19abr 2017
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Euterpe, 3 anos

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Hoje Euterpe completa três anos de idade e acho tão oportuno revermos o que temos feito de ano em ano que uma retrospectiva nos aniversários deveria se tornar tradição. A cada ano o blog tem se dedicado sem falta a alguns programas: uma série de peso, análises, pontes com outras artes, reflexões sobre a música de concerto em nossa cultura e resenhas de gravações e eventos, em uma média de aproximadamente um post por semana (ou dez dias, sendo  preciso).

Carl Seffner: Memorial Bach em frente à Thomaskirche de Leipzig
Carl Seffner: Memorial Bach em frente à Thomaskirche de Leipzig

Neste terceiro ano a série de peso foi simplesmente a coisa mais ambiciosa já feita por aqui: a análise da Paixão segundo São Mateus de Bach pelo Amancio, distribuída em dez posts muitíssimo bem ilustrados e explicados. Tradicionalmente blogs não são considerados uma fonte fiável de informação quando comparados a livros (embora nada impeça o autor de um livro de ser tão leviano no registro de informações quanto o autor de um blog), mas se há algo que um site, garantida a idoneidade, pode fazer melhor do que qualquer outro meio é explorar recursos multimídia ao tratar de música, como foi feito com conhecimento de causa nesta série. Enfim, um feito para os séculos. Outras análises brilhantes foram feitas do revelador primeiro movimento do Sexteto para Cordas No. 2 em sol maior Op. 36 de Brahms, da suíte sinfônica Scheherazade de Rimsky-Korsakov, do famoso Bolero de Ravel em uma detalhada aula sobre os instrumentos de uma orquestra sinfônica, da adorável “Golliwogg’s Cake Walk” que fecha a suíte Children’s corner para piano de Debussy, à ocasião do seu sesquicentenário, e ainda de “Voiles”, segunda peça do primeiro livro dos prelúdios para piano do compositor.

Outros textos, mais do que se concentrarem na análise de uma obra, fizeram um apanhado histórico mais abrangente. Um dos mais didáticos foi “Diferenciando o Barroco do Clássico na prática”, algo que, mais uma vez, nem sempre vemos ser ensinado com respeito à música, em contraste às artes plásticas ou à poesia, muito provavelmente pela dificuldade de se indicar elementos de estilo musical sem um playerzinho à mão. O histórico evento da encomenda das seis Sinfonias Paris de Haydn também foi abordado pelo Frederico Toscano, na espécie de crônica que também reportou a gravação de Karajan dessas obras; assim como conhecemos por ele as deliciosas histórias de rivalidade entre divas da ópera desde o século XVIII, com destaque para o frenesi em que público e intérpretes já se envolviam à época da rivalidade entre Francesca Cuzzoni e Faustina Bordoni. Do mesmo século conhecemos a pouco lembrada obra que provavelmente instituiu o virtuosismo na música, L’Arte del Violino de Locatelli, e, voltando quase 650 anos, fomos apresentados ao último poeta-músico, um dos compositores mais importantes da história, Guillaume de Machaut, e sua obra-prima, a Missa de Notre Dame.

Dietrich Fischer-Dieskau (1925-2012)

Ao pensarmos sobre o intérprete de música é inevitável lembrarmos que em 18 de maio do ano passado morreu o cantor do século: Dietrich Fischer-Dieskau, cuja carreira foi analisada pelo Bruno Gripp. E tanto uma gravação como uma apresentação de ópera foram resenhadas: o relançamento pela EMI da gravação de Così fan tutte de Mozart regida por Otto Klemperer e a apresentação do Crepúsculo dos Deuses de Wagner em São Paulo na polêmica montagem de André Heller-Lopes, o que, mais do que propriamente uma resenha, rendeu uma reflexão sobre o impacto do realismo e da malícia erótica no retrato de um mito.

Textos sofisticados foram escritos relacionando a música à história, à política, à cultura atual e a outras artes. “Crítica da cultura de massa ou da cultura da performance?” refletiu sobre a postura da crítica quando crossovers como André Rieu são tratados pela mídia e pelas estantes das lojas de CD como representantes da música clássica; “Em quem os compositores votavam? Algumas notas sobre músicos e política” fez o que poderia haver de mais valioso ao tratar de política: trouxe informações relevantes e uma reflexão realista sobre a possível relação do artista, sobretudo o compositor, com a política nos últimos séculos; “Beethoven republicano” esclareceu a complexidade das influências políticas sobre a ópera Fidélio de Beethoven na transição entre a era moderna e contemporânea; e “A crise da música clássica, por Greg Sandow” abriu espaço para os textos do crítico americano Greg Sandow sobre a música clássica atual e algumas opiniões contundentes sobre o seu estado e o seu futuro. Na ponte com a literatura, conhecemos alguns dos melhores retratos do Dom Quixote em música e a relação de Verdi com Shakespeare particularmente em Macbeth. E nos descaminhos da historiografia que influenciaram nossa visão de certas obras e certos acontecimentos biográficos, tivemos “Rienzi, de Wagner, e seu destino infeliz” e a pequena série sobre a misteriosa “Amada Imortal” de Beethoven, aproveitando o aniversário de 200 anos da carta em 6 de julho do ano passado.

Por fim, duas pérolas: a reveladora provocação (em grande medida involuntária) feita aos leitores do blog com relação à música contemporânea em “Dois vídeos da Sequenza III de Berio”, que mostrou claramente o descompasso que particularmente a música sofre entre o gosto do público e as realizações das vanguardas nos últimos cem anos, e a genial concepção do compositor fictício Zoltán Amadeus Mozartók em “Se Mozart tivesse escrito os quartetos de Bartók…”, para mostrar, de um lado, o que seria a apropriação óbvia e convencional da música folclórica e, de outro, a sua utilização moderna nos quartetos de Bartók.

Que no quarto ano o blog continue crescendo sem segredo: falando sobre música com entusiasmo e sem fugir do assunto.

Este post pertence à série:
1. Euterpe, 1 ano
2. Euterpe, 2 anos: retrospectiva retroativa
3. Euterpe, 3 anos
4. Euterpe, 4 anos
5. Euterpe, 5 anos

Este post tem 10 comentários.

10 respostas para “Euterpe, 3 anos”

  1. Estava pesquisando sobre instrumento no Google, quando por uma feliz casualidade acessei o post Bolero de Ravel. Posso dizer que foi “amor ao primeiro acesso!”
    Parabéns aos autores do Euterpe, tenho aprendido muito com vocês.
    Deixo esta citação que expressa o que penso sobre o Blog.

    “Milhares de pessoas cultivam a música; poucas porém têm a revelação dessa grande arte.”
    Ludwig Beethoven

  2. Parabéns à todos euterpianos, continuem assim, renovando nossas perpectivas e proporcionando grandes discussões frutíferas.

  3. Parabéns pelo blog.
    “Grande é o nosso Senhor, e de grande poder; o seu entendimento é infinito.
    O SENHOR eleva os humildes, e abate os ímpios até à terra.
    Salmos 147:5-6
    O SENHOR se agrada dos que o temem e dos que esperam na sua misericórdia.
    Salmos 147:11”

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