Em 24 de junho de 2012, por Greg Sandow
Nos anos 90, eu era editor de música da Entertainment Weekly, o que significava estar mergulhado em música pop. Eu tinha uma namorada que trabalhava na revista, alguém sem qualquer experiência com música clássica, e também sem qualquer gosto sofisticado na música pop (o que não digo como um tipo de crítica). Ela ouvia o que todo mundo como ela ouvia. Nenhum art rock, nenhuma banda indie desafiadora.
Em um domingo de manhã, estávamos em meu apartamento, e ela perguntou se eu podia colocar alguma música clássica. Então eu coloquei alguma coisa barroca, talvez a Música Aquática de Handel. Ela ouviu um pouco, e então perguntou, “Por que a música clássica não é mais noir?”. Referindo-se, é claro, ao film noir, os filmes sombrios, moralmente ambíguos dos anos 40 e 50 que se tornaram um marco na cultura americana. Tanto que, de fato, aquele “noir” entrou no nosso mundo como um rótulo para qualquer coisa que compartilhe da sensibilidade dos filmes.
Tirei a música barroca e coloquei a Suite Lulu. “Você quer dizer assim?”, eu perguntei, enquanto as músicas sombrias e moralmente ambíguas do dodecafonismo da ópera de Berg tocavam. “Sim”, ela disse. “Assim. Por que mais música clássica não soa assim?”.
Há duas lições na estória acima. Primeiro, música atonal não é um terror para muitas das pessoas que chegam à música clássica da cultura mainstream. Elas estão acostumadas ao seu som (de trilhas sonoras de filmes), e, mais importante, estão acostumadas à sua sensibilidade. Elas a aceitam muito mais prontamente do que o público clássico padrão, e – muito importante – elas não têm que ser educadas para gostar dela. Elas não precisam primeiro ser ensinadas a gostar de Eine Kleine Nachtmusik (digamos), e então dar passos de bebê, até que terminem gostando de Berg. É tão mais simples do que isso. Elas ouvem Berg, elas gostam dele.
Mas essa é a lição menos importante. A mais importante é que pessoas da cultura mainstream – se elas vão começar a ouvir música clássica – podem exigir sons atonais. Ou, mais simplesmente, podem sentir alguma coisa faltando se não os ouvem. Para Joanna, minha namorada dos anos 90, Berg soava completamente natural, mesmo que, como ela mesma seria a primeira a dizer, não tivesse gosto para música sofisticada. (E – diferente do homem nesta foto, que estava trabalhando na minha frente em uma cafeteria esta semana – ela não tinha tatuagens.) Berg, para ela, soava como parte da cultura dela: a parte noir, um fio na teia de coisas que fazia o mundo dela o que ele era.
O que significa que se o repertório da música clássica minimiza sons como esse – se, da maneira como Joanna a encontra, ela for, em sua maior parte, música de um passado melífluo – então ela não consegue prender o interesse de Joanna por muito tempo. Em certo sentido, ela exclui Joanna, ao afirmar ser uma forma de arte universal, mas oferecer pouco espaço para a cultura em que Joanna vive.
Porque é claro que há mais coisas que não encontramos no repertório padrão da música clássica – ou que não costumamos encontrar – do que film noir. Pense nas coisas que varreram a cultura americana desde os anos 40. A geração beat. Os anos 60. Toda a experiência afro-americana. E, é claro, rock & roll. E muito mais. Você poderia ir a uma temporada inteira de concertos clássicos, mais óperas, e nunca sentir nem mesmo um sopro dessas coisas. Ao invés disso, você ouve Schumann, e lê notas do programa sobre o quanto Schumann era próximo de Brahms.
Enquanto isso, você vai ao teatro, e vê peças de August Wilson, traçando a história negra no decorrer de várias gerações. Você vê Rock ‘n’ Roll de Tom Stoppard (como eu vi na Broadway), que é sobre (entre outras coisas) o quanto o rock foi importante para os dissidentes tchecos dos anos 60. Você vai ao Museum of Modern Art, e vê uma retrospectiva (incluindo concertos) da banda de art-rock Kraftwerk. Ou uma exibição sobre como o mundo da arte se aproximou de bandas pós-punk e de hip-hop durante os anos 80. (Uma exibição que eu particularmente adorei, porque fiz parte desse cenário artístico urbano em Nova Iorque, onde isso tudo aconteceu.)
Ou, de novo no MOMA, você vê uma exibição de Marina Abramovic, no qual ela senta imóvel, por dias, enquanto centenas de pessoas olham para ela. E também confronta pessoas sem roupas, também imóveis (e, sim, completamente nuas) por dias. Enquanto centenas e centenas de pessoas caminham entre elas. Apenas mais um dia no MOMA, um museu que é uma das principais atrações turísticas em Nova Iorque. (Talvez não tanto quanto o Hard Rock Caffé, mas ainda assim – pessoas o frequentam.) Tente encontrar qualquer coisa assim na música clássica.
Ou você liga a TV, e na HBO assiste a The Wire, que por cinco temporadas lançou uma luz intensa e multirracial sobre as principais instituições americanas (e como elas estão relacionadas) – a polícia, o tráfico de drogas, política, sindicatos, a imprensa.
Ou você vai ao Whitney Museum em Nova Iorque, e vê uma exibição sobre os beats, completa, com a máquina de escrever que Jack Kerouac usava para escrever On the Road, uma máquina alterada de modo que ele pudesse digitar em um rolo de papel maior, despejando torrentes de palavras sem precisar parar ao final de uma página.
Ou você vai ao site do Metropolitan Museum of Art (como eu alguns dias atrás), e encontra três exibições sendo promovidas – Rafael (arte clássica), Jeff Koons (arte contemporânea que tem sido comparada a soft porn), e uma exibição do Costume Institute do Met, traçando a influência dos uniformes de super-heróis na moda. Isto, no maior museu de arte dos Estados Unidos, aquele com a maior coleção de arte clássica! (A Filarmônica de Nova Iorque faria alguma coisa parecida?)
Aqui está o que eles promoviam no site deles quando eu o acessei semana passada:
– Tomás Saraceno, Cloud City: On the Roof [“Tomás Saraceno, Cidade das Nuvens: No Telhado”] [uma instalação específica no telhado do museu] – Schiaparelli and Prada: Impossible Conversations [“Schiaparelli e Prada: Diálogos Impossíveis”] [uma exibição do Costume Institute, explorando a obra de duas icônicas designers de moda dos anos 30] – The Dawn of Egyptian Art [“O Alvorecer da Arte Egípcia”] – Ellsworth Kelly, Plant Drawings [“Ellsworth Kelly, Desenhos de Plantas”] – Byzantium and Islam: Age of Transition [“Bizâncio e Islã: Era de Transição”] – Designing Nature: The Rinpa Aesthetic in Japanese Art [“Projetando a Natureza: A Estética Rinpa na Arte Japonesa”]
Duas exibições contemporâneas (uma é uma instalação, ao invés de arte em qualquer gênero antigo), uma exibição sobre cultura popular, três exibições sobre arte não ocidental – e nenhuma que caracterizasse a arte visual equivalente ao arroz e feijão do repertório clássico, pelo qual quero dizer artistas como Rembrandt, Degas, Van Gogh, Rodin, Monet, Picasso, Matisse (nós todos conhecemos os nomes). O Met tem esses artistas, mas as novas exibições que ele promove somam, tomadas em conjunto com o todo, um mundo cultural muito diferente, que é mais atual e muito mais diverso.
O que é tudo uma forma de demonstrar para o quão longe a cultura contemporânea – incluindo a arte da alta cultura – se moveu daquilo que vemos no mundo clássico mainstream. E sim, coisas na música clássica estão mudando. Mas o foco ainda está no passado. Ou, indo mais ao ponto, o foco não está em coisas para as quais estamos despertos agora, o que significa que – para pessoas que não são iniciadas na música clássica, que já não amam a música clássica como ela tem sido há muito tempo apresentada, que já ouviram que ela é uma grande, grande arte, e chegam a ela com um desejo ansioso de serem iluminadas, inspiradas, transfiguradas, encantadas – alguma coisa está faltando.
Ao contrário de Joanna, elas podem não chegar a nomear o que não está lá. Elas podem mesmo não saber, conscientemente, que há uma lacuna. Mas a reação delas vai mostrar a você que a música clássica não se conectou. Elas vão pensar que é bom, mesmo renovador, algo para se mergulhar de vez em quando. Elas podem mesmo se comover profundamente, como o homem que encontrei em uma festa esta semana, que pensava que a Nona de Beethoven era uma das maiores experiências musicais que ele já teve, mas que passou muito mais tempo conversando comigo sobre Bruce Springsteen.
Por isso, elas podem desfrutar de um concerto clássico. Mas não vão voltar muitas vezes. Certamente não vão ser atraídas a ir toda semana. A cultura delas está faltando lá.
No próximo post (isso tudo está levando mais tempo do que eu pensei que levaria): como nós chegamos neste ponto. E como ainda não quero resumir isso agora, vou dizer apenas uma coisa. Por um bom tempo – a primeira metade do século XX (muito aproximadamente) –, parecia natural ir a concertos clássicos e ouvir antigas obras-primas. Era algo que ressoava culturalmente. Assim como, por séculos, pessoas com educação aprendiam latim, uma língua antiga, que não é falada nativamente por ninguém, mas que ainda tinha uma ressonância cultural que parecia bastante viva.
Durante esse tempo, o público da música clássica era mais jovem do que é agora – não era mais velho do que a população em geral. Mas então, começando (de novo aproximadamente) nos anos 60, nossa cultura começou a mudar. Assim como, em décadas anteriores, o latim começou a sair de vista. Não era mais algo que pessoas com educação precisavam saber. Então agora o repertório clássico padrão começava a parecer apenas parte daquilo que um mundo musical mais vasto – muito mais vasto – deve ter sido.
E então o público envelheceu. E a música clássica – enquanto focada nas antigas obras-primas – mudou de uma parte central da nossa cultura para um nicho do gosto de (na maior parte) pessoas mais velhas.
É claro que isso é simplificado. Algumas pessoas mais jovens são atraídas. E a música clássica ainda tem algo do seu glamour, prestígio, e dinheiro de antigamente.
Mas ela ainda está recuando. E o contraste entre ela e a cultura ao seu redor, junto ao longo, lento envelhecimento do seu público, conta uma história que não podemos nos dar ao luxo de ignorar.
“Building a young audience (second part)”, por Greg Sandow, traduzido por Leonardo T. Oliveira.