a ouvir é a ressonância da sala – os ecos da sua voz, que podem ser tão suaves que você não os nota na vida normal, mas que se tornam ampliados a cada vez – nesse processo – que você faz uma nova gravação. Os ecos, verificas-e, enfatizam certas frequências, que são diferentes de espaço para espaço.
Então não há duas versões desta peça que soem parecidas. O que acontece, à medida que você continua gravando, é que a sua voz desaparece, submersa nos ecos. Que, contudo, pulsam no ritmo da sua fala. O resultado é radiante e encantador – e também muito simples – além do que posso descrever.
Consigo imaginar isso feito em concertos clássicos. Se o processo todo ficar muito longo, e receiarmos que o público fique inquieto, então poderíamos começar a fazer a peça antes do concerto começar, e deixá-la tomar forma à medida que o público começa a se sentar. Então, finalmente, a última gravação toca como primeira peça do programa.
Um grupo que fizesse isso poderia então convidar membros do seu público a fazerem suas próprias versões, que poderiam ser postadas em uma página na internet. Se o grupo fizesse um tour, poderia fazer novas versões em diferentes auditórios em que tocasse. Não quero dizer que todo grupo deveria fazer isso, mas em nosso novo mundo (novo, ao menos, para a música clássica), penso que muitas pessoas em nosso novo público amariam isso.
Cantar radiante
E finalmente, Pauline Oliveros. Eu adorei fazer parte em suas peças vocais que “o público” apresenta. Coloco “o público” entre aspas porque é claro que não somos o público quando fazemos isso. Somos os criadores.
Alguns anos atrás, em um dos concertos de verão a céu aberto do Lincoln Center, uma dessas peças foi feita, por talvez 250 pessoas. Oliveros sempre dá instruções do que os participantes devem fazer, e, embora sejam simples, seu efeito é profundo e instigante. Nesse caso, se me lembro corretamente, fomos todos pedidos a cantarmos ou murmurarmos qualquer nota que pudéssemos escolher. E então, conforme a peça prosseguiu, fomos pedidos a escolher qualquer outra nota, algo que alguém mais estivesse murmurando e cantando, e murmurássemos e cantássemos aquela nota.
E então, depois de um tempo, que continuássemos. O resultado, que aconteceu em toda parte ao redor de mim (e em toda parte ao redor de qualquer um que participasse) foi um profundo banho de som vocal, um suave incandescer de muitas notas. Fora desse incandescer, notas individuais começavam a brilhar (à medida que as pessoas começavam a cantar notas elas ouviam outras cantando), crescendo em maviosa força, e então retrocedendo.
E foi isso. Mas foi o bastante para talvez 20 minutos de uma calma estimulante. O que não funcionou tão bem foi uma tentativa de se conectar, via áudio, com outros grupos ao redor do mundo fazendo a mesma peça, mas vou perdoar isso, porque também não fez nenhum dano.
Posso imaginar que o público normal de concerto clássico ficaria surpreso, talvez desconcertado, se lhe fosse pedido para murmurar ou cantar. Mas por outro lado, os alunos no National Orchestral Institute criaram uma peça muito parecida com essa no concerto que produziram neste verão (sobre o qual eu bloguei), e naquele conjunto funcionou como se todos os envolvidos fizessem peças como essa há anos.
Então quem sabe? Talvez você não faça uma peça de Pauline Oliveros em um concerto clássico padrão. Ou talvez faça! Mas você pode certamente fazê-lo em um concerto para um público novo, mais jovem. E o resultado poderia ser mágico. Imagine 4000 pessoas fazendo isso no Metropolitan Opera, antes da apresentação de algo apropriado. Ou imagine uma nova ópera, escrita para começar com algo assim, algo que o público cria.
Suponho que seja em parte minha história – por anos fui crítico em Nova Iorque, resenhando peças como essas que estou descrevendo aqui – o que me torna tão aberto a música desse tipo, e tão ansioso em vê-la feita mais amplamente. Mas peças como essa são parte da história da música clássica. Independente da maioria das pessoas saberem disso! Mas se muitas pessoas não sabem disso – ou sabem e zombam – esse é um dos problemas da música clássica. Diferente de outras artes, ela (em sua forma mainstream) não se expandiu para incluir peças próprias que sejam legítimas, poderosas e enraizadas nos modos como a nossa cultura mudou.
“Repertoire — final post”, por Greg Sandow, traduzido por Leonardo T. Oliveira.