Em 27 de junho de 2012, por Greg Sandow
Eu sei que muito do que eu estou dizendo é difícil de aceitar para algumas pessoas.
E eu me solidarizo. Mudanças podem ser difíceis. Mudanças maiores podem ser mais difíceis ainda. E mudanças fundamentais – mudanças radicais – podem ser dolorosas.
Então quando digo que o repertório clássico que os músicos tocam vai ter que mudar, posso ver por que muitos de nós podem ficar chateados. E tenho em mente agora pessoas profundamente engajadas com a música clássica da maneira como ela é hoje. Todos nós – e estou me incluindo neste grupo – começamos a ouvir música clássica porque a amamos.
E o que isso significou, obviamente, é que nós entramos nela porque amamos o repertório antigo. Isso é verdade para mim. Me lembro de um momento em que estava na faculdade no começo dos anos 60, quando – no salão comunitário da Adams House, em Harvard – ouvi um concerto em que alguém dedilhava as cordas do piano. Me senti ultrajado! Pensei que o piano ia ser danificado. O que eu então amava na música clássica era ópera e lieder – Verdi, Schubert, Schumann, Brahms, Fauré.
(Embora – me adiantando agora nos pontos que quero elaborar mais tarde – eu também assistisse com grande animação a filmes de diretores então vanguardistas como Antonioni. O que mostra o meu gosto cultural em geral em desacordo com o meu gosto em música clássica, fazendo de mim um microcosmo do problema cultural mais amplo que estou discutindo aqui, que é o de que os gostos na cultura mudaram, deixando a música clássica para trás.)
Então, visto que amamos o repertório antigo, é natural para nós pensarmos que os outros vão amá-lo também. Se eles não o amam, pensamos, é apenas porque não querem. Ou porque estão assustados por algum motivo.
Também sabemos que – não importa quão frequentemente eu e outros possam dizer que um público jovem não será atraído por concertos que consistam em grande parte de repertório clássico padrão – algumas pessoas mais jovens definitivamente são atraídas por essa música. Eu mais do que ninguém sei disso, já que tenho ensinado na Julliard por 16 anos, e meus alunos, é claro, amam as obras-primas antigas. Sua devoção a elas, de fato, é muito comovente. Também tive contato com músicos clássicos jovens de incontáveis outras maneiras (ensinando em outros lugares, trabalhando com orquestras, palestrando em muitas escolas de música), e sempre a sua devoção ao núcleo do repertório clássico é vívida, inabalável e, de novo, profundamente comovente.
Além disso, todos nós conhecemos casos de pessoas mais jovens que não tocam música clássica serem arrebatadas por Beethoven, ou Mahler, ou Mozart, ou Bach. Yvonne Frindle citou um exemplo adorável em um comentário que ela postou, de um grande público jovem que adorou uma peça clássica do repertório padrão, tendo gostado mais dela do que de outra obra de Thomas Adès.
Até fiquei sabendo que em uma grande orquestra americana o público mais jovem que frequenta os concertos diz, quando perguntado, que gosta mais de música antiga do que de música nova.
Mas agora é tempo para a realidade ser definida. O que está acontecendo naquela orquestra é, muito claramente, um efeito de seleção. O público mais jovem que adora os concertos que eles estão dando é aquele atraído por música antiga. O que não foi respondido é quantos deles existem, e se não poderia haver mais pessoas jovens que deixam de vir, ao menos em parte, porque a música antiga – tomada como um todo – não fala a eles de maneira forte o bastante.
O que me traz novamente para o grande ponto em questão. Contei uma estória sobre Joanna, minha ex-namorada, que nos anos 90 queria (como alguém alheia à música clássica) que a música clássica pudesse ser mais noir. Ou, mais genericamente, como a cultura que ela sentia ser a dela. Um comentador muito apropriadamente objetou que esta era apenas uma anedota, e (já que eu faria o mesmo ponto sobre a estória que Yvonne contou) que anedotas, por elas mesmas, não podem provar nada.
Ele estava certo. Eu poderia ter dito que esta anedota era apenas uma de muitas que posso contar, todas mostrando mais ou menos a mesma coisa. Por exemplo, nos anos 90 eu levei uma pessoa (de novo, alguém sem nenhuma experiência com música clássica) a um concerto do Quarteto Emerson. Eles estavam tocando o último Beethoven, e também o Op. 3 de Berg. Fiquei preocupado com o que minha companhia pensaria de Berg, e tentei prepará-la, pedindo a ela que imaginasse um museu de arte, com Beethoven sendo um dos mestres antigos, e Berg estando nas salas de arte abstrata.
Quando a música terminou, ela ficou brava comigo. Eu não precisava dizer aquilo, ela disse. A música era fácil de ouvir para ela. Soou, ela disse, como se Berg estivesse bêbado. Agora, eu e outras pessoas sofisticadas na música clássica podem pensar que esta é uma maneira simplista de ouvir a obra de Berg, mas por outro lado há algo aqui. As primeiras peças atonais dos compositores da Segunda Escola de Viena são inundadas de mal-estar (e bem conhecidas por isso), se não mesmo de angústia. Elas não representam estados mentais normais, e enfaticamente não o pretendem mesmo. Então a reação “bêbada”, embora de fato simples, não é de toda sem base. (Pense em Pierrot Lunaire, embriagado pela lua.)
A mesma coisa aconteceu quando crianças em um programa de música de verão no qual eu ensinei nos anos 70 pensaram que algumas dessas primeiras peças atonais soavam como trilhas sonoras de filmes, para filmes de terror. Essa não é uma reação maluca (e é uma reação que adultos também têm tido). De fato, ela se encaixa com a famosa crença de Theodor Adorno – e lembre-se de que ele era amigo de Schoenberg e de Berg, e apoiou fortemente suas obras – de que a harmonia atonal representa uma dor fria.
Nós vivemos agora em uma cultura em que não tentamos fingir que finais felizes sempre acontecem, que (para usar uma frase de Henry Miller) tudo não é, no final, “alegria e brilho”. Daí o film noir, e o sentimento que Joanna teve de que uma forma de arte importante como a música clássica deveria interagir com sua cultura, e ter mais camadas, ser ambígua, sombria, pessimista. O que peças atonais – as primeiras, ao menos (o que aconteceu quando a música dodecafônica surgiu é outra história) – claramente são.
Mais anedotas. A multidão gritando e aplaudindo na Filarmônica de Nova Iorque quando Alan Gilbert regeu a ópera Le grand macabre de Ligeti. Assinantes devolveram seus ingressos, que foram então revendidos para o tipo de público mais jovem que você nunca vê em tais números em eventos padrões da Filarmônica. E, como eu disse, eles gritavam e aplaudiam.
Da mesma forma como o público mais jovem nos Mavericks concerts na Sinfônica de São Francisco. Uma vez encontrei em uma festa alguém que os havia frequentado. Ela tinha acabado de se mudar de São Francisco para Nova Iorque. Estávamos conversando, como todo mundo faz em festas, e ela me perguntou no que eu trabalhava. Quando eu respondi, ela disse que tinha adorado a execução de Michael Tilson Thomas da Quarta Sinfonia de Ives. Eu perguntei se ela já tinha ido à Filarmônica de Nova Iorque. “Não. Por que eu iria?” ela respondeu (ou palavras com esse mesmo efeito). Ela os classificou como uma orquestra que tocava em grande parte música antiga. Ao invés disso, ela disse, ela ia ao festival da Next Wave no BAM – um festival de apresentações com avançados estilos artísticos, em que seja qual for a música tocada será quase certamente nova. Ela nunca iria a concertos clássicos já que na maioria das vezes eles tocam música antiga.
E assim há os grandes públicos para as maratonas da Bang on a Can em Nova Iorque. Ou para a Present Music, o novo grupo musical de Milwaukee, que é um retumbante sucesso. Eu os menciono porque, nos anos 90, escrevi um artigo para o Wall Street Journal sobre um tour de grupos estonianos que tocavam Arvo Pärt. Eles foram apresentados em Milwaukee para uma série de música de câmara, cujo diretor me contou que os fãs de música nova em Milwaukee – e a Present Music tinha então umas poucas centenas de assinantes, e podia conseguir até 600 pessoas em suas apresentações – eram tão desdenhosos da série de música de câmara (porque a identificavam com música antiga) que não a prestigiariam mesmo que ela apresentasse algo de que eles gostassem.
Ou o concerto da Wordless Music em Nova Iorque alguns anos atrás, do qual falei aqui muitas vezes. Uma igreja com 1000 lugares foi preenchida por duas noites seguidas, para um concerto de John Adams, Gabin Bryars, e Jonny Greenwood. Greenwood, claro, é o guitarrista do Radiohead, mas a sua peça tocada no concerto não parecia em nada com uma canção do Radiohead. Era, ao invés disso, algo como a Trenodia de Penderecki – uma peça com densos clusters sonoros, sem melodias ou ritmos constantes.
O público adorou, assim como adorou as outras peças do programa. Um amigo meu do mundo clássico mainstream, alguém com uma experiência longa e de alto nível com orquestras e com uma empresa de gestão, olhou para a multidão, e me disse: “Esse é o público jovem que sempre falamos que queremos atrair. Mas eles nunca viriam para o que fazemos”.
E de fato eu penso que nunca vi um público em um concerto clássico convencional com tantas pessoas jovens – que pagaram por seus ingressos – como eu vi no Wordless Music ou no Le grand macabre, ou certamente um concerto em que um grande público mais jovem amasse tanto a música. O mais perto que cheguei disso, talvez, foi em uma noite quando a New York City Opera baixou o preço de seus ingressos para $25 para qualquer lugar na casa, para uma apresentação de Madam Butterfly. Aquele foi o público pagante mais jovem que eu já vi em uma casa de ópera, embora não fosse tão jovem, ou tão animado, ou tão visivelmente (pelas roupas, linguagem corporal, tatuagens) imerso na cultura atual, como o público no Ligeti ou no Wordless.
Estou vendo que esse conjunto de posts vai mais longe do que eu pensava. Então me desculpo por escrever este em parte apenas como nota de rodapé para o último. Vou continuar com mais ideias específicas, com a indicação de algumas leituras úteis, e com as ideias sobre repertório quando postar o próximo.
Por que as fotos – neste post e no último – de pessoas com tatuagens? Porque estou dizendo que nossa cultura mudou, e não consigo pensar em uma foto prática e visual melhor do que das tatuagens que as pessoas tão comumente têm agora. Quando eu era jovem (nos dias em que a música clássica ainda atraía um grande número de pessoas mais jovens) essas tatuagens eram impensáveis. Inconcebíveis, para qualquer pessoa respeitável. E agora? Estão em todo lugar. O homem com tatuagens no meu último post estava trabalhando no seu Mac, assim como eu estava trabalhando no meu, na minha frente em uma cafeteria em Adams Morgan, em Washington. A mulher neste post eu fotografei em uma feira bastante sofisticada em Warwick, NY. Uma mãe e esposa sofisticada tão respeitável (ela estava comprando com seu filho) quanto você vai encontrar em qualquer lugar. Com essa adorável – e relativamente impossível de esconder – tatuagem na nuca.
Uma experiência mental: Sim, eu sei que músicos clássicos mais jovens (que, afinal, vivem na mesma cultura que as pessoas da idade deles que não gostam de música clássica) podem ter tatuagens. Mas alguém consegue imaginar um público cheio de pessoas com tatuagens sentando-se silenciosamente em um auditório convencional de concertos clássicos, para um concerto clássico convencional? Eu não consigo.
“Building a young audience (more on new music)”, por Greg Sandow, traduzido por Leonardo T. Oliveira.