Em 6 de junho de 2012, por Greg Sandow
[Continuando meus pensamentos sobre por que deveríamos tocar mais vividamente, se quisermos um novo público.]
Eis um exercício.
Olhe a partitura de uma sinfonia de Haydn ou Mozart. Você vai ver contrastes entre piano e forte, entre música suave e forte, ocorrendo do início ao fim, claramente marcados pelos compositores. Que — muito claramente — queriam que partes da música fossem fortes, e que outras partes fossem suaves. E que, evidentemente, apreciavam o contraste.
Então agora ouça execuções, ao vivo ou gravadas, e pergunte a si mesmo se você está escutando os contrastes de que os compositores claramente tanto gostavam. Frequentemente eu não escuto. Talvez mesmo na maioria das vezes, eu não escuto. Frequentemente eu consigo dizer que os contrastes foram intencionados, que os músicos quiseram fazê-los. Então a música que se pretende que seja forte pode ser tocada com um pouco mais de vigor, com um ataque um pouco mais nítido.
Mas ela é realmente mais forte? Tão inequivocamente mais forte que qualquer um ouvindo — mesmo alguém que nunca presta atenção a música clássica — diria, “Sim, essa é a parte mais forte”?
Muito frequentemente não. E então a música — independente de quão proficiente tudo mais sobre a apresentação possa ser — é sutilmente (ou não tão sutilmente) emasculada. Ela não soa animada. Não soa vívida. Ou certamente não tão vívida quanto deveria.
E lembre-se por que estou elaborando esses pontos. Nosso público atual está desaparecendo. Precisamos de um novo. Então agora imagine um novo público, cheio de pessoas inteligentes que ouvem um monte de música (não clássica), que leem livros, vão ao cinema, e — mesmo que sejam novas à música clássica — possam perfeitamente escutar muito do que está acontecendo.
Qual será a reação delas às apresentações proficientes, bem-educadas que eu tenho descrito, em que muitas coisas são feitas elegantemente, mas em que passagens fortes e fracas não soam fortes e fracas?
Bem, primeiro, elas não vão escutar o que os compositores intencionaram. Segundo, elas podem ter uma ideia (e quem pode culpá-las?) de que a música não tem muitos contrastes. Que ela segue, que vai soando agradável, mas que de momento a momento, em muitos aspectos, segue a mesma. Elas podem pensar que ela é mais ou menos rotineira (ou “calma,” como os não profissionais que amam a música clássica tão frequentemente a descrevem).
Então, embora elas gostem do que escutam, não vão tirar muita energia disso. Elas vão vir a um concerto, vão pensar que a música soa agradável (o que certamente soa), e então não vão retornar. Se você perguntar, elas podem muito bem dizer que pretendem voltar (eu tive essa experiência). Mas elas não vão, muito provavelmente porque nada do que elas escutaram as deixou ansiosas para isso.
E claro, a mesma coisa acontece em música de outros períodos. E em outros gêneros, em música de câmara, música coral, lieder, como quiser. (Uma vez ouvi uma apresentação ao vivo da Suite Op. 29 de Schoenberg, regida por Pierre Boulez, tão uniforme em sonoridade que você poderia pensar que Schoenberg não marcou qualquer dinâmica na partitura, o que não é nem remotamente o caso.)
Então agora eu sugeriria um outro exercício, algo que vai soar elementar, talvez até insultante. Mas tente! Se você executa música clássica — caso você seja um violinista ou uma mezzo-soprano ou a Cleveland Orchestra — encontre algumas pessoas inteligentes bem-educadas em música não clássica, e peça para que elas ouçam o que você toca, ou canta. Peça a elas (tolo como isso pode soar) que elas levantem a mão quando a música ficar forte.
Se elas não fizerem isso — na mesma hora, todas elas, imediatamente, com nítida precisão — toda vez que a partitura é marcada com forte, então você não está tocando tão vividamente quanto deveria. Muitas coisas na música clássica são sutis. Se você estivesse tocando uma peça em forma-sonata, e — com esse mesmo público não clássico — pedisse para que levantassem a mão no ponto em que a reexposição divergisse da exposição, tenho certeza que ninguém levantaria.
E não seria culpa de ninguém. Esse público ainda não aprendeu sobre a forma-sonata.
Mas forte e fraco? Isso é o básico. Fundamental. Facilmente ouvido, ou ao menos deveria ser. Uma questão que diz respeito ao corpo — os ouvidos e o intestino — e não à mente. Então se as pessoas que sabem como ouvir, como prestar atenção à música que elas ouvem, não conseguem contar, com precisão cortante, quando você pretende cantar ou tocar de modo forte, então a culpa é sua.
O público clássico existente? Eles não parecem se importar se escutam piano e forte claramente. Tenho certeza de que é porque eles amam demais a música clássica — porque eles amam toda a experiência, a beleza, a elegância, o silêncio do teatro, a formalidade, tudo. Eles não pedem por mais. Alguns, claro, têm um profundo e apaixonado conhecimento da música que escutam, sua história, formas, significado. Mas ainda assim, amplamente, eles apenas tomam o que lhes é dado, preferindo uma execução a outra, quantas vezes forem necessárias, e algumas vezes ferozmente, mas sem pedir por maiores mudanças em como a música clássica é tocada.
O que é bom. Essas são, como eu as conheci, pessoas amáveis, cuidadosas, pessoas que não deveriam ser repreendidas, ou dito que o que elas querem, o que elas amam, é de alguma forma deficiente.
Mas o novo público! Essa é outra história. Eles não desenvolveram qualquer amor pelo teatro de concerto, ou pela casa de ópera, ou pelo teatro íntimo onde eles vão ouvir música de câmara. Ou pelos músicos que vão ouvir, ou por qualquer estilo de execução com que comumente vão se deparar. Eles não odeiam música clássica, estão curiosos sobre ela, muitos deles (a maioria?) gosta dela, a partir de gravações que ouviram. Mas se eles virão para apresentações, eles querem algo que faça um impacto.
Então, algumas reflexões. Se você é um músico, se você é um solista, se você toca ou canta em um conjunto (de qualquer tamanho) — e você está tocando para um novo público — pergunte a si mesmo: Os contrastes na música que eu toco estão claros o bastante? Qualquer um pode ouvi-los? Contrastes de volume, de tempo, de som, de entonação emocional (este último é especialmente crucial em Beethoven).
E quanto aos clímaxes? Eles estão inconfundíveis? Se você está tocando a Sinfonia Eroica, e você chega àquele momento no desenvolvimento do primeiro movimento, em que os acordes são acentuadamente dissonantes, qualquer pessoa em seu público consegue ouvir que isso é um clímax? Ele se parece como um, de novo, não na teoria, mas, inconfundivelmente, da maneira como você o está tocando?
E agora uma palavra sobre conivência. Algumas pessoas, tenho certeza, vão dizer que eu estou simplificando a música clássica, pedindo por menos sutileza em como ela é tocada, e ao invés disso querendo que as apresentações enfatizem coisas que são óbvias. Eu diria que isso absolutamente não é verdade, que você pode ser tão sutil quanto quiser, mas que contrastes de forte e fraco ainda deveriam ser ouvidos. Eles foram feitos para serem óbvios. Clímaxes também, embora eu conceda que há estilos de execução, altamente favorecidos por alguns connoisseurs, que emudecem os contrastes, concentrando-se em vez disso em um fluir geral, e em detalhes estruturais.
Mas eu penso que algo está errado se esse se torna o estilo de execução dominante. Para voltar às coisas que eu disse em meu último post, podemos mais uma vez nos ver a pedir para que a música clássica seja contida e bem-educada, como se contrastes fortes fossem vulgares.
E Brahms — um compositor tão sério, tão clássico quanto qualquer um que já viveu — tinha o que hoje pareceria uma visão surpreendente disso tudo. Vou citar um livro instigante de Robert Philip, Performing Music in the Age of Recording [Executando Música na Era da Gravação]:
Joachim regeria uma das primeiras apresentações da Quarta Sinfonia de Brahms em Berlim em 1886, e ele havia escrito ao compositor pedindo por orientações quanto aos tempi. Brahms então enviou a Joachim uma partitura anotada da sinfonia com uma carta: ‘Anotei algumas poucas mudanças de tempo na partitura com um lápis. Elas podem ser úteis, mesmo necessárias, para a primeira apresentação. Tais exageros são apenas necessários quando uma composição não é familiar para uma orquestra ou um solista. Nesses casos eu frequentemente não posso fazer o suficiente acelerando ou retardando a música para produzir nem mesmo aproximadamente o efeito apaixonado ou sereno que eu quero. Uma vez que uma obra tenha se tornado parte de carne e osso, então em minha opinião coisas desse tipo deixam de ser justificáveis.’ A visão de Brahms, Boult e Billow, de que público e músicos precisam que as mudanças de humor sejam mais sublinhadas em uma obra nova do que em apresentações posteriores, é uma ideia que dificilmente ocorreria a um músico moderno.
Então Brahms queria contrastes reforçados, quando músicos não conheciam a peça! E, é claro, quando o público não a conhecia.
Mas Philips diz mais:
Para muito além da apresentação de obras novas, há um ponto mais geral a ser feito sobre a abordagem das execuções em um concerto. Nos dias em que a música não era acessível em CD e em que o público tinha menos oportunidades de ouvir uma obra, a tarefa mais importante para um músico era pôr a música em circulação, e tornar claro o que estava acontecendo na peça. Cada execução era única. Uma vez que tivesse começado, ela continuava inexoravelmente até o fim, com ou sem erros, má afinação, momentos de confusão. Era uma tentativa de compor uma narrativa de uma maneira que fizesse sentido para o público em uma única audição. Não era primariamente um exercício em oferecer uma perfeita representação da partitura. Muitos dos hábitos antiquados, que agora morreram, podem ser vistos à luz dessa necessidade de se compor um impulso narrativo da música para um público. Isto se aplica particularmente às maneiras antiquadas de se criar pontos de ênfase: portamento, tempo rubato, mudanças do próprio tempo. Bons músicos modernos têm seus modos de representar a narrativa claramente também, mas por comparação suas execuções tendem a ser mais uniformes no ritmo, e menos altamente caracterizadas em detalhe…. Há sem dúvida muitas razões para esse desenvolvimento, mas uma delas deve ser que há um senso menor de que o público tem apenas uma oportunidade para entender o que está acontecendo. Hoje, a maior parte da música está disponível em CD, e um membro do público pode sempre adquiri-lo depois do concerto. Em um concerto cem anos atrás, era ‘agora ou nunca’, e isso se refletia no modo de execução.
Sim, como Philips diz, aqueles tempos não são nossos. Mas se queremos construir um novo público clássico, o passado (ao menos nesse sentido) voltou! Pessoas que não conhecem a música, que não a ouviram em uma gravação, que são tão novas à Quarta Sinfonia de Brahms quanto o público de Joachim era em 1886 — é para elas que estaremos tocando. Se não tornarmos a música que tocamos clara para eles, da primeira vez em que eles a ouvem, eles podem nunca mais voltar.
Eu queria lincar alguma música, alguma interpretação que demonstre sobre o que eu estou falando. Mas o meu tempo de trabalho está terminando. Quinta-feira eu saio de férias, e pelos últimos dias eu estive no meio de uma grande reunião familiar, ainda em curso. Uma reunião muito feliz, mas que não me deixou muito tempo para blogar.
Então me deixem apenas dar um link musical. É uma execução da abertura de As Bodas de Fígaro, gravada ao vivo em 1940 de uma transmissão de rádio da Metropolitan Opera. O regente é Ettore Panizza, que não é lembrado como um grande nome. Irving Kolodin, em sua detalhada história do Met (um dos meus livros favoritos de música clássica, porque Kolodin segue ano a ano, contando-nos como as coisas eram em detalhe — repertório, elenco, qualidade de execução, finanças), menciona Panizza como rotina.
Mas essa interpretação é qualquer coisa menos rotineira. É excitante, clara, alegre. E, acima de tudo, teatral. Esses músicos, você poderia jurar, não estão apenas sentados no fosso da orquestra. Eles pularam no palco, onde estão compondo a cena — de modo exuberante — para a ópera cômica a seguir. Eu ouvi esta ópera muitas vezes ao vivo, e muitas vezes em gravação. Mas eu nunca, nem uma vez, ouvi a abertura tocada assim.
As partes suaves, penso eu, poderiam ser mais suaves. (Ao menos na gravação com microfones próximos. Posso imaginar que eles soaram mais suaves na casa de ópera.) Mas as partes fortes ressoam jubilosamente. No teste que eu propus, todo mundo levantaria a mão. E quando você pensa que já ouviu tudo o que os músicos podiam fazer — e amou cada segundo — o crescendo final, na coda da abertura, é a explosão mais forte, mais jubilosa de todas. As escalas disparando para baixo logo em seguida têm que ser ouvidas para se acreditar. Elas não são notas em uma página. São um puro surto de adrenalina, exatamente do que precisamos para trazer a abertura a um fechamento.
É isso o que eu quero dizer com uma execução vívida.
“Playing more vividly — second post”, por Greg Sandow, traduzido por Leonardo T. Oliveira.