Em 14 de junho de 2012, por Greg Sandow
Em meu último post, eu disse que a música clássica precisa de uma grande mudança. E a mudança vai ter que ser radical. A música clássica precisa perder seu senso de prerrogativa, a crença que muitos de nós no mundo da música clássica temos de que ela é extremamente importante, necessária para qualquer sociedade civilizada, e que por isso tem que ser apoiada – financeiramente, por nossas escolas, e de muitas outras maneiras.
Para entender o porquê de eu pensar assim, volte uma geração ou duas ou três, digamos, para os anos 40 ou 50. A música clássica, naquela época, tinha um ecossistema operante. Ela era considerada, quase universalmente, como uma arte séria e inigualável. Inigualável, no mínimo, por qualquer outra coisa na música. Ela era considerada elevada, profunda, algo que nos colocava acima da vida cotidiana.
E ainda ao mesmo tempo ela era popular, de uma maneira que dificilmente podemos conceber agora. Estrelas clássicas – Jorge Bolet, o pianista, e Leopold Stokowski – tornaram-se estrelas de Hollywood. O público clássico era jovem, não era mais velho do que a população em geral. Novas óperas eram executadas comercialmente na Broadway. Uma pesquisa com estudantes, conduzida em 1954 para descobrir seu gosto musical, perguntou a eles quem eram os seus compositores favoritos. E eles tinham compositores favoritos – Beethoven e Debussy.
A NBC criou uma orquestra para Toscanini (o regente consagrado como o maior músico que já existiu), e transmitiu seus concertos, com patrocínio comercial. Ainda em 1962, a Life – uma das revistas mais populares nos Estados Unidos – encomendou uma peça para piano de Copland, e a imprimiu para que os leitores pudessem tocá-la.
Há muito mais disso, para quem quiser conferir a história. E o que é crucial entender – mal passo enfatizar isto o suficiente – é que a crença no valor transcendente da música clássica e a sua popularidade passavam de mão em mão. Uma coisa apoiava a outra. Era fácil afirmar o valor transcendente da música clássica, porque tantas pessoas concordavam que ela tinha esse valor.
E a crença em seu valor transcendente fez com que as pessoas quisessem ouvi-la. Daí o movimento de apreciação musical dos anos 40, que não foi criado pelas instituições de música clássica procurando por adeptos. Ao invés disso, ele respondia a uma difundida necessidade social – as pessoas, totalmente por conta própria, pensavam que deviam gostar de música clássica, e queriam aprender sobre ela.
Então ninguém, nesses dias, tinha que argumentar – como se faz agora – pelo valor da música clássica. Orquestras não tinham departamentos de marketing e de desenvolvimento. (O departamento de desenvolvimento – para os que são novos nessas discussões – faz captação de recursos, e hoje nos Estados Unidos é tipicamente o maior departamento em qualquer grande instituição de música clássica.) Vender ingressos e levantar recursos na maioria das vezes acontecia facilmente. Algumas vezes, tudo o que você tinha que fazer para vender ingressos era enviar uma carta para seus assinantes avisando que era hora deles renovarem suas assinaturas.
Mas então nossa cultura mudou. Os anos 60 despontaram. (Embora se possa argumentar que o processo de mudança começou muito mais cedo, talvez tão logo depois da Primeira Guerra Mundial.) Nosso mundo cresceu informal, e também espontâneo, de uma maneira à qual a música clássica não se adaptou.
A cultura popular – começando com filmes e música – começou a ser arte séria. De novo, a música clássica não se adaptou, e, conforme o tempo passou, cresceu mais e mais distante da cultura em geral. Seu público começou a envelhecer, um processo que pode ter começado nos anos 60 (um estudo de 1966 das artes de espetáculo mostrou um público de música clássica mais velho do que em estudos feitos em 1937 e 1955), mas certamente acelerou nos anos 70.
Ao fim dos anos 80, a porcentagem do público clássico abaixo de 30 anos caiu para a metade. Ano após ano, década após década, a situação que vemos agora começou a emergir. O público da música clássica ficou velho. As pessoas que fazem parte dele, aquelas em seus 60 anos ou mais, vieram para a música clássica antes que tudo isso acontecesse, quando a música clássica ainda era popular, e seu público ainda era jovem.
Esse público se foi. Não será substituído, ou, para ser mais específico, não será substituído por qualquer grande número de pessoas ansiosas para ouvir música clássica da maneira como ela é executada agora – em silêncio, com músicos em trajes formais, e um foco em obras-primas do passado distante.
Mas ainda persistem os hábitos do velho ecossistema. Nós ainda insistimos que a música clássica tem valor transcendente. De fato, nós insistimos nisso mais do que nunca. Muitos de nós esbravejamos em desespero quando alguém sugere que o público clássico poderia ser mais vivaz, como se ouvir em absoluto e imobilizado silêncio (algo desconhecido no tempo de Mozart e Beethoven) fosse não apenas um costume, mas um decreto enviado por Deus.
Saímos pelo mundo, procurando apoio, tanto para o nosso valor transcendente, mas também para os benefícios que a música clássica alegadamente traz – notas escolares mais altas, lucro para empresas de centros comerciais. Mas, não importa que argumento possamos usar, o que realmente estamos querendo dizer é que a música clássica tem que existir, tem que ser financiada, tem que ser ensinada em nossas escolas. E frequentemente junto a isso ainda dizemos que a cultura popular é nociva.
Temos que parar de fazer isto. Tudo isto. Nunca vai funcionar. Nos faz parecer, a um só tempo, elitistas e fracos. Por fora. Pouco inteligentes.
A apologia, da maneira como a praticamos agora, tem que parar. Ou ao menos ser reduzida. E ser substituída por um esforço por se encontrar um novo público. Sobre o qual eu sei que estamos preocupados! Eu sei que a música clássica está mudando, que rachaduras apareceram em seus hábitos e estruturas, que novas maneiras de fazer música clássica – adaptadas à cultura atual – surgiram (principalmente fora do mainstream clássico).
Eu sei também que ao menos alguns dos caminhos antigos precisam ser mantidos, porque o público antigo ainda existe, e instituições de música clássica ainda dependem dele para venda de ingressos e financiamento.
Mas os tempos mudaram. O velho ecossistema não funciona mais. O público existente vai desaparecer. Temos que nos adaptar – e a única adaptação que vai funcionar é colocar a busca por um novo público diretamente no coração de tudo o que fazemos.
Em breve: por que fazer apologia não funciona. A prova de que ainda não estamos nos adaptando. E muitos, muitos sinais dos nossos tempos – novas tendências em nossa cultura, que a música clássica precisa abraçar, e mudanças que mostram como alguns de nós (e bravo! para eles) estão fazendo isso.
“The great change”, por Greg Sandow, traduzido por Leonardo T. Oliveira.